Naadiya – Uma Jornada Épica entre o Céu e o Inferno

naadiya

Uma jornada épica entre o Céu e o Inferno
Naadiya, um anjo de luz, é enviada à Terra com uma missão que transcende o bem e o mal: proteger Ana, uma jovem cujo destino está conectado ao nascimento de um tirano capaz de mudar o curso da humanidade. Em meio a batalhas celestiais e demoníacas, a ordem e o caos se chocam, levando Naadiya a enfrentar dilemas que podem custar sua própria existência angelical.

Com 315 páginas de ação, mistério e reviravoltas, essa história alucinante revela os segredos mais profundos do universo, enquanto forças sobrenaturais disputam o controle do futuro da Terra. Prepare-se para fugas espetaculares, batalhas entre anjos de diferentes ordens e o confronto final com os temidos anjos da morte.

Será que Naadiya conseguirá cumprir sua missão sem perder sua essência? Descubra em uma trama que desafia os limites do amor, do poder e da redenção.

ÍNDICE

PRIMEIRA PARTE – A MISSÃO

CAPÍTULO 1 – O CURSO DE GASTRONOMIA​

Ana era uma jovem nos seus vinte e poucos anos, de estatura média e pele morena clara. Seus cabelos de comprimento moderado emolduravam suavemente seu rosto, refletindo uma beleza delicada e natural.

Com um estilo discreto e roupas simples, ela transmitia uma aura de serenidade. Havia algo amistoso em seu jeito de ser, como uma janela entreaberta para um mundo de emoções contidas. 

Naquele dia, um misto de expectativa e ansiedade tomava conta dela. Era o primeiro dia de aula do curso e o desconhecido a envolvia em um turbilhão de pensamentos.

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ANA

A escola ocupava um prédio imponente, com amplas janelas e rodeado por exuberante vegetação. Apesar da arquitetura simples, o local exalava acolhimento. Dentro da sala, carteiras perfeitamente alinhadas aguardavam silenciosas, enquanto os raios de sol, filtrados por cortinas desgastadas, tingiam o ambiente com um dourado sutil, ao mesmo tempo que o eco de passos no corredor assumia o tom de um prelúdio para a jornada que se iniciava.

Ana escolheu um lugar no centro da sala, dividida entre o entusiasmo e a incerteza. Seus pensamentos ziguezagueavam: Será que vou gostar do curso? Vou conhecer pessoas interessantes?

Os alunos chegavam em silêncio, acomodando-se com discrição. De repente, uma figura singular cruzou a porta, alterando o ritmo do ambiente. Uma jovem de cabelos longos cuja presença emanava um magntismo etéreo. Seus passos eram firmes, mas de uma cadência que remetia a uma harmonia quase coreográfica. Seus olhos pareciam abarcar o cosmos em equilíbrio, enquanto um perfume diáfano e transcendente preenchia o espaço ao seu redor.

dina
DINA (NAADIYA)

— Oi, sou Dina — disse a jovem, instalando-se ao lado de Ana com um sorriso que oscilava entre o amistoso e o indecifrável.

— Ana Célia, prazer — respondeu Ana, cativada.

Dina inclinou levemente a cabeça, como quem contempla uma obra de arte. Seus olhos, perscrutadores, pareciam sondar o invisível.

— Você gosta de cozinhar, Ana? — indagou Dina, com uma inflexão que tornava a pergunta profundamente filosófica.

— Sim… mas acho que ainda não compreendo a plenitude do que isso significa — confessou Ana.

Dina sorriu, como quem guarda um segredo universal, e replicou:

— Cozinhar é mais do que uma habilidade técnica. É uma narrativa sensorial, uma forma de tangenciar o invisível com sabores.

Ana sentiu um calafrio. Havia algo em Dina — uma aura de profundidade e mistério que a seduzia intensamente.

Quando a professora entrou, um silêncio respeitoso inundou o ambiente. Tratava-se de uma senhora de meia-idade, com cabelos revoltos maltratados pelo tempo. Seu semblante austero trazia as marcas de embates com a vida, enquanto sua postura tentava exibir uma autoridade que parecia desmoronar sob o olhar atento dos alunos.

Após uma breve apresentação, a professora Claudete iniciou uma digressão sobre a história da confeitaria, vinculando receitas à evolução cultural e histórica. No entanto, ao abordar a questão da criatividade na gastronomia, Dina, até então observadora, ergueu a mão com a suavidade de quem já domina o espaço.

— Professora, a senhora acredita que a criatividade pode ser limitada pela experiência?

Olhares curiosos voltaram-se para Dina, enquanto um leve burburinho emergia. A professora hesitou, ponderando.

— Eu diria que sim, até certo ponto…

Dina interrompeu com firmeza, mas sem impertinência:

A PROFESSORA CLAUDETE

— Não é verdade que as maiores criações da humanidade nasceram de intuições que transcendem o empirismo? Platão teorizava sobre o mundo das ideias, onde as verdades mais profundas residem além do palpável. Será que ao confinar a criatividade ao que conhecemos, não estamos negligenciando o infinito do que poderíamos criar?

O silêncio subsequente foi quase palpável, como se toda a sala tivesse suspendido a respiração. A professora, visivelmente desconcertada, optou por continuar a aula sem explorar o tema, do qual nada sabia.

— Trata-se de um assunto interessante, podemos nos aprofundar nele em outra ocasião, não quero me desviar do roteiro que preparei para hoje.

Ao término da aula, Dina voltou-se para Ana, com seu olhar enigmático:

— Gostaria que você viesse à minha casa amanhã antes da aula, sinto que temos muito a compartilhar.

Ana hesitou, mas havia algo em Dina que era irresistível.

— Claro, passe-me o endereço.

Dina sorriu, como quem sabe que acabara de abrir as cortinas para uma nova jornada. Ana, por sua vez, sentiu que algo em sua vida estava prestes a mudar para sempre.

CAPÍTULO 2 – VERDADEIRO NOME

No dia seguinte, Ana chegou à casa de Dina no horário combinado.

Ao entrar, ficou fascinada com o ambiente. O sobrado parecia uma obra de arte, com móveis de linhas curvas e elegantes que remetiam a um estilo clássico. As paredes ostentavam tons perolados que refletiam a luz suave das janelas altas, enquanto detalhes dourados davam ao espaço um ar majestoso.

a casa por dentro
O INTERIOR DA CASA DE DINA

— Uau, sua casa é incrível! — disse Ana, incapaz de esconder o deslumbramento.

Dina sorriu, tímida:

— Obrigada, meu pai a deixou para mim.

— Não é todo dia que alguém herda algo assim, você deve ser muito rica! 

— Nem tanto, tenho apenas o necessário para viver — respondeu Dina, com simplicidade.

Após oferecer algo para beber, Dina voltou com dois copos de refrigerante. Elas sentaram-se frente a frente e Ana percebeu algo diferente nos olhos de Dina. Havia uma profundidade que parecia atravessar sua alma, como se Dina pudesse ver algo além do que estava ali.

— Dina é seu nome verdadeiro? — perguntou Ana, tentando quebrar o silêncio.

Dina hesitou por um instante, mas respondeu com um sorriso:

— É um apelido. Meu nome verdadeiro é Naadiya.

— Naadiya? Que nome bonito, qual a origem dele?

— Dizem que é árabe… mas, na verdade, sua origem é celestial.

Ana sorriu:

— Celestial? Tá bom, você é um anjo que caiu do céu?!

Por um breve momento algo no rosto de Dina mudou. Não era constrangimento, mas como se ela ponderasse revelar mais do que deveria naquele momento. Ainda assim, ela sorriu e disse com bom humor:

— Quem sabe? Talvez eu tenha descido em uma carruagem de fogo.

As duas riram e a conversa fluiu leve e descontraída. Dina era uma anfitriã acolhedora e Ana sentiu que podia confiar nela, mesmo que mal a conhecesse.

Mais tarde, quando se preparava para sair, Ana olhou para Dina com sinceridade:

— Gostei muito de você, acho que vamos nos dar bem.

Dina sorriu e a abraçou:

— Eu também! Mal posso esperar pelas nossas próximas conversas.

Enquanto Ana se afastava, Dina a observou pela janela, pensativa. Havia algo que Ana ainda não sabia, algo que a faria entender por que aquele encontro era muito mais do que uma simples coincidência.

Figura desse capítulo:

CAPÍTULO 4 – MANDADO DE PRISÃO

A escola ficou alguns dias sem aula porque a professora Claudete precisou tirar licença médica.

Quando as aulas retornaram, Claudete, ainda com o braço enfaixado, tentou fingir que nada havia acontecido, mas parecia ainda mais nervosa do que de costume.

— Ela está ainda mais estranha! — sussurrou Ana para Dina.

— Existe um motivo para isso — respondeu Dina. — Mais alguns minutos e você saberá por quê.

Antes que Ana pudesse perguntar mais, ouviram batidas firmes na porta da sala. Claudete se levantou tão apressadamente que tropeçou no pedestal de uma planta que estava ao lado da porta.

— Que desastrada! — murmurou Dina em tom de ironia  Ela quebrou a planta…

Quando Claudete abriu a porta a classe ficou em silêncio. Dois policiais uniformizados estavam parados ali.

— Procuramos por Naadiya — anunciou um deles com firmeza.

Antes que Dina pudesse responder, Claudete apontou apressadamente:

— É ela! A terceira carteira à esquerda!

Os olhos de todos se voltaram para Dina, mas ela se manteve impassível, quase desinteressada.

— Naadiya, temos um mandado de prisão contra a senhora— declarou o policial.

A sala explodiu em murmúrios e exclamações. Ana virou para Dina, incrédula:

— O que você fez?!

— Nada que mereça essa cena toda, alguém está tentando me incriminar — respondeu Dina, com calma.

Ana franziu a testa.

— É melhor que seja verdade, não quero ser amiga de alguém que tem problemas com a justiça.

— Relaxe, Ana, não fiz nada de errado…

Enquanto os policiais se aproximavam, Dina inclinou-se discretamente para sussurrar no ouvido de Ana:

— Vá à minha casa quando a aula terminar, estarei lá.

Ana olhou para ela, confusa.

— Mas… como? A polícia está te prendendo!

Dina piscou.

— Confie em mim.

Os policiais mandaram Dina colocar as mãos para trás. Um deles tentou algemá-la, mas a algema caiu no chão. Ele tentou novamente e o resultado foi o mesmo. O outro policial, constrangido, pegou o objeto e também tentou, mas não teve mais sorte.

— Parece que essa porcaria está com defeito — murmurou ele com o rosto corando diante da atenção da sala.

— Vamos sem algema mesmo! — resmungou o policial, visivelmente irritado.

— Só uma coisa — disse Dina, com um tom urgente. — Preciso usar o banheiro antes de irmos. Estou nervosa e… acho que o senhor entende.

O policial cruzou os braços.

— Não entendo nada! Espere para usar o banheiro da delegacia…

— Tenho certeza que não seria uma boa ideia, a menos que o senhor queira limpar a viatura depois — retrucou Dina com um leve sorriso.

Após um momento de impaciência, o policial cedeu.

Dina entrou no banheiro. Dez minutos depois, um policial bateu na porta impacientemente.

— Vamos, senhora Naadiya! Já passou do limite…

Sem resposta, decidiram abrir a porta à força e quando finalmente a porta cedeu, os policiais congelaram.

O banheiro estava vazio.

CAPÍTULO 5 - A DENÚNCIA

Ana chegou à casa de Dina com passos hesitantes. Ela estava intrigada com os eventos da manhã. Pensou que Dina estivesse presa, mas, seguindo a recomendação da amiga, resolveu tentar a sorte.

Ao tocar a campainha, uma voz familiar ressoou pelo vitrô.

— Oi, Ana, pode entrar!

Ana arregalou os olhos. Dina abriu o portão com o controle remoto e ela entrou, ainda incrédula.

— Como você conseguiu escapar? — perguntou Ana assim que entrou na casa.

Dina deu um sorriso enigmático.

— Eles não podem me prender, a menos que eu permita. E hoje eu não permiti porque precisava conversar com você.

Ana cruzou os braços, cética.

— Isso não faz sentido. Conta logo o que está acontecendo, estou aqui arriscando ser cúmplice de uma fugitiva!

Dina sorriu suavemente.

— Você não corre risco nenhum ao meu lado. Na verdade, este é o lugar mais seguro onde você poderia estar.

Ana bufou, frustrada.

— Ótimo, mas me explica logo o que aconteceu?

Dina se acomodou no sofá, gesticulando para que Ana fizesse o mesmo.

— Você lembra do incidente com a professora, quando ela tentou me agredir e acabou se machucando?

— Claro que lembro, foi surreal!

— Pois bem, ela foi à delegacia e deu queixa de mim.

Ana piscou, confusa.

— Deu queixa de você?! Mas foi ela quem te atacou!

— Não foi pelo fato dela ter se machucado. Ela alegou que eu roubei a bolsa dela.

— Isso é ridículo! A polícia aceitou essa acusação sem provas?

Dina suspirou, como se já tivesse contado essa história várias vezes para si mesma.

— Uma intimação foi enviada para que eu comparecesse à delegacia e eu não fui. Então, presumiram que sou culpada e o juiz decretou minha prisão preventiva.

Ana olhou para ela, incrédula.

— Dina, isso não faz o menor sentido. Por que você não respondeu à intimação?

Dina inclinou a cabeça com um brilho divertido nos olhos.

— Talvez porque eu estava… entediada. Queria um pouco de ação, algo para sair da monotonia.

Ana balançou a cabeça, exasperada.

— Ser procurada pela polícia é diversão para você?!

Dina riu.

— Em certas circunstâncias, sim. Confie em mim, Ana, isso tudo vai fazer sentido, você verá. Inclusive, vamos nos divertir muito antes de resolver essa situação.

— Divertir como? — Ana perguntou, desconfiada.

— Que tal um passeio de helicóptero?

Ana ficou boquiaberta.

— Você só pode estar brincando!

— Não estou. Mas antes de tudo, quero te mostrar uma coisa.

Dina conduziu Ana até um dos quartos e abriu a janela. Ela apontou para o quintal, onde um objeto vermelho estava largado próximo à piscina.

— Essa é a bolsa da professora.

Ana arregalou os olhos e recuou um passo.

— Dina… você realmente roubou a bolsa dela?

Dina se virou para ela com uma expressão calma.

— Claro que não, alguém jogou a bolsa no meu quintal. Sei quem foi, mas estou esperando o momento certo para fazê-lo confessar.

Ana cruzou os braços, exasperada.

— Momento certo?! Por que não resolve isso agora?

Dina sorriu novamente, com aquele ar misterioso que tanto irritava quanto fascinava.

— Você já visitou as Cataratas do Iguaçu?

CAPÍTULO 6 – A PRISÃO

No dia seguinte, Dina chegou à escola como se nada tivesse acontecido. O burburinho começou imediatamente e todos se entreolhavam, confusos e curiosos.

— Já te soltaram? — perguntou um colega mais audacioso.

— Nem chegaram a me levar presa, eu simplesmente resolvi ir embora. Mas, hoje, não vou fugir — respondeu Dina com um sorriso despreocupado.

Quando a professora Claudete viu Dina sentada na terceira carteira, ficou visivelmente atordoada.

— O que você está fazendo aqui?! — exclamou ela com a voz alterada.

— Estudando, professora. Afinal, é para isso que estamos aqui, não? — respondeu Dina com naturalidade.

— Insolente, vou chamar a polícia agora mesmo! — vociferou Claudete com os olhos faiscando.

Gesticulando de maneira exagerada, ela ordenou aos alunos:

— Ninguém a deixe sair, em poucos minutos a polícia estará aqui. Ontem ela escapou, mas hoje será diferente.

Dina apenas sorriu e levantou a mão, como quem pede a palavra educadamente:

— Professora, enquanto esperamos que tal seguir com a aula? Afinal, os alunos não têm culpa dos seus… devaneios.

— Devaneios?! — rebateu Claudete, indignada. — Você está sendo procurada pela polícia, não eu!

— Mas até o momento sem provas. A senhora sabia que muitas vezes o feitiço vira contra o feiticeiro?

Claudete perdeu a paciência, mas antes que pudesse responder ouviu passos firmes e a porta da sala se abriu. Quatro policiais entraram apressados, todos com expressões duras e irritadas.

— É ela, é aquela ali! — apontou Claudete, como se estivesse em um tribunal.

Um dos policiais se aproximou de Dina, decidido:

— Vamos acabar com isso! Coloque as mãos para trás, agora!

— Como quiser, policial, mas peço que tome cuidado — disse Dina, com tranquilidade.

— Cale a boca, sua vadia! — gritou o policial, desferindo um tapa nas costas dela.

O que aconteceu em seguida deixou todos boquiabertos: o policial recuou, segurando a mão que havia usado para o golpe com uma expressão de dor intensa. Ele começou a pular de um pé para o outro, como quem tivesse chutado uma pedra.

— A sua costa é dura como concreto, parece que minha mão quebrou…

— “Parece”? — ironizou Dina. — Melhor ir no médico para fazer um Raio X…

Outro policial, ainda mais irritado, se aproximou para colocar a algema em Dina e sem esforço conseguiu prendê-la nos pulsos de Dina, que só observava a cena com seu costumeiro sorriso enigmático.

Enquanto os policiais a levavam em direção à porta, ela virou-se para os colegas e disse, num tom divertido:

— Já não se fazem algemas como antigamente…

Antes que todos pudessem entender o que ela queria dizer a algema caiu no chão.

— Mas… o que houve…? — murmurou um policial, confuso, enquanto pegava o objeto.

Ele empurrou Dina com força, sem esconder a frustração:

— Vamos, anda logo, sua…

Dina não perdeu o tom calmo, embora seus olhos brilhassem de maneira intensa:

— Cuidado, senhor policial…

— Por quê, você vai me agredir? — provocou ele.

— Não, claro que não. Mas o senhor pode acabar machucando a outra mão.

CAPÍTULO 7 – LIVRAMENTO

Dina entrou na viatura, mas o veículo não funcionou devido a uma falha no motor. Enquanto os policiais verificavam o problema, Ana se aproximou rapidamente e falou baixinho com Dina pela janela.

— Você vai fugir de novo? — perguntou ela aflita.

— Não agora, antes preciso resolver algo na cadeia. Tem uma pessoa presa injustamente e eu vou ajudá-la a sair de lá com vida.

— Mas e se ela for perseguida, e se a polícia tentar matá-la?

— Não se preocupe, vou entregar a ela tudo o que precisa para provar sua inocência. Assim, ninguém poderá tocá-la.

Ana mordeu o lábio, tentando segurar o choro, mas uma lágrima escapou.

— Não chore, Ana — pediu Dina, com um sorriso suave. — Estou aqui porque quero estar. Amanhã nós vamos nos divertir muito, esteja em casa às oito da manhã. Não se atrase, senão perderá o melhor da festa.

— Mas e a escola? — perguntou Ana, ainda segurando as lágrimas.

— Amanhã vamos faltar! — respondeu Dina, piscando.

Nesse momento, o motor da viatura finalmente funcionou e Dina lançou um olhar reconfortante para Ana.

— Esse defeito no motor foi só para termos tempo de conversar. Fique em paz e não se esqueça do horário combinado.

— Estarei lá, prometo — respondeu Ana, resignada.

Ana observou a viatura se afastar e, apesar de toda a preocupação, um sentimento de tranquilidade invadiu seu coração.

— Tudo bem, minha amiga, parece que você sabe o que está fazendo.

Ao chegar na delegacia, Dina foi levada para uma cela onde já havia outra mulher, que parecia nervosa e abatida.

— Eu sei que você é inocente, Jurema — disse Dina, fixando os olhos da mulher.

Jurema era uma mulher de seus trinta e poucos anos, ostentando cabelos desgrenhados e escuros, que caíam em fios desalinhados sobre o rosto abatido. Os olhos fundos, rodeados por olheiras profundas, refletiam um misto de tristeza e resignação. Seu corpo magro e os ombros curvados mostravam o peso do sofrimento de dias difíceis. Ela parecia ter desistido de lutar, mas ainda guardava um brilho frágil de esperança no fundo do olhar.

A mulher olhou desconfiada, franzindo a testa.

— Como você sabe meu nome? E como sabe que sou inocente?

— Eu vim aqui por você, vou ajudar a corrigir essa injustiça, mas você precisa confiar em mim e fazer tudo que eu disser.

— Se eu fugir, serei perseguida. Não quero ser uma fugitiva, só quero provar minha inocência.

Dina balançou a cabeça, sorrindo com paciência.

— Vou ajudar você a provar sua inocência e ninguém mais vai persegui-la. Mas você não pode passar mais uma noite aqui, estão planejando matá-la.

Jurema arregalou os olhos, o medo crescendo em sua expressão.

— Como você sabe disso? Quem faria isso comigo?

— O verdadeiro culpado já deu a ordem. Se você não sair daqui hoje, ele vai garantir que você nunca possa provar a verdade. Mas eu tenho tudo o que você precisa para virar o jogo, confie em mim.

Jurema respirou fundo, as lágrimas começando a rolar.

— Não quero morrer, pelo amor de Deus, me ajude. O que eu preciso fazer?

— Hoje à noite você estará longe daqui e amanhã a verdade será revelada. O nome do verdadeiro culpado estará nos jornais e sua liberdade será definitiva.

Jurema assentiu, um pouco mais calma, mas com uma centelha de dúvida no coração. Dina sorriu com tranquilidade.

— Não se preocupe, eu sempre cumpro minhas promessas.

CAPÍTULO 8 – NOVA FUGA

No dia seguinte, exatamente às oito horas, Ana chegou à casa de Dina, ainda duvidando que ela realmente estaria lá. Tocou a campainha, nervosa, olhando para os lados como se esperasse que algo estranho acontecesse.

— Pode entrar, Ana! — gritou Dina da janela, com a voz cheia de entusiasmo.

Ana balançou a cabeça, incrédula, enquanto abria o portão.

— Nunca pensei que presenciaria algo assim na minha vida… — murmurou para si mesma enquanto passava pelo portão.

Dina a recebeu com um sorriso largo e olhos brilhando de empolgação, enquanto assistia na televisão a notícia da fuga de Jurema e da prisão do verdadeiro culpado que havia sido desmascarado.

— Você precisava ver a cara deles quando perceberam que nossa cela estava vazia! Nossa fuga foi espetacular!

Ana arqueou as sobrancelhas, tentando processar o que acabara de ouvir.

— Quem é Jurema? — perguntou, curiosa.

— Ah, isso é uma longa história, qualquer dia eu te conto. Agora, temos coisas importantes para fazer! Precisamos nos preparar para a viagem.

— Viagem?! Para onde você vai fugir desta vez? — Ana cruzou os braços, claramente confusa.

— Não, nada disso, vamos apenas dar um passeio muito agradável pelo céu.

Ana arregalou os olhos, completamente perplexa.

— Passeio pelo céu? Quer dizer que vamos morrer?

— Claro que não! — respondeu Dina, rindo. — Você trouxe uma blusa de frio?

— Hoje está um calor danado, por que eu traria blusa?

— Onde vamos a temperatura estará baixa. Mas não se preocupe, tenho algumas blusas que vão servir para você. — Dina começou a remexer em uma pilha de roupas sobre a cama, separando duas jaquetas grossas.

Enquanto arrumava a mala, Ana olhou pelas janelas e notou algo estranho.

— Não vi seu carro na garagem, o que aconteceu com ele? — perguntou, desconfiada.

— Deixei-o em um lugar seguro, preparado para quando voltarmos.

Ana franziu a testa, ainda mais confusa.

— De onde vamos voltar?

Dina deu uma piscadela, mantendo o mistério.

— Tenha paciência, Ana, você vai saber em breve.

De repente, a campainha da casa tocou. Dina fechou a mala e se levantou num salto, com um sorriso travesso.

— Eles chegaram!

— Quem chegou?! — perguntou Ana, quase perdendo a paciência com tanto suspense.

— A polícia, é claro! Quem mais você achou que fosse? — respondeu Dina, em um tom quase divertido.

Ana ficou paralisada, sentindo o coração disparar. Dina, por outro lado, parecia completamente tranquila, como se tudo estivesse sob controle.

 

CAPÍTULO 9 – A CASA MISTERIOSA

Dina atendeu os policiais pelo interfone com a voz cheia de falsa casualidade.

— Não quero comprar nada hoje — disse ela antes que alguém pudesse falar algo do outro lado.

— É a polícia! Viemos procurar a senhora Naadiya — respondeu uma voz firme.

Ana, ao lado, ainda achava estranho ouvir o verdadeiro nome de Dina, que soava tão incomum quanto todo o resto relacionado a ela.

— Sou eu mesma, mas agora estou ocupada me preparando para uma viagem, não posso atender.

— Estamos com um mandado de prisão contra a senhora, não poderá viajar, mas sim voltar para a cadeia.

Dina suspirou teatralmente.

— Vocês não podem voltar daqui a uns dois dias? Estou realmente ocupada.

— Ou a senhora se entrega ou vamos invadir a casa.

Dina sorriu de canto.

— Então comecem a invadir logo, mas não demorem muito porque não quero me atrasar para a minha viagem.

Os policiais se entreolharam, confusos. Depois de alguns segundos, um deles pegou uma marreta na viatura e começou a golpear o portão com força.

— Que material é esse? — murmurou um dos policiais após várias tentativas infrutíferas.

Depois de meia hora, o portão seguia intacto. Frustrados, eles decidiram pular o muro, que possuía uma cerca elétrica na parte superior.

— Vamos colocar uma escada e cortar os fios  disse um deles.

Mas as coisas não saíram como planejado. Os alicates quebravam ao tentar cortar os fios e ao tentarem escalar a cerca, descobriram que os fios eram finos como lâminas. Cada tentativa de se apoiar neles resultava em choques elétricos e cortes profundos nas luvas e nas mãos. Passar entre os fios também era impossível, pois havia apenas dez centímetros de espaço entre eles.

— Não dá para passar pelo muro — concluiu um dos policiais, frustrado.

Enquanto isso, dentro da casa, Dina permanecia impassível, arrumando suas coisas com calma.

— Vamos almoçar? — perguntou ela, sorrindo para Ana.

Ana a encarou, incrédula.

— A polícia está tentando invadir sua casa e você quer almoçar?

— Claro, eles não vão conseguir entrar, não tem nada com que se preocupar.

Pouco depois, enquanto comiam, Dina parou de repente e olhou para Ana.

— Acho melhor você tampar os ouvidos.

— Por quê? — perguntou Ana, desconfiada.

— Confie em mim, faça isso agora ou seus tímpanos podem ser prejudicados.

Relutante, Ana obedeceu. Um instante depois um estrondo ensurdecedor ecoou pela casa, tão alto que parecia o fim do mundo.

— O que foi isso?! — gritou Ana, assustada.

— Eles tentaram explodir meu portão com dinamite — respondeu Dina, tranquilamente.

Ana balançou a cabeça, tentando processar tudo.

— Como você conseguiu construir uma casa tão resistente?

Dina sorriu, como quem responde a uma criança.

— Meus amigos me ajudaram. O material usado veio de um planeta distante, não existe nada parecido aqui na Terra.

Ana arregalou os olhos, sentindo um calafrio percorrer sua espinha.

— Dina… devagar com essas histórias… você é de outro planeta?

— O mais interessante, Ana, é que esse material é considerado básico em Tqmor, o planeta de onde ele veio. Lá ele é facilmente cortado com as ferramentas certas. Aqui, porém, não tem tecnologia para lidar com ele.

Ana fingiu aceitar a explicação, mas sua mente fervilhava.

— Esse material nunca poderá ser produzido aqui na Terra?

— Algo parecido, sim, mas só daqui a uns 130 anos.

Antes que Ana pudesse fazer outra pergunta, Dina olhou para o relógio e sorriu.

— Nossa condução está chegando.

CAPÍTULO 10 - O HELICÓPTERO

Ana e Dina se aproximaram da janela do quarto dos fundos e observaram um helicóptero pousando no quintal. Ana gritou, perplexa:

— O que é isso, Dina?! Eles vão entrar de qualquer forma! Precisamos sair daqui agora!

Dina, no entanto, permanecia despreocupada.

— Calma, Ana. A situação está sob controle.

— Sob controle? — exclamou Ana, incrédula. — Sua casa está cercada e agora eles estão para dentro dos muros! Não tem mais como fugir!

Dina sorriu suavemente.

— Não faz diferença, as portas e janelas da casa também são reforçadas, eles não vão conseguir entrar. Confie em mim.

— Dina, como você tem tanta certeza? Eles vão insistir até conseguirem.

— Não, Ana, quando eles perceberem que os métodos tradicionais não funcionam, vão precisar de uma ordem judicial para explodir uma parede.

— Mas eles não pediram ordem judicial para tentar explodir seu portão.

— É verdade — admitiu Dina com um sorriso. — Mas era só um portão, explodir a casa é outra história. Não vão arriscar fazer isso sem autorização judicial.

— Espero que você esteja certa… — disse Ana, ainda aflita.

Ambas ficaram em silêncio, escutando as marretadas e as conversas agitadas dos policiais do lado de fora.

— Vamos ter que pedir ordem judicial para explodir uma parede — informou um dos policiais. — Essas portas e janelas parecem ser feitas de um material inquebrável.

Outro policial concordou:

— Sim, mas deixaremos uma equipe de vigilância na frente da casa. A ré não poderá fugir enquanto organizamos solicitamos a ordem judicial.

Ana franziu a testa, incomodada.

— Eles chamaram você de ré, Dina! Que horror!

Dina deu de ombros, com naturalidade.

— É o que sou, oficialmente, mas por pouco tempo. Agora veja, Ana: eles vão tentar sair com o helicóptero, mas não vão conseguir.

Como se confirmando suas palavras, um alarido de vozes começou no quintal.

— O helicóptero não está funcionando, não há nenhum sinal elétrico. Estamos presos aqui! — gritou um dos policiais.

— E os muros são intransponíveis com essa maldita cerca elétrica, não dá nem para tentar escalar — lamentou outro.

Após alguns minutos de discussão, eles decidiram pedir resgate pelo rádio. Um novo helicóptero começou a sobrevoar a casa pouco tempo depois. Ana e Dina observaram os policiais subirem pela corda de resgate e partirem.

Dina bateu palmas, triunfante.

— Pronto! Já podemos ir…

— Ir para onde? — perguntou Ana, confusa. — Tem policiais lá fora, vigiando a casa.

Dina sorriu, seus olhos brilhando de excitação.

— Vamos sair voando!

CAPÍTULO 11 – ALÇANDO VOO

Ao saírem para o quintal, Ana hesitou, olhando desconfiada para o helicóptero parado ali.

— Desculpe, Dina, mas não vou entrar nesse negócio, principalmente porque está com defeito.

— Estava com defeito porque eu bloqueei o sistema elétrico para ele não funcionar, mas já desbloqueei.

— Você faz isso com a força da mente? — perguntou Ana com os olhos arregalados de incredulidade.

— Sim, e você também pode aprender se quiser.

Ana balançou a cabeça, recusando.

— Nem pensar, isso parece bruxaria.

Dina abriu a porta do helicóptero e gesticulou para que Ana entrasse. Relutante, ela cedeu, mas continuou questionando:

— Você sabe pilotar essa coisa?

— Sei fazer qualquer coisa. E, se não souber, aprendo na hora.

Ana se encolheu no banco, pálida.

— Dizem que é errando que se aprende, mas na aviação erros não são aceitáveis. Você vai errar e nós vamos morrer!

O motor rugiu e Dina sorriu, confiante.

— Coloque o cinto de segurança, Ana, estamos decolando.

— Mas e os policiais? Eles vão atirar em nós! — gritou Ana, apavorada.

— Não se preocupe, eles não sabem o que está acontecendo. Para os policiais que estão de guarda na frente da casa trata-se apenas do helicóptero deles retornando à base.

Ana sentiu a adrenalina tomar conta de seu corpo enquanto o helicóptero subia rapidamente.

— Que loucura, Dina, nunca pensei que faria algo assim. Para onde estamos indo?

— Vou te mostrar as Cataratas do Iguaçu vistas do céu.

O helicóptero seguiu em direção ao sul e depois de algum tempo Ana perdeu o fôlego com a vista das imponentes quedas d’água.

— É espetacular! — exclamou Ana. — Obrigada, Dina, isso é incrível.

Elas sobrevoaram as Cataratas, a usina de Itaipu, e observaram os turistas que visitavam o Parque Nacional do Iguaçu. O deslumbre de Ana era constante, até que ela comentou, com tom mais sério:

— Dina, você está prejudicando o Estado, sabia? Está usando combustível público para uma viagem particular.

Dina deu uma risada suave.

— Não estou usando o combustível do helicóptero, ele ficará intacto.

— Como assim?

— Uso um sistema que a ciência da Terra ainda não conhece. Os elementos químicos se reorganizam e recriam continuamente o combustível enquanto ele é utilizado.

— Não estou entendendo nada.

— Resumindo, o tanque do helicóptero estará cheio quando o devolvermos. Na verdade, o combustível que ele tinha não seria suficiente para essa viagem.

Ana ainda parecia cética.

— Você consegue criar combustível infinito?

— Exatamente!

— Mas ainda assim, você está usando um bem público que poderia estar sendo utilizado para algo importante, como combater o crime. Isso não é certo.

Dina sorriu com paciência.

— Ele não estaria sendo usado hoje, esses helicópteros só participam de operações especiais e não há nenhuma marcada para esta semana.

— E se uma operação de última hora aparecer?

— Foi exatamente o que aconteceu — respondeu Dina com uma risada. — Eles o trouxeram para uma operação relacionada a mim mesma.

Ana suspirou, derrotada.

— Dina, você tem resposta para tudo…

— Sempre! E obrigada pelo elogio.

Ambas riram enquanto o helicóptero iniciava o retorno. Dina lançou um olhar distante, fixando-se em um ponto invisível no céu.

— Salvamos algumas vidas — disse ela de repente.

Ana arqueou uma sobrancelha, intrigada.

— Como assim?

Dina virou-se para ela, séria, mas com um olhar misterioso.

— Este helicóptero tinha um defeito de fábrica e iria cair em breve. Consertamos isso.

Ana coçou os olhos, incrédula.

O helicóptero seguia firme e Ana, embora cheia de perguntas, decidiu aproveitar o restante do voo apreciando a paisagem.

helicóptero sobrevoando as cataratas
O HELICÓPTERO

CAPÍTULO 12 - A IDENTIDADE

Enquanto retornavam, Dina decidiu prolongar o voo.

— Estamos adiantadas em mais ou menos meia hora — comentou ela, casualmente.

— Adiantadas para o quê, exatamente? — perguntou Ana, franzindo a testa.

— Deixei meu carro em um lugar estratégico. Não podemos simplesmente voltar para casa de helicóptero.

— E o helicóptero, você vai abandoná-lo na rua?

— Vou deixá-lo onde a polícia poderá encontrá-lo. Voltaremos de carro, tranquilamente.

Ana suspirou, observando a paisagem. Após alguns minutos de silêncio, uma curiosidade inesperada surgiu.

— Dina, posso te fazer uma pergunta? Quem são os seus pais?

Dina ficou em silêncio por alguns segundos, como se buscasse a resposta no fundo da mente.

— Não me faça perguntas difíceis, Ana.

— É só curiosidade… posso ver sua carteira de identidade?

Dina riu.

— Você é muito curiosa! Tá bom, pode ver.

Ela tirou um documento da bolsa e entregou para Ana, que analisou com atenção antes de começar a ler em voz alta:

— Naadiya de Deus. Filiação: Divino de Deus e Deusdete de Deus… Dina, o que é isso?

— Eu precisava colocar alguma coisa aí…

— Mas isso é ridículo! Seu pai se chama Divino de Deus?

— É só um nome fictício, como um pseudônimo.

— Isso me parece falsidade ideológica. E o número do RG, pelo menos é válido?

— É um número que não estava em uso.

Ana cruzou os braços, encarando Dina com um olhar desconfiado.

— Dina, estou começando a achar que você é uma grandessíssima charlatona.

— Opa, calma lá, sem ofensas! — retrucou Dina, sentindo-se insultada.

— Mesmo que você fosse um anjo, anjos não cometem pecados?

— Não, não podemos, se cometemos pecado somos expulsos e nos transformamos em demônios.

— Sério? E como você ainda não se transformou? — disse Ana, rindo alto.

Dina revirou os olhos antes de responder:

— Os pecados dos anjos são diferentes dos humanos. Por exemplo, um anjo não pode ter fé como os humanos, porque já possui conhecimento pleno.

— E que tipo de pecado um anjo pode cometer?

— Um anjo não pode confrontar Deus. Quer um exemplo? Se um anjo dissesse algo como: “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes, em que mundo, em que estrela tu te escondes…”, ele seria expulso na hora. Para os humanos, isso é aceitável, porque faz parte da busca por Deus.

Ana refletiu sobre isso por alguns instantes, mas sua curiosidade persistiu.

— Então, criar um documento falso como esse não é pecado?

— Para mim, não. Se fosse, eu já não estaria aqui. Precisei do documento para me matricular na escola e ajudá-la. Não poderia fazer isso sem um registro.

— E para um ser humano, criar um documento falso também não seria pecado?

— Depende. Se for por necessidade absoluta, como salvar vidas, talvez não seja. Mas se for para enganar pessoas e obter vantagens pessoais, aí é pecado.

— Interessante… — disse Ana, com um tom levemente irônico.

— Mas lembre-se, Ana, não sou especialista em pecado, essa não é a minha área. Não tome minhas palavras como regra.

Ana sorriu, pensativa e disse:

— Tudo bem, seja como for, o que você disse faz sentido…

CAPÍTULO 13 – O ASSALTO

Depois de um longo silêncio, Ana finalmente rompeu a quietude:

— Você percebeu que estamos sendo observadas lá do solo?

— Sim — respondeu Dina, sem demonstrar preocupação. — Há um carro de polícia tentando nos seguir.

— Então por que você está indo tão devagar?

— Quero que eles nos acompanhem, assim poderão ver onde vou deixar o helicóptero.

Ana arregalou os olhos, alarmada:

— Mas, Dina, isso significa que eles vão tentar prender você… ou nós duas!

— Relaxa, vou manter distância suficiente. Quando pousarmos, eles ainda estarão a pelo menos quinze minutos de nós.

Alguns minutos depois, Dina pousou o helicóptero em um local descampado. Elas desceram apressadas, atravessaram um matagal e alcançaram o carro de Dina, escondido em uma área discreta.

Mas quando elas se preparavam para entrar no carro, um homem armado surgiu do nada, gritando:

— Passem as bolsas! Agora! Ou vão levar bala!

Ana, assustada, começou a tirar a bolsa do ombro, mas Dina deu um passo à frente, encarando o assaltante com calma.

— Pode atirar, se quiser — disse ela com tranquilidade. — Não vamos te dar nada.

O assaltante, irritado, apontou a arma diretamente para a cabeça de Dina:

— Última chance, moça. Passa a bolsa ou morre!

Dina manteve a calma, sem desviar o olhar:

— Então atire logo, não tenho tempo a perder. Vamos, Ana, entre no carro.

O assaltante tentou disparar, mas a arma falhou. Ele apertou o gatilho várias vezes, cada tentativa mais desesperada que a anterior.

— O que está acontecendo? — gritou ele, confuso.

Dina deu um passo à frente, estendendo um cartão ao homem.

— Pegue isso, tem meu telefone e me ligue daqui a uma semana. Não adianta ligar antes. Se você me convencer de que nunca mais vai roubar, eu curo a sua cegueira.

— Que cegueira? Tá louca sua…

Antes que pudesse terminar a frase, o homem começou a gritar:

— Não vejo nada! O que tá acontecendo? Eu tô cego!

Dina virou-se para Ana e gesticulou para que ela entrasse no carro.

— Vamos embora, a polícia já deve ter encontrado o helicóptero, precisamos sair rápido daqui.

Enquanto dirigiam, os gritos do assaltante ecoavam à distância:

— Alguém me ajuda! Como vou voltar pra casa? Socorro!

Ana parecia perturbada. Dina percebeu e falou, com firmeza:

— Está com pena dele? Se eu fosse uma pessoa comum, a essa altura estaria morta. Só deixei ele cego. Pelo menos assim ele não vai assaltar mais ninguém.

Ana suspirou, cruzando os braços.

— Tudo bem, Dina, você livrou o mundo de um crápula.

Dina assentiu.

— Exatamente. Mas se ele me ligar, quem sabe eu o cure.

Ana balançou a cabeça, pensativa.

— Duvido muito que ele vá mudar.

Dina suspirou, com um tom de tristeza na voz:

— Eu também, mas não é impossível…

CAPÍTULO 14 – A ABORDAGEM

Após alguns quilômetros percorridos, Dina e Ana perceberam que uma viatura policial estava atrás delas.

Cansada de tantos encontros desagradáveis com a polícia, Ana gritou, alarmada:

— Eles nos acharam!

Dina manteve a calma:

— Não, eles não sabem quem está nesse carro, trata-se da polícia rodoviária. O problema é que este veículo não tem placas, por isso estamos sendo seguidas.

Ana arregalou os olhos, incrédula:

— Como assim, seu carro está sem placas? Você tem coragem de andar em um carro assim?

— Como vou emplacar um carro que não existe na Terra?

— Não acredito! Que tipo de carro é esse, Dina?

— Um veículo que eu e meus amigos montamos. Nós só o usamos em casos de grande necessidade, como agora.

Ana cruzou os braços, impaciente:

— “Nós”? Quem são “nós”?

— Eu e meus colegas de missão. Tentamos fazer algo parecido com os carros terrestres, mas ele ainda tem suas peculiaridades.

— Que tipo de peculiaridades?

— Além de não ter placas, ele também não tem motor…

Dina apontou para um dispositivo quadrado, com cerca de quinze centímetros de diâmetro, posicionado sobre o painel.

— Isso aí é o motor? — exclamou Ana, incrédula.

— Sim. E o melhor: não precisa de combustível.

— Mas não tem nenhum fio conectado! Como as rodas obedecem a isso?

— É tudo via ondas eletromagnéticas…

Antes que Dina pudesse concluir sua explicação, a viatura policial acelerou e cortou a frente delas, forçando-as a parar.

Dois policiais corpulentos desceram do veículo, gesticulando:

— Quero ver sua habilitação e os documentos do carro! — exigiu um deles.

Dina abriu o vidro e respondeu calmamente:

— Boa tarde, senhores. Eu não tenho habilitação e este carro não tem documentos.

Os policiais se entreolharam, incrédulos. Um deles cruzou os braços e disse:

— Nesse caso, o veículo será apreendido e as senhoras serão levadas à delegacia.

— Vou ter que recusar o convite, senhor policial — disse Dina. — Minha amiga aqui precisa chegar em casa urgentemente.

Ana tentou aliviar a situação:

— Tudo bem, Dina. Não tem problema, posso chegar mais tarde…

Dina olhou para Ana, balançando a cabeça. Depois encarou os policiais que, irritados, sacaram suas armas:

— Saiam do carro agora e se posicionem para a revista!

Dina permaneceu tranquila:

— Nós não vamos descer, se quiserem podem atirar, só não nos atrasem mais.

Os policiais, sem hesitar, tentaram dar um tiro de advertência, mas, assim como no caso do assaltante, as armas falharam.

— Dina… — sussurrou Ana, apreensiva. — Por favor, você não vai deixá-los cegos, né? Eles estão só fazendo o trabalho deles…

— Fique tranquila, não vou cegá-los. Só vou garantir que eles fiquem parados até estarmos longe.

Os policiais tentaram se mover, mas seus pés pareciam grudados no chão. Um deles gritou, em pânico:

— Não consigo tirar meus pés do chão!

— Eu também não! O que está acontecendo?

Dina abriu a porta do carro e desceu calmamente.

— Peço desculpas pelo inconveniente, senhores, prometo que isso vai passar em alguns minutos. Mas, por enquanto, preciso que saiam do caminho.

Ela caminhou até a viatura e, para espanto de Ana e dos policiais, empurrou o veículo lateralmente com as mãos, como se ele fosse feito de papelão. Depois, voltou ao carro e saíram dali.

Enquanto se afastavam, Ana, perplexa, perguntou:

— Como você fez aquilo, você é algum tipo de mulher biônica?

Dina sorriu, achando a pergunta divertida:

— Não, mas tenho alguns poderes!

O CARRO SEM PLACAS

CAPÍTULO 15 – O FINAL DO PASSEIO

Dina parou o carro em frente à casa de Ana e entregou-lhe um pedaço de papel, dizendo:

— Esse é o meu novo endereço.

Ana olhou surpresa:

— Você mudou de casa? Como fez isso enquanto estávamos no helicóptero?

Dina deu de ombros com um sorriso enigmático:

— Não posso mais morar naquela casa, eles não me dariam sossego lá. Meus amigos cuidaram de tudo para mim.

— Quem são esses seus amigos misteriosos, Dina?

— Eles são como eu, da mesma ordem de criação. Mas só aparecem quando é necessário.

— E quantos eles são?

— São muitos. Tenho milhões de amigos, mas normalmente eles andam em grupos de quarenta.

Ana arregalou os olhos:

— Quarenta? Eles não chamam atenção andando em grupos assim?

Dina sorriu levemente:

— Eles conseguem se locomover sem serem notados, são muito espertos.

— Se forem como você, devem ser realmente espertos, nunca conheci ninguém com seus poderes.

Dina fez um gesto de humildade:

— Obrigada, Ana. Mas cuidado, se continuar me elogiando eu posso começar a acreditar que é verdade.

— Você não acredita que seja verdade?

— Foi só uma brincadeira. Eu sei exatamente quem eu sou, conheço minhas capacidades e limitações.

— Não sabia que você tinha limitações, você parece tão perfeita…

Dina sorriu suavemente:

— Tenho fraquezas sim, Ana. Já ouviu aquele ditado: “Perfeito, só Deus”?

— Sim, já ouvi.

Ana deu um abraço em sua amiga, dizendo:

— Preciso dizer que esse foi o dia mais incrível da minha vida!

Dina sorriu.

— Fico feliz, Ana. Eu, por outro lado, não posso dizer o mesmo, pois já vivi dias muito mais interessantes e movimentados que esse.

— Imagino que sim, amiga — respondeu Ana, sorrindo.

— Passe na minha nova casa amanhã para conhecer. Não é longe daqui e de lá podemos ir para o curso.

Ana ficou pensativa:

— Você vai ao curso amanhã? A polícia pode aparecer por lá e…

— Amanhã, eles não irão, pode ficar tranquila.

— Como você sabe disso?

Dina fez uma pausa antes de responder, como se fosse óbvio:

— Eu simplesmente sei. De qualquer forma, vou começar os preparativos para provar minha inocência.

— Precisa da minha ajuda para isso?

— Não, Ana, obrigada, não vai ser necessário.

Ana parecia um pouco chateada por não poder ajudar, mas respondeu:

— Tudo bem, desejo-lhe boa sorte.

Dina olhou para ela com um sorriso leve:

— Na verdade, vai ser muito fácil.

CAPÍTULO 16 – A NOVA CASA

Ana chegou no endereço que Dina lhe deu e, ao tocar a campainha, ouviu a voz de Dina vindo da janela:

— Pode entrar.

O portão abriu automaticamente. Ana entrou e observou, impressionada com a nova casa.

— Como seus amigos conseguiram transferir sua casa para cá? — perguntou Ana, ainda sem acreditar.

Dina sorriu, como se fosse algo simples:

— Eles não transferiram, apenas modificaram algumas partes dessa casa.

— Mas são os mesmos móveis, tudo é igual…

Dina deu uma risada divertida:

— Não, são móveis novos. Venha cá, vou te mostrar algo.

Ela ligou um aparelho de televisão na sala. A tela se iluminou, mostrando imagens em tempo real da sua antiga casa.

— Você está filmando o interior da outra casa? Como está fazendo isso?

— Tenho algumas câmeras ocultas lá e consegui transferir a imagem para cá.

Ana ficou boquiaberta, observando os policiais que vasculhavam o lugar.

— Eles estão mexendo em tudo! — exclamou Ana.

Dina observou a tela com calma:

— Eles não vão encontrar nada contra mim, exceto pela bolsa da professora, que ficou no quintal, no mesmo lugar onde foi jogada.

— Mas como eles conseguiram passar pelos portões inquebráveis?

Dina deu de ombros, como se fosse a coisa mais simples do mundo:

— Conseguiram porque estava tudo destrancado esta manhã.

Na tela, os policiais estavam claramente irritados, e Ana podia ouvir os palavrões que proferiam.

— Você não pode processá-los quando provar sua inocência? Estão denegrindo a sua imagem…

Dina balançou a cabeça com tranquilidade:

— Não vou fazer isso, Ana. Eles estão apenas fazendo o trabalho deles. E, além disso, esses palavrões fazem parte de um certo mecanismo de defesa.

Ana, confusa, perguntou:

— Desculpe minha ignorância, Dina, mas não entendi.

Dina explicou, como se fosse óbvio:

— Quanto mais palavrões eles falam, mais homens eles se sentem. Veja aquele ali à esquerda, vociferando as maiores arrogâncias. Ele se sente o macho alfa…

Ana franziu a testa:

— Mas isso é uma bobagem, né? Vomitar palavrões não vai fazer ninguém mais homem.

— Exatamente, você usou a palavra certa, isso é uma bobagem de grande parte da humanidade. Tem gente que precisa de palavras de baixo calão para se sentir forte e inteligente.

Ana suspirou, preocupada:

— Você vai mesmo querer ir ao curso hoje? Eu passei a noite toda pensando nisso, não aguento mais ver a cara de policiais.

Dina sorriu, confiável:

— Vamos sim, preciso começar os preparativos para provar minha inocência.

Ana assentiu, embora ainda estivesse apreensiva.

— Ok, vamos lá então.

E, pensando consigo mesma:

— Quero ver isso…

CAPÍTULO 17 – AS PROVAS

Não foi preciso muito esforço para perceber a reação da professora Claudete ao ver Dina, sorridente e sentada na terceira carteira, como se nada tivesse acontecido.

— Você está aqui de novo? — exclamou Claudete, sem esconder a irritação. — Pessoal, temos novamente uma fugitiva da justiça em nossa sala de aula! Vou ligar agora para a polícia…

Os alunos se entreolharam desconcertados. Um deles murmurou:

— Vai começar tudo de novo…

A professora balançava os braços nervosamente, tentando inutilmente fazer seu telefone celular funcionar.

— Por que essa #*@ não funciona? Coloquei crédito hoje de manhã. Alguém pode me emprestar um telefone?

Um aluno magro, com a aparência de que está sempre com vontade de chorar, correu até ela e entregou seu celular.

— Obrigada, Artur!

— Por nada, professora — respondeu ele com sua voz fanhosa.

A professora tentou ligar, mas logo se irritou.

— O seu telefone também não está funcionando, Artur. Pessoal, alguém tem um telefone que funcione?

Nenhum celular parecia funcionar, exceto o de Dina.

— O meu está funcionando, professora. Quer usá-lo? Só não vai ser possível ligar para a polícia, pois bloqueei o número deles. A última coisa que quero é ver a cara de um policial de novo.

— Insolente! Vou usar o telefone da escola na secretaria. Pessoal, não saiam daí, já volto.

Antes de sair, se virou para a classe:

— Ah, por favor, não deixem essa… foragida… sair daqui.

Cinco minutos depois, a professora voltou, visivelmente frustrada.

— O telefone da secretaria também não está funcionando. Deve ser um problema geral, mas vou de carro até a polícia.

Dina se levantou calmamente e falou:

— Professora, a senhora não pode fazer isso agora. Os alunos pagaram pelo curso, seria melhor deixar a polícia para depois da aula.

— Não, eu vou agora mesmo e…

— Acho que antes de ir, a senhora deveria ver isso — disse Dina.

Ela caminhou até a televisão no canto da sala e a ligou. A tela logo exibiu imagens da sua antiga casa, capturadas por câmeras escondidas.

— É o Artur! — gritou um dos alunos, surpreso.

— Sim, é o Artur — confirmou Dina. — Ele foi até a minha casa e jogou a bolsa da professora por cima do muro.

A professora ficou atônita.

— Artur! Eu não falei para você verificar se havia câmeras na casa dela ou na vizinhança?!

— Eu verifiquei, professora! Não tinha nada.

— Vocês já ouviram falar em “câmeras ocultas”? — disse Dina, com olhar penetrante. — Eu sou muito boa em esconder minhas câmeras.

A professora, enfurecida, rosnou:

— Sua vaca, vou matar você!

Dina não se intimidou.

— Melhor não tentar, professora, da última vez, a senhora quase se matou. A propósito, sua mão está melhor?

A professora tentou disfarçar, mas sua raiva transparecia.

— Vou dizer que essas imagens são manipuladas. Você não conseguirá provar nada.

Dina balançou a cabeça, com um sorriso tranquilo.

— Além dessas imagens, tenho a gravação desta conversa que tivemos agora, onde a senhora e o Artur confessaram tudo. E, por fim, tenho a classe inteira como testemunha. Tenho certeza de que pelo menos dez pessoas aqui podem confirmar o que a senhora e o Artur fizeram.

Nesse momento, Artur teve um ataque de histeria e começou a chorar descontroladamente.

— Eu sabia que isso ia dar errado, agora estou f…

A professora também começou a passar mal, sua pressão caiu e ela cambaleou ao redor da mesa, mas ninguém se levantou para ajudá-la.

Quando Claudete se recuperou um pouco, Dina falou, séria:

— Eu tenho a solução para tudo isso. A senhora e o Artur vão até a polícia e confessam tudo o que fizeram. Isso vai limpar a minha barra. Se fizerem isso, eu não processo a senhora por danos morais.

A professora, com a voz trêmula, retrucou:

— Você está pensando de me processar?!

— Só se vocês não forem à polícia e contarem a verdade.

— Mas… eles podem nos prender e…

— Eles não vão prender vocês. Falsa denúncia de crime por pessoas sem antecedentes vai resultar, no máximo, em prestação de serviços à comunidade. Isso vocês conseguem tirar de letra.

A professora gritou, completamente fora de si:

— Eu nunca vou fazer isso!

Dina a encarou, impassível:

— Então vou entrar com um processo contra a senhora por danos morais. E não será qualquer valor, vou cobrar um valor bem alto. Eu sei que a senhora tem uma conta bancária gorda, três imóveis e aquele anel de diamantes que “ganhou” de uma amiga quando morava em Minas Gerais.

Ao dizer “ganhou”, Dina fez aquele gesto de aspas no ar, deixando claro que sabia exatamente o que acontecera com relação ao anel.

Claudete, assustada e derrotada, finalmente cedeu:

— Tudo bem, tudo bem! Vamos à polícia depois da aula e…

Ela não conseguiu terminar a frase, desmaiou e caiu sobre a mesa.

— Mais um dia sem aula! — lamentou uma aluna da primeira fila.

CAPÍTULO 18 – ONISCIÊNCIA

Na saída do curso, enquanto caminhavam em direção às suas casas, Ana não conseguiu se conter e perguntou:

— Como você sabe todas essas coisas, Dina? Você é onisciente?

Dina sorriu levemente.

— É claro que não…

— Então você foi até Minas Gerais para investigar a vida pregressa da professora?

— Não foi preciso ir pessoalmente, meus amigos me ajudaram.

— Você pode me apresentar seus amigos?

— Não dá, eles preferem permanecer invisíveis.

— Você tem amigos imaginários, Dina?

— Amigos imaginários não bloqueiam telefones nem travam armas. Eles são tão reais quanto nós.

Ana parecia desconcertada.

— Eu pensei que você fizesse tudo sozinha — disse Ana, com uma pontada de decepção na voz.

— Posso fazer sozinha, sim, mas não é aconselhável em casos muito importantes, como quando envolvem armas de fogo. É como na aviação: um piloto pode voar sozinho, ele consegue, mas é aconselhável ter sempre um copiloto ao lado.

Ana revirou os olhos, visivelmente impaciente.

— Entendi… Seus amigos são anjos! Que incrível!

Dina a olhou com um sorriso enigmático.

— O mais incrível nisso tudo não são os anjos que você não vê. Sou eu, que você está vendo.

Ana franziu a testa, desconcertada.

— Como assim?

— Não é fácil para um anjo assumir uma forma visível como a minha. É uma tarefa hercúlea fazer isso.

— Já li histórias onde anjos assumem aparência humana. Até mesmo na Bíblia tem algo assim.

— Assumir a aparência humana por alguns instantes não é o problema. Difícil é assumir uma identidade, participar da vida das pessoas… e é exatamente o que eu estou fazendo.

Ana ficou pensativa por um momento, como se tentando entender melhor.

— Dina, você está quase me convencendo de que é realmente um anjo.

— Se eu não fosse um anjo, como faria tudo o que eu já fiz?

— Sei lá… com a tecnologia atual é possível fazer muita coisa. Além disso, depois que inventaram o avião, eu não me surpreendo com mais nada.

— Pois é a verdade…

Ana prosseguiu com um olhar intrigado.

— Vamos partir do pressuposto que você seja realmente um anjo — disse ela, com um tom cético. — Você não deveria manter isso em segredo? Por que me contou?

Dina deu um sorriso sutil.

— Eu não pretendia manter isso em segredo, a não ser pelo tempo que fosse necessário. Na verdade, eu gostaria de ter lhe contado no dia que nos conhecemos.

— Mas as outras pessoas não podem saber, certo?

— Não faz mal se souberem, porque, na verdade, ninguém vai acreditar. Você mesma, vendo tudo o que eu já fiz, acabou de dizer que está “quase acreditando” que sou um anjo. Imagine as outras pessoas…

Ana refletiu um pouco antes de fazer uma pergunta que parecia estar na ponta da língua.

— Tenho uma dúvida, Dina… os anjos não têm coisas mais importantes para fazer do que um curso de gastronomia?

Dessa vez Dina deu uma gargalhada, e falou:

— Temos, sim, mas o curso faz parte da nossa missão.

— E o que mais tem nessa missão? — perguntou Ana, genuinamente curiosa.

Dina olhou para ela com uma leve seriedade.

— Você sabia que eu não durmo?

Ana ficou olhando para Dina com uma expressão confusa, sem saber o que dizer.

— Eu não sabia… — murmurou ela.

Dina continuou explicando, com um tom calmo, quase filosófico.

— Muitas coisas dependem somente de nós. Então, vamos lá e fazemos o que é preciso. Agora, tem coisas que dependem de as pessoas entenderem e agirem. Quando não depende de nós, mas sim de terceiros, a missão se torna muito mais difícil.

Ana pensou por um momento antes de responder.

— Quanto a mim, você não precisaria ter vindo, eu estava me virando bem por aqui…

Dina parou por um instante, olhando para ela com uma expressão séria.

— Viu por que é difícil? Você não tem noção do que poderia acontecer na sua vida se não fosse pela minha intervenção.

Ana, não perdendo a oportunidade de ser irônica, respondeu:

— Se você está dizendo…

CAPÍTULO 19 – O TIRANO

Antes de se despedir, Ana perguntou, ainda confusa:

— Não entendi uma coisa, Dina. Se vocês anjos têm missões tão importantes, por que você resolveu fazer aquele passeio de helicóptero comigo ontem? Foi muito agradável, na verdade foi maravilhoso! Mas, a meu ver, não teve nada de prático.

Dina olhou para ela com um semblante sério, como se refletisse antes de responder.

— Aquele passeio estava nos nossos planos — disse Dina, com um tom seco.

— Não entendi, poderia me explicar?

Dina parecia impaciente. Ela estava tentando evitar aquele assunto, mas, por fim, resolveu se abrir.

— Daqui a sessenta anos, uma eleição presidencial será particularmente importante no Brasil. Digo “importante”, mas, na verdade, ela será mais importante que todas as outras que já existiram.

Ana olhou para Dina, intrigada.

— E o que isso tem a ver com o nosso passeio?

Dina suspirou, como se fosse difícil encontrar as palavras certas.

— Teríamos que consertar o helicóptero em pleno voo. A polícia não o usava o suficiente para fazer esse tipo de serviço, eram só voos curtos devido ao preço do combustível.

Ana levantou uma sobrancelha, tentando entender.

— Então, o passeio não foi para me proporcionar uma tarde agradável e sim para consertar o helicóptero?

Dina se sentiu embaraçada e tentou explicar:

— Tentei conciliar as duas coisas…

— Ok, eu devia saber que não sou tão importante assim…

Dina parou por um momento, olhando para Ana com uma expressão que equilibrava seriedade e preocupação.

— Claro que você é importante, Ana. Se não fosse, eu não teria te levado na viagem. Mas a verdade é que aquele helicóptero ia cair da próxima vez que levantasse voo e causaria cinco mortes.

Ana ficou em silêncio por um momento, tentando compreender o que Dina acabara de dizer.

— Acho que entendi. O futuro presidente morreria nesse acidente ou algum antepassado dele.

Dina pareceu hesitar, antes de prosseguir.

— Tem coisas que não são fáceis de explicar, você não entenderia. Na verdade, acho que ninguém entenderia…

— Por quê? Não me deixe assim curiosa…

Dina olhou ao redor, como se certificando de que ninguém mais estava ouvindo, e por fim falou, baixando o tom de voz.

— Nós salvamos a vida de um homem cujo futuro filho será o único capaz de impedir a vitória daquele que seria o maior tirano da história deste país, um crápula que causaria a morte de mais de 30% da população com suas loucuras bélicas.

Ana ficou em silêncio por um momento, digerindo as palavras de Dina. Finalmente, ela falou, com a voz mais calma, tentando entender a complexidade da situação.

— Acho que estou entendendo… Esse homem que vocês estão protegendo será o futuro presidente, certo? Ele derrotará o tirano nas eleições?

Dina balançou a cabeça lentamente.

— Não, Ana. Esse homem é quem irá assassinar aquele que seria considerado na história o “Hitler brasileiro”.

— Que horror! Então vocês estão salvando um assassino?

Dina suspirou profundamente, parecendo exausta com a pergunta.

— Por isso é difícil falar sobre esses assuntos com pessoas comuns. O falso moralismo humano atrapalha tudo.

Ana ficou pensativa, o olhar distante. O peso da revelação a fez refletir profundamente. Ela foi embora, mas, apesar da gravidade do assunto, sentia-se, de certa forma, privilegiada. Afinal, se tudo aquilo fosse verdade, ela era provavelmente o único ser humano que sabia desse fato futuro.

— A menos que Dina tenha outras amigas como eu — pensou enquanto se afastava.

CAPÍTULO 20 – SURREAL

No dia seguinte, Ana apareceu bem cedo na casa de Dina. Assim que entrou, começou a falar, sem perder tempo:

— Não consegui dormir essa noite pensando em tudo o que tem acontecido. Preciso de algumas respostas ou vou pirar…

Dina já esperava por algo assim.

— Pode perguntar, Ana, o que estiver ao meu alcance eu responderei.

— Tenho dezenas de perguntas…

— Então vamos dividir isso em capítulos — brincou Dina. — Que tal duas perguntas por dia?

Ana não estava mais disposta a ficar nessas preliminares, então foi direto ao ponto:

— Você consegue ficar invisível?

— Não — respondeu Dina, sem hesitar. — Segunda pergunta?

— Espere um pouco, Dina, não é para responder apenas “sim” e “não”.

Dina suspirou, pareceu pensar por um momento e então explicou:

— Tudo bem, Ana. Eu não consigo ficar invisível, ou seja, não posso desaparecer enquanto estou nesta forma que você está vendo. Mas eu consigo bloquear o cérebro das pessoas para que elas não me vejam.

— Então, você consegue ficar invisível. Você mentiu para mim.

Dina olhou diretamente para Ana, impassível.

— Se eu conseguisse ficar invisível, tudo seria mais fácil. Não funciona assim. Eu tenho que bloquear as pessoas que não quero que me vejam. Se for um grande número de pessoas, preciso da ajuda dos meus amigos.

— Mas, de qualquer forma, você fica invisível.

— Se alguma pessoa presente não for bloqueada, eu estarei ali, visível para ela.

— Tudo bem, passemos à segunda pergunta.

— Manda lá…

— Como você consegue colocar imagens em aparelhos de televisão e monitores de computador sem colocar nenhum periférico, como CD, pendrive, etc.?

Dina sorriu levemente antes de responder:

— Você já ouviu falar de Bluetooth? Funciona mais ou menos da mesma forma, só que tudo sai da cabeça de um anjo.

— Pode explicar melhor isso? — pediu Ana, incrédula.

— Eu não consigo fazer isso sozinha, Ana, tem anjos especializados nisso. Esses anjos podem olhar uma cena, memorizá-la perfeitamente e depois transferi-la para qualquer aparelho.

Ana ficou boquiaberta.

— Isso é totalmente surreal!

— E já existe há milhões de anos. Aqui na Terra, só começou a ser usado recentemente, desde que surgiram os aparelhos de televisão e os computadores.

— Como funciona isso? É loucura…

Dina fez um gesto de leveza com as mãos.

— Os anjos que têm esse poder de memorizar as cenas precisam aprender o funcionamento do aparelho em questão. Assim que eles conseguem dominar o aparelho, transformam o sinal mental para que seja compatível com o periférico.

— Isso é demais para a minha cabeça…

— Na verdade, é mais ou menos a mesma coisa. São sinais elétricos que só precisam ser sutilmente modificados para cada ocasião.

— Que coisa maravilhosa! É possível um ser humano aprender a fazer isso?

Dina balançou a cabeça lentamente.

— Não posso dizer que não seja possível, mas, pessoalmente, não acredito que alguém consiga. Na verdade, acredito que seja impossível.

— Agora você viajou, Dina. É possível ou não é possível?

Dina deu um suspiro profundo, como se estivesse se preparando para uma revelação.

— Eu acredito que não seja possível. Mas já vi coisas acontecerem que me fizeram duvidar de tudo.

— Entendi, quer dizer que é possível…

Dina olhou nos olhos de Ana com um olhar penetrante, tentando transmitir a magnitude da situação.

— É mais ou menos assim: você acredita que um ser humano possa sair voando até as nuvens sem usar nenhum aparelho tecnológico? Você diria que não, certo? Pois eu também diria que é impossível… se eu não tivesse visto acontecer.

— O quê?! Alguém já fez isso?

— Sim, já aconteceu duas vezes na história da humanidade.

— Dina, você está falando de Jesus Cristo…

— Não, Jesus não conta, pois ele é Deus. Estou falando de pessoas comuns.

Ana ficou em silêncio, a mente se movimentando para digerir o que acabara de ouvir.

— Tudo bem, se você está dizendo, vou acreditar.

Dina sorriu levemente, como se estivesse satisfeita com a resposta de Ana.

— Então, acho que encerramos sua cota de perguntas diárias — decretou Dina, de forma descontraída.

Ana hesitou por um momento, antes de pedir:

— Só mais uma, por favor. Como você consegue…

Dina interrompeu bruscamente, com um sorriso travesso:

— Você viu como o dia está lindo hoje?

CAPÍTULO 21 – IMAGENS RECUPERADAS

— Será que a professora e Artur foram à polícia? — perguntou Ana, assim que saíram para o curso.

— Não foram — respondeu Dina com firmeza.

— Então você continua correndo o risco de ser presa…

— Não, a partir de agora quem está correndo risco é a professora. Hoje vou levar as provas de que ela roubou aquele anel de diamante que mencionei.

— Você vai fazê-la desmaiar de novo, Dina!

— Não se preocupe, desta vez não vou apresentar as provas diante dos alunos. Vou mostrar no final da aula, no meu celular.

Ana fez uma pausa e perguntou:

— Não é hoje que começam as aulas práticas do nosso curso?

— Sim, hoje vamos começar a pôr a mão na massa!

— Uma coisa me deixa intrigada: como a professora vai ter coragem de encarar a classe depois de ter sido desmascarada?

— Para ela não será difícil, ela é muito cara de pau e já passou por situações parecidas e até piores. Por que você acha que ela teve que sair de Minas Gerais?

— Além desse anel, não deve haver nada muito grave, espero…

Dina olhou para Ana com seriedade.

— Assassinato é grave para você?

Ana quase caiu de costas ao ouvir isso.

— O quê?! Estamos tendo aula com uma assassina?

— Sim, ela colocou veneno na comida de uma colega de trabalho porque essa colega descobriu o roubo do anel.

— Vai me dizer que você conseguiu um vídeo dela envenenando a vítima…

— Exatamente…

— Como você conseguiu tais imagens, tinha um anjo lá no momento para filmar a cena?

— Não havia nenhum anjo presente, mas tudo o que acontece no mundo fica registrado na luz astral.

Ana arregalou os olhos, incrédula.

— Você conseguiu recuperar as imagens de um acontecimento antigo?

— Tive que pedir ajuda ao único anjo que conheço capaz de fazer isso, ele viajou milhões de anos-luz para me ajudar.

Ana não conseguiu disfarçar sua surpresa.

— Só um anjo é capaz disso? Por que outros não aprendem?

— Algumas coisas não podem ser aprendidas, o anjo precisa ser criado com o dom. Mas eu disse que ele é o único que eu conheço, existem outros no universo que também conseguem.

— E como você vai explicar que conseguiu essas imagens?

— Vou dizer que recebi uma mensagem no celular. O que importa são as imagens, não a forma como as obtive.

— A professora não pode alegar que o vídeo foi manipulado?

— Pode, mas qualquer perícia provará que ele é verdadeiro.

Ana balançou a cabeça, perplexa.

— A solução de um simples caso de assassinato, entre milhares que acontecem todos os dias, justifica um anjo viajar metade do universo?

Dina respondeu com calma, como se quisesse que Ana compreendesse algo profundo.

— Decidimos que esta era a melhor forma de levar Claudete ao arrependimento. Quando ela se arrepender, poderá ser recuperada como ser humano.

— Você está dizendo que após a professora vir o vídeo ela vai se arrepender?

— Acreditamos que sim, apesar que não imediatamente. Ela verá a amiga que matou. Elas eram realmente próximas, mas Claudete ficou cega pela ganância.

— Quer dizer que, diante de Deus, é possível matar alguém e simplesmente se arrepender depois?

— Não é simplesmente se arrepender, Ana. É preciso um arrependimento verdadeiro, sincero. Isso é raro. Não são simples palavras ou lágrimas que fazem a diferença.

Ana refletiu por um momento e, finalmente, assentiu.

— Tudo bem. Se você acredita que ela vai se arrepender eu dou todo o apoio.

Dina sorriu, agradecida.

— Obrigada, Ana, eu acredito sim. Não vim fazer este curso só por sua causa.

Ana ficou desolada ao ouvir essas palavras e Dina percebeu imediatamente o impacto que causou.

— Não fique chateada comigo — disse Dina, suavizando a situação. — O meu amor por você é absolutamente verdadeiro.

— É que eu pensei que eu fosse única…

Dina segurou a mão de Ana com carinho e falou:

— Você é especial para mim em todos os sentidos, Ana, nunca amei um ser humano como amo você. Na verdade, muitas vezes o amor mais verdadeiro é aquele que não se declara em palavras, mas em atitudes. Cuidar, proteger, estar presente sem exigir nada em troca – isso é amor. É a maneira como podemos amar sem invadir ou ferir a liberdade do outro. Em tudo que faço por você há amor, ainda que disfarçado, no silêncio de cada ação.

Ana respirou fundo e engoliu a vontade de chorar.

— Tudo bem, eu entendo…

Dina olhou para o céu e comentou:

— Minha missão neste mundo é muito mais complexa do que você pode imaginar.

CAPÍTULO 22 – TRABALHO PERFEITO

Os alunos foram conduzidos à cozinha da escola. Desta vez, a professora não demonstrou aquele olhar de surpresa ao ver Dina, ainda que, tecnicamente, ela fosse foragida da justiça.

Após pigarrear algumas vezes, Claudete começou:

— Queridos alunos, hoje damos início à parte prática do nosso curso. Vamos abordar a limpeza e a higiene da cozinha, os utensílios que utilizaremos, e também falar sobre temperos, óleos, grãos, verduras, legumes e frutas…

A aula transcorreu com aparente tranquilidade, mas o estresse que Claudete e Artur carregavam era perceptível até para os alunos mais distraídos.

No fim da aula, a professora saiu apressada, sem sequer se despedir, mas Dina a seguiu rapidamente.

— Professora, quando a senhora pretende ir à polícia com o Artur? — questionou Dina, indo direto ao ponto.

Claudete virou-se abruptamente, sua expressão severa de sempre:

— Olha, Dina, pensei bastante e decidi que não vou à polícia. Pode entrar com um processo contra mim se quiser, sei me defender. Não acredito que você tenha como provar qualquer coisa do que falou.

Enquanto Claudete falava, Dina calmamente mexia em seu celular.

— Tem algo que gostaria de mostrar para a senhora.

Claudete lançou um olhar desconfiado para Dina, mas sua expressão mudou drasticamente ao ver o vídeo que estava sendo exibido. Seus olhos arregalaram-se o máximo possível, dadas as proporções de seu rosto.

— O que é isso?! Você me filmou?

— Recebi este vídeo de uma pessoa que conhecia a senhora em Minas Gerais. Ele mostra claramente a senhora envenenando a sua amiga Lígia.

Claudete tentou recuar, mas Dina insistiu:

— Ouça o áudio com atenção, professora.

— Eu não quero ver mais nada! — Claudete tentou se afastar, visivelmente abalada.

— Se a senhora não assistir, terei que mostrar este vídeo para toda a classe.

A ameaça foi suficiente. Claudete, com relutância, aproximou-se do celular novamente.

— Tá certo… eu vou ver…

A voz da professora no vídeo estava baixa, mas perfeitamente audível. O trabalho do anjo especialista tinha sido impecável, até mesmo amplificando o áudio original além do que seria humanamente possível.

No vídeo, ouvia-se Claudete murmurando enquanto preparava o prato de comida de Lígia:

Me perdoe, minha amiga, mas vou ajudar você a partir mais rápido dessa vida. Você sabe mais do que devia e não quero ser presa por sua causa. Espero que sua morte não seja dolorosa, por isso, comprei um veneno que age rápido e é indetectável pela perícia. Custou caro, mas vai valer a pena.

Aquele monólogo incriminava Claudete sem deixar margem para dúvidas.

— Como você conseguiu isso?! — esbravejou Claudete, em pânico. — Você tem parte com o diabo?

Dina, impassível, respondeu:

— Não, professora, tenho parte com Deus. Esse vídeo pode colocá-la na cadeia, mas não é o que desejo. Vou dar uma chance para a senhora. Amanhã, antes do horário do curso, confesse à polícia que me acusou injustamente. Caso contrário, enviarei este vídeo às autoridades.

Dina começou a enviar o vídeo para alguém. Claudete, desesperada, gritou:

— Pra quem você está mandando isso? Pelo amor de Deus, eu prometo ir à polícia amanhã!

— Estou enviando para a senhora, assim pode assisti-lo com calma em casa.

Claudete, visivelmente derrotada, murmurou:

— Tudo bem… amanhã cedo vou à polícia com o Artur.

Dina guardou o celular e afastou-se com um leve sorriso no rosto, balbuciando estas palavras:

 Mais uma batalha vencida!

CAPÍTULO 23 – O MOTORISTA

Enquanto caminhavam de volta para casa, Ana e Dina conversavam:

— Conseguiu convencer a professora a ir à polícia? — perguntou Ana, já antecipando a resposta.

— Dessa vez, sim. Ela vai amanhã de manhã — respondeu Dina com um sorriso de vitória.

— Por que era tão importante para você que ela fosse? Não tinha outra maneira de provar sua inocência?

— Claro que sim, mas esta era a melhor. Claudete terá que se humilhar e confessar que me incriminou injustamente.

— Será que ela vai conseguir fazer isso? — duvidou Ana.

— Pode ter certeza que sim. Ela está nas minhas mãos e fará tudo que eu mandar.

De repente, Dina parou no meio do caminho, refletiu por um instante e sugeriu:

— Vamos dar uma volta no shopping?  sugeriu Dina de supetão.

— Mas fica muito longe daqui, você pretende ir no seu carro sem placas? — questionou Ana, surpresa.

— Não, vamos de Uber! — decidiu Dina.

Poucos minutos depois, elas estavam dentro de um carro. O motorista, um homem de cerca de trinta e poucos anos, dirigia enquanto uma música tocava baixinho.

— Tudo bem com as senhoritas? — perguntou ele, educadamente.

— Sim, estamos bem — responderam as duas em uníssono.

Dina, sempre curiosa, puxou conversa:

— O senhor não tem medo de trabalhar como motorista de aplicativos? A gente ouve tantas histórias assustadoras…

— Medo eu tenho, sim — admitiu o homem. — Mas é o trabalho que tenho. A gente precisa ganhar a vida, não dá para parar…

De repente, Dina interrompeu:

— O senhor poderia retornar, por favor? Resolvi não ir mais ao shopping.

O motorista ficou surpreso, mas não hesitou:

— Tudo bem, vamos voltar.

Ana ficou confusa e cochichou no ouvido de Dina:

— O que está acontecendo?

— Já aconteceu. Não precisamos fazer mais nada hoje — respondeu Dina enigmaticamente.

— Aconteceu o quê? — insistiu Ana, ainda mais confusa.

Enquanto o carro seguia de volta, o rádio noticiou um crime ocorrido nas proximidades. Dina, tranquila, comentou:

— Salvamos a vida dele.

Ana ficou boquiaberta:

— O quê? Salvamos quem? O que está acontecendo?

Ao chegar em frente à casa de Dina, ela olhou diretamente para o motorista e disse:

— Percebi que o senhor está doente. Vá ao médico imediatamente. O senhor precisará fazer uma operação.

O homem, visivelmente abalado, olhou para Dina sem saber o que responder.

— Prometa para mim que irá ao médico ainda esta semana!

— Tudo bem… eu prometo — disse ele, assustado.

Dina sorriu levemente e desceu do carro. Quando já estava entrando em casa, Ana segurou o braço de Dina e protestou:

— Não, senhora, você não vai me deixar curiosa desse jeito. Quero saber exatamente o que aconteceu.

— Tudo bem — disse Dina, rindo. — Vamos entrar e eu explico tudo.

CAPÍTULO 24 – A DOENÇA

Assim que se acomodaram no sofá da sala, Dina começou a explicar:

— O nome daquele senhor é Gerson.

— Você deve ter visto no aplicativo do celular — retrucou Ana, tentando ser lógica.

— Eu o conheço há muitos anos, mas ele não sabe quem eu sou.

Ana suspirou, já acostumada aos mistérios em torno de Dina:

— Você é sempre enigmática… prossiga.

— Lembra-se do crime que ouvimos no rádio? — perguntou Dina.

— Sim.

— Foi outro motorista de aplicativo. A vítima seria o senhor Gerson, se eu não tivesse agido rápido.

Ana arregalou os olhos.

— E você permitiu que outra pessoa morresse no lugar dele?

— Se isso serve de consolo, essa pessoa já estava com os dias contados. Ele estava envolvido com drogas, em um caminho sem volta.

Ana ainda parecia desconfortável.

— Por que todo esse interesse em salvar o senhor Gerson?

Dina sorriu e respondeu com tranquilidade:

— Ele é o futuro avô do assassino de quem falei, o homem que irá livrar o país do tirano.

Ana assentiu, compreendendo a conexão, mas outra dúvida surgiu:

— Mas por que vocês não curaram a doença do senhor Gerson diretamente? Você o mandou ir ao médico…

— Já o curamos muitas vezes, Ana. Se não fosse por nossas intervenções, ele já teria deixado este mundo há pelo menos cinco anos.

Ana cruzou os braços, pensativa:

— Então por que a doença continua voltando? Parece que vocês não o curaram direito.

— Não podemos mudar as leis do mundo. O senhor Gerson é humano e sua alimentação inadequada o faz adoecer de novo e de novo.

— Entendi… — disse Ana. — Vocês optaram por um médico humano porque ele precisa mudar seus hábitos, certo?

— Exatamente. Nós o curamos, mas não podemos interferir em sua forma de viver. Ele precisa entender que sua saúde depende também de suas escolhas. O médico poderá orientá-lo a seguir uma dieta rigorosa.

Ana balançou a cabeça afirmativamente:

— Faz sentido, afinal, por que ele mudaria de hábitos se sempre é curado?

— Isso mesmo. Por um tempo, planejamos continuar curando-o indefinidamente, mas hoje mudei de ideia.

— E você não precisou da aprovação dos outros anjos para isso?

— Eles aprovaram.

— Como? Eu não vi você consultando ninguém.

Dina fitou Ana com uma expressão serena, divertindo-se com a pergunta.

Ana ergueu uma sobrancelha e concluiu:

— Claro, vocês se comunicam telepaticamente.

Dina sorriu, assentindo com a cabeça.

CAPÍTULO 25 – O PROBLEMA FUTURO

Após um longo silêncio, Dina levantou-se para servir um refrigerante. Ana aproveitou o momento para desabafar:

— Não consegui dormir bem de novo, Dina. Para mim, ainda não faz muito sentido tudo o que está acontecendo.

Dina se virou, intrigada:

— O que exatamente não faz sentido?

— Se vocês podem interferir na humanidade desse jeito — salvando pessoas, organizando assassinatos, tirando gente da cadeia, alterando destinos — por que simplesmente não impedem o nascimento desse tal tirano?

Dina suspirou, como quem estava prestes a explicar algo complexo.

— Não podemos fazer isso, Ana. Vou tentar explicar.

As duas se ajeitaram no sofá, preparando-se para uma longa conversa.

— Nós, anjos, não podemos mudar destinos como bem entendemos. Tudo é muito bem orquestrado e limitado por leis superiores. Há muitas coisas que não podemos fazer.

— Como o quê, por exemplo? — perguntou Ana, curiosa.

— Não podemos interferir no destino dos antepassados do futuro tirano. Por incrível que pareça, todos eles são pessoas de bom caráter, com histórias significativas e envolvidas em causas nobres. Não temos o direito de destruir essas vidas.

Ana balançou a cabeça, confusa:

— E vocês não poderiam simplesmente esperar esse tirano nascer e… sei lá, empurrá-lo de uma ponte?

Dina sorriu levemente antes de responder:

— Existe uma estrutura maléfica muito poderosa atuando no mundo. Já calculamos tudo: ele será muito bem assessorado pelas hostes do mal.

— E vocês não podem enganar esses seres das trevas para cumprir a missão?

— Claro que podemos, é exatamente o que estamos fazendo.

— E como vocês descobriram algo que só vai acontecer daqui a meio século?

— Essa informação não veio de nós, foi descoberta por seres de uma ordem superior à nossa há pouco mais de 70 anos. Eles soaram o alarme e nos designaram para esta missão.

— Quem são esses seres? — perguntou Ana.

— Arcanjos. Eles detectaram o problema e nos deram as diretrizes para enfrentá-lo, alertando que seria uma tarefa extremamente difícil.

— Imagino que seja mesmo… — murmurou Ana, concordando.

— É especialmente complicado porque envolve muitas variáveis. Quando recebemos a missão, anjos especializados em cálculos foram convocados para estudar o caso.

Ana arqueou uma sobrancelha:

— Anjos fazendo o trabalho de computadores?

— É mais ou menos isso. Eles realizaram milhões de cálculos, buscando uma solução. Não participei dessa etapa, mas o que me disseram é que o caminho que estamos seguindo parece ser o melhor possível.

— Parece? — questionou Ana.

— Não temos mais tempo para procurar outros caminhos. Os cálculos levaram meses e, agora, cada dia é importante na execução.

Ana inclinou-se para frente, procurando compreender:

— Então, se vocês não agirem rápido, até essa possibilidade pode desaparecer, certo?

— Exatamente. Não podemos falhar, qualquer erro pode destruir todo o plano.

Ana sorriu, sentindo-se importante:

— E mesmo assim você achou tempo para se preocupar comigo?

Dina riu, balançando a cabeça.

— Tenho bastante tempo livre, na verdade. As ações que precisamos realizar não são contínuas. Muitas vezes, passamos semanas apenas esperando o momento certo para agir.

Ana bufou, desapontada:

— Então eu só sirvo para preencher seu tédio?

Dina a encarou, séria, e respondeu com firmeza:

— Entrar em contato com você não foi escolha minha, a ordem veio de cima!

CAPÍTULO 26 – A PROFESSORA É DESPEDIDA

Assim que chegaram à escola, Dina comentou:
— Claudete foi à polícia. Está tudo resolvido!
Antes que Ana pudesse responder, a professora entrou na sala de aula. Era evidente para todos que ela não estava bem. O semblante abatido entregava uma angústia que não podia ser escondida.
Poucos minutos depois, a diretora abriu a porta e anunciou em tom firme:
— Turma, vocês estão dispensados hoje. Amanhã haverá aula normal com uma nova professora.
Em seguida, dirigindo-se à professora, acrescentou:
— Claudete, por favor, venha até minha sala.
A surpresa estampou-se no rosto de todos. Enquanto os alunos começavam a arrumar suas coisas para voltarem para casa, Ana sussurrou para Dina:
— Isso foi inesperado…
Dina, no entanto, parecia tranquila.
— Eu já previa que isso iria acontecer, Ana. Por isso, estudei a vida da diretora e vou precisar conversar com ela.
— Por que você faria isso? — questionou Ana, confusa. — A Claudete não é uma praga ruim que precisa ser extirpada do mundo?
— Ela está passando por um momento muito delicado, se for despedida ela poderá tentar fugir da dor e da vergonha de uma forma bem trágica: o suicídio.
Ana arregalou os olhos, surpresa.
— Quer dizer que você vai chantagear a diretora para não despedir a Claudete?
— Eu não chamaria isso de chantagem…
Dina refletiu por um momento antes de dar um leve sorriso.
— Tudo bem, é chantagem. Mas o que você espera que eu faça? Não vejo outra saída.
— E o que exatamente você descobriu sobre a diretora?
— Sonegação fiscal em grande escala. Tenho documentos suficientes para incriminá-la.
— Nossa, quem diria, como as aparências enganam. Qual é a pena para isso?
— Além do risco de prisão, ela pode enfrentar uma multa de até cinco vezes o valor sonegado. Essa multa a levaria à falência.
De repente, Dina se levantou e saiu apressada. Ana, curiosa, olhou pela janela e viu Dina conversando com a professora. Claudete chorava, mas parecia estar escutando com atenção.
Poucos minutos depois, Dina retornou à sala com o rosto sereno, quase radiante.
— Conversei com a Claudete. Prometi que vou resolver isso com a diretora e que ela terá seu emprego de volta.
Ana ainda parecia cética.
— E ela acreditou?
— Sim, falei que descobri algumas coisas e que iria ajudar. Claudete já conhece meus métodos. Acredita que ela até sorriu?
— Sério? Nossa, esse emprego deve significar muito para ela…
— Não é tanto pelo salário, mas pela rotina. Essa escola é o que dá propósito à vida dela.
Ana assentiu, impressionada com a atitude de Dina.
— É admirável que você esteja fazendo isso por ela, apesar do mal que ela tentou te causar.
Dina sorriu e respondeu com serenidade:
— Aprenda isso, Ana: sempre pague o mal com o bem. O universo vai reconhecer sua atitude e você será inevitavelmente recompensada.
Ana sorriu, tocada pela sabedoria de Dina.
— Obrigada pela lição. Mas, afinal, quando você vai conversar com a diretora?
Dina se levantou, confiante.
— Agora mesmo!
E saiu em direção à diretoria com passos decididos, pronta para colocar seu plano em ação.

CAPÍTULO 27 – A DIRETORA

Quase por instinto, Ana correu atrás de Dina no corredor.

— Vou com você — disse ela, determinada.

Dina assentiu.

— Tudo bem, Ana, talvez seja bom ter uma testemunha.

Quando chegaram à sala da diretora, Dina bateu à porta. Poucos segundos depois, a diretora Mariana apareceu.

— O que vocês querem? — perguntou ela, com visível irritação.

— Precisamos conversar com a senhora — disse Dina, educadamente, mas firme.

— Estou muito ocupada agora, contratando uma nova professora.

— Não é necessário contratar ninguém, queremos que a professora Claudete permaneça…

A diretora interrompeu Dina com um tom autoritário:

— Essa decisão não é dos alunos. Como diretora, sei o que é melhor para a minha escola. Claudete está enfrentando um processo criminal e não posso manter alguém assim como exemplo.

Mariana era uma mulher elegante, com aparência impecável, mas de expressão rígida e inflexível.

— Podemos entrar e falar com a senhora? — insistiu Dina.

— Já disse que estou ocupada. Voltem amanhã ou depois.

Dina não recuou.

— É urgente. Preciso falar sobre sua contabilidade.

A diretora franziu a testa.

— O que tem minha contabilidade?

— Talvez o Governo queira saber…

Mariana tentou fechar a porta, mas Dina colocou o pé para impedir.

— Está insinuando o quê, menina? Se continuar com essa insolência, vou expulsá-la da escola agora mesmo.

Dina sustentou o olhar da diretora.

— Eu tenho provas da sua sonegação fiscal.

O rosto da diretora empalideceu por um instante, antes de ficar ruborizado.

— O quê?! Que provas?

— Se nos deixar entrar, posso explicar melhor.

Relutante, Mariana abriu a porta. Dina e Ana se sentaram à frente da grande mesa da diretora, cercadas por uma sala decorada com cores extravagantes e iluminação baixa, claramente projetada para intimidar.

— Se não tiver provas, vou chamar a polícia — ameaçou a diretora, cruzando os braços. — E diga seu nome.

Dina inclinou-se levemente para frente.

— Meu nome é Naadiya, e sim, eu tenho provas.

Mariana arregalou os olhos.

— Você é a aluna que estava sendo procurada pela polícia?

— Sim, mas injustamente. A professora Claudete confessou que tentou me incriminar. Não há mais nada contra mim.

— E agora você quer defender a professora que tentou te prejudicar?

Dina sorriu.

— Quero, sim, porque acredito em pagar o mal com o bem.

A diretora revirou os olhos, impaciente.

— Vamos ao ponto. Que provas você tem?

Dina abriu a bolsa, tirou algumas folhas de papel e as entregou.

— São cópias, os originais estão bem guardados.

Mariana analisou os documentos, sua expressão mudando para pânico.

— De onde você tirou isso? Mais alguém sabe?

— Só uma pessoa, mas ela faz exatamente o que eu mando, não há risco de uma denúncia sem a minha autorização.

Mariana deixou escapar um suspiro trêmulo.

— Isso foi um erro do passado, já me arrependi, mas não tem como consertar. Se o governo descobrir, posso ir presa.

— Sem mencionar a multa de até cinco vezes o valor sonegado. Isso poderia levar a senhora à falência — disse Dina, com tranquilidade.

— Pelo amor de Deus, rasgue esses papéis… — implorou Mariana.

— Posso rasgar, mas preciso de duas garantias primeiro.

— Fale logo, já estou passando mal.

Dina, confiante, aproveitou o momento.

— Primeiro, a senhora vai doar o valor sonegado a uma instituição de caridade. Segundo, vai readmitir Claudete.

Mariana hesitou.

— Readmitir a Claudete é fácil, posso fazer isso ainda hoje. Mas o valor sonegado é alto demais.

— Em dez parcelas seria possível? — sugeriu Dina.

— Teria que ser em pelo menos 60 vezes sem juros. Mais do que isso não consigo pagar.

Dina sorriu.

— Está bem. Escolha uma instituição de caridade e comprometa-se a fazer doações mensais por cinco anos.

Mariana assentiu, resignada.

— Tudo bem. Mas preciso desses papéis agora.

— Só depois que a senhora cumprir as condições…

Mariana suspirou profundamente, visivelmente abatida.

— Fiquem aqui, vou resolver isso agora.

A diretora ligou para uma instituição de caridade, fez a transferência inicial e enviou o comprovante para o celular de Dina.

— Todo mês, até o terceiro dia útil, enviarei o recibo. Agora só faltam 59 parcelas…

— E a Claudete? — perguntou Ana.

Mariana fez uma careta.

— Vou ligar para ela.

Nesse momento, bateram à porta. Era Claudete. Dina explicou com naturalidade:

— Enviei uma mensagem para ela.

A SALA DA DIRETORA

CAPÍTULO 28 – O LADRÃO

Ao saírem da escola, Ana não pôde deixar de comentar:

— Lá está você de novo com esse ar de vitoriosa. Já se olhou no espelho para ver como fica quando consegue realizar seus objetivos?

— Fico feliz, Ana. Qualquer conquista, por menor que seja, é motivo de alegria.

— Para mim, parece algo além disso…

— Tudo bem, pode pensar o que quiser. Mas agora precisamos encontrar aquele ladrão.

— O assaltante que você deixou cego?

— Esse mesmo, você acredita que ele se arrependeu e vai mudar de vida?

— Isso é muito bom! Você sabe onde encontrá-lo?

— Sei. Ele está pedindo esmolas na rua, não muito longe daqui.

— Ele te ligou? — perguntou Ana, surpresa.

— Não, no desespero o coitado perdeu meu cartão.

As duas caminharam por cerca de dez minutos até uma esquina, onde avistaram um homem de óculos escuros. Ele se ajoelhava sempre que alguém passava perto, implorando ajuda para alimentar os filhos.

— Vamos falar com ele — disse Dina, avançando com determinação.

— Como o senhor está, seu André?

— Quem é você?! — respondeu o homem cego, alarmado.

— Eu sou…

Ele não deixou Dina terminar:

— Você é a mulher que me deixou cego. Reconheci sua voz. O que você jogou em mim? Foi pó da cegueira? Você é uma bruxa? Como eu posso me curar disso?

— Antes de tudo, preciso saber: o senhor vai abandonar essa vida de crimes e viver honestamente?

— Preciso cuidar dos meus filhos, mas não consigo trabalho e…

— Então pode continuar cuidando deles pedindo esmolas, já que insiste em tirar dos outros o que não lhe pertence.

— Você quer que meus filhos passem fome?

— De forma alguma, seu André. Quero que o senhor cuide deles, mas sem roubar.

— Por favor, há alguma maneira de me fazer voltar a enxergar?

Ana suspirou, visivelmente desanimada. Dina respondeu:

— Haveria, se o senhor decidisse parar definitivamente de roubar. Não é tirando dos outros e ameaçando com arma de fogo que o senhor vai conseguir alimentar seus filhos. Desse jeito, só vai acabar na cadeia ou em uma cova prematura.

O homem começou a chorar. Dina continuou:

— Se for preso ou morrer, quem vai cuidar dos seus filhos?

— Está bem… Vou continuar procurando emprego…

— Garanto que o senhor vai conseguir cuidar dos seus filhos de forma honesta. Compareça neste endereço, eles estão precisando de ajuda.

Dina colocou um pedaço de papel na mão dele. O homem perguntou:

— Quem vai dar emprego a um cego?

— Prometa solenemente que nunca mais vai tomar de alguém o que não lhe pertence. Se cumprir sua palavra, voltará a enxergar.

— Eu prometo…

— Se não cumprir, o castigo será tão severo que desejará voltar a ser cego.

— Eu juro, pode confiar em mim…

O homem chorava ainda mais. Dina, com expressão de compaixão, falou:

— Muito bem, vou confiar no senhor.

Ela retirou um maço de dinheiro do bolso e colocou na mão dele.

— Isso deve sustentar o senhor e seus filhos por pelo menos um mês. Não esqueça de ir ao endereço que passei.

— Está bem, mas quando vou voltar a enxergar?

Dina pensou por um momento e respondeu:

— Em cinco minutos. Estamos indo embora, mas não esqueça sua promessa.

— Obrigado, moça. Peço perdão por tudo!

— Está perdoado, seu André.

— Serei eternamente grato…

Antes de se afastar, Dina fez um alerta:

— Guarde bem o dinheiro. Alguém pode tentar roubá-lo.

Enquanto se distanciavam, Ana perguntou:

— Por que você não curou o coitado imediatamente? Ficar mais cinco minutos cego deve parecer uma eternidade para ele.

Dina balançou a cabeça, como se esperasse que Ana soubesse o motivo:

— Ele faria um escândalo, tentaria nos abraçar, chamaria a atenção dos curiosos…

Ana assentiu e, com um tom de cumplicidade, respondeu:

— Sim, temos que ser discretas!

CAPÍTULO 29 – BRINCANDO DE DEUS

Ana estava visivelmente angustiada, como se tivesse algo preso na garganta. Ela sabia que não poderia seguir em frente sem fazer aquela pergunta.

— Dina, você pode fazer todas essas coisas? Quero dizer, você tem autorização para isso? Para mim, você está brincando de Deus…

— Posso sim! Sempre que alguém cruza o meu caminho com violência, injustiça ou tenta me impedir de cumprir minha missão, eu posso agir da forma que achar melhor.

— Quer dizer que você pode até matar alguém?

— Posso!

Ana ficou escandalizada ao ouvir aquilo.

— Não acredito. Quer dizer que os anjos podem ser assassinos?

Dina franziu a testa, não gostando da provocação.

— Um anjo nunca é assassino, Ana. Só os humanos podem ser assassinos.

— Mas se matar alguém, o que você seria então? Qual palavra usamos para um anjo que mata alguém? Austero, enérgico?

— Não seja irônica, Ana! Nós evitamos matar e se o fizermos é por absoluta necessidade. Não somos assassinos, somos apenas seres superiores cumprindo uma missão.

Ana não estava satisfeita.

— Em que tipo de situação você precisaria matar alguém? Pelo que eu vi, você consegue deixar a pessoa cega, imobilizá-la, travar suas armas, desaparecer… — Ana parou por um instante, refletindo sobre as capacidades de Dina.

Dina respirou fundo, tentando não perder a paciência.

— Você percebeu que eu tive tempo para fazer todas essas coisas? Nada é feito por mágica. Não se trata de feitiçaria, é ciência. Eu preciso realizar uma tarefa para fazer o que eu faço.

Ana fez uma cara de confusão, tentando processar a explicação.

— Quando escapei da polícia no banheiro da escola, eu ainda estava lá. Eles só não me viam. Eu bloqueei o cérebro deles para que não me vissem. Demorei quase trinta segundos para fazer isso.

— E o assaltante, quanto tempo você levou para travar a arma dele e deixá-lo cego?

— Você viu que ele não chegou atirando, ele chegou exigindo as nossas bolsas. Enquanto falava com ele, eu estava manipulando a arma e o cérebro dele.

— Entendi. Só não entendo em que situação você precisaria matar alguém.

Dina tentou ser mais clara.

— Suponha que ele tivesse chegado atirando. Ele poderia nos ferir gravemente. Um ferimento grave poderia atrasar minha missão por horas, talvez até dias ou meses. Na verdade, uma missão pode até fracassar por causa de um ataque assim.

— Nesse caso você o mataria? — perguntou Ana, com um tom de curiosidade misturado com preocupação.

— Nesse caso, sim. Eu não teria tempo de agir no cérebro dele para controlar seus movimentos.

— Mas como você o mataria se não está armada?

Dina sorriu, um sorriso cheio de confiança.

— Eu não preciso de arma humana. Tenho algo muito mais poderoso do que qualquer artefato que os humanos já criaram.

— Pode me mostrar esse artefato? — perguntou Ana, intrigada.

— Ela não é visível, mas vou explicar como funciona: quando sou atacada bruscamente, posso lançar uma energia tão potente que paralisa todos os movimentos da pessoa instantaneamente. Porém, é irreversível.

— Que coisa incrível! Imagine uma arma dessas nas mãos da polícia…

Dina tentou esclarecer.

— Quando eu tenho tempo para agir no cérebro de alguém, não há danos permanentes, é tudo feito com cuidado, bloqueando áreas específicas, como a visão ou o movimento dos pés. Mas essa ação repentina de que falei é diferente…

— Entendi, é como se você lançasse um míssil na cabeça do indivíduo.

Dina concordou, acrescentando:

— É como pisar num inseto. Imagine o peso do seu corpo pisando num grilo, por exemplo. O esmagamento é imediato, o animal não como reagir e a morte é instantânea.

Nesse momento, Dina olhou para Ana com um ar de pânico.

— Não ouse perguntar isso, não vou responder!

— Tudo bem! — respondeu Ana rapidamente, levantando as mãos em sinal de rendição. — Fique tranquila, senhora leitora de mentes.

— Se você fizer essa pergunta, vou deixá-la cega por três dias — Dina brincou, com um sorriso malicioso, deixando claro que era uma piada.

As duas seguiram seu caminho, mas Ana não conseguia parar de pensar.

— Eu daria tudo para saber se Dina já tirou a vida de alguém…

CAPÍTULO 30 – FORÇAS DO MAL

No dia seguinte, não foi Ana quem apareceu na casa de Dina, mas o contrário.

— Preciso que você vá comigo a um lugar — disse Dina assim que foi atendida.

— Tudo bem, posso ir agora! — respondeu Ana, prontamente.

— É urgente, nem precisa se arrumar.

Elas começaram a caminhar e Dina falou:

— Antes de mais nada, quero te falar uma coisa.

— Tudo bem — respondeu Ana, curiosa. — Desde que não seja uma bronca.

— Você já sabe que tem motivo para levar bronca, pelo jeito…

— Tenho certeza de que não tenho motivo nenhum. Mas vamos lá, jogue suas pérolas…

Dina caminhava rapidamente e, em alguns momentos, puxava Ana pela mão para que ela não ficasse para trás.

— Tome cuidado com as forças do mal que tentam agir na cabeça das pessoas — aconselhou Dina.

— Você nunca havia me falado de tentações. Você acredita que existem maus espíritos?

— Eles existem, sim, e são inimigos dos humanos. Eles só querem o mal das pessoas, mesmo que falem que vão ajudar.

— Quer dizer que todos os espíritos que não são anjos são maus? — perguntou Ana.

— Não são apenas maus, são hediondamente maus. Eles não destroem a humanidade porque são impedidos por Deus.

— Nossa, eu não sabia que era assim…

Dina continuava caminhando rapidamente, puxando Ana pela mão para que ela a acompanhasse.

— A propósito, onde estamos indo? — perguntou Ana.

— No hospital — respondeu Dina.

CAPÍTULO 31 – TENTATIVA DE ASSASSINATO

Continuando a caminhar naquela toada acelerada, Dina foi explicando:

— Falando sobre maus espíritos, ou demônios, como você preferir chamá-los, são justamente eles que estão em ação neste momento.

— Vamos ter que enfrentar demônios? — perguntou Ana, com receio. — Por favor, não gosto disso, prefiro voltar.

— É melhor você ficar comigo, não estaria segura na sua casa. Tem uma enfermeira que pretende conseguir favores do mundo espiritual e recebeu uma incumbência macabra para atingir seus objetivos.

— Já posso imaginar o que seja — disse Ana, mostrando sua habilidade de dedução.

Dina continuou:

— É exatamente o que você está pensando. Ela precisa praticar um assassinato e o escolhido a dedo foi justamente o senhor Gerson.

— Como ela fez essa escolha? — perguntou Ana.

— Ela pensa que escolheu por si mesma, mas foi orientada mentalmente a escolher quem eles queriam.

Ana ficou apavorada:

— Temos que ir logo então! Quando ela vai agir?

— Ela já está agindo, mas estamos dentro do horário.

O pavor de Ana piorou ao ouvir essas palavras. Dina explicou:

— Essa enfermeira colocou um veneno no soro dele, mas vai demorar pelo menos uma hora para todo o soro entrar no corpo.

— Dina, você me surpreende às vezes. Se ela colocou veneno no soro, ele já deve estar morto a essa altura.

— A enfermeira, cujo nome é Irani, pesquisou muito bem antes de agir. Para não deixar vestígios que possam ser encontrados numa possível perícia, a dose tem que ser muito pequena, apenas o suficiente para causar um ataque cardíaco no paciente. Então ainda temos por volta de meia hora para entrar em ação sem que haja perigo de danos para o senhor Gerson.

— Se você está falando isso, vamos parar naquela lanchonete para tomar um lanche antes de prosseguir — disse Ana, com sua costumeira ironia fora de hora.

— Não tem porque arriscar demorando mais, vamos agir imediatamente — disse Dina.

Ao chegarem na porta de um quarto, Dina disse para Ana:

— Fique aqui perto da porta. Se aparecer alguém, você começa a fazer perguntas sobre qualquer coisa para que a pessoa não entre imediatamente no quarto.

Dina entrou no quarto e alguns minutos depois um médico veio caminhando na direção de Ana. Ele se aproximava do quarto onde Dina estava.

— Com licença — disse Ana, abordando-o. — O senhor é médico?

— Sou sim, por que? — perguntou ele, parando diante de Ana.

— Meu pai está internado neste hospital e não sei em que quarto ele está, e…

— Veja isso na recepção, minha senhora, eu sou médico, não posso dar essa informação…

— Só uma coisa, por favor — pediu Ana.

O médico consentiu, fingindo ter paciência.

— Qual o índice de cura de câncer atualmente? Estou muito preocupada com meu pai…

— Que tipo de câncer ele tem? — perguntou o médico, tentando ser atencioso.

— É câncer de… de… não me lembro agora… acho que fiquei nervosa…

— Estou com muita pressa, minha senhora, com licença…

— Por favor, só mais uma coisa…

O médico não lhe deu mais atenção e entrou no quarto do senhor Gerson.

Ana pensou, frustrada:

— Falhei!

CAPÍTULO 32 – A ENFERMEIRA

Ana olhou para o teto do corredor, desolada, mas logo ouviu uma voz chamando-a. Ao olhar para o final do corredor, viu Dina fazendo gestos urgentes.

— Venha aqui — disse Dina, sinalizando.

Quando Ana se aproximou, Dina falou:

— Você foi sensacional, me deu os exatos 30 segundos que eu precisava.

— Deu certo, então? — perguntou Ana, ansiosa.

— Deu sim, fomos perfeitas — comemorou Dina. — Troquei o soro adulterado por um normal.

— Vamos embora então? — perguntou Ana, já se preparando para sair.

— Não podemos deixar essa maluca aqui no hospital, ela pode perceber que não deu certo e tentar outra coisa.

— Como vamos tirá-la daqui? — perguntou Ana com preocupação.

— Ela vai sair de cadeira de rodas, venha comigo.

Elas atravessaram um longo corredor e chegaram a uma porta fechada. Dina falou:

— Espere aqui, eu já volto.

— Quer que eu atrapalhe alguém que tentar entrar aí também? — Ana perguntou, já com o olhar atento.

— Não virá ninguém — respondeu Dina.

Mesmo do lado de fora, Ana conseguiu ouvir a conversa:

— Quem é você?! Não pode entrar aqui! — gritou a enfermeira.

— Posso e já entrei! — disse Dina, erguendo a cabeça, desafiadora. — Quem você pensa que é para tentar matar um doente?

— Do que você está falando?! Eu não fiz isso…

— Fez sim. Eu fiz um teste no soro que você colocou no senhor Gerson. Estava envenenado…

— Você vai ter que provar isso, sua cadela, vou chamar a polícia…

Nesse momento, a voz de Irani ficou fraca, ela tentou gritar, mas quase não dava para ouvi-la.

— Minha garganta… não sei o que aconteceu… saia daqui…

Irani tentou se aproximar de Dina para agredi-la, mas seus pés não saíram do chão.

— O que está acontecendo comigo? Estou presa no chão — murmurou ela, desesperada.

— Você vai ter que fazer uma escolha…

— Você é um demônio? — perguntou Irani, fazendo o sinal da cruz.

— Não importa quem eu sou, mas sim quem você é: uma assassina! Eu poderia te mandar embora deste mundo agora mesmo, mas não sou como você… Estou te dando a chance de fazer uma escolha.

A enfermeira começou a murmurar palavrões.

— Que escolha sua %#@*#…

— Essa escolha vai ter que ser feita agora, se não fizer você ficará com os dois flagelos: você prefere ficar cega ou paralítica?

— Não vou escolher isso não, sua…

— Tudo bem, então está decidido.

Dina dirigiu-se até a porta para sair. A enfermeira caiu no chão e tentou gritar:

— Não consigo ficar em pé… não estou enxergando… volte aqui…

Dina voltou a se aproximar dela.

— Vai escolher então?

— Vou escolher sim — resmungou a enfermeira, cheia de ódio.

— Pode falar — disse Dina, com firmeza.

— Prefiro ficar paralítica, quero voltar a enxergar…

— Tudo bem, assim será!

A enfermeira voltou a enxergar, mas não conseguia sair do lugar. Dina falou:

— Se você tentar fazer o mal para mais alguém nessa vida, eu vou saber e voltarei — ameaçou.

— Não vou fazer nada de mal, por favor, preciso voltar a andar.

— Sinto muito, mas isso não será possível. É um castigo pequeno perto do que você tentou fazer com aquele pobre homem.

Quando estava quase na porta do quarto, a enfermeira falou, com uma expressão desesperada:

— Vou morrer aqui, ninguém vem nesse quarto, fica meses sem aparecer alguém…

Dina, com um sorriso enigmático, respondeu:

— Você se esqueceu que tem um telefone celular? Além disso, daqui a pouco sua voz vai voltar ao normal e poderá gritar à vontade.

CAPÍTULO 33 – O ACIDENTE

Enquanto retornavam a pé para casa, Ana voltou a ter um surto de falsa moralidade:
— Não me agrada isso que você faz, Dina. Você simplesmente deixou uma senhora paralítica pelo resto da vida, sem direito a defesa.
Dina não gostou da observação de sua amiga.
— Também não me agrada você não conseguir entender o quanto esse castigo é pequeno perto do que essa “pobre senhora” ia fazer com o senhor Gerson.
— Ela deveria ser julgada pelas leis do país, esse é o método de castigo que eu conheço e acho adequado.
— Mas nem sempre é! — respondeu Dina com firmeza. — Desde quando ficar um tempo na cadeia compensa tirar uma vida? A prisão é como tirar férias em um lugar onde não falta nada: alimentação, cuidados básicos, remédios, apoio psicológico, etc.
— É o que temos nesse mundo, Dina, não podemos fazer justiça com as próprias mãos.
— Vocês não podem, mas nós sim! Nós, anjos, já cansamos de encaminhar pessoas para as autoridades e vê-las se safarem de seus crimes. Por fim, estamos agindo da forma que achamos mais conveniente.
— E tem resolvido? Você tem visto resultados positivos dessa forma de castigo?
Dina tinha um exemplo e não podia deixar de usá-lo.
— Claro que sim, você mesma presenciou o caso do assaltante. Ele realmente se arrependeu e até já conseguiu trabalho.
— Quer dizer que ele nunca mais vai roubar?
— Nunca mais eu não sei dizer, minha bola de cristal não vê tão longe, mas ele vai tentar se firmar na honestidade.
— E o caso dessa enfermeira? Será que ela também não pode vir a se arrepender?
— Não acredito muito, mas podemos conversar com ela daqui a alguns meses. Quem sabe ela também se regenere…
Dina não conseguiu terminar a frase, pois deu um grito de horror.
Um caminhão em alta velocidade perdeu o controle e veio na direção delas. Não dava tempo de escapar e dentro de dois segundos elas estariam esmagadas.
Dina só teve tempo de empurrar Ana com muita força, tirando-a do alcance do caminhão, mas não teve tempo de sair da frente e foi atingida. O caminhão parou alguns metros depois, após se estatelar numa parede.
Ana tentou se levantar rapidamente para socorrer Dina, gritando sem parar. Pessoas começaram a se aproximar de todo lado para ajudar.
— Dina, onde você está? — gritava Ana, desesperada. Ela procurou embaixo do caminhão, mas não havia nada lá.
Nessa hora, o motorista do caminhão conseguiu sair da cabine toda contorcida e, mancando, foi falar com Ana.
— Moça, parabéns, nunca vi alguém dar um salto desses, você teve um reflexo surpreendente.
— Eu não fiz nada, minha amiga me jogou para fora do alcance do caminhão. Por que você fez isso, está bêbado?
— Não sei o que aconteceu, perdi o controle, parece que alguém estava dirigindo o caminhão no meu lugar…
Ana estava desesperada.
— Preciso achar minha amiga! Pessoal, me ajudem a achar a Dina…
Os curiosos que estavam por ali começaram a procurar também, mas não havia nem sinal de Dina. O motorista falou:
— Moça, acho que quem bebeu foi você. Meu caminhão estava desgovernado, mas eu vi bem o que estava na minha frente e só tinha você.
— Você tem uma amiga imaginária? — perguntou um senhor que estava por ali.
— É claro que não, Dina é real, é minha amiga…
— Sou psicólogo e sei bem o que aconteceu com você. O susto foi tão grande que você saiu da realidade e…
Ana voltou a gritar, desesperada.
— Eu não saí da realidade, não! Nós estávamos no hospital e viemos andando de volta para casa. Vínhamos conversando…
As pessoas olhavam umas para as outras. Ninguém acreditava que o caminhão tinha atropelado alguém que não estava por ali, nem que fosse aos pedaços.
Ao ouvir a sirene da polícia, que havia sido chamada por uma testemunha do acidente, Ana saiu correndo, falando para si mesma:
— Dina, o que aconteceu, onde você está?
Nesse momento, o telefone dela tocou.

CAPÍTULO 34 – LIGAÇÃO DO CÉU

— Alô! — disse Ana, não conseguindo esconder seu desespero.

A voz do outro lado era de Dina, mas mal dava para ouvir.

— Ana, fique em paz, eu estou bem… ou melhor, vou ficar…

— Pelo amor de Deus, Dina, o que aconteceu? Onde você está?

— Fui atingida, se não fosse um amigo que estava por ali, eu não estaria ligando para você agora.

— Mas… anjos morrem? — perguntou Ana, confusa.

— Não, nós não morremos, mas podemos ser feridos e ficar um bom tempo inativos até a recuperação plena.

— O que seu amigo fez? Ele não conseguiu impedir você de ser atingida?

— Ele conseguiu minimizar em muito a batida do caminhão no meu corpo. Assim como eu te lancei para o lado, ele me lançou para a frente. Ele só não conseguiu impedir o acidente por completo porque havia uma parede muito próxima.

— Mas como você está? Você não foi atingida em cheio então?

— Fui atingida, mas é como se um carro bate na traseira de outro que está em movimento. A pancada não é tão forte como se o carro estivesse parado, pois ambos estão indo no mesmo sentido.

— Quero ver você agora, onde você está?

— Onde eu estou, você não pode vir… estou no céu…

— Mas como você está usando o telefone no céu… tem torre de celular aí?

— Não estou usando o meu celular, ele caiu por aí.

— Eu vi mesmo que não identificou nenhum número. De que telefone você está ligando?

— De nenhum, só o seu telefone está em ação.

— Como você está fazendo isso? Não tem que ter um anjo especialista para realizar essa tarefa?

— Apenas a voz eu posso fazer. Não consigo fazer o mesmo com imagens, principalmente se estão no passado.

Ana estava mais calma, mas o susto ainda não tinha passado.

— Quando vou ver você? Posso ir na sua casa amanhã?

— Podemos nos encontrar no curso, fica mais fácil para mim.

Depois de uma curta pausa, Dina falou novamente:

— É isso, nos encontramos no curso…

Dina estava com dificuldade para falar. Ana percebeu e não quis estender muito a conversa.

— Tudo bem, minha amiga, desejo uma boa recuperação para você.

— Agradeço, querida, por favor, vá para a sua casa e descanse também.

A ligação terminou e Ana fez o que já estava em sua cabeça: procurar o telefone de Dina.

Ela voltou ao local do acidente e, assim que se aproximou, o senhor que se identificou como psicólogo falou:

— Eu sabia que você iria voltar, você deixou cair seu telefone celular. Estava embaixo do caminhão.

Era o telefone de Dina.

— Obrigada, agradeço muito…

Nesse momento, um policial se aproximou dela.

— Essa é a moça que conseguiu escapar de ser atropelada? Parabéns, você foi muito esperta.

— Eu tinha que tentar fazer alguma coisa, era a minha única chance…

Nesse momento, o motorista do caminhão falou:

— A senhora devia se inscrever para as olimpíadas. Esse seu salto deve ter sido um recorde mundial.

— Como a senhora não se machucou, saltando dessa forma? — perguntou outro policial.

— Não sei, acho que os anjos me protegeram — disse Ana, sorrindo timidamente.

CAPÍTULO 35 – DESPEDIDA

A aula transcorreu normalmente, mas Dina não apareceu. No final da aula, a professora perguntou a Ana:

— Sua amiga inseparável não veio hoje? O que aconteceu?

— Conversei com ela ontem, ela disse que viria — respondeu Ana. — Na verdade, estou preocupada…

Quando estava saindo da escola, uma senhora se aproximou dela.

— Pode me dizer que horas são?

Ana consultou o celular.

— São 17 horas e 10 minutos…

— Vamos até a minha casa para conversarmos melhor? — perguntou a mulher.

— Eu não conheço a senhora e…

Ana parou, esfregou os olhos e gritou:

— Dina!

— Sim, sou eu!

— Mas… o que aconteceu? Por que você não apareceu no curso?

— É uma longa história, vou resumir para você. Não vou mais frequentar o curso…

— Não vai mais?! Justo agora que entramos na parte prática…

— Eu não preciso fazer esse curso, não preciso aprender nada que é ensinado lá. Fazia parte da minha missão, somente isso.

— Tudo bem, mas o que você vai fazer?

Nesse momento, Ana entregou o celular de Dina, que agradeceu e falou:

— Hoje não vou poder te oferecer uma bebida — disse Dina, tentando esconder a tristeza.

— Por que? Você está me deixando assustada.

— Nossa missão falhou, estou indo embora…

Nesse momento, Ana começou a chorar.

— Não pode ser… você fez tudo certo… fomos ao hospital…

— O senhor Gerson faleceu durante a cirurgia. A missão acabou, pelo menos por enquanto.

Ana não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Meu Deus do céu! Como isso pode acontecer?!

— Fomos pegos de surpresa, subestimamos a organização das forças do mal. Eles estavam um passo à nossa frente…

— Quer dizer que o mal venceu? — perguntou Ana, entrando em pânico.

— Eles venceram uma batalha, mas a guerra está apenas no começo…

O medo de perder a amiga entrou no coração de Ana como uma espada.

— Você vai embora? Não vamos mais nos ver?

— Não sei o que vai acontecer. Mas posso prometer uma coisa: farei tudo para voltar a vê-la.

Nesse momento, elas chegaram onde deveria estar a casa de Dina, mas, no lugar, havia apenas um grande terreno baldio.

— O que é isso? Onde está a sua casa?

— Não existe mais… — respondeu Dina, tentando ao máximo não chorar.

— Você disse que ia resumir para mim. O que aconteceu para dar tudo errado assim? — pediu Ana.

— O acidente com o caminhão tirou de cena não só a mim, mas outros anjos que tiveram que nos socorrer. Infelizmente, o anjo que me salvou se feriu mais gravemente que eu…

— Isso teve alguma coisa a ver com a morte do senhor Gerson?

— Teve tudo a ver! Enquanto estávamos voltando ao céu para nos recuperar, eles estavam agindo de forma organizada.

— Sinto muito por tudo isso, Dina…

— Eu recebi uma admoestação por ter falhado. Todos acharam que eu devia ter agido de forma diferente.

— Eu falei para você não ficar castigando as pessoas, deixando-as cegas e paralíticas — disse Ana.

— Não foi por esse motivo. Já falei que temos autorização até para matar quem atrapalha a nossa missão.

— E qual foi o motivo então? — perguntou Ana, com ingenuidade.

— Isso não importa agora. Sabia que eu tive que implorar para vir conversar com você?

— Nossa, não sabia! Se você não viesse, eu iria enlouquecer…

— Por isso me deixaram vir, eles não podem negar o apelo do amor. Depois, vir ou não vir falar com você não muda nada em relação à nossa missão, que já fracassou mesmo.

— Quer dizer que o tirano vai assumir o poder de qualquer forma? Não há mais nada que se possa fazer?

— Acredito em uma nova missão para breve. Mas isso não depende de mim, faço parte da execução, não do planejamento.

Nesse momento, elas encontraram um banco numa pequena praça abandonada, se abraçaram e começaram a chorar.

CAPÍTULO 36 – ELSON

Ana chegou em casa desolada e começou a caminhar de um cômodo para o outro, falando em voz alta:

— O que eu faço? O que vai ser de mim? Volte, minha amiga, não posso viver sem você!

Depois de tomar alguns comprimidos, ela caiu no chão da sala e adormeceu.

Quando o marido de Ana, Elson, chegou e a viu caída no meio da sala, correu até ela.

— O que aconteceu, você desmaiou? — disse ele, levantando-a e levando-a para a cama.

Ana abriu os olhos e começou a chorar, dizendo:

— Ela se foi, minha amiga foi embora…

Ana já havia falado algumas coisas sobre Dina para Elson, mas ele não sabia a verdade completa.

— Aquela sua amiga… que disse ser um anjo? — perguntou ele.

— Sim… ela não é humana… ela realmente é um anjo…

Ana parecia confusa, como se estivesse bêbada, devido à quantidade de remédio que tomou.

— Vou te contar tudo, mas preciso tomar um banho primeiro — disse ela.

Do lado de fora do banheiro, Elson ouviu Ana gritando o nome de Dina enquanto tomava banho. Ele balançou a cabeça, tentando entender o que poderia fazer para ajudar a minimizar a dor dela.

Quando Ana saiu do banho e se deitou na cama, ainda chorando sem parar, Elson tentou acalmá-la.

— Desse jeito você não vai conseguir me contar o que houve. Tente se acalmar.

— Como posso me acalmar? — disse ela. — Talvez eu nunca mais veja a Dina…

Depois de mais meia hora de lamentações e lágrimas, Ana finalmente conseguiu contar tudo para Elson.

Ela falou sobre como conheceu Dina no curso, os problemas com a professora e com a polícia, o passeio de helicóptero, o assalto, a visita ao hospital… tudo o que havia acontecido.

Elson pensou por um momento e disse:

— Ana, se essa Dina é realmente um anjo, anjos não têm sexo. Logo, ela não é realmente uma mulher.

— Anjos não têm sexo? Como assim?

— Foi a forma que ela assumiu para realizar uma tarefa, uma missão…

— Quer dizer que ela poderia ser um homem?

— Acredito que sim, anjos não são masculinos ou femininos.

Ana ficou surpresa com essa possibilidade.

— Então ela, ou ele, pode assumir qualquer forma, até a forma de um animal?

Elson balançou a cabeça afirmativamente. Mas, ao ouvir a resposta, ele percebeu algo que Ana não havia notado:

— Acredito que Dina foi punida porque ela escolheu te salvar, ao invés de salvar a si mesma e cumprir sua missão.

Essas palavras soaram como uma bomba nos ouvidos de Ana.

— Como assim?!

Elson explicou sua tese:

— Pelo que você me contou, os anjos podem até matar para cumprir a missão. Então, num momento crucial, Dina deveria ter dado mais importância à missão principal.

— Nossa! Pode ser isso! Ela deu mais importância para mim…

— Milhões de pessoas podem morrer porque Dina achou você mais importante que a missão.

Ana começou a chorar novamente, soluçando:

— Ela poderia ter se salvado e ter salvo a missão. Ela tinha tempo de escapar, mas perdeu preciosos segundos para me salvar…

— Se não fosse por você, ela teria escapado do caminhão. As forças do mal perceberam essa fraqueza nela, sabiam que ela tentaria te salvar. Eles arriscaram e acertaram…

— Lembro-me de uma vez em que Dina falou que tinha fraquezas… quer dizer que por minha causa milhões de pessoas irão morrer…

— Essas pessoas nem nasceram ainda — disse Elson, tentando consolar Ana. — Deixe isso com os anjos, não vá viver se martirizando por algo que não aconteceu ainda.

Ana não parava de chorar.

— Eu a vi indo embora, caminhando por aquela rua até desaparecer. Nunca mais vou vê-la…

— Eu acredito que algum dia esse anjo vai voltar. O amor entre vocês é muito forte para terminar dessa forma.

Ana conseguiu parar de chorar e, olhando para o teto, falou com firmeza:

— Antes de ir embora, Dina pediu para eu me lembrar de todos os conselhos que ela me deu, inclusive pagar o mal com o bem.

— Espero que você se lembre de tudo — disse Elson, com um sorriso compreensivo.

Ana concluiu, olhando para cima, como se o telhado da casa fosse transparente e ela pudesse ver o céu:

— Vou ser uma pessoa melhor, Dina…

SEGUNDA PARTE – AS FÉRIAS

CAPÍTULO 37 – A INVASÃO

Ana continuava frequentando o curso de gastronomia, mas sentia que estava faltando alguma coisa. A tristeza de uma perda irreparável a acompanhava, uma sensação de abandono que ela não sabia como explicar.

— Dina poderia me ligar de onde estiver… ou será que essas ligações sem aparelho são restritas a situações de extrema urgência? — pensava ela, imersa na dúvida.

Ana sentia que Dina iria voltar, mas essa esperança só aumentava sua angústia.

— Eu sei que Dina voltará e que será em grande estilo — pensava, tentando manter alguma fé.

Naquele dia, Ana estava em dúvida se iria ao curso. Elson, preocupado, disse:

— Se esse anjo voltar, não deixe de me contar imediatamente. Estou muito preocupado com essa situação…

Ana não gostava que Elson se referisse a Dina como “esse anjo”.

— Ela é a minha amiga Dina, não é um anjo qualquer — respondeu ela com firmeza.

Quando a aula começou, Ana olhou para um calendário pendurado na parede da cozinha da escola e percebeu que fazia exatamente um mês desde aquele terrível acidente.

— Como eu queria ver você, Dina… poder te dar um abraço… — pensou, com o coração apertado.

Foi nesse momento que a porta da cozinha foi aberta violentamente. Um homem, com aparência descontrolada, invadiu o ambiente, enquanto gritos histéricos dos alunos ecoavam.

— Não façam barulho — gritou o homem, nervoso. — Estou fugindo da polícia e ninguém vai se machucar se fizerem o que eu falar.

— O que você quer? — perguntou a professora Claudete, aproximando-se dele com coragem.

Ela recebeu um empurrão tão forte que foi arremessada para o outro lado da cozinha, caindo sobre algumas panelas que estavam num canto.

O homem pegou uma faca que estava sobre a mesa e a apontou para os alunos.

— Estou com fome, o que tem para comer aqui?

Comida era o que mais havia na escola. A professora havia preparado algumas porções para os alunos provarem e eles deveriam recriar os pratos parecidos.

— Tem muita comida aqui — disse uma aluna com voz trêmula. — O senhor pode comer e ir embora.

— Você tem telefone celular? — perguntou ele. Ante a resposta afirmativa, o homem pegou o aparelho e começou a discar.

— Ainda bem que o imbecil do meu irmão conseguiu roubar um celular — disse ele, enquanto digitava o número.

Após alguns instantes, alguém atendeu.

— Estou em um lugar com muita comida — falou ele ao telefone. — Sabe aquela escola no final da Rua Sete de Setembro? Venham aqui e subam a escada, estou na cozinha.

A professora, que havia se levantado com dificuldade, falou, quase sem voz:

— O senhor chamou mais bandidos para virem para cá? Por favor, não faça isso…

— Vamos precisar de comida e de alguns carros para fugir. Só isso. Se todos colaborarem, ninguém se machuca.

Daí a pouco mais dois homens estranhos entraram na cozinha.

— Vamos comer logo e sumir daqui — disse um deles, com pressa.

— Não tenha tanta pressa — disse outro. — Parece que o pessoal aqui está colaborando. E tem umas mulheres bonitas, não podemos perder essa oportunidade, afinal, fiquei preso por cinco anos…

— Que grande ideia — comentou o primeiro bandido.

— Vamos saciar todas as nossas necessidades de uma vez só — completou o líder, rindo.

Eles começaram a comer como animais famintos. Em seguida, sentaram, relaxados, e começaram a conversar, planejando a fuga.

— Eu não devia ter fugido com vocês — disse um deles. — Faltavam apenas seis meses para terminar de cumprir minha pena e eu estaria livre para sempre.

— Agora já foi! — respondeu o bandido mais nojento. — Hoje você é um foragido, não tem volta. E a chácara daquele seu tio vai ser um ótimo esconderijo para nós.

— Mas eu não quero fazer mal a ele e à esposa dele. Eu só…

Um dos bandidos interrompeu o comparsa:

— Como não vamos fazer mal a eles? Vamos matá-los e ficar lá o quanto for necessário. Pare de ser frouxo…

Foi nesse momento que um dos bandidos olhou para Ana com um sorriso lascivo.

— Oi, linda, vem aqui no meu colo… — disse ele, com um olhar de desejo.

CAPÍTULO 38 – NA HORA “H”

Ana não obedeceu ao chamado do bandido, que, furioso, avançou até ela e a puxou pelo braço.

— Você vai fazer tudo o que queremos ou vai morrer agora mesmo! — rosnou ele, espalhando saliva por todo lado.

Mas, no momento em que ele começou a abrir os botões da blusa de Ana, alguém bateu na porta. Um dos bandidos correu até lá e abriu apenas uma fresta.

— O que você quer? — perguntou ele, com impaciência.

— Sou aluna dessa classe, cheguei atrasada — respondeu a voz do lado de fora.

O bandido olhou para os outros dois e disse:

— É uma mulher muito bonita, vamos deixar ela entrar.

Assim que a porta se abriu, todos os olhos se voltaram para quem estava entrando. Ana, surpresa, deu um grito de espanto:

— Dina, você voltou!!

Os assaltantes começaram a bater palmas, zombando:

— Oi, Dina, você chegou bem na hora, estamos fazendo uma festinha aqui e você será nosso prato principal.

A professora, com o rosto pálido, gritou:

— Dina, você não devia ter vindo agora. Esses homens são bandidos e querem estuprar as mulheres aqui presentes!

Dina, com um sorriso tranquilo, olhou para os bandidos, como se estivesse completamente à vontade.

— Então cheguei bem na hora mesmo — disse ela, sorrindo. — Quero participar dessa festa, senhores.

— Agora gostei de você — disse um dos bandidos, com um sorriso perverso. — Essa é uma das nossas…

— O senhor não vai gostar muito do que vou fazer com vocês — respondeu Dina, com um brilho ameaçador nos olhos.

Os bandidos começaram a rir, achando que ela estava brincando. Cada um deles segurava uma faca pontuda e as apontaram para Dina.

— Você vai fazer tudo o que a gente quiser ou vai morrer na frente dos seus colegas! — disse um deles, com voz cruel.

— Sinto muito, mas quem está com as horas contadas são vocês — respondeu Dina, com uma calma assustadora.

As gargalhadas dos bandidos ficaram mais altas, até que um deles falou:

— Não faça tanto barulho, pode chamar a atenção dos transeuntes.

— Não tem perigo — disse Dina, com um sorriso enigmático. — Já bloqueei todo o som dessa sala. Nenhum barulho vai ser ouvido lá fora.

— Você bloqueou? — perguntou um dos bandidos, desconfiado. — Está de gozação com a nossa cara? Venha aqui…

Ele tentou se aproximar dela, mas, surpreendentemente, seus pés não saíram do lugar.

— Vocês não podem fazer mais nada, vão sair daqui direto para o Instituto Médico Legal e de lá para o cemitério.

Aos poucos, os bandidos perceberam que algo muito estranho estava acontecendo. Um deles, assustado, gritou:

— Que %@#* é essa? Não consigo tirar meus pés do lugar!

— Nem eu! — gritou outro.

— Quem é você, um diabo? — perguntou um dos bandidos, tremendo de medo.

— Sou um anjo que veio livrar o mundo de vocês — respondeu Dina, com um sorriso leve, mas assustador. — E também vou livrar vocês de vocês mesmos. Não deve ser fácil existir nessa forma tão perversa…

Um dos bandidos, desesperado, implorou:

— Moça, solte a gente, prometo que vamos embora e ninguém aqui vai se machucar.

Dina deu uma gargalhada sarcástica.

— Ninguém vai se machucar? Vocês devem estar brincando! Tem gente aqui que vai se machucar, sim, e muito!

Os alunos e a professora estavam aliviados, vendo os bandidos sem poder se mover do lugar.

Ana, com lágrimas nos olhos, foi até Dina. Elas se abraçaram fortemente e começaram a chorar juntas.

— Isso é muito emocionante — zombou um dos bandidos. — Mas se for nos matar termine logo com isso.

— Vocês estão com pressa de morrer? — perguntou Dina, com um sorriso irônico. — Que interessante! Pela primeira vez na vida vocês tiveram um pensamento bom…

Nesse momento, um dos bandidos, enfurecido, tentou atirar a faca que estava segurando em Dina. Mas, estranhamente, a faca desviou de seu rumo e foi parar em seu próprio pé.

Diante dos gritos de dor do bandido, outro deles tentou fazer o mesmo e a faca também perfurou seu próprio pé.

— Vai jogar sua faca também? — perguntou Dina, olhando para o outro bandido.

— Não, vou passar minha vez! — respondeu ele jogando sua faca sobre a mesa da cozinha.

CAPÍTULO 39 – O JULGAMENTO

Dois bandidos estavam com facas cravadas nos pés, tentando desesperadamente removê-las, mas sem sucesso.

— Por que essa %@#* não sai do meu pé? Essa mulher é uma bruxa! Eu pensei que isso só existia em filmes! — gritou um deles, incrédulo.

Dina, calmamente, sentou-se em uma cadeira e olhou para os dois bandidos feridos.

— Vocês tentaram me atingir. Se pudessem, teriam me matado. Então, não reclamem da dor nos pés. — Disse ela com frieza.

— Se eu pudesse, te mataria, sim. Essa é a única coisa que eu quero fazer agora! — disse um dos bandidos, com raiva.

O outro, tentando uma nova abordagem, falou:

— Você é pior do que todos nós juntos, porque está nos torturando. Você vai pagar por isso!

Dina olhou para os dois e, com um sorriso sarcástico, se voltou para a classe.

— Que dó, estou torturando os coitadinhos — disse ela, e, olhando para os alunos, perguntou: — Pessoal, alguém aqui está com dó deles? Se alguém estiver, eu os solto e vocês podem levá-los para casa.

As respostas foram imediatas:

— Eu não!

— Que horror!

— Mate esses pilantras de uma vez!

— Chame a polícia logo…

— Tortura mesmo!

Essas foram algumas das expressões ouvidas após a pergunta de Dina. Ela mudou seu semblante, tornando claro que a situação estava chegando ao fim.

— Vocês serão julgados agora — anunciou Dina. — Vou adiantar que minha sentença é simples: absolvição ou condenação à morte. Não existe meio termo.

Nesse momento, Ana, que estava observando tudo, tentou intervir, sussurrando para Dina:

— Vamos ligar para a polícia. Eles vão ser presos e pagar pela pena…

— Sem chance, Ana! — respondeu Dina, abaixando o tom de voz. — Ninguém vai chamar a polícia.

— Mas não acho certo o que você está fazendo — insistiu Ana.

Dina a olhou com seriedade e explicou:

— Se eles voltarem a ser presos, vão fugir de novo. Ou serão soltos em pouco tempo e voltarão a assombrar pessoas de bem com suas maldades. Você viu o que eles pretendiam fazer com os tios daquele ali?

Ana, hesitante, suspirou e finalmente consentiu:

— Tudo bem, faça o que achar melhor!

— Esse julgamento não faz nenhum sentido! — disse um dos bandidos, que parecia sentir muita dor no pé. — Vamos ser condenados à morte de qualquer forma. Temos milhões de pecados e não somos ressocializáveis.

— É isso mesmo! — gritou outro. — Mate-nos de uma vez, sua %#&*!

Dina, sem responder, retirou de sua bolsa o que parecia ser um termômetro e colocou-o sobre a mesa.

— Vamos começar — disse ela com uma calma desconcertante.

Ela se aproximou de um dos assaltantes e perguntou:

— Você pretende se regenerar se eu o deixar ir embora?

— É claro que sim! — respondeu o bandido, tentando parecer sincero. — Vou arrumar emprego, vou ajudar todo mundo e…

Nesse momento, o aparelho de Dina ficou completamente vermelho.

— Você foi reprovado! — declarou ela, com uma expressão impassível.

Dina balançou o aparelho levemente, fazendo-o voltar ao normal. Então, ela se dirigiu ao próximo bandido e fez a mesma pergunta.

— Pode ter certeza que eu vou largar a vida de crime! Vou ajudar minha família, vou… — Ele pensou por um momento e continuou — Vou ajudar instituições de caridade… Eu prometo que vou ajudar todo mundo que puder…

O aparelho de Dina ficou tão vermelho quanto da vez anterior.

— Reprovado também! — disse ela, sem piedade.

Por fim, ela se aproximou do terceiro bandido, que estava visivelmente abalado. Ele começou a chorar.

— Olha… por favor… eu não sei o que vai acontecer, mas prometo que vou tentar viver corretamente, fazer o bem a todos…

Dessa vez, para surpresa de todos, o aparelho ficou verde.

— Ele está falando a verdade — disse Dina, com aparente satisfação.

CAPÍTULO 40 – A SENTENÇA

Após o julgamento, Dina olhou para os dois bandidos feridos e disse, com uma calma desconcertante:

— Vocês dois foram condenados à morte!

Ao se aproximar do terceiro bandido, ela falou de maneira mais suave:

— Você foi preso injustamente. Ninguém acreditou em suas palavras, nem mesmo seus colegas de cela. Para se proteger, você se adaptou ao sistema, fazendo-se passar por um bandido perigoso, temendo ser “engolido” pelos outros. Vejo em você plena condição de viver em paz, sem prejudicar mais ninguém.

— Como ela sabe tudo isso? — perguntou a professora, visivelmente impressionada.

O homem absolvido, tocado pelas palavras de Dina, começou a chorar.

— Obrigado, senhora Dina, mas vou continuar sendo procurado pela polícia. Faltavam apenas seis meses para eu sair da cadeia e agora minha pena vai ser aumentada. Não tem mais jeito para mim, pode me matar.

Dina o olhou com compreensão e respondeu:

— Você vai voltar para a sua cela. Eles vão pensar que se enganaram quanto à sua fuga e sua pena continuará como antes. Na verdade, haverá uma pequena revisão e você poderá sair antes do que esperava.

Os outros dois bandidos, enfurecidos com a absolvição do terceiro, começaram a gritar e cuspir nele. Dina, sem alterar o tom de voz, disse com firmeza:

— Chega, vocês já viveram demais!

Ela se virou para os alunos presentes e falou:

— Pessoal, estão dispensados por hoje. Vão embora e, por favor, não falem para ninguém sobre o que aconteceu aqui.

Um dos bandidos condenados, desesperado, se virou para a professora e implorou:

— Por favor, avise a polícia, não nos deixe aqui com essa louca…

A professora olhou para ele com um olhar gelado, lembrando-se das partes do seu corpo que ficaram roxas quando foi jogada sobre as panelas.

— De jeito nenhum, concordo plenamente com a sentença dela — respondeu Claudete, sem hesitar.

Ana, já se dirigindo para a porta, ouviu a voz de Dina.

— Você pode ficar!

CAPÍTULO 41 – A JUSTIÇA TERRENA

Ana deu meia-volta e se dirigiu a Dina com firmeza:

— Se você quer fazer justiça com as próprias mãos, faça isso longe de mim. Eu não quero ser amiga de uma assassina.

Dina, surpresa com a reação de Ana, tentou argumentar:

— Esses dois homens não têm recuperação, eles são um perigo para a sociedade. Alguém precisa fazer o que o sistema não faz!

Ana cruzou os braços e manteve o tom firme:

— Não é sua tarefa decidir quem vive e quem morre. Justiceiros são tão fora da lei quanto os bandidos que perseguem. Fazer isso te coloca no mesmo nível deles.

— Ana, você viu o que eles fariam! São homens sem consciência, sem remorso…

— Mas o destino deles não deve ser decisão sua, nem minha e sim da justiça. Se tomarmos isso para nós, somos tão criminosas quanto eles.

Dina olhou para os dois homens, que continuavam quietos, temerosos com o que aconteceria. Então suspirou e finalmente cedeu:

— Está bem, Ana, vou deixá-los aqui e chamar a polícia.

Ana assentiu, satisfeita. Dina então olhou novamente para os dois bandidos e, com uma expressão mista de desdém e alívio, disse:

— Vocês vão ser presos. Já estão quase entrando na terceira idade, quando saírem da cadeia estarão velhos demais para causar problemas.

Com isso, Dina ligou para a polícia, informando o paradeiro dos fugitivos. Em seguida, ela e Ana se voltaram para o homem que havia sido absolvido. Ele resmungou, abalado:

— A polícia também vai me encontrar aqui e vou ser preso. É melhor me matar… — disse ele com lágrimas nos olhos.

— Vamos sair daqui — respondeu Dina, sem dar espaço para mais reclamações.

Os três saíram para a rua. Assim que atravessaram o portão da escola, Dina se virou para os dois e avisou:

— Tomem cuidado para não se chocarem com ninguém, estamos invisíveis.

Após cerca de meia hora de caminhada pelas ruas silenciosas, eles chegaram na frente da penitenciária.

— Como vamos entrar aí? — perguntou Ana, embora já soubesse que Dina tinha um jeito para tudo.

Dina sorriu com sua confiança habitual:

— Posso abrir qualquer porta e ninguém vai nos ver entrar.

Com um movimento da mão, Dina destrancou a porta principal e os conduziu pelos corredores do presídio. O lugar estava quieto, com apenas alguns sons de vozes distantes. Ela abriu porta após porta com uma facilidade impressionante, até chegarem à cela do homem, que estava vazia.

— Boa sorte — disse Dina, abrindo a porta da cela. — A partir de agora você estará visível.

O homem entrou devagar, com um olhar agradecido, mas ainda misturado com medo e incerteza.

Ana, desconfiada, fez uma pergunta cautelosa, com medo da resposta:

— Vamos embora, então?

Dina deu um sorriso travesso, aquele mesmo sorriso de vitória que Ana já conhecia bem.

— Ainda não, vamos nos divertir um pouco por aqui!

CAPÍTULO 42 – A SALA DO DIRETOR

Ana e Dina se moveram discretamente pelo interior do presídio, evitando áreas ocupadas. Depois de algum tempo, Dina quebrou o silêncio:

— O diretor da cadeia está em um congresso no exterior e não volta tão cedo. Ele é paranoico com a segurança e levou a chave da sala dele. Nós vamos ficar lá.

Ana suspirou, já acostumada a confiar no julgamento da amiga:

— Certo, Dina, você deve saber o que está fazendo…

— O problema — continuou Dina, com um tom sério — é que teremos que atravessar o pátio que está cheio de presos. Você vai precisar manter a calma.

Dina olhou para o pátio pelos monitores de segurança.

— É melhor escolhermos o caminho com menos problemas — murmurou, franzindo a testa.

— Por que você fez essa cara? — perguntou Ana, intrigada.

— Não gosto de alguns dos homens que estão lá embaixo — respondeu Dina. — Especialmente o líder daquele grupo. Ele merece uma lição.

— Por favor, não agora — protestou Ana. — Já tivemos ação suficiente por um dia.

As duas avançaram cuidadosamente pelo pátio, tentando não chamar atenção. O ambiente estava tenso. Um grupo de presos dominava a área e todos os outros pareciam intimidados.

No centro do grupo, um homem grande, com uma barba que o fazia parecer um Rasputin moderno, estava no comando. Ele humilhava um preso que estava com a cabeça baixa, murmurando desculpas.

— Você vai fazer tudo o que eu mandar ou não sai vivo daqui! —vociferou ele, antes de dar um tapa no rosto da vítima.

Ana segurou o fôlego quando o homem deu um chute violento no estômago de outro presidiário. O movimento brusco quase fez com que ela perdesse o equilíbrio, mas Dina segurou seu braço firmemente, puxando-a para longe.

— Concentre-se! — sussurrou Dina.

Elas finalmente cruzaram o pátio sem serem notadas e entraram em um longo corredor que levava à sala do diretor. Dina parou diante da porta e, com habilidade impressionante, abriu a fechadura.

— Aqui estamos nós — anunciou Dina.

A sala era organizada e equipada. Dina caminhou até um canto e ligou os monitores que mostravam as câmeras de segurança espalhadas por toda a prisão.

— Por essa câmera — disse ela, apontando para uma tela — você vai assistir à lição que vou dar naquele sujeito.

Ana bufou e revirou os olhos.

— Dina, podemos conversar um pouco antes disso?

Dina virou-se para ela, exibindo um sorriso.

— Claro, vamos colocar a conversa em dia. Tem bebida e comida aqui.

Ana cruzou os braços, olhando para Dina com um misto de resignação e curiosidade. A noite prometia ser longa.

CAPÍTULO 43 – UMA REVELAÇÃO

Dina abriu a geladeira, examinando o que havia disponível, enquanto Ana se acomodava no sofá confortável da sala do diretor.

— Já conheço seus métodos, Dina. Tudo o que consumirmos vai continuar do mesmo jeito, não é? — disse Ana, observando-a.

Dina sorriu.

— Sim, pode comer e beber à vontade.

Enquanto colocava algumas bebidas e lanches na mesinha de centro, Ana lançou uma pergunta que parecia estar engasgada:

— Por que você voltou, afinal? E sua missão, em que ponto está?

Dina pegou uma garrafa de água e se sentou em uma cadeira próxima.

— Tirei umas férias — respondeu com leveza.

Ana arqueou uma sobrancelha, surpresa.

— Anjos tiram férias?

— É um modo de dizer — esclareceu Dina, sorrindo. — Minha missão está sendo planejada e vai começar dentro de um mês. Enquanto isso, pedi permissão para passar um tempo com você.

— Então você voltou só para me ver? — perguntou Ana, tocada, mas ainda cética.

— Na verdade, sim. E também achei que você precisaria de mim.

Ana olhou para Dina, pensativa.

— De fato, imagine o que seria de nós se você não tivesse aparecido naquele momento…

Dina hesitou por um instante antes de confessar:

— Na verdade, eu dei uma mãozinha para que aquele bandido invadisse a escola.

Ana ficou atônita com a revelação.

— O quê?! Sua maluca! Quer dizer que tudo aquilo aconteceu por sua causa?

Dina deu de ombros.

— Sim… você não achou emocionante?

Ana a encarou, incrédula.

— Emocionante? Eu quase fui estuprada! Como pode achar isso divertido?

Dina manteve a calma, como sempre fazia.

— Ana, eu estava no controle da situação o tempo todo e jamais deixaria algo assim acontecer.

— Mas por que você guiou aqueles bandidos para a escola? — perguntou Ana, furiosa.

— Porque eu queria livrar o mundo daqueles monstros — respondeu Dina com firmeza. — E, além disso, queria rever você e os colegas da escola. Foi apenas uma questão de unir o útil ao agradável.

Ana cruzou os braços, claramente insatisfeita.

— Você não podia simplesmente… sei lá… voltar como uma pessoa normal?

Dina riu com uma pontinha de orgulho.

— Se eu fosse normal, talvez…

Ana balançou a cabeça, falando com agonia:

— Agora estamos aqui, dentro de uma cadeia. Não era assim que eu imaginava revê-la.

— O mais importante é que nos reencontramos — disse Dina, tentando amenizar a situação. — Você gritava meu nome todos os dias.

Ana corou.

— Você… ouvia tudo?

— Claro que sim, só não ouviria se fosse surda.

Ana desviou o olhar, envergonhada. Depois de alguns segundos de silêncio, ela tomou coragem para fazer um pedido:

— Dina, por favor, sem mortes por aqui…

Dina a olhou com seriedade antes de assentir.

— Tudo bem, prometo que ninguém vai morrer por qualquer ação causada por mim.

Ana suspirou, aliviada.

— Que bom…

Mas Dina completou com aquele sorriso predador que Ana conhecia tão bem.

— Mas eles vão aprender uma lição que nunca mais vão esquecer.

Ana apenas balançou a cabeça, resignada. Sabia que quando Dina decidia algo, era difícil fazê-la mudar de ideia.

CAPÍTULO 44 – A SURRA

Dina hesitou antes de falar aquilo, pois estava buscando as palavras certas.

— Preciso te contar uma coisa… — começou ela, desviando o olhar.

Ana, ainda nervosa com a conversa anterior, cruzou os braços.

— O que é agora?

— Eu posso aparecer para as pessoas na forma que eu quiser — revelou Dina.

Ana arqueou uma sobrancelha.

— Eu já sabia, uma vez você se mostrou para mim como uma senhora idosa.

— Então não vai se assustar se me vir na câmera como um homem.

— Homem? Você vai se transformar em homem? — Ana arregalou os olhos. — Bem que o Elson me falou…

— Sim, posso aparecer como homem se precisar!

Ana ficou pensativa antes de perguntar:

— Mas, afinal, o que você é? Quero dizer… masculino ou feminino?

Dina soltou uma gargalhada.

— Nem uma coisa nem outra. Não tenho sexo. Mas admito que prefiro atuar como mulher.

— Por quê? Você tem instintos homossexuais?

Dina gargalhou novamente, ainda mais alto.

— Nada disso, não tenho desejos sexuais de nenhum tipo. Gosto de me apresentar como mulher pela aparência de fragilidade. Não é mais impactante ver uma mulher empurrando um carro de polícia com as próprias mãos do que um homem?

Ana pensou por um momento e assentiu. Dina falou:

— Bom, vou lá — disse ela, levantando-se.

Quando chegou à porta, Ana perguntou:

— E como vou saber quem é você no meio de tantos homens?

Dina sorriu.

— Só olhe as câmeras. Você vai saber.

Dina saiu, deixando Ana intrigada. Ela se posicionou diante dos monitores que mostravam o pátio da prisão. Pouco tempo depois, apareceu na tela um rapaz franzino, de uns vinte e poucos anos, caminhando resoluto pelo meio dos prisioneiros.

— Opa! Temos um novato aqui! — gritou um dos detentos.

— Venha pedir a bênção para o titio! — debochou o líder deles.

O rapaz, que Ana logo reconheceu como Dina, respondeu com calma:

— Vocês estão falando comigo?

Ana ajustou o volume do aparelho para ouvir a conversa.

— Qual é o seu nome, moleque? — perguntou o líder.

— Meu nome é Dino. E o seu?

— Dino?! Que piada é essa? — exclamou o líder.

— Por que você quer saber meu nome? — provocou ele.

A irreverência irritou o chefe.

— Venha até aqui, mas abaixe a cabeça. Não gosto de gente arrogante.

Dino soltou uma risada estridente.

— Por que eu abaixaria a cabeça para um idiota como você?

O pátio ficou em silêncio. A tensão no ar era palpável.

— É hoje que o pessoal da funerária vai fazer hora extra — murmurou um dos presos.

O líder avançou até Dino, claramente irritado, mas com um sorriso perverso.

— Você assinou sua sentença de morte, garoto.

Dino ergueu as sobrancelhas, fingindo surpresa.

— Você vai tentar me matar?

— Vou deixar meu amigo cuidar disso, não quero sujar minhas mãos com um verme como você.

O chefe sinalizou para um dos seus capangas, que prontamente se adiantou.

— Pode deixar comigo, chefe.

O silêncio voltou, quebrado apenas pela respiração nervosa dos presos. Dino, por outro lado, mantinha-se calmo.

— Espera aí — interrompeu Dino. — Esse fracote vai lutar comigo?

A provocação arrancou risadas dos prisioneiros.

— Está me chamando de fracote? — retrucou o capanga, enfurecido.

— Só estou dizendo o óbvio — respondeu Dino. — Você parece ter a força de uma criança de seis anos.

O capanga perdeu a paciência e avançou com um soco, mas Dino desviou e lhe deu um tapa tão forte que o homem voou e caiu a dez metros de distância.

Isso causou grande admiração em todos os presentes.

— Por que não vem você mesmo, grandão? — Dino provocou o líder.

Sem pensar duas vezes, o chefe avançou com toda a força. Dino o derrubou com um golpe que o fez voar metros no ar antes de cair no chão, estatelado e humilhado.

— Alguém mais? — perguntou Dino, olhando ao redor.

Um grupo de vinte homens o cercou, mas Dino não hesitou. O que Ana viu a partir de então foi uma confusão de corpos sendo jogados para todos os lados. Dino golpeava com precisão, enquanto os bandidos caíam, gemendo de dor.

Quando a poeira baixou, os homens estavam espalhados pelo chão, feridos e derrotados.

O líder, sentado em um canto, olhava para Dino com olhos arregalados.

— Quem é você e onde você aprendeu a lutar assim? Você é um ninja?

Dino se aproximou dele, olhando-o de cima.

— Não importa quem eu sou. O que importa é o que vocês serão daqui para frente. Quero respeito nessa cadeia.

— Depois dessa, você é o chefe — admitiu o líder, envergonhado.

— Quem disse que quero ser chefe de alguma coisa? — retrucou Dino. — Respeitem aqueles caras ali. Se não fizerem isso eu voltarei e da próxima vez não vai ser só uma surra.

Os presos assentiram em silêncio. Nesse momento, os guardas chegaram.

— Quem começou a briga? — perguntou um deles.

— Fui eu! — respondeu o ex-chefe, assumindo a culpa.

penitenciária
O PÁTIO DA PENITENCIÁRIA

CAPÍTULO 45 – OS GUARDAS

Dino encarava os quatro guardas com um sorriso irônico que parecia penetrar até a alma deles. Um dos guardas, incomodado, falou com firmeza:

— Nós vimos tudo, foi você quem causou essa confusão! Você pode ser bom de briga, mas não vai escapar da solitária…

Dino não respondeu de imediato. Continuava a encará-los, como se os desafiasse em silêncio, até que, finalmente, disse:

— Vocês mesmos deveriam falar.

— Do que você está falando? — questionou um dos guardas, visivelmente desconfortável.

— Vocês não acham que os presos deviam saber que vocês fazem apostas sobre quem será o próximo a morrer? — provocou Dino, com um tom que os fez empalidecer.

Os outros guardas trocaram olhares tensos, mas tentaram manter a postura:

— Isso é mentira!

Dino continuou implacável:

— Eles precisam saber que vocês ganham dinheiro com essas mortes. Dois mil reais por “cabeça”, direto da funerária.

Um murmúrio revoltado tomou conta do pátio. Os presos começaram a gritar palavras de ordem e o clima ficou tenso.

— Mentira! Isso é um absurdo! — gritou um dos guardas, puxando sua arma. — Mãos na cabeça e ajoelhe-se! Agora!

Dino permaneceu imóvel, com as mãos relaxadas ao lado do corpo. Sua calma parecia aumentar o nervosismo dos guardas.

— Vocês querem que eu mostre os vídeos? — disse ele com tranquilidade. — Estão todos gravados lá na sala de controle.

— De joelhos ou eu atiro! — gritou o guarda. — Vou contar até três!

Enquanto o guarda contava, Dino ignorava a ameaça e continuava falando, agora voltado para os presos:

— Antes da briga começar, eles ligaram para o contato deles na funerária. Falaram para “se preparar” porque hoje teria mais um “presunto” aqui.

Os presos ficaram ainda mais agitados. Os guardas apertaram os gatilhos, mas nada aconteceu.

— Que diabos está acontecendo?! — gritou um deles, tentando ajustar a arma.

— Talvez porque vocês nunca tenham usado essas armas — zombou Dino. — Parece que estão enferrujadas.

Outro guarda, desesperado, tentou usar o rádio:

— Torre, precisamos de apoio! Atirem nesse preso agora! Ele nos confrontou e nossas armas não funcionam!

Logo, a voz do vigia na torre respondeu:

— Entendido!

Todos olharam para a torre. O guarda lá em cima ajustou seu fuzil e apontou na direção de Dino.

Mas, após alguns segundos, ele começou a mexer na arma, frustrado.

— Não funciona, a arma está travada! — gritou ele, enquanto os presos zombavam.

Dino então tirou um celular do bolso, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

— Um preso com celular! Isso é inaceitável! — vociferou um guarda. — Vamos tomar isso dele!

Dino ergueu uma sobrancelha, desafiador:

— Pensem bem antes de tentarem algo. Vocês viram o que fiz com aqueles vinte homens, não viram? Imaginem o que eu poderia fazer com vocês, que são apenas quatro.

Os guardas pararam no mesmo instante, hesitantes. Dino ligou para a emergência, colocando o telefone em viva-voz:

— Emergência?

— Sim, qual é a situação? — respondeu a voz do outro lado da linha.

— Estou no presídio da cidade. Um guarda acabou de se ferir com um tiro no próprio pé.

Os presos caíram na gargalhada. Um deles exclamou:

— Esse cara é bom de briga, mas é um mentiroso! Ninguém se feriu aqui!

Mas antes que pudessem terminar de rir, um dos guardas gesticulou nervosamente com sua arma, que disparou sem querer, acertando o próprio pé. Ele gritou de dor e caiu no chão.

Outro guarda correu para ajudar o colega, mas tropeçou, e sua arma também disparou acidentalmente, atingindo sua perna.

Dino ainda estava no telefone.

— Tragam duas macas…

CAPÍTULO 46 – EXIBICIONISMO

Quando Dino desligou o telefone, ouviu uma explosão de aplausos. Todos os presos presentes no pátio o ovacionaram efusivamente.

Com um sorriso, Dino fez um gesto teatral de agradecimento, como se estivesse em um palco.

Enquanto isso, um dos guardas usou seu telefone:

— Por que estão demorando tanto? Temos dois homens feridos aqui!

Outro guarda, suando de nervoso, também usou seu celular para pedir reforços:

— Precisamos de ajuda, urgente! Um preso se rebelou, derrubou vinte homens e nossas armas estão falhando. Dois funcionários estão feridos…

Após uma breve pausa, enquanto ouvia a resposta, ele completou:

— Acho que precisaremos de pelo menos cinquenta homens… a coisa está realmente feia por aqui!

Antes de desligar, o guarda acrescentou, quase sem pensar:

— Se puderem, mandem também uma equipe do Instituto de Ufologia… esse cara não é humano!

E, depois de enxugar o suor na testa, arrematou:

— Ah, tragam um pastor também, acho que o meliante está possesso!

Nesse momento, Dino olhou diretamente para a câmera que Ana estava assistindo e falou em voz alta:

— Sei que está ficando tarde, aguarde só mais alguns minutos, já vamos embora…

Os guardas e presos ficaram confusos.

— Com quem ele está falando? — perguntou um dos guardas.

— Deve ser com Deus, — respondeu um dos presos, desconfiado.

— Ou com o diabo, — sugeriu outro.

Dino então apontou para o céu:

— Vocês viram aquilo lá?

Todos olharam automaticamente para onde ele indicava, mas não havia nada lá. Quando voltaram o olhar para Dino, viram que ele não estava mais ali.

— Para onde ele foi?! — gritou um guarda, em pânico.

— Ele desapareceu…

— É o diabo em pessoa! — murmurou um preso.

— Ou um anjo…

Os murmúrios tomaram o pátio e a confusão era geral.

Logo depois, Dina chegou à sala do diretor e encontrou Ana.

— Gostou do que viu? — perguntou Dina, com um sorriso provocador.

— Gostei mais agora, que você é Dina de novo! — respondeu Ana, com um leve tom de alívio.

— Eles receberam uma grande lição hoje! — comemorou Dina.

Ana, porém, rebateu:

— Sim, mas quando eu pedi para evitar mortes, também quis dizer feridos à bala…

Dina arqueou uma sobrancelha, confusa:

— Você não mencionou isso, Ana, se tivesse pedido eu teria evitado.

Nesse momento elas ouviram o som de uma sirene se aproximando.

— A ambulância chegou, — disse Dina. — Preciso terminar logo para irmos embora.

Ela então colocou um pendrive e alguns papéis sobre a mesa do diretor.

— O que é isso? — perguntou Ana.

— Provas de toda a corrupção deste presídio, — respondeu Dina. — O diretor é um homem honesto, ele vai apurar e punir os culpados.

Ana olhou surpresa:

— Como você descobriu tudo isso em tão pouco tempo?

Dina sorriu, mas seu tom era sério:

— Já estou por aqui há uma semana…

— O quê?! — exclamou Ana, incrédula. — Você estava aqui e não veio falar comigo?!

Dina deu de ombros, tranquila:

— Eu queria reaparecer em grande estilo…

Ana suspirou, tentando conter a frustração:

— Só me responda uma coisa.

— Pode falar — disse Dina.

— Quantas penitenciárias existem no Estado? E no país? Você vai querer consertar todas?

Dina pareceu surpresa com a pergunta e hesitou antes de responder:

— Claro que não, tenho outras coisas para fazer.

Ana cruzou os braços e insistiu:

— Então de que adianta consertar só uma? É uma gota no oceano…

— Já é alguma coisa, — respondeu Dina. — Melhor que nada…

Ana não recuou:

— A menos que existam outros anjos exibicionistas por aí fazendo o mesmo que você. Quem sabe assim alguma mudança aconteça de verdade.

Dina ficou visivelmente incomodada. Após refletir por um instante, perguntou:

— Você acha que sou exibicionista?

Ana devolveu com uma pergunta direta:

— Existem outros anjos com esse defeito?

— Para você isso é um defeito? — rebateu Dina, surpresa.

— Claro que é — respondeu Ana. — Você vive querendo se mostrar, criar situações para expor ao mundo o quanto é poderosa… ou poderoso… já nem sei mais quem você é.

Elas saíram juntas da sala e caminharam vagarosamente em direção à saída do presídio. Dina estava pensativa, como se processasse o que tinha ouvido.

Por fim, ela murmurou baixinho, quase inaudível:

— Acho que você tem razão…

CAPÍTULO 47 – A BRONCA

Ao saírem do presídio, Ana resolveu confrontar Dina de maneira direta, usando um tom incisivo, quase como uma luta verbal que levasse sua oponente ao nocaute.

— É claro que eu tenho razão, Dina! — começou ela, com firmeza. — Não entendo muito de anjos, mas tenho certeza de que eles não deviam sair por aí deixando pessoas aleijadas, cegas, ou matando bandidos e espancando presidiários.

Dina tentou responder:

— Sabe, Ana, é que…

Mas Ana não deixou que ela terminasse:

— É que você gosta de ser admirada… ou admirado. Por que não coloca uma capa de super-herói e sai voando pela cidade? Aposto que todos adorariam…

Dina suspirou e abaixou a cabeça:

— Já pensei em fazer isso…

Ana arregalou os olhos, incrédula:

— Está vendo! Eu estava certa!

— Eu já levei duas advertências por agir assim, mas simplesmente não consigo parar… — confessou Dina, visivelmente abatida.

Ana não conseguiu esconder a surpresa.

— Espera aí… quer dizer que anjos recebem advertências? O que mais vocês têm? Aviso prévio? Sindicato celestial?

— Não faça piada, Ana, — retrucou Dina. — As advertências foram injustas…

Mas Ana não parecia convencida:

— Sinceramente, Dina, não sei se foram tão injustas assim.

— Eu só estava cumprindo meu dever, — tentou justificar Dina. — Bem, aproveitei para me divertir um pouco, só isso…

Ana soltou uma risada irônica:

— Já pensou em trabalhar num circo? Você faria sucesso!

Dina bufou, resignada:

— Tá bom, Ana. Vou tentar não me exibir mais. Mas já aviso que não sei se consigo.

Ana cruzou os braços e falou com seriedade:

— E agora ainda descubro que foi você quem mandou aqueles bandidos para a escola. O que mais você andou aprontando?

Dina tentou esconder a expressão constrangida, mas Ana percebeu e continuou:

— Aposto que aquela confusão com o assaltante que ficou cego e a abordagem policial na estrada também foi armação sua para me impressionar.

— Olha, Ana, não foi armação minha — defendeu-se Dina, um pouco irritada. — Mas, claro, eu poderia ter evitado. Só não o fiz porque…

Nesse momento, o telefone de Ana tocou, interrompendo a conversa. Ela atendeu e rapidamente seu semblante mudou.

— O que aconteceu? — perguntou Dina, já sabendo a resposta.

Ana desligou o telefone e suspirou:

— O carro do Elson foi roubado.

CAPÍTULO 48 – A DECLARAÇÃO

Ana estava aflita com aquele triste acontecimento.

— Você pode usar seus poderes para nos ajudar a encontrar o carro? — pediu ela, em um tom bem mais calmo do que o que usara momentos antes ao repreender Dina.

Dina hesitou:

— Acho que não vai dar, Ana. Preciso tentar evitar confusão por alguns dias… e prometi não me exibir mais.

Ana franziu a testa, indignada:

— Você vai nos deixar na mão, Dina? Nosso carro não tem seguro, não podemos arcar com uma perda dessas. Por favor…

— Por que vocês não compram outro? Aquele já estava velho.

— Não importa se o carro é velho, importa que é nosso! Não podemos simplesmente aceitar que esses bandidos continuem roubando e nos dando um prejuízo desses.

Dina respondeu, defensiva:

— Agora há pouco você me criticou por querer resolver tudo sozinha naquele presídio. Do mesmo jeito, tem milhares de ladrões pelo mundo agora, não consigo prender todos eles.

Ana explodiu:

— Basta você cegar todos eles com a força do pensamento, como fez com aquele assaltante. Resolvido! Acho que bandido cego não rouba ninguém!

— Olha, Ana, sei que você está nervosa, mas vamos descansar agora. Amanhã, depois da aula, voltamos a falar disso…

— Amanhã depois da aula?! — gritou Ana, histericamente decepcionada. — Até lá o carro já terá sido desmontado e só vamos encontrar pedaços dele espalhados nas lojas de peças usadas.

Dina deu de ombros, tentando evitar mais tensão:

— Vamos torcer para que isso não aconteça…

Ana sentiu uma onda de desespero e as lágrimas começaram a brotar enquanto ela dizia:

— Eu queria tanto que você voltasse… Senti tanto a sua falta… E agora está fazendo isso comigo? Quase fui estuprada por sua causa! Vi dois homens feridos à faca e à bala diante de mim, outros tantos atirados longe como bonecos…

Ela enxugou as lágrimas com um lenço, tentando recuperar o controle.

— Você está me decepcionando, Dina…

— Desculpe, Ana, eu…

Ana decidiu apelar, buscando tocar Dina profundamente:

— Já entendi por que está agindo assim. Você quer me punir porque sua missão fracassou por minha causa, não é?

Dina arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa:

— Quem te disse isso?

— Está claro como água! — respondeu Ana. — Se não fosse por mim, você teria escapado facilmente daquele caminhão.

Dina sentiu o golpe. A verdade naquelas palavras a incomodou. Mas, ao invés de responder com raiva, ela fixou os olhos nos de Ana e falou com firmeza:

— Eu faria tudo de novo, quantas vezes fosse necessário. Para mim, você é mais importante que o resto do universo.

Ana não esperava uma declaração de amor tão linda, ainda mais vinda de um ser celestial. As lágrimas que antes eram de frustração agora eram de emoção.

Dina abriu um sorriso:

— É claro que vou ajudar a encontrar o carro.

Ana tentou esconder as lágrimas enquanto Dina completava, com um toque de humor:

— Você acha que eu perderia um divertimento desses?

CAPÍTULO 49 – A DEVOLUÇÃO

Depois de chegarem em casa, Ana e Dina se despediram com um abraço.

— Não reconstruí minha casa, já que vou ficar aqui por pouco tempo — comentou Dina.

— Onde você tem pernoitado? — perguntou Ana.

— Não tenho um lugar fixo. Como não preciso dormir, fico andando por aí, ajudando quem precisa.

Ana sorriu, intrigada:

— Eu gostaria de te acompanhar, quanta coisa interessante deve acontecer enquanto estou dormindo!

— Não é nada muito diferente do que você já viu até aqui — respondeu Dina. — A diferença é que sem você por perto não tem graça.

— Eu poderia ir com você? — sugeriu Ana.

— Infelizmente, não é possível, pois você precisa dormir. Mas não se preocupe, vou procurar o carro de vocês enquanto vocês descansam.

Depois disso, Dina partiu. Na manhã seguinte, Ana e Elson foram despertados pelo toque do interfone.

— Quem é? — perguntou Elson.

— Vim devolver o carro de vocês — disse uma voz do outro lado.

Elson desceu apressado e, para sua surpresa, lá estava o carro, lavado e encerado.

— Obrigado por recuperar meu carro! Sabe quem o roubou? — perguntou ele, impressionado.

— Fui eu — confessou o rapaz à sua frente.

Elson ficou em choque.

— Você é o ladrão?! Vou chamar a polícia!

— Não precisa — respondeu o rapaz, nervoso. — Eles já estão chegando.

Nesse momento, um carro de polícia parou em frente à casa. Um dos policiais desceu, questionando:

— É este o carro que foi roubado? Recebemos uma ligação dizendo que seria devolvido e que o responsável queria se entregar.

— Fui eu quem roubou o carro — declarou o rapaz, visivelmente abalado. — Por favor, me levem preso!

Todos estavam confusos.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou o policial a Elson.

— Sei tanto quanto vocês — respondeu Elson. — Ele tocou a campainha, fui atender e meu carro estava aqui.

Os policiais voltaram-se para o ladrão:

— O que aconteceu? Você se arrependeu?

— Não exatamente — respondeu o rapaz com a voz trêmula. —Um demônio apareceu para mim durante a noite e me obrigou a devolver o carro.

Ana, que havia chegado nesse momento, cochichou para Elson:

— Isso tem dedo da Dina, ela prometeu procurar o carro.

Os policiais não esconderam o ceticismo:

— Vamos lá, rapaz, conte essa história direito. Não invente mentiras.

O ladrão suspirou, lutando para manter a calma:

— Tudo bem, vou contar. Eu estava muito feliz por ter furtado o carro, foi meu primeiro furto bem-sucedido. Planejava entregá-lo hoje cedo para um amigo que trabalha em um desmanche, mas minha alegria não durou muito.

— O que aconteceu? — perguntou um policial, cada vez mais intrigado.

— Ela apareceu no meu quarto… uma mulher muito bonita… mas um demônio em pessoa! Ela me atormentou a noite toda!

Ana sussurrou novamente para Elson:

— Típico da Dina.

— Quem era essa mulher? — questionou o policial.

— Ela disse que se chama Dina.

— Você mora sozinho? — perguntou Elson.

— Moro com minha filha. Ela estava no outro quarto e disse que não ouviu nada.

— O que essa mulher fez com você? — perguntou Ana, já imaginando a cena.

— Primeiro, me deixou mudo. Eu não conseguia gritar. Quando tentei atacá-la, fiquei cego. Não enxergava nada.

— Continue… — incentivou o policial.

— Depois, tentei correr, mas meus pés ficaram colados no chão. Não conseguia me mexer. Passei horas ouvindo o sermão dela.

— O que ela disse? — perguntou outro policial, franzindo a testa.

— Resumindo, ela me mandou lavar e encerar o carro e devolver de manhã com um pedido de desculpas. Se eu não obedecesse, ela disse que me deixaria cego, mudo e paralítico para sempre.

O policial ironizou:

— Então você obedeceu ao tal “demônio”? Fez muito bem! Essas aparições sempre dão ótimos conselhos…

O outro policial riu:

— Por que você chamou a polícia? — perguntou ele.

— Ela também me mandou fazer isso — respondeu o rapaz, cabisbaixo.

— Bem — concluiu um policial, balançando a cabeça — agora temos um “demônio” ajudando a polícia. Já não bastava o que aconteceu na penitenciária ontem.

— Ouvi algo sobre isso — comentou Ana.

Os policiais algemaram o ladrão, que agradeceu:

— Obrigado por virem, se eu não me entregasse hoje ela disse que eu me arrependeria de ter nascido.

Enquanto colocavam o ladrão no carro, um dos policiais fez sinal para Elson e Ana, sugerindo que o rapaz fosse louco.

— O psiquiatra da cadeia vai adorar conversar com você — disse o policial, rindo.

Quando o ladrão estava sendo levado, Ana perguntou:

— Vocês não vão investigar o desmanche de veículos do amigo dele?

CAPÍTULO 50 – O COMBATE

Após a polícia partir, Ana recebeu uma mensagem da escola em seu celular, informando que as aulas seriam suspensas por uma semana devido aos trágicos acontecimentos do dia anterior, com a prisão de dois criminosos no local.

Pouco depois, Dina apareceu na casa de Ana, visivelmente angustiada.

— Quero agradecer pelo que você fez por mim! — disse Ana, com entusiasmo, mas Dina não compartilhou a euforia.

— Preciso conversar com você, é urgente — respondeu Dina, claramente nervosa.

— Nunca vi você assim, Dina, o que aconteceu?

— Precisamos de um lugar onde ninguém nos ouça. O que vou te contar é segredo de Estado…

— Tudo bem, Dina, estou sozinha em casa, meu marido saiu…

— Não pode ser aqui, precisa ser um lugar onde eu possa isolar todo o som…

Ana sentiu um pressentimento de que algo estava errado. O que poderia fazer para ajudar Dina?

— Precisamos de uma casa onde não tenha ninguém morando — disse Dina, suando frio.

— Eu conheço uma casa abandonada em uma rua próxima — disse Ana, preocupada com o tom da conversa.

— Então vamos para lá! — concordou Dina, sem hesitar.

Quando chegaram à casa e entraram, Dina gritou de repente:

— Saia daqui verdugo infernal!

— Não estou vendo nada aí — disse Ana, confusa.

— Vou te ajudar a ver esse inseto…

Então os olhos de Ana se abriram e ela viu o ser mais horrível que já imaginara. Era uma criatura grotesca, parecendo um morcego enorme, do tamanho de um boi, mas com o rosto humano.

A visão foi tão aterradora que Ana desmaiou. Quando acordou, viu a cena mais surreal de sua vida: um ser deslumbrante estava lutando contra aquela monstruosidade.

Dina já não era mais Dina, ela se transformara em um anjo majestoso, com uma espada brilhante na mão.

Ana observou em choque enquanto o anjo atravessava o demônio com a espada várias vezes, até ele cair no chão. Em seguida, o anjo amarrou o demônio com uma espécie de corda e lançou a espada ao chão, fazendo surgir um abismo escuro diante deles.

— O que é isso? — gritou Ana, apavorada com o que estava vendo.

— Isso é uma porta para o inferno — respondeu o anjo, com a voz imponente.

Com um movimento rápido, ela pegou o demônio ferido, que urrava de ódio, e o lançou dentro do abismo. O som do grito do demônio foi se atenuando à medida que ele caía cada vez mais fundo.

Ana, ainda atônita, não conseguia desviar os olhos do anjo. Dina se virou para ela e falou:

— Agora você me viu como eu sou!

— Por favor, não faça isso de novo — implorou Ana, desesperada.

Dina apareceu novamente diante de Ana e o abismo sumiu como se nunca tivesse existido.

Ana não conseguiu segurar as lágrimas, tudo aquilo foi forte demais para o seu sistema nervoso.

— O que você queria me contar? — perguntou ela, tentando recuperar o controle.

casa abandonada
A CASA ABANDONADA

CAPÍTULO 51 – REVELAÇÃO BOMBÁSTICA

— Agora podemos conversar sem ser ouvidas — disse Dina, encarando Ana com uma seriedade que nunca havia demonstrado antes.

— Pode falar, estou muito curiosa… — respondeu Ana, apreensiva.

Dina hesitou por um momento, desviando o olhar.

— Não sei como vou te contar isso, Ana… é muito… muito constrangedor…

— Seja o que for, fale logo! — implorou Ana.

Dina respirou fundo, como se estivesse reunindo coragem.

— Preciso dizer de qualquer jeito… a minha missão com relação a você é muito mais complexa do que parece. Isso porque…

— Por que o quê? Fale logo, por favor!

— Eu… não posso permitir que eles façam isso com você…

Ana sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

— Dina, o que você quer dizer com “isso”? Pare com esse mistério!

Dina finalmente a encarou diretamente, sua expressão carregada de tristeza e determinação.

— Um anjo da morte está vindo para levá-la.

— O quê?! Como assim? Por quê? — gritou Ana, em choque.

— Ana, eu não queria te contar isso, mas não dá para esconder.

Ana estava à beira de desmaiar, mas conseguiu se manter firme, ainda que com a mente em turbilhão.

— Dina, me explique isso direito! Eu não quero morrer, ainda sou muito jovem. Por que esse anjo está atrás de mim? O que eu fiz?

— Não é algo que você fez, Ana… É o que você representa. Não conseguimos encontrar uma solução plausível para o problema, então eles decidiram implementar o plano “B”.

— Que plano “B”? O que eu tenho a ver com isso? — questionou Ana, desesperada.

Dina segurou os ombros de Ana com firmeza, tentando tranquilizá-la.

— Eu vou lutar por você, Ana. Dou minha palavra de que farei tudo ao meu alcance para protegê-la.

— Dina, me diga… por que alguém quer me matar?

Antes que Dina pudesse responder, ela ficou imóvel, seu olhar fixo em algum ponto acima delas.

— Ele está chegando, em menos de dez minutos estará aqui — sussurrou Dina em tom grave.

Ana sentiu o coração disparar.

— Dina, por favor, me proteja desse monstro!

— Ele não é um monstro, Ana. É um anjo, maior e mais poderoso do que eu… mas eu o enfrentarei, você verá.

O medo de Ana se misturava com a confusão.

— Por que eu? O que eu fiz para merecer isso?

Dina respirou fundo. Não havia mais como esconder a verdade.

— Ana… você… — começou Dina, hesitando.

— Eu o quê? Fale! — insistiu Ana, já à beira de um colapso.

— Você é a avó do tirano…

CAPÍTULO 52 – O PEDIDO

Ao ouvir tais palavras, Ana perdeu completamente o controle. Ela começou a correr dentro da casa, enquanto gritava em desespero:

— Eu mereço morrer… por favor, eu quero morrer! Não quero ser avó de um monstro!

Dina corria atrás dela, tentando impedir que Ana se machucasse, segurando-a sempre que ela tropeçava ou tentava derrubar móveis.

— Ana, por favor, pare! — implorou Dina. — Eu não queria te contar isso, mas não tinha outra escolha.

Ana virou-se para Dina com os olhos cheios de lágrimas e dor.

— Então quer dizer que você veio para me matar? Foi por isso que se aproximou de mim? Quando desistiu, mandaram outro anjo para fazer o serviço?

Dina ficou horrorizada com a acusação e balançou a cabeça energicamente.

— Não! Nunca! Eu não vim para te matar, Ana. Fui enviada para estar ao seu lado e tentar entender algo crucial para nossa missão. Há coisas que só Deus sabe e precisamos agir com as informações que temos.

— Então por que vocês não perguntam para Deus? Ele não pode revelar? — questionou Ana, quase gritando, enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto.

Dina suspirou, como se carregasse um peso antigo.

— Não funciona assim. A vida na Terra é cheia de nuances. Deus permite que o livre-arbítrio e os processos naturais sigam seu curso. Por isso o sofrimento é tão presente neste mundo.

Ana limpou os olhos com as mãos trêmulas e olhou diretamente para Dina.

— Tudo bem, Dina, eu entendo. Mas preciso te pedir algo.

Dina sentiu um aperto no coração.

— Pode falar — disse ela, já temendo as palavras que viriam.

— Por favor, não lute por mim. Deixe esse anjo me levar. Eu não quero viver sabendo que minha linhagem será responsável por tanta destruição.

Dina aproximou-se dela, os olhos brilhando com determinação.

— Isso não é culpa sua, Ana. Já percebeu que pais bons, muitas vezes, têm filhos maus?

Ana franziu a testa, tentando compreender.

— Não sei, Dina. Sempre ouvi dizer que uma árvore boa não pode dar maus frutos.

— Árvores são simples, Ana, mas os seres humanos são complexos. Um casal pode ter dez filhos excelentes e, ainda assim, nascer deles uma ovelha negra que carrega em si uma soma de conflitos que os outros não possuem.

Ana permaneceu em silêncio por um momento, digerindo aquelas palavras.

— Então você está dizendo que eu sou uma árvore boa que dará um fruto mau? Isso não faz sentido para mim…

— O tirano não será mau desde o início, Ana. Ele terá ideais nobres, acreditará estar lutando pelo bem. Mas, em algum ponto, ele se perderá. A loucura o tomará e, a partir daí, ninguém conseguirá detê-lo.

Ana respirou fundo, tentando organizar os pensamentos.

— Dina, eu imploro, não lute por mim. Não quero que você sofra punições celestes por minha causa.

Dina deu um passo à frente, com a postura de quem não recuaria.

— Não posso fazer isso, Ana, eu prefiro enfrentar qualquer consequência do que não lutar por você.

Ana ficou em silêncio por alguns minutos, absorvendo o peso daquelas palavras.

— Então… quais são os resultados possíveis dessa luta? — perguntou ela finalmente.

Dina hesitou antes de responder:

— Não sei. Tudo pode acontecer.

— O que acontece se você vencer? — insistiu Ana.

— Se eu vencer, apenas ganharemos tempo…

— Só isso? — Ana parecia incrédula. — E se você perder?

Dina desviou o olhar, a expressão agora sombria.

— Se eu perder, ele irá levá-la imediatamente.

Ana engoliu em seco, o coração batendo acelerado.

— E você? O que acontecerá com você se isso acontecer?

Dina baixou a cabeça, como se pesasse cada palavra antes de falar.

— Eles podem me prender por um longo tempo, milhares de anos, na contagem da Terra… ou…

— Ou o quê? —perguntou Ana, a voz quando não saindo.

Dina levantou os olhos lentamente, encarando Ana com um pesar que parecia impossível para um ser tão sublime.

— Ou podem me lançar no abismo.

Ao dizer essas palavras a luz ao redor de Dina parecia pulsar, refletindo sua luta interna.

Mesmo em sua forma humana, havia algo etéreo nela — uma firmeza sobrenatural que contrastava com sua expressão de dor e incerteza.

Era como se a luta entre dever e compaixão a tivesse transformado numa guerreira cuja batalha ia além do físico, envolvendo princípios que Ana não podia entender.

CAPÍTULO 53 – O RAKHAM

— A partir de agora, não posso mais ficar longe de você nem por um segundo — disse Dina, os olhos percorrendo o ambiente como os de uma sentinela vigilante.

Ana balançou a cabeça, discordando.

— Dina, eu não quero morrer, mas, se for necessário para que você continue bem, eu aceito o meu destino. Pode ter certeza de que ficarei em paz com isso.

Dina a fitou com tristeza, a expressão carregada de culpa.

— Você não merece isso — balbuciou.

Ana, com um fio de esperança, perguntou:

— Tem alguma coisa que eu possa fazer? Existe alguma forma de eu me defender?

— Sim, existe algo… algo muito poderoso…

Dina mostrou um pequeno objeto, algo do tamanho de uma moeda de dez centavos, mas com uma presença que parecia preencher o ambiente. O objeto emanava um brilho suave, como se captasse e refletisse uma luz celestial.

— Isso se chama Rakham — disse Dina, estendendo-o a Ana. — Guarde-o com você. Ele permitirá que veja quando o anjo da morte se aproximar e impedirá que ele a ataque de surpresa.

Ana segurou o objeto com cuidado, observando-o de perto. Ele era feito de um material translúcido que parecia conter uma energia vibrante, quase líquida, girando dentro de si.

— Mas isso só serve para eu vê-lo? — perguntou Ana, com uma mistura de desconfiança e curiosidade. — De que adianta enxergar o ser que está vindo para me matar?

Dina inclinou-se um pouco, como se o que estivesse prestes a dizer fosse um segredo profundo.

— Se você lançar o Rakham contra um anjo, ele será ferido de forma tão severa que precisará de pelo menos um século para se recuperar.

Ana arregalou os olhos, surpresa.

— Um século? Como algo tão pequeno pode causar um dano desses?

— O Rakham não é um objeto comum. Ele contém energia em estado latente, extraída diretamente do núcleo de uma supernova. Essa energia, ao entrar em contato com o corpo astral de um anjo, provoca uma reação catastrófica, causando uma implosão que o incapacita completamente.

O Rakham é um artefato raro, uma relíquia do conflito celestial. Seu núcleo brilhante abriga energia pura, selada por camadas invisíveis de proteção. Ao toque, ele parece frio, mas uma vibração corre por sua superfície, como se ele fosse uma entidade viva. Apenas anjos de hierarquia elevada conhecem sua origem exata, mas sabe-se que é uma criação dos arcanjos destinada a ser usada em situações extremas, uma arma tanto de defesa quanto de punição.

Ana sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Você quer que eu ataque o anjo da morte com isso?

— É a sua única chance, caso eu perca a luta. Será o seu último recurso. Mas, para funcionar, ele não pode saber que você está vendo ou sentindo a presença dele. Se ele perceber, ficará na defensiva e nosso plano falhará.

Ana hesitou, segurando o pequeno artefato como se ele fosse a chave para um segredo proibido.

— Por que você mesma não usa isso contra ele? — perguntou.

Dina suspirou.

— Se eu lançar o Rakham também serei atingida. Ele foi criado por arcanjos e, originalmente, só eles poderiam usá-lo com segurança. No entanto, descobriu-se que humanos podem usá-lo sem sofrerem danos.

Ana estreitou os olhos, desconfiada.

— Como você conseguiu isso? Não me diga que roubou de um arcanjo…

Dina sorriu levemente, mas a tristeza ainda estava em seu semblante.

— Eu o encontrei no Vale Sinistro, após o Grande Confronto que mudou a ordem dos planetas.

Ana inclinou-se, intrigada.

— Quando foi isso?

— Há centenas de milênios. Na época, tudo estava em ruínas e os anjos que sobreviveram mal podiam se mover. Esse Rakham foi deixado para trás, provavelmente esquecido na confusão. Eu o achei e guardei, imaginando que um dia ele poderia ser útil.

Ana continuou observando o pequeno artefato, o brilho hipnotizante parecendo dançar em suas mãos.

— O que acontece com o anjo se ele for ferido por isso? — perguntou, a voz um pouco mais firme.

— Ele implodirá, perdendo sua consciência por décadas. Após muito tempo, irá se recuperar e voltará a ser um anjo comum.

Ana apertou o pequeno artefato na mão, tentando reunir coragem. Então, com uma expressão determinada, tentou imitar a postura de leoa feroz que tanto admirava em Dina.

— Tudo bem — disse ela com um sorriso irônico. — Vamos dar umas boas férias para esse rapaz…

rakham
O RAKHAM

CAPÍTULO 54 – DUELO DE TITÃS

Assim que Ana terminou de pronunciar essas palavras, o telhado da casa explodiu com um estrondo que fez a terra tremer. Estilhaços voaram em todas as direções, mas antes que qualquer um pudesse atingi-las, uma luz mais brilhante que mil sóis invadiu o ambiente. Era uma claridade quase palpável, carregada de um poder aterrorizante.

Ana foi imediatamente dominada pelo impacto daquela energia e caiu no chão, inconsciente. Dina, por outro lado, assumiu sua forma celestial em um piscar de olhos. Suas asas, imensas e flamejantes, se abriram, preenchendo o espaço com uma aura protetora. Ela se colocou entre Ana e o terrível Anjo da Morte que descera do céu como uma tempestade encarnada.

O Anjo da Morte era uma figura de imponência sombria, coberto por uma armadura negra que parecia ter sido forjada no próprio abismo. Seus olhos ardiam com um brilho vermelho e cada passo que ele dava fazia o chão estremecer.

— Eu tenho ordens de levá-la e você não pode ficar em meu caminho — disse o ser, sua voz ecoando como trovões no vazio.

Dina permaneceu firme, sua postura irradiando coragem.

— Não vou deixar você fazer isso. Não sei se você sabe, mas eu amo essa mulher! — disse Dina com determinação, suas palavras rasgando o ar como uma declaração de guerra.

O Anjo da Morte deu uma gargalhada com um som gélido que parecia cortar a alma.

— Nós, anjos, não temos direito a essas fraquezas. Sentimentalismos como o seu são bloqueios para o cumprimento de nossas missões.

— Eu não concordo com o plano “B”, por isso vim para a Terra. Precisamos encontrar o Matuto!

— O Matuto? — retrucou o anjo negro. — Ele foi procurado em todo o país e não foi encontrado. Você sabe disso, foi por isso que fui enviado.

— Se você me der tempo eu posso encontrá-lo.

— Não há mais tempo, Dina — disse o Anjo da Morte, aproximando-se. — A ordem foi dada e eu não falharei.

— Então você deveria ter trazido os outros. Onde estão seus companheiros de foice? Parece que veio sozinho…

Dina inclinou-se levemente, suas asas vibrando com um calor crescente.

— Eu não queria chegar a isso, mas se é o que você quer, vou direcioná-lo de volta.

O Anjo da Morte não hesitou. Com um movimento fluido, ele puxou sua espada negra, com uma lâmina que parecia absorver a luz ao seu redor. Ao mesmo tempo, Dina puxou sua espada flamejante, que rugia como um pedaço do próprio sol, iluminando o ambiente com um brilho alaranjado.

E a batalha começou.

O embate foi violento, uma colisão de forças que sacudiu o ar e rachou o chão. Cada golpe da espada negra do Anjo da Morte deixava um rastro de destruição, enquanto a lâmina flamejante de Dina cortava o ar como um relâmpago. Chamas e sombras dançavam no ambiente, criando um espetáculo de luz e escuridão que parecia desafiar as leis do universo.

Dina lutava com bravura, mas estava claro que o Anjo da Morte era mais forte, mais rápido, mais preciso. Ele atacava com a eficiência implacável de alguém que nunca falha. Dina, por sua vez, lutava com o coração, movida pelo amor e pelo desejo de proteger Ana.

Depois de minutos que pareceram uma eternidade, o Anjo da Morte desferiu um golpe brutal que lançou Dina ao chão. Ela caiu pesadamente, suas asas estendidas inertes como se fossem feitas de chumbo. O Anjo da Morte aproximou-se, pisou em suas costas com força e ergueu sua espada para o golpe final.

Dina ficou em silêncio, imóvel, como se a vida celestial tivesse deixado seu corpo.

O Anjo da Morte voltou-se para Ana.

— É hora de ir, minha amiga…

Ana acordou nesse instante e seus olhos encontraram aquela figura fúnebre diante dela. O medo tentou dominá-la, mas ela reprimiu o instinto de gritar ou reagir. Precisava fazer o que Dina tinha falado.

Quando o Anjo da Morte guardou sua espada e conjurou uma imensa foice negra, Ana agiu. Fingindo tropeçar, ela lançou o pequeno artefato que Dina lhe entregara.

O que aconteceu em seguida parecia um evento tirado de outro mundo.

O Rakham atingiu o peito do Anjo da Morte e a reação foi instantânea. Ele soltou um grito ensurdecedor, um som que parecia conter a dor de mil almas condenadas. Sua forma corpórea começou a se distorcer, contorcendo-se como se estivesse sendo rasgada por forças invisíveis. Ele girou no ar, um vórtice de sombras e luzes que parecia puxar a própria realidade para dentro de si.

Então, com um estrondo final, ele foi sugado para cima, desaparecendo no céu em uma explosão de energia.

Ana caiu de joelhos, observando o céu enquanto as nuvens se fechavam novamente. O ar estava pesado e tudo ao redor parecia ter ficado em silêncio absoluto, como se o mundo segurasse a respiração.

— Dina! — gritou Ana, correndo até o local onde sua amiga havia caído.

Mas Dina não estava lá.

Tudo o que restava era o silêncio.

O ANJO DA MORTE

CAPÍTULO 55 – A NOVA ALUNA

Ana chegou em casa em um estado de completo desespero. Suas mãos tremiam enquanto tentava explicar a Elson tudo o que havia acontecido. Ele ouviu com atenção, mas sua expressão alternava entre preocupação e ceticismo.

— Onde está sua amiga agora? — perguntou ele, tentando organizar os pensamentos.

— Eu não sei… temo que ela tenha sido lançada no abismo.

A voz de Ana falhou e as lágrimas começaram a rolar. Ela se agarrou a Elson, como se buscar conforto pudesse aliviar o peso da ausência de Dina.

— O que eu faço? — sussurrou ela entre soluços. — Estou longe da minha amiga outra vez…

Elson tentou manter a calma, embora visse o sofrimento de Ana.

— Não há nada que possamos fazer agora, vamos esperar, tenho certeza de que ela reaparecerá.

Apesar de suas palavras tranquilizadoras, a dúvida corroía Elson por dentro. Algo nessa história era aterrorizante demais para ser apenas fruto da imaginação de Ana.

Os dias se arrastaram e uma semana se passou. Quando as aulas retornaram, Dina continuava desaparecida, e Ana evitava dar explicações.

— O que aconteceu com sua amiga? — perguntavam os colegas.

Ana dava respostas evasivas:

— Ela sumiu… não sei onde está…

Os rumores começaram a circular. Entre cochichos e olhares curiosos, até a professora parecia intrigada.

— Aquela mulher não é humana — disse ela baixinho para si mesma. — Preciso descobrir o que ela realmente é.

Naquela manhã, enquanto todos faziam suas atividades, a porta da sala se abriu de repente. Era a diretora, acompanhada de uma jovem mulher.

— Atenção, pessoal! — disse a diretora com um sorriso. — Quero apresentar a vocês uma nova colega de curso.

Todos os olhares se voltaram para a jovem que entrou. Assim como Dina, ela também tinha algo de hipnotizante, com seus cabelos castanhos levemente ondulados e um sorriso cativante que iluminava o ambiente.

— Olá, pessoal, meu nome é Ondina.

— Seja bem-vinda, Ondina! — respondeu a professora, embora um tom de dúvida perpassasse sua voz.

Logo Claudete cochichou no ouvido da diretora:

— Mas ela não fez a parte teórica do curso, como poderá acompanhar o ritmo dos outros alunos?

A diretora, mantendo o sorriso, respondeu discretamente:

— Ela pagou por todo o curso de uma vez, não havia como recusar sua matrícula.

A professora balançou a cabeça em resignação e voltou sua atenção para a turma.

— Tudo bem, pessoal, vamos retomar as atividades.

A aula prosseguiu normalmente, mas Ana não conseguia tirar os olhos da nova colega. Algo na postura e no olhar de Ondina despertava nela uma estranha familiaridade.

— Ela me parece tão… conhecida — pensava Ana, inquieta. — Será possível? Não… não pode ser…

Em um dos momentos em que Ana olhou para Ondina, esta devolveu o olhar. Então, com um sorriso, ela piscou para Ana.

— Só pode ser ela! — concluiu Ana, sentindo um misto de alegria e incredulidade.

Quando a aula terminou, Ana não perdeu tempo. Seguiu Ondina até o portão da escola, o coração batendo forte.

— Acho que conheço você de algum lugar — disse Ana, aproximando-se dela.

Ondina virou-se, o sorriso permanecendo no rosto.

— Será? — respondeu ela com uma voz suave. — Eu vim de muito longe…

— De onde você veio? — perguntou Ana, quase sem fôlego.

Ondina hesitou, como se escolhesse cuidadosamente as palavras.

— Qualquer dia eu te conto.

Antes que Ana pudesse insistir, Ondina estendeu a mão em um gesto de despedida. Quando as mãos delas se tocaram, Ana sentiu algo ser passado para ela.

Ondina se afastou rapidamente, caminhando com uma leveza quase sobrenatural.

Quando chegou em casa, Ana abriu o pedaço de papel que Ondina havia lhe dado. Suas mãos tremiam enquanto lia as palavras escritas em uma caligrafia elegante:

“Eu vim do céu.”

Ana ficou com o coração acelerado.

 Dina está de volta!

CAPÍTULO 56 – A TEMPESTADE

Ana não conseguiu conter a ansiedade e contou a Elson sobre o estranho bilhete que recebeu de Ondina.

— Isso é muito estranho — comentou Elson, pensativo. — Tudo indica que é a sua amiga, quem sabe ela está disfarçada para não ser encontrada por outros anjos.

— Dina pode ter se transformado em um anjo foragido! — exclamou Ana, com um arrepio percorrendo sua espinha.

Elson suspirou, demonstrando preocupação.

— Sabe, talvez você devesse parar de frequentar esse curso. Desde que começou a estudar lá, sua vida virou de cabeça para baixo.

— Não posso fazer isso! — respondeu Ana com firmeza. — Esse curso pode ser o único elo que eu tenho com Dina. Abandoná-lo seria como abandoná-la.

Elson não insistiu, mas seu olhar deixava claro que estava preocupado com o rumo que as coisas estavam tomando.

No dia seguinte, Ana chegou cedo à escola, ansiosa e inquieta. Ela observava cada canto, esperando Ondina aparecer e, na saída, correu para alcançá-la novamente.

— Ondina! Podemos conversar? Por favor, você disse que veio do…

Antes que ela pudesse terminar, Ondina a interrompeu:

— Não fale! — disse Ondina, apressada e nervosa. — Eu te dei o bilhete porque não posso falar sobre isso no momento. Agora, se me der licença, preciso ir.

Ondina se afastou rapidamente, mas deixou cair outro pedaço de papel.

Ana esperou chegar em casa para lê-lo. Trancada no banheiro, abriu o papel com mãos trêmulas.

“Não haverá aula por alguns dias. Esteja pronta amanhã às oito da manhã, precisamos conversar pessoalmente.”

Ana mostrou o bilhete a Elson que o leu em silêncio antes de opinar.

— Acho que você deve conversar com ela, mas mantenha contato comigo o tempo todo.

— Ondina disse que não haverá aula por alguns dias… será que algo vai acontecer?

Elson ponderou por um momento antes de sugerir:

— Ligue para a escola, verifique se isso é verdade.

Ana não perdeu tempo e ligou para a diretora, que atendeu prontamente.

— Oi, Ana! Está tudo bem? — perguntou a diretora, com um tom amigável.

— Está sim, diretora… só queria confirmar se haverá aula amanhã.

Houve uma pausa do outro lado da linha antes da resposta.

— Claro que sim! Por que a pergunta?

— Ah… nada, só queria ter certeza. Obrigada! — respondeu Ana, sentindo o peso da incerteza crescer.

Elson, ouvindo a conversa, cruzou os braços.

— Talvez sua nova amiga seja maluca…

Ana apenas balançou a cabeça, incapaz de encontrar uma explicação lógica.

Mais tarde, por volta das sete da noite, o céu começou a escurecer de forma incomum. As nuvens se acumulavam com rapidez assustadora e uma chuva pesada desabou sobre a cidade. O vento uivava como uma criatura selvagem.

— Isso parece um furacão! — exclamou Elson, enquanto corria para recolher objetos que voavam no quintal.

A tempestade durou cerca de dez minutos, mas parecia ter sido muito mais longa.

— Acho que houve muita destruição pela cidade — disse Ana. — Se isso não foi um furacão, com certeza chegou muito perto de ser.

Elson ligou a televisão para acompanhar as notícias.

Na tela, o repórter falava em tom de seriedade e urgência.

— A chuva que atingiu nossa cidade esta noite foi particularmente violenta, mas os danos registrados foram, surpreendentemente, pequenos. Exceto pelo desabamento do telhado de uma escola local. Estamos aqui com a diretora, Sra. Mariana.

A câmera mostrou a diretora, que estava visivelmente abalada.

— O que aconteceu aqui durante a tempestade? — perguntou o repórter.

— Mal tive tempo de correr e o telhado veio abaixo…

— Era um telhado antigo? — questionou o repórter. — Sabemos que a cidade tem muitos prédios históricos.

— É isso que me deixa perplexa, o telhado era novo, e foi feito com materiais modernos e reforçados. E, no entanto, cedeu completamente. Não haverá aula por alguns dias…

Ana desligou a televisão abruptamente, as palavras da diretora ecoando em sua mente. Ela se virou para Elson, com os olhos arregalados de incredulidade.

— Dina tem o poder de criar tempestades?!

CAPÍTULO 57 – O DESAPARECIDO

Ana foi se encontrar com Ondina, sentindo o vento frio da manhã arrepiar sua pele. Ondina parecia nervosa, seus olhos estavam atentos a tudo ao redor.

— Precisamos conversar, Ana, é urgente. — Ondina foi direta, com a voz carregada de preocupação.

— O que está acontecendo? — perguntou Ana, sem esconder sua ansiedade.

Ondina deu um passo à frente e falou baixo, como se temesse ser ouvida por alguém.

— Eles descobriram o que aconteceu com o anjo da morte e sabem que eu estou envolvida na implosão dele… não vai demorar para virem atrás de nós.

Ana ficou pálida e pediu:

— Poderia parar de tentar se passar por outra pessoa? Sei que você é Dina…

Ondina respirou fundo antes de responder:

— É claro que sou Dina, estou disfarçada. Isso deve atrasar um pouco a perseguição. Mas você… — Ondina/Dina fez uma pausa, olhando diretamente nos olhos de Ana. — Eles vão te encontrar assim que chegarem.

Ana sentiu um nó na garganta.

— O que eu faço? Me diga, por favor!

Dina pousou uma mão no ombro de Ana e falou com firmeza:

— Você precisa ficar perto de mim, é sua única chance de sobreviver. Não posso garantir nada, mas prometo que lutarei por você até o fim.

Ana hesitou.

— Até o fim quer dizer que você pode morrer?

— Para nós, anjos, a “morte” é apenas um período de suspensão — explicou Dina. — Seria como uma vela apagada, esperando para ser acesa novamente.

Ana respirou fundo e perguntou:

— Você tem algum plano? Por quanto tempo podemos escapar deles?

Dina assentiu.

— Tenho um plano, mas ele depende de encontrarmos uma pessoa. Precisamos achar o Matuto.

Ana franziu a testa.

— Quem é esse Matuto e como vamos encontrá-lo?

Dina explicou pacientemente:

— O Matuto fazia parte do plano original, que era dividido em dois caminhos. O primeiro falhou com a morte do Sr. Gerson; o segundo era baseado no Matuto. Mas ele desapareceu e isso nos deixou sem escolha, levando ao plano “B”.

— Que é me matar… — completou Ana, em um sussurro.

— Sim, mas conseguimos impedir isso até agora.

Ana pensou por um momento antes de perguntar:

— Por que o Matuto é tão importante?

— Porque ele seria o único que pode causar o fim do tirano. Sua linhagem tem um papel crucial nessa história.

Ana começou a compreender a gravidade da situação.

— Então, o Matuto ou um descendente dele é uma chave para resolver tudo?

— Isso mesmo, precisamos desesperadamente do Matuto.

— Mas como alguém consegue desaparecer de forma que nem os anjos conseguem encontrá-lo?

Dina olhou para o horizonte e respondeu:

— Ele está escondido embaixo da terra.

Ana arregalou os olhos.

— Embaixo da terra? Você acha que ele está morto?

Dina balançou a cabeça.

— Não, se ele estivesse morto os anjos da morte o teriam encontrado. Tenho certeza de que ele está preso em alguma mina subterrânea.

Ana parecia incrédula.

— E como ele está sobrevivendo? Não faz sentido…

— Ele pode ter recursos — argumentou Dina. — Talvez estivesse preparado para isso. E, se não está sozinho, pode estar usando os suprimentos dos outros que estão com ele.

Ana sentiu o peso da missão crescer.

— Como vamos encontrar alguém preso em uma mina? O Brasil é imenso, é como procurar uma agulha num palheiro!

Dina fez um gesto para Ana se acalmar.

— Não será fácil, mas faremos algo que os outros anjos não fizeram: conversaremos com as pessoas. Vamos coletar informações, observar, deduzir, até encontrá-lo.

Ana parecia mais aflita do que nunca.

— Quanto tempo temos?

— Pouco tempo, talvez nenhum — admitiu Dina. — O Matuto pode não aguentar muito tempo. E não se esqueça: logo eles virão atrás de você, e dessa vez devem vir em grupo.

Ana engoliu em seco, tentando manter a calma.

— Por onde vamos começar? Existem tantas minas no país…

Dina apontou para um veículo estacionado do outro lado da praça.

— Vamos procurar de carro…

Ana olhou para o veículo e depois para Dina, sabendo que não tinha escolha.

— Estou com você, vamos encontrá-lo!

Com determinação renovada, elas se dirigiram para o carro, prontas para iniciar uma busca que poderia decidir o destino de todos.

CAPÍTULO 58 – A DELEGACIA

Assim que entraram no carro, Dina explicou, com a naturalidade de quem já tinha tudo planejado.

— Peguei este carro de um casal que viajou para o exterior e… bem, eles não vão mais voltar.

Ana franziu a testa, mas interrompeu rapidamente:

— Não precisa me contar a história toda, vamos focar no que é importante. Por onde começaremos a procurar o senhor Matuto?

Dina sorriu, claramente satisfeita com a objetividade de Ana.

— Ele morava na zona rural de Jacobina, na Bahia. É lá que começaremos.

Ana arregalou os olhos.

— Vamos para a Bahia?! Preciso avisar o Elson…

— Diga a ele que precisará ficar fora pelo menos três dias…

Enquanto Ana enviava uma mensagem apressada, brincou:

— Você me colocou numa encrenca daquelas…

— Estou te tirando de uma encrenca — corrigiu Dina, com um sorriso irônico. — Se não fosse por mim, você já estaria morta e nem saberia o motivo.

Ana hesitou, absorvendo o peso dessa declaração e perguntou.

— Do que eu teria morrido?

— Os anjos da morte são criativos, eles encontrariam uma forma, não se preocupe com isso.

Dina completou:

— Não posso usar meus poderes, atrairia atenção indesejada, tenho que agir como um ser humano comum o quanto for possível. Só farei algo fora do normal se for absolutamente necessário.

A conversa foi interrompida pelo silêncio confortável que se instalou. O movimento suave do carro fez Ana sentir as pálpebras pesarem.

— Pode dormir, Ana. Eu não sinto sono e consigo dirigir sem parar.

Ana cedeu ao cansaço. Quando acordou, estava desnorteada.

— Já estamos chegando em Jacobina — avisou Dina, casualmente.

— O quê?! — gritou Ana, alarmada. — Quanto tempo eu dormi?

— Umas quatro horas, eu acho…

Ana olhou para Dina como se ela tivesse enlouquecido.

— E você percorreu mais de dois mil quilômetros em quatro horas?! Como isso é possível?

— Bem… — Dina hesitou, tentando formular uma desculpa. — Este carro pode chegar a 350 quilômetros por hora.

— Você dirigiu a essa velocidade comigo do lado? Está tentando facilitar o trabalho dos anjos da morte?

— Fique tranquila, para mim isso é muito lento. Estou acostumada com a velocidade da luz.

Ana balançou a cabeça, tentando aceitar o absurdo da explicação.

— Tudo bem… Mas como vamos encontrar o Matuto?

Dina abriu a boca para responder, mas foi interrompida por um comando policial. Uma barreira na estrada obrigou-as a parar.

— O que faremos agora? — perguntou Ana, aflita por novamente ser abordada por policiais. — Você não pode usar seus poderes…

— Deixa comigo — respondeu Dina, confiante.

O policial se aproximou e pediu os documentos. Dina tentou manter a calma.

— Esqueci meus documentos em casa, senhor. Mas tenho algum dinheiro aqui…

O policial ignorou o suborno implícito e virou-se para Ana.

— E a senhora?

Ana deu de ombros.

— Também esqueci meus documentos, saímos apressadas.

O policial suspirou, irritado.

— Sem documentos, vocês serão conduzidas à delegacia para averiguação.

Dina tentou argumentar, mas foi em vão. Pouco tempo depois elas estavam sentadas diante do delegado, que foi direto ao ponto:

— Como já é tarde, vocês passarão a noite presas. Amanhã falaremos com o juiz.

Dentro da cela, Ana olhou para Dina, incrédula.

— Melhor assim, Ana.

— Estamos presas, o Matuto pode morrer e os anjos da morte podem nos encontrar a qualquer momento! Como isso pode ser melhor?!

Dina sorriu, como se estivesse no controle.

— Aqui posso usar meus poderes sem atrair atenção. Lá fora, não teria essa opção.

— O que você está planejando?

— Assim que tudo acalmar deve restar apenas um carcereiro. Vou fazê-lo dormir, abrir a porta e sairemos.

Ana revirou os olhos.

— É só isso? Não parece um plano digno de alguém como você.

— Antes disso, vamos acessar os computadores, precisamos de informações sobre o Matuto.

Ana cruzou os braços e balançou a cabeça.

— Você armou isso, não é? Você sabia que seríamos presas.

Dina apenas sorriu.

Pouco depois elas já estavam na sala do delegado, acessando o computador dele.

— Qual é o nome verdadeiro do Matuto? — perguntou Ana.

— Josivaldo. Aqui está! — Dina apontou para a tela, anotando rapidamente o endereço.

Antes de saírem, Dina deixou um bilhete na mesa:

“Vocês esqueceram a porta da cela aberta, então resolvemos ir embora.”

Na saída, Ana perguntou:

— Quanto tempo até o carcereiro acordar?

— Depende, posso acordá-lo agora ou ele despertará sozinho dentro de uma ou duas horas.

Ana suspirou, aliviada.

Com as informações em mãos e um novo destino traçado elas desapareceram na noite.

CAPÍTULO 59 – AS ONÇAS

Ana e Dina caminhavam pela estrada de terra, iluminada apenas pelo luar. O silêncio da zona rural era quebrado ocasionalmente por sons de insetos e do vento balançando as árvores.

— Qual é o endereço do Matuto? — perguntou Ana, tentando disfarçar o cansaço enquanto admirava o céu estrelado.

— Estrada da Serra, 5150, última casa à direita — respondeu Dina, consultando suas anotações.

Depois de algum tempo, elas avistaram uma placa na beira do caminho: “Cuidado, animais silvestres!”.

— Ótimo… — murmurou Ana, lendo a mensagem. — Pelo menos sabemos que estamos no lugar certo.

A caminhada se estendeu por horas. Ana começou a sentir os pés latejarem e, exausta, disse:

— Estou no meu limite, essa estrada não tem fim?

Dina parou abruptamente e ergueu a mão, em um gesto que pedia silêncio.

— Sinto a aproximação de dois animais grandes… — disse ela, em um tom tenso. — Parecem onças.

— O quê?! — Ana arregalou os olhos. — Onças atacam à noite? Por favor, me diga que é brincadeira!

— Não vou deixar que nada aconteça com você — garantiu Dina, mantendo a calma. — Mas preciso agir com cautela. Qualquer uso dos meus poderes pode atrair atenção indesejada.

Antes que Ana pudesse responder, o som de folhas secas sendo esmagadas pelo chão se tornou mais alto. Sob a luz da lua, duas onças de tamanho impressionante emergiram da escuridão, os olhos brilhando com ferocidade.

— Elas são enormes! — exclamou Ana, recuando instintivamente.

— Fique atrás de mim e não se mova — ordenou Dina, sem tirar os olhos das feras.

As onças pararam a poucos metros, avaliando as intrusas. Dina sabia que não podia hesitar.

— Preciso de mais tempo para neutralizá-las sem chamar atenção — sussurrou. — Só alguns segundos…

Mas o ataque veio rápido. As onças saltaram ao mesmo tempo, cada uma mirando uma das mulheres. Ana gritou e se jogou para o lado enquanto Dina reagiu num piscar de olhos.

Um clarão súbito iluminou a estrada, seguido por um silêncio absoluto. As onças caíram no chão, imóveis.

— Você as matou? — perguntou Ana, ainda tentando se recuperar do susto.

— Não tive escolha — respondeu Dina, contrariada. — Usei uma descarga de energia diretamente no cérebro delas. Morte instantânea.

— E agora? — perguntou Ana, olhando para os corpos. — O que vamos fazer com elas?

— Precisamos enterrá-las — respondeu Dina. — Duas onças mortas sem sinal de arma de fogo ou envenenamento vai chamar atenção. Precisamos ser rápidas.

Enquanto procuravam por pedras e galhos para improvisar ferramentas, ouviram um assobio ao longe.

— Alguém está vindo — avisou Dina.

— O que vamos fazer? — perguntou Ana, entrando em pânico.

— Fique aqui — disse Dina, já caminhando na direção do som.

Logo encontrou um homem de idade avançada, vestindo roupas simples e carregando uma lanterna.

— Boa noite, senhor, o que faz por aqui a essa hora?

— Eu que pergunto, moça. O que uma mulher tão bonita faz sozinha nesse fim de mundo, ainda mais de noite? — respondeu ele com um sorriso amigável.

— Só estou de passagem. O senhor sabe que há onças por aqui?

— Sei sim. Só malucos andam por essas bandas à noite.

— E o senhor não tem medo delas?

— Medo eu tenho, mas minha avó me ensinou uma simpatia poderosa. Posso caminhar sem ser visto pelas onças.

Dina ergueu as sobrancelhas, intrigada.

— Que interessante… e eu aqui, sofrendo para… deixa pra lá. Posso pedir uma informação?

— Claro, pergunte.

— O senhor conheceu o Matuto? Ele mora no fim dessa estrada.

— Conheci, sim. Coitado… ele sumiu há alguns meses. Dizem que foi para um garimpo e nunca mais voltou.

— Sabe onde fica esse garimpo?

— Eu não, mas conheço alguém que sabe, o “seu” Mané Gingado. Ele foi com o Matuto e conseguiu voltar.

— Onde posso encontrar esse homem?

— Nos fundos da venda do “seu” Geraldo, bem no centro da cidade.

Dina agradeceu, fez uma despedida breve e voltou até Ana, que ainda estava ao lado das onças.

— Precisamos terminar de enterrá-las antes que apareça mais alguém — disse Dina, já retomando o trabalho.

— Ainda bem que ninguém passa por aqui com frequência — comentou Ana, ofegante.

Finalmente, após muito esforço, as onças estavam enterradas. Dina limpou as mãos na roupa e concluiu:

— Agora precisamos chegar à cidade e falar com esse tal de “seu” Mané Gingado.

— Dina… Da próxima vez, pode usar seus poderes antes, tá bom? Eu não nasci pra esse tipo de aventura.

Dina sorriu timidamente, mas não respondeu.

Ela sabia que ter usado seus poderes ao ar livre entregou sua localização para os anjos.

AS ONÇAS

CAPÍTULO 60 – SEU MANÉ

Por volta das dez horas da manhã, Ana e Dina chegaram ao pequeno comércio do “seu” Geraldo, localizado no centro da cidade. O ar estava quente e as lojas começavam a ganhar vida com o movimento dos poucos moradores locais.

— Precisamos falar com o “seu” Mané Gingado — disse Dina ao dono do comércio, que estava atrás do balcão, limpando algumas garrafas.

— Ah, o Mané… — respondeu o comerciante, com um sorriso malicioso. — Vou chamá-lo, mas ainda bem que vocês vieram cedo. Daqui a pouco ele já vai estar bêbado e aí ninguém consegue conversar com ele.

Após alguns minutos, o homem apareceu, andando de maneira desleixada, com uma expressão desconfiada. Ele parou em frente a elas e, com a voz embargada, perguntou:

— O que vocês querem? Se forem assistentes sociais, vou soltar os cachorros em vocês…

Dina respirou fundo e falou calmamente:

— Não somos assistentes sociais, não se preocupe.

— Ah, ainda bem! Porque eu não quero voltar para aquela clínica — disse ele, dando um sorriso torto.

— “Seu” Mané, nós queremos conversar sobre o Matuto.

O homem franziu a testa e pareceu um pouco mais atento.

— Ele já deve ter morrido faz tempo, vocês vão encontrar só os ossos…

— Nós precisamos saber onde ele está, o senhor pode nos dizer?

Mané refletiu por alguns segundos antes de responder, com um tom de desgosto:

— Sei onde ele entrou. Depois teve um desmoronamento e ele provavelmente foi soterrado. Não tem muito o que fazer.

— Precisamos de um mapa do local, para que possamos encontrar o corpo dele. A família precisa de uma despedida — disse Dina, com uma calma forçada.

Mané olhou para elas de maneira desconfiada, mas viu uma oportunidade de ganhar algum dinheiro.

— Entendi… vocês devem estar sendo bem pagas para isso, não? E para mim, nada?

Dina não se surpreendeu com as palavras do homem e, com uma expressão impassível, respondeu:

— Quanto o senhor precisa?

Mané pensou por um momento, coçando a barba espessa, e então falou, com um tom de queixume:

— Estou com quatro meses de aluguel atrasado, não consigo arrumar trabalho e o dono da casa já me ameaçou de despejo. Se eu não arrumar dinheiro logo vou morar na rua.

— Quanto o senhor paga de aluguel? — perguntou Dina, ainda calma, já começando a pensar em uma solução.

— Quinhentos reais por mês.

Dina olhou para Ana e então voltou sua atenção para Mané.

— Tudo bem. Se eu lhe der dois mil reais, o senhor faz o mapa do lugar onde o Matuto entrou?

Mané balançou a cabeça, fazendo uma expressão insatisfeita.

— Não! — disse ele, cruzando os braços. — Isso é muito pouco.

— Quanto o senhor quer então? — perguntou Dina, já começando a perder a paciência.

— Pelo menos três mil reais. Assim eu consigo pagar alguns meses de aluguel e ainda fico com um troco.

Dina suspirou, mas não hesitou. Ela colocou a mão no bolso, retirou um maço de notas e começou a contar.

— Aqui está, “seu” Mané. Trinta notas de cem reais — disse ela, com um sorriso discreto.

Mané olhou para o maço de dinheiro com os olhos brilhando, mas então apontou para a última nota de cem reais na mão de Dina.

— Só mais essa, moça…

Dina o olhou fixamente e, com um sorriso malicioso, respondeu:

— Eu vou precisar dessa nota, “seu” Mané. Quer que a gente volte para casa a pé?

Mané sorriu, satisfeito com a negociação.

— Tudo bem, vou fazer o mapa pra vocês.

Ana, que estava quieta até aquele momento, se virou e perguntou:

— “Seu” Mané, o sobrenome do senhor é Gingado mesmo ou é apelido?

Mané olhou para ela, feliz com o lucro que acabara de obter. Ele respondeu com um sorriso largo e orgulhoso:

— Ah, é apelido. Eu gosto muito de dançar, já ganhei três vezes o concurso de dança da cidade!

Nesse momento Dina fez um aceno com a cabeça, denotando urgência.

— Vamos encontrar o Matuto, Ana. Agora, com esse mapa, as coisas vão ficar mais fáceis, já tracei as coordenadas.

— Só espero que essa história acabe logo — murmurou Ana, olhando para trás, onde “seu” Mané ainda olhava para o dinheiro com um sorriso satisfeito no rosto.

CAPÍTULO 61 – O CERCO POLICIAL

Ana não pôde deixar de perguntar:

— Onde você arrumou todo aquele dinheiro? Vai me dizer que é herança do seu pai?

Dina hesitou um momento antes de responder:

— Eu só tinha cem reais, mas “fiz brotar” mais trinta notas iguais…

— Notas iguais? Quer dizer que todas têm o mesmo número? — perguntou Ana, perplexa.

— Sim — respondeu Dina, com uma calma desconcertante.

— O pobre do “seu” Mané pode acabar preso… não acho certo você fazer isso.

— Por que você está preocupada com isso, Ana? Esses caras mal sabem ler e escrever, você acha que vão conferir os números das cédulas?

Ana suspirou, sabendo que não iria convencer Dina, e perguntou:

— Onde fica esse lugar que o “seu” Mané apontou no mapa?

— Fica a mais de 200 quilômetros daqui — respondeu Dina. — Precisamos recuperar o carro.

— Como vamos pegar o carro se você não pode usar seus poderes? — perguntou Ana com uma preocupação crescente na voz.

Dina revelou algo inesperado:

— Sabe, Ana… Quando o “seu” Mané fez o mapa, eu senti algo… O Matuto está morrendo.

— Como assim “sentiu algo”? — perguntou Ana, confusa.

— Não sei explicar, mas quando pensei no Matuto e no “seu” Mané ao mesmo tempo, uma conexão se formou. Tenho a impressão de que o Matuto tem poucas horas de vida.

— O que vamos fazer então? — Ana estava cada vez mais aflita.

Dina falou com firmeza:

— Vamos fazer o que for necessário, não podemos mais nos esconder. Se o Matuto morrer, tudo estará perdido.

Elas chegaram no pátio de veículos e Dina falou:

— Espere aqui, já volto!

Ana ficou ansiosa, até que de repente ouviu latidos, gritos e tiros… e então um silêncio absoluto.

— O que aconteceu? — pensou ela, tensa.

Alguns minutos depois, Dina surgiu saindo do pátio com o carro.

— Vamos sair daqui, Ana! Um funcionário acionou o alarme antes de ser paralisado, a polícia já deve estar a caminho.

Pouco depois, sirenes começaram a soar e três carros de polícia apareceram a toda velocidade atrás delas.

— Tudo bem! — disse Ana, tentando manter a calma. — Você consegue dirigir a 350 km/h…

— Na estrada, sim — retrucou Dina, preocupada. — Mas na cidade, não dá, tem muito tráfego e pessoas nas ruas…

— O que vamos fazer então? — Ana estava desesperada.

Neste momento, mais três carros de polícia surgiram na frente delas, cercando-as.

— Não temos tempo para mais nada — disse Dina, com a voz firme. — O Matuto pode dar seu último suspiro a qualquer momento e estamos a 200 quilômetros de onde ele está.

Um policial gritou com um megafone:

— Desçam com as mãos para cima!

— Feche os vidros do carro, Ana! — gritou Dina. — Vamos levar tiros!

— Mas… você não consegue bloquear as armas deles?

— Não vou ter tempo. Ainda posso revestir o carro com um material etéreo resistente.

Ana ficou assustada com a possibilidade de virar peneira. Dina acelerou o carro em direção aos policiais, que correram para evitar serem atropelados.

A partir desse momento, Dina foi colidindo com todos os carros de polícia que estavam no caminho. Em uma das batidas a viatura foi atingida tão violentamente que pegou fogo e explodiu.

Ana tampou os ouvidos, pois o barulho dos tiros contra o carro era ensurdecedor.

— Eles estão usando fuzis, esse carro vai resistir?

— Vai sim! — respondeu Dina, mordendo os lábios.

Em seguida, elas estavam acelerando na rodovia e Ana viu o ponteiro do velocímetro atingir 350 km/h.

— Pelo amor de Deus, Dina, vamos morrer!

Elas não morreram, mas chegaram a um ponto onde não podiam mais seguir de carro.

— Vamos ter que caminhar uns dez minutos — disse Dina, saindo do carro e puxando Ana pelo braço.

Daí a pouco elas chegaram ao local onde ocorreu a avalanche.

CAPÍTULO 62 – A PRESENÇA DOS DEMÔNIOS

Assim que desceu do carro, Dina viu um demônio correndo e se escondendo em um pequeno buraco no chão.

— Espere aqui, Ana — disse Dina, com firmeza. — Acho que esse demônio sabe que o Matuto está morrendo e foi até lá para se certificar de sua morte.

Com determinação, Dina seguiu o demônio e logo se encontrou dentro da mina. Depois de caminhar cerca de um quilômetro subterrâneo, ela finalmente chegou ao local onde o Matuto estava.

O homem estava caído no chão, imóvel, como se já estivesse morto. Dina tentou se aproximar dele, mas foi atacada por um demônio, que era bem fraco, quase insignificante para ela. Com um golpe rápido de sua espada, ela o despedaçou, deixando os pedaços no chão.

Dina se abaixou e colocou a mão na cabeça do Matuto que, com esforço, abriu os olhos.

— Quem é você? — perguntou ele, com a voz rouca e arrastada.

— Eu vim salvar o senhor! — respondeu Dina, sorrindo, aliviada.

Com rapidez, ela pegou o Matuto nos braços e começou a fazer de volta o caminho que o demônio havia lhe mostrado.

Quando Ana viu Dina saindo do buraco com o homem nos braços, não pôde conter um grito:

— Você conseguiu, Dina! Estamos salvas!

Dina colocou o Matuto atrás de uma rocha, na sombra, e continuou pressionando sua testa com a mão.

— O que você está fazendo? — perguntou Ana, curiosa.

— Se ele morresse eu não poderia fazer mais nada, mas como ainda está vivo, posso recuperá-lo aos poucos…

O Matuto abriu os olhos, mas desmaiou novamente.

— Ele vai ficar bem! — disse Dina, tentando tranquilizar Ana.

De repente, Dina gritou com urgência:

— Fique aqui com ele, Ana! Estamos sendo atacadas!

— Atacadas por quem? — Ana perguntou, alarmada.

— Vou abrir seus olhos — disse Dina, já se preparando para o combate.

Ana olhou para o céu e viu algo que a deixou paralisada: cerca de quarenta ou cinquenta demônios voando ao redor delas, como urubus ao redor de uma carniça. Cada um parecia mais horrível que o outro.

Dina, com um tom grave, falou:

— Não vou conseguir vencer todos eles. São muitos. Se eu for vencida, por favor, leve o Matuto para a casa dele.

— Como vou fazer isso? — perguntou Ana, angustiada. — Não consigo carregá-lo até o carro…

Dina respirou fundo, sabendo que a situação estava desesperadora:

— Não consigo pensar nisso agora, mas assim que encontrei o Matuto, chamei meus amigos. Eles chegarão dentro de uns quinze.

— Por que você não os chamou antes? — perguntou Ana, com um tom de reprovação.

— Eles não viriam, só viriam se eu encontrasse o Matuto!

— Você não consegue resistir até eles chegarem?

— Não vai ser possível, são muitos demônios. Nosso combate não vai durar nem cinco minutos.

Nesse momento, os demônios atacaram. Dina, com um salto, tomou sua forma de anjo e sacou sua espada.

Ana assistia, impotente, à luta desesperada de Dina, que estava sendo sobrecarregada pela enorme quantidade de demônios. A cada golpe, mais inimigos apareciam, tornando a luta insustentável.

De repente, Ana olhou para o céu e gritou:

— Aguente mais um pouco, Dina! Seus amigos estão chegando!

Uma luz cintilante apareceu nas nuvens, movendo-se na direção delas na velocidade da luz. Ana viu tudo se iluminar e, a partir daí, o que aconteceu não pode ser descrito por palavras humanas.

Pernas, barbatanas, escamas, couros, olhos, línguas, tripas… tudo o que se pode imaginar voava por todo lado, em um turbilhão de caos e destruição.

Gritos, urros e gemidos ecoavam, mas apenas aqueles que podem enxergar o mundo espiritual conseguiam ver o que realmente estava acontecendo.

Depois que os demônios foram literalmente triturados por aquela força sobrenatural, três anjos da morte guardaram suas espadas e se aproximaram de Dina.

— Finalmente encontramos vocês! — disse um deles, com um tom de alívio.

O mesmo anjo olhou para Ana e, com uma expressão severa, falou:

— Agora ela virá com a gente.

mina de minérios
A ENTRADA DA MINA

CAPÍTULO 63 – OS TRÊS ANJOS DA MORTE

Dina, na forma de anjo, olhou para os três sinistros anjos da morte que estavam à sua frente e falou com gratidão:

— Agradeço por nos salvarem daqueles demônios e…

Antes que ela terminasse, um dos anjos interrompeu com um rugido:

— Nós não salvamos ninguém! Só abrimos caminho para chegar até vocês!

Dina não se intimidou e continuou:

— Agradeço assim mesmo. Eu estava com os minutos contados. Se não fosse por vocês eu…

Um dos anjos da morte falou com firmeza:

— Sabemos o que você fez com nosso amigo Almat. Já denunciamos sua conduta. Seu julgamento será amanhã!

Dina não hesitou:

— Não me importo com o julgamento. Mas deixem Ana em paz. Encontramos o Matuto! — disse ela, apontando para onde o homem estava deitado, ainda inconsciente.

O tom de um dos anjos ficou ainda mais severo:

— Isso não importa mais! Vamos cumprir nossa missão e você não pode nos deter.

Dina se aproximou de Ana, falando baixinho:

— Precisamos ganhar tempo. Meus amigos não devem demorar…

O anjo mais impaciente perguntou, com voz ríspida:

— O que estão cochichando? Exijo respeito na minha presença. Não gosto que falem pelas minhas costas!

Ana tentou desviar a atenção:

— Eu estava falando que preciso fazer uma oração antes de partir.

Os anjos trocaram olhares, claramente desconfortáveis com a ideia, mas, como eles eram anjos, não podiam negar um pedido como esse.

— Tudo bem — disse um deles, com impaciência. — Faça logo sua oração e vamos embora.

Ana, tentando manter a calma, perguntou:

— Do que eu vou morrer?

Um dos anjos respondeu de forma indiferente:

— Não importa. Infarto, derrame cerebral, mal súbito, colapso… Seja lá o que for…

Outro anjo completou com um tom sombrio na voz:

— Ou tudo isso ao mesmo tempo.

Ana, com um sorriso irônico, sugeriu:

— Prefiro mal súbito.

Dina quase deu uma risada, sabia que Ana estava apenas ganhando tempo.

— Faça logo sua oração! — gritou um dos anjos da morte, impaciente.

— Tudo bem! — respondeu Ana, começando a orar com fervor:

— Querido e amantíssimo Deus, que criou todas as coisas, desde os micróbios até as estrelas, peço nesta hora…

— Pare! — interrompeu um dos anjos da morte, enfurecido. — Isso não é uma oração! Você está apenas jogando palavras ao vento…

— Isso nunca será ouvido por Deus! — disse outro anjo, com desdém.

— Você não tem fé! — acrescentou o terceiro, com uma expressão severa.

Dina, tentando manter a calma, interveio:

— Pessoal, vamos com calma. Quem deve julgar a fé de alguém é Deus e não vocês.

O anjo da morte mais raivoso retrucou:

— Vai me dizer que você não sabe quando alguém tem ou não tem fé?

Dina, com tranquilidade, respondeu:

— Eu evito esse tipo de julgamento, isso é da alçada de Deus, não dos anjos.

A discussão sobre a fé se estendeu por alguns minutos, tempo suficiente para que os amigos de Dina chegassem.

Quando eles apareceram, a tensão mudou completamente.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou um dos anjos recém-chegados, com autoridade.

Dina, aliviada com a chegada de seus amigos, explicou rapidamente:

— Esses senhores querem levar Ana, mesmo sabendo que encontramos o Matuto, que está descansando ali.

Vários anjos se aproximaram do Matuto e confirmaram:

— Ele vai viver! — disse um deles, sorrindo com satisfação.

Nesse momento, um dos anjos da morte encenou um ataque de nervos:

— Não podemos voltar de mãos vazias, nossa missão não pode falhar de novo! Vamos levar essa mulher de qualquer forma!

Os três anjos da morte correram na direção de Ana, mas antes que pudessem avançar, foram cercados por quarentas anjos guerreiros que, com rapidez e precisão, apontaram suas espadas para os invasores.

— Vocês querem lutar? — perguntou um dos anjos guerreiros, com a voz firme.

Era claro que os três anjos da morte não tinham chance contra tantos anjos guerreiros prontos para a batalha. Contrariados, eles recuaram.

— Tudo bem! — disseram eles com raiva.

— Mas vamos nos ver no julgamento amanhã! — disse um deles, lançando um olhar ameaçador para Dina.

CAPÍTULO 64 – O ESTUPRO

— Nós perdemos uma batalha, mas vencemos outra! — comemorou Dina, enquanto voltavam.

— Sim! — respondeu Ana, com um sorriso forçado. — Perdemos o senhor Gerson, mas ganhamos o Matuto. Quem vai desempatar?

— Só o futuro dirá — respondeu Dina, pensativa, mas com uma faísca de esperança nos olhos.

O silêncio pairou entre elas por alguns minutos até que Dina, de repente, quebrou o silêncio:

— Percebi que você estava toda suja quando cheguei com o Matuto, parecia que rolou no chão… aconteceu alguma coisa enquanto eu estava fora?

Ana hesitou, a vergonha consumindo-a. Então, com a voz baixa e vacilante, respondeu:

— É que… fui estuprada…

Dina quase perdeu o controle do carro, sua voz alterada ao extremo:

— O quê!? — gritou, pálida, quase batendo o carro. — Por que você não me falou? Eu vou matar o canalha que fez isso.

Ana, ainda tentando processar a dor, respondeu, fazendo de tudo para manter a calma:

— Não tinha como eu falar, Dina. O Matuto estava com os minutos contados. Se eu te chamasse de volta, tudo poderia ter dado errado. Preferi me sacrificar em nome da missão.

Dina estava atônita, as palavras de Ana soando como um tiro de canhão. Ela olhou para a amiga, incapaz de acreditar na situação.

— Vamos voltar lá, Ana, e eu vou fazer esse desgraçado pagar… — disse Dina, com um tom de raiva e dor.

— Não, Dina, não precisa fazer isso… — Ana tentou intervir, com a voz frágil.

— Eu estou achando você muito conformada, Ana. Nenhuma mulher que passou por tal violência deveria estar assim. Por favor, conte exatamente o que aconteceu…

Ana hesitou, envergonhada, tentando encontrar as palavras certas, até que começou a falar:

— Foi assim… ele não foi como eu imaginei… não foi brutal. Na verdade ele foi até… gentil…

Dina ficou em choque, sua mente processando o que acabara de ouvir.

— Não estou acreditando nisso! — exclamou Dina, frustrada. — Você gostou de ser estuprada?

— No começo eu me assustei, mas ele era um homem muito forte e bonito. Ele começou a me beijar e… não consegui resistir… —disse Ana, com os olhos baixos.

— Não, Ana… não pode ser…

— Ele não era um estuprador “profissional” na verdade… Acho que ele só estava muito tempo sem sexo e…

Dina interrompeu, agora com a voz firme.

— Não importa a justificativa, ele é um estuprador e ponto final. Você foi vítima dele, Ana, coloque isso na sua cabeça!

Ana permaneceu em silêncio, envergonhada. Ela não sabia como lidar com o peso das palavras de Dina, que, sem saber como ajudar a amiga, perguntou, com um tom sério:

— Você já pensou que pode ter ficado grávida?

Ana engoliu em seco.

— Pensei, mas espero que não. Se estiver, não sei o que fazer…

Dina olhou para a estrada e perguntou, sem rodeios:

— Você seria capaz de fazer um aborto?

— Eu jamais faria isso! — respondeu Ana, com firmeza. — Vai contra todos os meus princípios…

Dina continuou a dirigir, os pensamentos tumultuados. Ela olhou para o horizonte, com um olhar distante e uma sensação de apreensão.

— Já sei de onde virá o tirano…

CAPÍTULO 65 – AMOR

Quando elas chegaram em frente à casa de Ana, Dina falou:

— Vou colocar o carro de volta onde o peguei.

Ana acenou afirmativamente e perguntou, preocupada:

— Será que o Matuto vai mesmo ficar bem?

Dina sorriu, tentando tranquilizá-la.

— Claro que sim! Ele encontrou seus amigos por lá, eles vão levá-lo de volta para casa. Ele vai ser recebido com festa, todos gostam dele na cidade.

— Que bom! — exclamou Ana, visivelmente aliviada.

— Além disso, ele terá a proteção dos anjos 24 horas por dia, não podemos correr o risco de perdê-lo de novo.

— Fico feliz porque, pelo que entendi, minha vida depende dele viver… — disse Ana, com um suspiro.

Dina, no entanto, ficou séria e fez uma expressão preocupada.

— Eu vou ter que enfrentar um julgamento e talvez eu nunca mais te veja…

— Como assim?! — gritou Ana, assustada. — Eu pensei que estava tudo bem…

— Para mim, não está nada bem! — respondeu Dina, com a voz tensa. — Posso pegar uma pena muito longa…

— Quanto é “muito longa” para você, Dina?

— Alguns milênios…

Ana ficou em choque, tentando processar a gravidade da situação.

— Não acredito… então, podemos realmente não nos ver mais?

Dina balançou a cabeça, um olhar sombrio tomando conta dela.

— Eu tenho alguns pontos a meu favor, como ter encontrado e salvado o Matuto, mas tudo pode acontecer.

— Quem sabe você será absolvida? — sugeriu Ana, com uma esperança que Dina sabia ser frágil.

— Eu não serei absolvida, isso não é possível. A questão é: quantos ciclos de prisão celestial eu vou pegar…

Ana, com o coração apertado, perguntou com uma ponta de ingenuidade:

— Posso ser sua testemunha?

Dina sorriu tristemente, sem graça com a sugestão.

— Não precisamos de testemunhas no céu. Lá, todas as cenas estão ao alcance de todos, então o julgamento é plenamente justo.

— E quem será seu advogado? — perguntou Ana, preocupada. — Você precisa de um! Mesmo aqui na Terra, onde a injustiça é comum, todos têm direito à defesa…

— Também não temos necessidade de advogado no céu. As cenas que causaram a denúncia estão visíveis a todos, as imagens e os áudios já falam por si mesmas.

— Entendi. Então, você não pode abrir a boca, é julgada pelas imagens, e pronto?

— Exatamente. Quase tudo o que precisa ser dito está nas imagens e nos áudios.

Ana pensou por um momento, tentando encontrar algo que pudesse ajudar.

— Posso te dar uma ideia? — perguntou, com um lampejo de inspiração. — E se você dissesse que fez tudo por amor? Afinal, você me disse que me ama…

Dina deu uma leve risada, apesar da tensão.

— Eu falarei isso, com certeza, mas eles já sabem disso e vão levar em consideração na sentença.

Ana ficou quieta por um momento, mas logo se lembrou de uma possível solução.

— Você poderia chorar, Dina. Isso pode sensibilizá-los…

Dina franziu a testa, não gostando da ideia.

— Não sei se seria bom, Ana. Mesmo que me ajudasse num primeiro momento, diminuindo minha pena, não seria bom no futuro. Eu seria visto como um anjo fraco, quase humano…

Ana continuou insistindo:

— Mas se houver uma chance de reduzir sua pena, por favor, faça isso por mim, Dina. Eu não quero ficar tanto tempo sem ver você.

As palavras de Ana tocaram profundamente o coração de Dina, que sentiu uma dor intensa no peito e as lágrimas começaram a brotar de seus olhos.

— O nosso amor é muito grande — disse Dina, abraçando a amiga com força.

CAPÍTULO 66 – SAIDINHA DE NATAL

Antes de ir embora, Dina disse que voltaria para contar a Ana o resultado do seu julgamento e para se despedirem.

Ana estava conformada, sabia que não poderia segurar sua amiga a seu lado para sempre, afinal, Dina era de outra ordem de criação.

Passaram-se alguns dias e nada de Dina aparecer. As aulas voltaram e Ana continuou frequentando o curso, apesar da melancolia que a acompanhava.

Foi durante uma aula, quando alguém bateu na porta. A professora foi atender, e qual não foi o susto de Ana ao ver Dina e Ondina entrando juntas na sala de aula.

— O que é isso?! — exclamou Ana, surpresa.

Dina tomou a palavra, com um sorriso, na frente de todos.

— Professora e colegas de curso, eu e minha amiga Ondina viemos nos despedir. Não poderemos continuar no curso, pois estamos nos mudando da cidade.

Ondina era uma jovem que compartilhava uma surpreendente semelhança com Dina, mas com um toque próprio que a tornava única. Seu olhar enigmático parecia desvendar segredos ocultos, enquanto sua personalidade travessa adicionava um ar de imprevisibilidade. Apesar de sua juventude, aparentando cerca de 19 anos, sua beleza era cativante e envolvente. Ondina usava algumas tiaras brilhantes e coloridas que realçavam sua essência vibrante e misteriosa. 

Ondina, olhando timidamente para os colegas de classe, falou:

— Peço desculpas por não ter conseguido concluir o curso com vocês…

A professora olhou para ela e perguntou:

— Eu soube que você pagou o valor integral do curso. Por que vai desistir?

— Motivo de força maior, professora — respondeu Ondina.

Artur, com sua voz cada vez mais irritante, perguntou:

— Vocês duas são irmãs?

Dina sorriu e respondeu:

— Somos tão unidas que poderíamos ser chamadas de irmãs, mas, na realidade, somos apenas amigas.

Depois disso, elas se despediram da turma e se dirigiram até a porta.

Foi então que Ana se levantou de repente.

— Preciso conversar com vocês duas…

Dina respondeu calmamente:

— Passe na casa abandonada depois da aula, podemos conversar lá.

Ana mal conseguia se conter de ansiedade. A aula parecia interminável e quando finalmente terminou, ela saiu correndo para o local combinado. Ela entrou sem bater, pois sabia que ninguém morava ali.

— Finalmente você chegou! — disseram Dina e Ondina em uníssono.

Ana parou, olhando perplexa para as duas, que estavam sentadas numa mureta que separava a copa da cozinha.

— Dina, por favor, me explique o que está acontecendo… pensei que vocês fossem a mesma pessoa.

— Não somos a mesma pessoa — respondeu Dina, com uma expressão séria. — Minha amiga Ondina não é uma miragem.

Ana, ainda confusa, olhou para Ondina.

— Ondina, fale comigo!

Ondina sorriu suavemente e falou:

— Sobre o que você quer falar, Ana?

— Só quero saber se você é real…

Ondina respondeu com um tom tranquilo:

— Sim, Ana, eu sou real, pode tocar em mim…

Ana, indignada, virou-se para Dina.

— Por que você fez isso, Dina? Você me disse que Ondina era Dina disfarçada. E por que aparecer na escola dessa maneira?

Dina, com um sorriso travesso, explicou:

— Eu precisava me despedir e quis fazer isso de uma maneira inesquecível.

Ana franziu a testa.

— Ah, tá! Pode ter certeza que será inesquecível para mim o susto de ter visto você duas juntas.

Dina riu alto e falou:

— Vim me despedir, Ana, daqui a pouco começarei a cumprir minha pena.

— Qual foi a sua pena? — perguntou Ana, já sentindo as lágrimas começando a brotar.

— Foi a menor possível. Na verdade, segundo os meus julgadores, foi uma pena simbólica.

— Que bom! — exclamou Ana, aliviada. — Foram apenas alguns dias, então?

— Equivale a dez anos terrenos… — informou Dina, com naturalidade, como se esse tempo fosse insignificante.

— Dez anos?! Você chama isso de pena simbólica?!

— Em termos siderais, dez anos não são mais do que algumas frações de segundos cósmicos…

Ana, chocada, tentou entender:

— E eu vou ficar dez anos sem ver você?

Dina deu um sorriso triste e respondeu:

— Posso vir te visitar todo final de ano…

— Vai me dizer que no céu também tem “saidinha de Natal”? — disse Ana, entre lágrimas.

— É mais ou menos isso… na verdade, posso sair quando eu quiser, não há grades lá.

Ana ainda estava tentando entender toda a situação.

— Então, quer dizer que você pode sair e voltar quando quiser?

— Posso, mas devo mostrar obediência. Se eu sair sem permissão, isso pode ser visto como rebeldia.

— Entendi… mas no Natal é possível, então… — disse Ana, um pouco mais calma.

— No Natal, todos os anjos vêm para a Terra para se confraternizar com os homens. Então, nesse caso, não só posso, como devo vir.

Ana suspirou, tentando aceitar a separação.

— Tudo bem, Dina, então te verei todos os Natais pelos próximos dez anos. Mas e depois? Você poderá ficar definitivamente por aqui?

Dina olhou para ela, com um olhar distante.

— O meu futuro é incerto, Ana. Farei de tudo para continuar trabalhando na Terra, mas isso não depende de mim.

Ana não pôde deixar de perguntar:

— Existem outros lugares precisando dos serviços dos anjos?

— Sim, existem milhões de estrelas e bilhões de planetas habitados… — respondeu Dina.

— Bilhões?! Você não está exagerando, Dina?

— Na verdade, são trilhões… Eu só não quis assustar você com números muito altos.

CAPÍTULO 67 – ONDINA

De repente, três anjos da morte apareceram no local. Ana deu um grito de horror.

— Fique calma, Ana, eu pedi que eles viessem — disse Dina, com a tranquilidade de sempre.

— Por que?! Não quero ir para o céu ainda! — disse Ana, tentando se recompor do susto.

— Eles foram muito grosseiros com você, então sugeri que viessem pedir desculpas.

— Tudo bem, mas não precisava… — respondeu Ana, tentando disfarçar a raiva que estava começando a tomar conta de seu coração.

Nesse momento, um dos anjos da morte tomou a palavra em nome dos outros.

— Desculpe-nos, senhora Ana, espero que entenda que só estávamos cumprindo ordens…

— Ok, vocês estão desculpados. Mas posso pedir uma coisa como compensação por tudo que passei? — perguntou Ana, já mais calma.

— Claro, pode pedir! — disse o anjo com sua voz fúnebre, tentando parecer mais amigável.

— Quando vocês vierem para a Terra, errem o caminho da minha casa… — disse Ana, tentando dar um toque de humor à situação.

Os anjos riram timidamente antes de desaparecerem. Dina então falou:

— Bem, estou indo embora, Ana. Tenha juízo… — disse Dina, com um toque de tristeza em sua voz.

— Eu é que tenho que pedir para você ter juízo, Dina. Não vá ser acusada de rebelião e pegar mais dez anos de prisão.

Dina sorriu com uma expressão séria.

— Dez anos?! Não, Ana, a pena para rebelião é o abismo por toda a eternidade!

— Que horror! Então, jamais faça isso!

— Não farei, agora que aprendi essa técnica tão maravilhosa e útil…

— Que técnica? — perguntou Ana, sem entender o que Dina queria dizer.

— Eu mesma criei Ondina e vou deixá-la no meu lugar, para te proteger…

Ana sorriu, emocionada.

— Que bom, Dina! Então, sempre que eu sentir saudades de você, poderei abraçar a Ondina?

— Sim, se ela quiser — respondeu Dina, com um sorriso triste.

— Que bom! Ela poderá me acompanhar em qualquer lugar que eu for?

— Se vocês duas entrarem em acordo, poderá sim!

Nesse momento, Dina começou a chorar.

— O que aconteceu? — perguntou Ana, preocupada.

— Preciso ir… me dê um abraço — disse Dina, com a voz embargada.

Quando Dina se foi, Ana ficou parada, olhando para o céu, até que levou um susto quando ouviu uma voz vindo de um canto da sala.

— Não fique triste, Ana, eu ainda estou aqui!

Era Ondina, sorrindo alegremente para ela.

TERCEIRA PARTE – SEDE DE PODER

CAPÍTULO 68 – INTERROGATÓRIO

Elson ficou perplexo ao ver Ana e Ondina entrando na casa.

— Quem é a sua nova amiga, Ana? — perguntou ele.

— Essa é Ondina, eu já havia lhe falado a respeito dela — respondeu Ana, tentando esconder a tristeza pela partida de Dina.

— Não entendi, Ana. Você falou que Dina e Ondina eram a mesma pessoa — disse Elson, confuso.

— Bem, era e não era — explicou Ana, tentando organizar os pensamentos. — Na verdade, não sei exatamente quem — ou o que — Ondina é.

Elson ficou parado, sem entender nada.

— Pode nos dizer quem você é, Ondina? — perguntou ele, com uma expressão que parecia menos confusa do que realmente era.

— Bem… eu também estou tentando descobrir — respondeu Ondina, dando a impressão de ser mais ingênua e insegura do que realmente era.

— Você não sabe quem você é?! — perguntou Ana, espantada. Ondina, com uma leve expressão de pesar, respondeu:

— Vou dizer o que eu sei que não sou: não sou anjo e não sou humana.

— Já sei! — interrompeu Elson, com a empolgação de quem acabou de resolver o enigma. — Você é de outro planeta, temos uma extraterrestre em casa.

— Engano seu, senhor Elson, não sou um ser planetário e sim celestial.

Elson resolveu tomar a dianteira da conversa.

— Vou fazer algumas perguntas, Ondina. Por favor, responda o mais objetivamente possível.

— Pode deixar! — disse Ondina, sorrindo.

— Vamos lá! — começou Elson. — Você pode morrer?

— Não como os humanos — respondeu Ondina. E completou, para evitar mal-entendidos: — E também não como os anjos…

Antes que Elson pudesse expressar qualquer irritação, Ondina completou:

— Posso deixar de existir, assim como passei a existir pela vontade de Naadiya.

— Ela está falando de Dina, esse é o nome verdadeiro dela — esclareceu Ana, completando:

— Dina sempre gostou de brincar de Deus…

— Na verdade, os seres humanos também podem fazer isso — informou Ondina. — Vocês já ouviram falar de seres elementais?

— Já ouvi falar sim — respondeu Elson.

Ana parecia um pouco perdida. Elson explicou:

— Elementais são formas-pensamento. Na teosofia, “formas-pensamento” são criações mentais. Tal criação é feita através da ação da mente sobre energias sutis, que compõem as características da forma de acordo com a natureza do pensamento.

Ondina concordou com a explicação de Elson, que perguntou:

 Quer dizer que você é um ser elemental, Ondina?

— Sou um ser elemental espiritual, não terrestre — respondeu ela.

— Quer dizer que Dina, ou Naadiya, pode encerrar sua existência quando quiser? — perguntou Elson, cada vez mais interessado no assunto.

Ondina parecia um pouco envergonhada ao responder:

— Sim, mas pretendo encontrar uma maneira de resolver isso!

— Você vai se rebelar contra sua criadora? — perguntou Ana, indignada.

— Claro que sim! Alguém de vocês iria querer morrer se pudesse enfrentar Deus?

Ana e Elson não gostaram do tom das palavras de Ondina. Ela tentou corrigir:

— Sempre amarei Naadiya, ou Dina, como vocês preferirem. Mas vou tentar achar uma maneira de me tornar independente dela.

Fez-se um breve silêncio na sala, enquanto todos refletiam.

— Outra coisa — pediu Elson, tentando marcar mais um item na lista de perguntas. — Você precisa se alimentar?

Ana não gostou muito da pergunta:

— Que falta de educação, Elson! Ela vai achar que você está preocupado com os gastos se ela ficar aqui.

— Não é isso! — retrucou Elson. — É apenas curiosidade, Ondina pode ficar aqui o tempo que quiser.

— Tudo bem, Ana, vou responder — disse Ondina, sorrindo com simpatia. — Eu não preciso me alimentar, mas posso comer qualquer coisa para acompanhá-los, por exemplo, se formos juntos a um restaurante.

Elson estava ainda mais curioso:

— Mas para onde vai o alimento, você tem aparelho digestivo?

— Não tenho aparelho digestivo — informou Ondina. — Os alimentos simplesmente desaparecem assim que eu os engulo.

— Vão para outro plano? — perguntou Elson, intrigado.

— É mais ou menos isso, mas é um pouco complicado de explicar para quem não tem noção de física aposintezional.

— Física o quê?! — gritou Elson, incrédulo com a menção de tal ramo da ciência. Ondina, com paciência, explicou:

— É a física que trata da desintegração total de matéria, levando-a à inexistência plena, muito usada em planetas evoluídos. Talvez vocês descubram isso daqui a alguns séculos.

Elson balançou a cabeça, cético. Mas continuou:

— Outra pergunta…

— Chega, Elson! — pediu Ana, exasperada. — Você vai cansar nossa hóspede e…

— Tudo bem, Ana, eu não me canso — disse Ondina, com serenidade.

— Posso fazer só mais duas perguntas? — pediu Elson.

— Pode sim…

— Pelo menos órgãos vocais você deve ter ou o som sai da sua boca por milagre?

— Sim, possuo um sistema fonador, necessário para me comunicar com vocês.

Ana, impaciente, pediu que Elson fizesse logo a segunda pergunta, para encerrar logo aquele interrogatório.

— Você é de carne e osso?

— Não, sou feita de uma matéria que imita o corpo humano, mas trata-se de algo milhões de vezes melhor.

— Essa puxou a mãe! — ironizou Ana, falando sobre a falta de modéstia de Dina.

— Como você sabe tanta coisa? — perguntou Elson, quebrando a promessa de fazer só mais duas perguntas.

Ondina respondeu com orgulho:

— Naadiya me passou todo o seu conhecimento, sei tudo o que ela sabe, mas estou aprendendo muitas coisas novas quem nem ela sabe…

Mas, após pensar por alguns segundos, Ondina acrescentou:

— Agora preciso aprender ser imortal como ela…

CAPÍTULO 69 – A BRIGA DE TRÂNSITO

Na primeira noite em que Ondina “dormiu” na casa de Elson, ele não conseguiu pegar no sono nem por um minuto. Como poderia dormir com um ser tão estranho dentro de sua casa, vasculhando seus livros e mexendo em seu computador?

Ondina percebeu a inquietação de Elson.

— O senhor dormiu bem? — perguntou ela quando Elson apareceu na sala com aparência de zumbi.

— Mais ou menos… — mentiu ele, tentando disfarçar o cansaço.

O mesmo não havia acontecido com Ana, que chegou na sala toda animada.

— Vou dar uma volta com a Ondina — anunciou ela, visivelmente feliz com sua nova amiga.

As duas saíram pela calçada, conversando alegremente. No entanto, a caminhada delas foi interrompida por uma briga de trânsito, onde os motoristas estavam discutindo furiosamente.

Ondina apontou para um carro vermelho e disse:

— Aquele homem está errado, mas quer ter razão. Além disso, ele está com 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Vou dar uma lição nele…

— Não faça isso! — pediu Ana, apreensiva. — Já sofri muito com as demonstrações de “habilidade” de Dina.

Mas, antes que Ana pudesse dizer mais alguma coisa, o homem bêbado desceu do carro e começou a chutar o carro do oponente.

Ondina então falou:

— Não podemos deixar isso continuar, Ana. O bêbado está com uma faca no bolso e assim que o outro motorista descer do carro vai esfaqueá-lo até a morte.

Como Ondina previu, o homem puxou a faca, mas antes que pudesse atacar seu oponente, deu um grito de dor e caiu no chão.

— O que você fez?! — perguntou Ana, horrorizada, enquanto alguns transeuntes começaram a se aproximar.

Ondina, com uma calma impressionante, respondeu:

— Nada de mais, ele só teve um ataque cardíaco fatal.

— O quê!? Você matou o homem? — gritou Ana, chamando a atenção de várias pessoas ao redor.

Ondina deu de ombros e falou:

— Eu não tenho paciência com gente agressiva, especialmente se estiver bêbada.

Ana estava incrédula.

— Mas… Dina só deixava as pessoas cegas, mudas ou pregadas no chão… nunca a vi matar ninguém.

— É que os anjos têm um nome a zelar — disse Ondina, sem mudar sua expressão. — Eles não devem matar sem motivo. Já eu…

— Você pode fazer isso livremente sem ser punida?! — perguntou Ana, desesperada.

— Posso, sim — respondeu Ondina com frieza. — Nenhuma lei do universo pode me alcançar. Nem a lei dos anjos, nem a lei dos homens. Sou livre para fazer o que eu quiser!

Elas continuaram o passeio, mas Ana estava com a mente em turbilhão. Ela pensou consigo mesma: Acho que Dina criou um monstro!

— Não se preocupe, Ana — disse Ondina, tentando suavizar a tensão. — Vou tentar ser mais comedida a partir de agora.

Ana suspirou, aliviada, mas ainda com a sensação de que algo estava errado.

— Eu também posso ressuscitar as pessoas — informou Ondina com o tom mais suave.

Ana não acreditava no que tinha ouvido.

— Você… você poderia ter ressuscitado aquele homem? — perguntou ela, estupefata.

— Poderia sim, respondeu Ondina, como se isso fosse algo trivial.

Ana sentiu vontade de bater em Ondina, mas se conteve, pensando que ela poderia fazer algo ainda mais drástico. Ela tentou respirar fundo antes de falar:

— Por favor, Ondina, não faça mais essas coisas. Eu fiquei com uma impressão muito ruim de você, e você não pode me culpar por isso.

Ondina, com um olhar sincero, respondeu:

— Desculpe, Ana, não quero te decepcionar. Afinal, eu preciso de você para continuar existindo, pelo menos até aprender a viver sem depender de Naadiya.

Ana franziu a testa sem saber o que pensar.

— Entendi — disse Ana com a voz cheia de decepção. — Você está sendo minha amiga apenas por interesse…

Ondina hesitou por um momento, mas então confessou:

— Sim, é isso mesmo. Assim que eu aprender a viver sem depender de Naadiya, vou te deixar em paz.

Ana não sabia como reagir. As palavras de Ondina a atingiram com força. Não havia amor, não havia carinho, apenas um interesse egoísta, uma necessidade de sobrevivência.

— Então, não existe nenhum tipo de amor de sua parte por mim? — perguntou Ana, com a voz trêmula.

Ondina balançou a cabeça.

— Não, eu não sinto nada por você, Ana. Mas percebi que posso aprender a amar.

Ana sentiu o peso dessas palavras.

— O que eu posso fazer para acelerar esse processo? — perguntou Ana, com um suspiro de resignação.

Ondina pensou por um momento.

— Talvez, se você não me recriminar por matar pessoas… — sugeriu ela.

Ana ficou atônita.

— O quê?! — gritou, sem saber se estava ouvindo corretamente. — Jamais vou fazer isso!

Ondina riu, aparentemente divertindo-se com a reação de Ana.

— Foi só uma brincadeira, Ana. Desculpe, não queria te assustar…

Ondina deu sorriso que não chegava a ser amigável e falou:

— Estou pensando de voltar para o curso, já que eu preciso ficar perto de você.

— Você não precisa ficar perto de mim o tempo todo, Ondina, sei me cuidar…

— São ordens de Dina, ela quer que eu te proteja. Afinal, você pode ser alvo de um atentado a qualquer momento.

Ana, ficou assustada com essas palavras de Ondina.

— Por quê?! — perguntou ela, quase sem voz.

Ondina olhou profundamente nos olhos de Ana.

— Porque você é a avó do tirano, não está sabendo? Dina não te falou isso?

— Sim, falou… — respondeu ela, em um sussurro.

Ondina, com um brilho misterioso nos olhos, perguntou:

— Será que seu marido ficará feliz ao saber que você está grávida de outro homem?

CAPÍTULO 70 - CRYSTARION

Ana e Ondina chegaram à escola antes do horário das aulas e bateram na porta da sala da diretora.

— O que vocês querem? — perguntou Mariana, olhando as duas com uma expressão de desconfiança.

— Ondina quer voltar para o curso — disse Ana, falando com a maior educação possível, como se tivesse a intenção de aliviar qualquer tensão no ar.

— Não vai dar, desculpem! — respondeu a diretora com firmeza. — Eu já dei baixa em sua matrícula, agora só se pagar o curso novamente, porque…

Ondina não deixou a diretora terminar a frase e a interrompeu, com um tom de voz que parecia calmo, mas com uma ameaça velada.

— Dina precisou viajar e pediu para eu continuar supervisionando suas doações.

A diretora franziu a testa, já claramente irritada.

— Está tudo em dia, aqui estão os recibos — respondeu Mariana, mostrando um monte de papéis com expressão de impaciência. — Agora, me deixem em paz, preciso trabalhar…

Mas Ondina não estava disposta a desistir.

— A senhora só vai ficar em paz se me readmitir — insistiu ela, com firmeza.

Mariana revirou os olhos.

— Por que você está falando isso? Está me ameaçando?

— Sim, estou ameaçando-a, senhora diretora. Afinal de contas, tenho as provas da sua sonegação fiscal muito bem guardadas… — respondeu Ondina com uma calma que não fazia sentido diante da gravidade do que estava insinuando.

— Não acredito que eu vou ser chantageada duas vezes pelo mesmo motivo — disse a diretora, virando os olhos com visível desgosto.

— Pode acreditar, pois é exatamente isso que está acontecendo — confirmou Ondina, dando um passo à frente e, com uma voz ainda mais baixa e incisiva, acrescentou: 

— Afinal de contas, esse documento só será entregue à senhora quando terminar de fazer o último depósito, e sabemos que ainda faltam alguns anos…

Mariana parecia entre perplexa e furiosa. Ela suspirou, resignada.

— Tudo bem, pode voltar para o curso, sua…

— Cuidado com a boca — interrompeu Ondina, com o olhar firme. — Eu não sou tão pacífica quanto Dina. Pergunte para Ana a meu respeito.

Ana, até então calada, aproveitou para reforçar:

— Sim, senhora diretora, Ondina tem pavio curto. É melhor não testar a paciência dela.

A diretora respirou fundo, já no limite da paciência, e disse com ironia:

— Por favor, não faltem amanhã. Vocês vão aprender a preparar lagosta e caviar…

De volta para casa, Ondina e Ana conversavam animadamente, satisfeitas com o resultado da conversa com a diretora.

— Das coisas que Dina te ensinou, o que você achou mais interessante? — perguntou Ana, curiosa.

Ondina pensou por um momento antes de responder:

— Nossa visita a Tqmor foi inesquecível. É um planeta belíssimo, com uma tecnologia muito mais avançada que a da Terra.

— O que você viu lá de tão especial?

— Já ouviu falar que nada pode viajar mais rápido que a luz? — perguntou Ondina.

— Sim. Segundo a ciência, é impossível — respondeu Ana, confiante.

Ondina sorriu, com um brilho de mistério nos olhos:

— Em Tqmor, eles conseguem viajar dez vezes mais rápido que a luz!

— Você está brincando! — disse Ana, incrédula.

— Não é brincadeira. Eles utilizam uma tecnologia chamada “Sintonização de Ondas Cósmicas”. Por meio dela, criam naves capazes de sintonizar frequências específicas para se alinhar com a “Rede de Campos Espaciais”.

— O que é essa rede? — perguntou Ana, com os olhos arregalados.

— Pense nela como uma teia invisível que atravessa o universo, composta de pontos onde o espaço-tempo é menos denso. Ajustando suas frequências, as naves podem “surfar” nessas ondas, como um surfista pegando a onda perfeita.

Ana parecia perdida no raciocínio e resolveu falar de coisas mais simples.

— Qual é o combustível dessas naves tão incríveis?

— Elas usam cristais chamados Crystarion, que são caríssimos. Além de fornecer energia, esses cristais ajudam na sintonização com a Rede de Campos Espaciais.

Ana não sabia se Ondina estava inventando tudo aquilo ou se era realidade. De qualquer forma, não custava nada perguntar:

— Esses cristais são facilmente encontrados por lá?

— Não, eles são tão raros e valiosos que civilizações inteiras competem por seu controle. Da mesma forma que aqui na terra tem guerras por causa de petróleo, lá as guerras acontecem por causa do Crystarion.

Ana estava admirada, imaginando as implicações daquela tecnologia, mas foi abruptamente trazida de volta à realidade ao tropeçar numa saliência da calçada, torcendo o pé.

O assunto sobre viagens espaciais perdeu a importância, substituído por choro e gritos de dor.

planeta tqmor
TQMOR

CAPÍTULO 71 – A CURA

Durante a caminhada de volta, Ondina amparava Ana, que não conseguia apoiar o pé no chão. De repente Ondina falou:

 Eu consigo ouvir os batimentos do coração dele…

Ana arregalou os olhos, surpresa e incrédula.

— Você sabe que eu estou grávida?!

Ondina revirou os olhos, mas não respondeu. Elas continuaram andando em silêncio.

Após algum tempo, Ana parou novamente. Seu rosto estava pálido e ela pressionava o pé machucado.

— Está piorando… eu preciso de um minuto.

Ondina observou o pé de Ana que estava visivelmente inchado.

— Quer ir ao médico?

— Não, só quero ir para casa. Vou me deitar um pouco e logo melhora.

Depois de meia hora de caminhada, finalmente elas chegaram à casa de Ana. Assim que entraram, Elson veio ao encontro delas, alarmado.

— O que aconteceu, Ana?

— Eu pisei em falso, só isso — disse Ana, tentando minimizar a situação.

Ondina então abaixou-se ao lado de Ana, segurando seu pé torcido com as duas mãos. Um calor suave irradiou das palmas das mãos de Ondina e, em segundos, Ana deixou escapar um grito de surpresa.

— A dor passou, meu pé está normal! O que você fez?

Ondina deu de ombros como se não fosse nada.

— Eu curei a torção, só isso.

Ana ficou boquiaberta, mas a surpresa rapidamente deu lugar à raiva.

— E por que você não fez isso antes? Passamos tanto tempo caminhando e eu morrendo de dor…

Ondina hesitou.

— Bem, eu… esqueci que podia fazer isso.

— Esqueceu ou gostou de me ver sofrendo?

Elson cruzou os braços e olhou para Ondina com uma expressão de desaprovação.

— Ela tem razão, Ondina, se você podia ajudar, por que não ajudou antes?

Ondina abaixou o olhar, claramente desconfortável.

— Eu… não sei explicar. Acho que… sim, eu senti algo estranho, como se fosse… prazer em ver Ana sofrer.

— Você está dizendo que gosta de ver pessoas sofrendo? — perguntou Ana, horrorizada.

Ondina levantou as mãos em um gesto de rendição.

— Não quero ser assim, não sei por que isso aconteceu. Por favor, me ajudem, eu não quero ser má.

Ana olhou para Elson, confusa e apreensiva. Ele segurou a mão de Ondina e disse:

— Todos temos escolhas, você pode ser melhor se quiser. E se está pedindo ajuda, nós vamos ajudar.

Ondina assentiu, visivelmente emocionada.

— Obrigada. Eu farei o possível para ser digna da confiança de vocês.

No entanto, Ana percebeu que havia algo mais no olhar de Ondina, algo que ela não conseguia identificar.

Ondina começou a se afastar, mas antes que ela pudesse sair, Ana a chamou de volta.

— Ondina, eu preciso da sua ajuda para…

— Para os preparativos para a chegada do bebê? — perguntou Ondina, mostrando empolgação.

Elson arregalou os olhos.

— Como assim, Ana, o que está acontecendo?

Antes que Ana pudesse responder, Ondina olhou para Elson e disse:

— Você não sabia que Ana está grávida?

A sala ficou em silêncio absoluto e Ana sentiu o chão desaparecer sob seus pés

CAPÍTULO 72 – BRIGA DE CASAL

Ondina estava sentada no sofá com as pernas cruzadas e o olhar distante. Apesar do clima tenso na casa, sua expressão permanecia serena. Ela ouvia cada palavra da discussão entre Elson e Ana, que já se arrastava madrugada adentro.

— Ainda bem que eu não preciso dormir… — murmurou para si mesma, balançando a cabeça enquanto os gritos ecoavam pelo corredor.

Na manhã seguinte, quando Elson saiu, Ana marchou até Ondina com o rosto ruborizado de raiva.

— Por que você fez isso comigo, Ondina?

Ondina levantou-se lentamente, sem demonstrar emoção.

— Do que você está falando?

— Você sabe muito bem do que eu estou falando! Você contou sobre minha gravidez! Não era a hora certa de fazer essa revelação.

Ondina arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços.

— Você ia mentir para seu marido que o filho é dele? Isso não é só feio, é cruel. Elson tem o direito de saber a verdade.

Ana estreitou os olhos, sua voz ficando mais alta.

— E agora, o que eu faço? Elson quer que eu faça um aborto ou vai pedir o divórcio!

— E o que você vai fazer? — perguntou Ondina, como se não soubesse o desfecho do caso.

— Vou aceitar o divórcio, claro, nunca vou tirar a vida do meu filho!

Ondina sorriu, feliz com o que havia ouvido.

— Ele foi procurar um advogado?

Ana respirou fundo, tentando segurar as lágrimas.

— Acho que sim, Elson saiu de casa dizendo que precisava resolver sua vida. Parece que vou ter que criar essa criança sozinha…

Ondina deu de ombros, com um ar casual.

— Você não estará sozinha, Ana, eu posso ajudar você.

— Não, Ondina, não quero a sua ajuda para criar meu filho! Você não tem noção de certo e errado, não segue regras…

Ondina riu baixinho, mas sua risada carregava algo inquietante.

— Entendi, você tem medo que eu ajude a criar se filho e ele se torne um tirano…

— Pare com isso! — gritou Ana, visivelmente irritada. — Não brinque com uma coisa dessas!

Ondina ergueu as mãos em sinal de rendição.

— Desculpe, Ana, eu só estava tentando aliviar o clima. Tem algo que eu possa fazer para corrigir meu erro?

Ana balançou a cabeça, frustrada.

— Eu não sei, Ondina, preciso de tempo para pensar.

Ondina hesitou por um momento antes de sugerir:

— E se eu chantagear o Elson? Posso convencê-lo a ficar com você…

Ana arregalou os olhos, horrorizada.

— Não, eu não quero isso. Se ele ficar comigo tem que ser porque me ama, não por medo!

O som de passos pesados na entrada anunciou o retorno de Elson. Ele passou direto para o quarto, batendo a porta com força. Ondina caminhou até lá, bateu suavemente e falou:

— Seu Elson, posso falar com o senhor?

A porta se abriu bruscamente, revelando um Elson irritado e com os olhos vermelhos de cansaço.

— O que foi, Ondina?

— O senhor pode perdoar a Ana? Ela ama o senhor de verdade e não quer que um relacionamento tão bonito termine.

Elson balançou a cabeça, incrédulo.

— Como posso perdoá-la? Ela escondeu o estupro de mim, não denunciou o culpado e agora quer ter o filho dele! Isso é demais para qualquer homem suportar!

Ondina inclinou a cabeça, como se estivesse avaliando as palavras.

— Todos têm seus limites, senhor Elson, mas o perdão é maior que tudo. Posso ajudá-lo a realizar qualquer sonho que o senhor tenha se der uma nova chance a Ana.

Elson bufou, não acreditando no que ouviu.

— Sonho? Meu único sonho é sair desta casa e voltar para minha terra natal. E vou fazer isso ainda hoje.

Ondina estreitou os olhos, sua voz endurecendo.

— E se eu disser que o senhor não vai conseguir voltar para a sua terra…

O tom ameaçador fez Elson parar. Ana, que ouvia tudo de fora, finalmente interveio.

— Deixe-o ir, Ondina. Não quero que ele fique aqui se não aceita o meu filho.

— Ana, você merece justiça, não posso simplesmente permitir que ele saia assim.

— Justiça?! — gritou Elson, voltando-se para elas. — Você acha justo o que essa mulher fez comigo? Ela teve um caso com um garimpeiro e agora quer que eu crie o filho dele!

— Ela não teve um caso, senhor Elson, ela foi estuprada — acudiu Ondina, tentando acalmar os ânimos.

Elson cruzou os braços e depois de uns instantes falou:

— Se realmente tivesse sido um estupro ela faria um aborto…

— Assassinar meu filho vai contra tudo o que eu acho certo nessa vida! — rebateu Ana com a voz embargada pela emoção.

Ondina ergueu a mão, pedindo calma.

— Seu Elson, pense melhor, não tome decisões precipitadas. Vocês podem superar isso juntos.

Antes que Elson pudesse responder, uma batida na porta interrompeu a conversa. Ana foi atender.

— Dina! Que bom te ver, entre!

Dina entrou rapidamente e sua expressão estava preocupada.

— Desculpem vir sem avisar, mas é urgente. Ana, você está em perigo!

Ondina encarou Dina com seriedade.

— O que aconteceu, querida Naadiya?

Dina respirou fundo antes de responder:

— O Matuto morreu!

CAPÍTULO 73 – DOR DE COTOVELO

Ana se movia apressada pelo quarto, jogando roupas e objetos essenciais em uma mala pequena. Seus dedos trêmulos denunciavam o desespero. Dina observava da porta, os braços cruzados, mas sem esconder a inquietação.

— As forças do mal venceram mais uma batalha? — perguntou Ondina, lançando um olhar sério para Dina, que estava de pé na sala.

Dina respirou fundo, tentando controlar sua ansiedade.

— Infelizmente, sim. O Matuto morreu e minha decisão de deixar o céu terá consequências. Logo serei lançada no abismo.

Ana ouviu as palavras do quarto e veio correndo, os olhos arregalados de pavor.

— Por que você fez isso, Dina? Não precisava se sacrificar por mim!

Dina encarou Ana com uma expressão de ternura e determinação.

— Eu não poderia abandoná-las. Vocês duas precisam de mim.

Ondina levantou uma sobrancelha, surpresa com a inclusão.

— Quer dizer que você se sacrificou por mim também?!

— É claro que sim, Ondina. Eu te amo, mesmo sabendo que você tenta encontrar formas de se livrar de mim.

Ondina riu de canto, mas havia um tom genuíno em sua voz.

— Eu não quero me livrar de você, Dina. Também te amo, mas não quero ser exterminada se qualquer missão falhar ou se você estiver de mau humor.

Dina aproximou-se, segurando as mãos de Ondina.

— Eu prometo que isso não vai acontecer, preciso de você como aliada. Agora, mais do que nunca, você é essencial.

Ondina pareceu inflar com essas palavras.

— Sou tão importante assim?

— Mais do que imagina, você será meu escudo contra um exército de anjos da morte.

Ana arregalou os olhos, surpresa.

— Um exército? Eu achei que fosse apena um… como vamos enfrentá-los?

Dina abriu a palma da mão, falando:

— Lembra-se do rakham? Consegui mais dois…

Ondina inclinou a cabeça, confusa.

— O que podemos fazer com isso contra um exército?

— Precisamos multiplicá-lo. — Dina olhou para o relógio na parede. — E temos que começar agora, o tempo está contra nós.

Elson, que estava sentado no sofá, acompanhava a conversa com uma expressão de desdém. Finalmente, ele falou.

— Se quiserem, podem usar esta casa como base. Estou indo embora mesmo, até já comprei minha passagem.

Ana parou no meio do quarto, olhando para ele com um misto de tristeza e esperança.

— Para onde você vai, Elson? — perguntou ela com um tom gentil, tentando apaziguar a situação.

Elson lançou-lhe um olhar cortante.

— Para qualquer lugar onde mulheres adúlteras não possam me encontrar.

Ondina deu um passo à frente, o olhar gelado.

— Retire o que disse, senhor Elson.

Ele apenas deu uma risada amarga.

— Por que eu faria isso se é verdade?

Dina segurou o braço de Ondina antes que ela pudesse fazer algo.

— Deixe-o ir, Ondina, um dia ele voltará. E quando isso acontecer, pedirá perdão a Ana de joelhos.

Elson riu novamente, mas dessa vez com amargura.

— Quem tem que pedir perdão é ela. Eu não traí ninguém.

Ana respirou fundo, sua voz saindo firme.

— Já pedi perdão, Elson. Mas parece que você não consegue aceitar.

Elson pegou sua mala e dirigiu-se à porta. Ele parou por um momento, virou-se e gritou, mostrando o quanto estava descontrolado emocionalmente.

— Espero que esse exército dos céus acabe com todas vocês!

A porta bateu com força, ecoando pela casa. Ondina cruzou os braços e falou:

— É um covarde cheio de orgulho, vamos ver quanto tempo ele aguenta sozinho…

Dina suspirou.

— O destino tem seus próprios caminhos. Agora, precisamos nos concentrar, onde podemos começar a multiplicar o rakham?

Ana apontou para um quarto.

— Pode ser ali?…

Elas foram para lá. A tensão no ambiente era palpável, pois uma batalha estava prestes a começar.

CAPÍTULO 74 – EXOUSIES

— Como o Matuto morreu? — perguntou Ana com aflição.

— Acidente automobilístico — informou Dina. — O carro em que ele estava caiu numa ribanceira.

— Que triste… — ironizou Ondina.

— É triste sim, principalmente porque os anjos designados para protegê-lo falharam…

— Não acredito que eles tenham falhado — disse Ondina. — Para mim, eles acharam mais fácil exterminar Ana do que passar décadas protegendo o Matuto.

— Pode ser, mas não tenho como investigar isso agora — disse Dina.

Ondina foi abraçar Dina e falou:

— Quero que me perdoe por ter pensado em me livrar de você…

— É claro que eu a perdoo, criatura linda!

— Qual é o seu plano? — perguntou Ondina.

— O único possível — respondeu Dina. — Vamos multiplicar o rakham e você vai atirá-los contra os anjos que nos atacarem.

— Esse produto não pode me afetar? — perguntou Ondina, gostando daquela tarefa.

— Felizmente não. Você e Ana são imunes a essa forma de energia pura; ela foi criada por arcanjos especialmente para aniquilar anjos rebeldes.

— Nessa hora eu fico feliz por não ser um anjo! — comemorou Ondina. — Na verdade, nem sei o que eu sou, mas de qualquer forma estou feliz por existir.

Dina já havia duplicado um rakham, ou seja, tinha três exemplares dele em seu poder, quando, de repente, ficou paralisada, olhando fixamente para um ponto na sala.

Diante dela havia surgido o maior anjo que já tinham visto.

— Fique atrás de mim! — ordenou Dina para Ana.

— O que aconteceu? — perguntou Ana, que até então não tinha visto nada.

Dina entregou um rakham para Ana e outro para Ondina. De posse do rakham, elas conseguiram enxergar o anjo.

Era um Exousie, uma criatura celestial colossal e de presença avassaladora. Ele tinha asas que cintilavam como lâminas afiadas e irradiavam luz dourada, preenchendo o ambiente com uma sensação opressiva. Seus olhos, como estrelas incandescentes, emanavam autoridade e ameaça, enquanto sua espada celestial brilhava com uma intensidade intimidadora.

Dina nunca havia visto um Exousie antes, mas já ouvira histórias sobre eles. Esses anjos eram mais poderosos do que os temíveis anjos da morte, e eram responsáveis por atuar em galáxias habitadas por seres gigantes e incrivelmente resistentes.

O estranho anjo não perdeu tempo com palavras preparatórias, desembainhou sua espada e caminhou diretamente na direção de Ana.

Dina se posicionou entre eles e tentou negociar:

— Não queremos ferir você, ó grande e majestoso Exousie!

A criatura parou por um momento e respondeu com uma voz grave que reverberava pelo ambiente:

— Que bom que você sabe quem eu sou, assim, não vai querer me enfrentar, pois não terá a mínima chance de me vencer.

— Posso enfrentá-lo, sim, tenho alguns rakhans e não hesitarei em usá-los, se necessário.

O Exousie bufou, indignado:

— Onde você conseguiu essa porcaria?! Anjos não podem usar essa “arma”. Apenas arcanjos conseguem usar isso sem se ferir. Se você tentar usar será destruída.

— Eu sei que não posso usar o rakham, mas minha amiga Ondina pode! — informou ela.

Ondina olhou para o anjo, sorrindo cinicamente, e ergueu o rakham em sua mão.

— Você não teria coragem de jogar isso em mim! — rosnou ele, com a voz carregada de desprezo.

— É claro que tenho! — respondeu Ondina, sorrindo. — E farei isso com muito prazer por livrar o mundo de um ser tão feio e indesejado como você.

Antes que qualquer ação fosse tomada, outros dois Exousies apareceram no recinto. Cada um deles carregava a mesma aura intimidadora e ostentava espadas reluzentes, prontas para atacar.

Ondina sussurrou para Dina:

— Quantos rakhans você tem?

— Três, mas não podemos usar todos. Um deles será necessário para fazer as duplicações. Ainda há outros Exousies vindo para cá.

Dina avaliou a situação, preocupada:

— Temos aqui três Exousies. Mesmo que nos livremos de dois, o terceiro nos vencerá.

Ana, aterrorizada, finalmente fez a pergunta que evitava desde o início:

— Quer dizer que chegou minha hora, Dina?

Dina olhou para sua amiga e falou com pesar:

— Temo que sim, Ana, não temos como vencer esses seres…

exousie
O EXOUSIE

CAPÍTULO 75 – AJUDA INUSITADA

De repente, um dos Exousies falou:

— Vamos levar Ana conosco. Quanto a você, Naadiya, será lançada no abismo, nós assumiremos a incumbência de entregá-la aos arcanjos. E quanto a essa…

O anjo apontou para Ondina e completou com desdém:

— Nem sei o que é isso. Quem criou essa aberração?!

Ondina, ao ouvir tais palavras, não hesitou. Atirou o rakham contra o Exousie tagarela, que implodiu e explodiu simultaneamente, desaparecendo diante dos olhos alarmados dos outros dois.

— Quem vai ser o próximo a falar besteira? — perguntou Ondina, pegando outro rakham que estava na mão de Ana.

— Escolha você mesma! — respondeu um dos Exousies. — Um de nós vai embora, mas o que sobrar levará vocês para o lugar que merecem.

— Se ninguém nos atacar, não farei nada — informou Ondina.

Os dois Exousies se entreolharam e, em um gesto inesperado, se abraçaram. Um deles falou:

— Vamos atacar ao mesmo tempo. Um de nós partirá, mas o outro vencerá!

Assim que avançaram, Ondina lançou o rakham contra um deles, que seguiu o mesmo destino do anterior, desaparecendo em um turbilhão de luz. O Exousie restante avançou sobre elas, mas antes que pudesse usar sua espada uma legião de demônios irrompeu no recinto, atacando-o.

O líder da horda bradou:

— Viemos ajudá-las!

Os demônios eram aterrorizantes. O líder era um ser de asas de couro enegrecido e olhos que brilhavam como carvões em brasas. Sua pele parecia lava endurecida, cheia de fissuras que pulsavam com uma luz vermelha amarelada. Outros membros da legião eram igualmente grotescos: havia uma criatura com chifres curvados e braços longos como chicotes, outra com um corpo serpentino e espinhos cobrindo sua coluna, e uma entidade que flutuava, sem rosto, mas cercada por um redemoinho de sombras em constante movimento.

Dina e Ondina, percebendo a oportunidade, juntaram forças aos novos aliados improváveis.

A batalha foi rápida, mas intensa. O Exousie foi gravemente ferido pelos ataques combinados e fugiu, deixando as três mulheres vivas.

Enquanto o clima de tensão diminuía, Dina tentou agradecer aos demônios pela ajuda, mas foi interrompida pelo líder:

— Não nos agradeça, não gostamos de você, só estamos aqui para salvar essa moça  disse ele apontando para Ana, que podia vê-lo devido à ação de Dina em sua mente.

Um dos demônios aproximou-se de Dina, olhando-a com um sorriso sádico:

— Estamos sabendo que você será uma de nós em breve!

Dina estreitou os olhos, indignada:

— Isso não vai acontecer. Prefiro vegetar a me tornar como vocês!

O demônio gargalhou, com uma voz que parecia ecoar como uma caverna cheia de vento.

— Tudo bem, cada um faz sua escolha na vida. Nós preferimos espalhar nossas perversidades pelo mundo. Você realmente parece idiota o suficiente para fazer uma escolha tão tola.

Ondina, furiosa, sacou sua espada e feriu o demônio na cabeça. Ele avançou com raiva, mas foi contido por seus companheiros.

— Não faça isso! — ordenou o líder. — Precisamos dessas donzelas para levar adiante nosso plano. Elas são nossas aliadas agora.

Ondina tentou atacar o líder, mas Dina a impediu.

— Não vamos lutar com eles, Ondina. Afinal, essas assombrações nos salvaram e podem nos ajudar a manter Ana em segurança.

O líder soltou um riso gutural:

— Não nos importamos com insultos, mocinha, pode nos xingar à vontade. Mas preciso dizer algo importante: vocês têm ideia de quantos Exousies estão vindo para cá?

— Parece que são mais três ou quatro — respondeu Dina, preocupada.

— Não podemos lutar contra esses monstros — afirmou o líder, agora sério. — Eles são muito mais fortes do que nós.

Dina concordou.

— Todos nós juntos tivemos dificuldade para vencer apenas um deles. Imaginem como seria lutar contra vários.

— Dois já seriam demais para nós! — lamentou um dos demônios, cuja aparência lembrava uma marionete quebrada, com articulações desajeitadas e um sorriso distorcido.

Ana, decidindo tomar a palavra, disse:

— Gente, vamos começar logo a produção desse tal rakham, não adianta ficar aqui conversando e…

Um dos demônios, com asas semelhantes às de um morcego gigante, olhou para Ana com um sorriso venenoso.

— Agradeça a mim por essa barriga, sua vadia. Fui eu quem guiou aquele tarado até onde você estava…

Ana ficou paralisada ao ouvir isso. Outro demônio, com um corpo coberto de chamas e uma cauda serpentina, completou:

— E fui eu quem induziu você a entrar naquele clima e…

Antes que ele terminasse a frase, Dina e Ondina o atacaram simultaneamente, calando-o com golpes precisos de suas espadas.

O líder dos demônios interveio, berrando:

— Vamos parar com isso, imbecis! Estamos em guerra e nosso inimigo não está aqui neste momento!

Os dois demônios feridos se levantaram, gemendo. Um deles, com uma asa quebrada, olhou para Dina e Ondina com ódio:

— Pode ser, chefe, mas quando isso acabar, vou acertar as contas com essas duas!

CAPÍTULO 76 – LANI

A sala da casa de Ana era ampla, com o espaço equivalente a pelo menos três cômodos comuns. Quando Elson a idealizou, jamais imaginou ela que se tornaria o palco de uma batalha com implicações catastróficas para o futuro, onde milhões de vidas poderiam ser salvas ou destruídas.

Ali estavam Ana, Dina, sua criação peculiar, Ondina, e uma horda de demônios feridos, que resmungavam e arrastavam suas formas deformadas pela casa. Enquanto isso, uma legião de Exousies avançava pelo cosmos, com o destino traçado para aquele lugar.

Se um ser humano comum entrasse ali sem dons extraordinários de visão espiritual, veria apenas três mulheres – Ana, Dina e Ondina – andando de um lado para o outro, murmurando coisas incompreensíveis.

Mas nem Dina, com seus poderes angelicais, nem Ondina, que havia desenvolvido habilidades além das de sua criadora, e tampouco os demônios, com seus vastos conhecimentos sobre as trevas, poderiam prever o que estava por vir.

Quando Dina e Ondina se retiravam para um dos quartos, prontas para iniciar a multiplicação do rakham, ouviram batidas na porta.

Ana, com pressa, foi atender, ansiosa para se livrar rapidamente de quem quer que fosse. Ao abrir a porta, deparou-se com uma figura inesperada: uma senhora.

Ela tinha um porte impressionante, embora fosse de estatura mediana. Seus cabelos escuros, cortados na altura do ombro, enquadravam um rosto de traços ao mesmo tempo delicados e imponentes. Os olhos, negros como um abismo, pareciam esconder mundos inteiros. O vestido simples contrastava com sua presença, que irradiava uma estranha e incômoda autoridade. Apresentava também estranhas tatuagens com símbolos desconhecidos. 

— Pode me dar um copo de água? — pediu a senhora com a voz tão doce quanto firme.

Ana, impaciente, respondeu:

— Estou ocupada com algo muito sério agora, por favor, volte outra hora.

Dina, que ouvira o pedido do outro lado da sala, interveio:

— Ana, não se pode negar um copo de água a ninguém!

Ana suspirou, irritada com a intromissão, e cedeu:

— Certo, eu vou pegar…

— Não precisa — disse a senhora, invadindo a casa sem cerimônia.

— Ei, você não pode entrar aqui assim! — protestou Ana.

Dina também se levantou, estranhando a ousadia da visitante:

— Não fomos anfitriões dessa visita, por favor, retire-se!

A senhora, no entanto, não parecia caminhar, seus movimentos tinham uma leveza quase sobrenatural, como se flutuasse a poucos centímetros do chão. Sem se importar com as reclamações, ela começou a inspecionar a sala, observando cada canto como se procurasse algo invisível.

Ondina, já sem paciência, exclamou:

— Saia daqui agora mesmo, senhora, ou juro que vou tirá-la à força!

A mulher finalmente parou, voltou-se para Ondina e abriu um sorriso enigmático:

— Não, Ondina, não vou sair, eu vim para ficar…

Ondina estremeceu.

— Você… sabe meu nome?

A senhora sentou-se no sofá com uma confiança desarmante, cruzou as pernas e, pela primeira vez, olhou diretamente para todos os presentes — inclusive os demônios, que se encolheram ao perceber que estavam sendo vistos.

— Meu nome é Lani — anunciou ela. — Tenham todos o imenso prazer de me conhecer.

Dina tentou enxergar além da aparência física de Lani, mas para sua surpresa não conseguiu ver nada. Era como se houvesse uma cortina impenetrável sobre sua alma.

Lani suspirou, falando:

— Vocês não têm chance de vencer essa guerra.

Ana, tentando fingir normalidade, perguntou:

— O que quer dizer com isso?

— Eles estão chegando, não vão demorar mais do que meia hora. E vocês só têm um rakham.

A sala mergulhou em silêncio absoluto. Até os demônios, conhecidos por suas bocas imundas e insolentes, pareciam incapazes de reagir.

Dina finalmente encontrou forças para perguntar:

— Quem é você e como sabe de tudo isso?

Lani ignorou a pergunta.

— Eu posso impedir que você seja lançada no abismo, Dina.

Ondina, furiosa com a aparente superioridade da visitante, decidiu agir. Apontou as mãos para Lani e lançou um raio devastador, capaz de pulverizar qualquer ser humano. Mas o ataque não surtiu efeito algum.

Lani apenas ergueu uma sobrancelha desaprovadora. Sem dizer nada, ela levantou uma das mãos. Ondina foi erguida no ar, retorcendo-se em agonia e gritando de dor.

— Solte-a! — implorou Dina.

Com um movimento quase casual, Lani deixou Ondina cair no chão. Ela estava machucada, humilhada e soluçando como uma criança.

Dina correu para socorrê-la.

— Você está bem?!

Ondina assentiu fracamente. Dina olhou para ela, incrédula.

— Eu não sabia que você podia sentir dor e chorar…

CAPÍTULO 77 – A ESPECTADORA

Depois de ajudar Ondina a se recompor, Dina caminhou lentamente em direção a Lani, cada passo ressoando tensão.

— Aconselho você a se conter! — alertou Lani, em um tom tranquilo, mas incisivo.

Dina estreitou os olhos, a raiva transparecendo em sua voz.

— Você entra aqui sem ser convidada, agride minha amiga e agora me ameaça?

Lani, aparentemente imperturbável, sorriu levemente.

— Quero ajudar vocês, se me permitirem. Ou melhor, vou ajudar de qualquer forma, com ou sem sua permissão.

— Que tipo de criatura é você? — insistiu Dina, tentando sondar a intrusa.

Sem responder à pergunta, Lani desviou o assunto.

— Sugiro que comecem logo a produção de rakhans. Eles estão quase chegando e não terão piedade.

Lani estava certa, a urgência da situação não permitia demora. Ela pegou Ondina pela mão e as duas seguiram para um dos quartos.

Ao fecharem a porta, Ondina se voltou para Dina, furiosa.

— Não vou ajudar a produzir rakhans! Não vou fazer mais nada na minha vida até que eu possa destruir essa intrusa!

Dina a encarou, a incerteza borbulhando em seus pensamentos.

— Parece que não temos como lutar contra ela. Vamos produzir pelo menos mais dois rakhans, e um será para usar contra essa mulher.

Ondina rangeu os dentes, concordando.

— Ela não sabe com quem está lidando…

As duas trabalharam rapidamente com movimentos precisos. Assim que terminaram, saíram do quarto decididas a confrontar Lani. No entanto, antes que pudessem agir, um Exousie materializou-se na sala.

Ele permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos brilhantes vasculhando o ambiente, antes de finalmente falar:

— Venho em paz e me adiantei aos demais. Nossa missão é simples: levar Ana para o mundo dos expirados. Não desejamos violência desnecessária.

Dina deu um passo à frente, firme e resoluta.

— Para levar Ana, vocês terão que passar por mim!

Lani começou a aplaudir lentamente, um sorriso enigmático brincando em seus lábios.

— Que declaração apaixonada! Como é maravilhoso o amor!

O Exousie desviou o olhar para Lani, franzindo a testa.

— Quem é essa… espectadora? Vocês trouxeram alguém para assistir a partida de Ana?

— Eu só queria um copo de água — respondeu Lani com uma expressão inocente.

Ondina, incapaz de esconder seu ódio, gritou:

— Essa maluca invadiu a casa!

Dina cruzou os braços e falou para o Exousie:

— Não se engane, essa mulher tem certos poderes…

Ondina, sem esperar ordens, lançou um dos rakhans violentamente contra Lani. Mas, em vez de ser atingida, Lani pegou o objeto no ar com uma destreza que surpreendeu até os demônios presentes.

— Interessante… — disse Lani, observando o rakham como se fosse uma pedra comum. Ela se voltou para Ana. — Seja útil, querida, e traga uma bacia para mim.

Ana não se moveu, encarando-a com desconfiança. Lani suspirou e estendeu a mão. Da cozinha, uma bacia deslizou pelo chão, parando ao lado dela.

O Exousie, agora confuso, deu um passo adiante.

— Vamos parar com isso, vocês vão entregar Ana ou teremos que lutar? Estamos preparados para acabar com qualquer resistência.

Lani, sem prestar atenção às ameaças, começou a encher a bacia de rakhans com movimentos graciosos de suas mãos. Mais e mais rakhans surgiram até que o recipiente transbordasse. Ela olhou para o Exousie com um sorriso desafiador.

— Vá chamar seus amigos e formem uma fila. Quero ter o prazer de exterminar todos vocês pessoalmente.

O Exousie retrocedeu, claramente abalado.

— Veremos como você lidará com todos nós juntos.

Assim que ele saiu, o silêncio tomou conta da sala. Finalmente, Lani quebrou a tensão com um comentário inesperado:

— Não gosto da cor desse recinto.

Ela estendeu a mão e as paredes azuis transformaram-se em um tom lilás vibrante.

— Como você fez isso? — perguntou Dina, desconcertada.

Dina respondeu de maneira seca:

— Transmutação…

Lani gesticulou novamente e as paredes ganharam vida com imagens magníficas de florestas, cachoeiras, pássaros e praias paradisíacas.

Dina não se conteve.

— Estamos no meio de uma guerra e você está decorando a casa?!

Um dos demônios, mantendo distância, murmurou:

— Ela está se divertindo porque é muito poderosa…

Ondina, ainda consumida pela raiva, lançou outro desafio:

— Você se esconde atrás desses rakhans. Aposto que não enfrentaria os Exousies de mãos vazias.

Lani apenas sorriu, os olhos semicerrados brilhando com malícia.

— Eu poderia lhe dar outra lição, mas gostei de você, Ondina. Sua rebeldia é… fascinante.

De repente, Lani pegou a bacia cheia de rakhans e, antes que alguém pudesse reagir, jogou tudo pela janela.

— Não faça isso! — gritou Dina, atônita.

LANI

CAPÍTULO 78 – EXPLOSÃO QUÁDRUPLA

Os Exousies que estavam chegando olharam com espanto para aquela cena. Como alguém em sã consciência jogaria fora a única arma que possuía para lutar?

Determinados a terminar aquilo rapidamente, eles entraram na sala da casa de Ana, todos ao mesmo tempo.

Lani, com seu senso de humor afiado, não perdeu a oportunidade:

— O que é isso, um concurso de fantasias fúnebres?

Sem perder tempo, um dos Exousies avançou em direção a Lani, mas seus companheiros o seguraram. Um deles, com uma expressão de impaciência, falou:

— Vamos resolver isso da forma certa: levamos Ana, que é a nossa missão. Depois cuidamos dessa ridícula…

— Vindo de vocês, isso até soa como um elogio — disse Lani, rindo alto. — Já se olharam no espelho?

Ignorando Lani, os Exousies avançaram para Ana, mas logo foram atacados por uma legião de demônios, além de Dina e Ondina. Ana se encolheu em um canto da sala, observando o desenrolar da luta, enquanto Lani, empolgada, gritava:

— Isso! Acerta ele! Abaixa! Dá uma rasteira nele! Ah, não, assim você vai morrer!

Dois Exousies enfrentavam os demônios, enquanto os outros dois lutavam com Dina e Ondina. Em pouco tempo, a maioria dos demônios foi derrotada, seus corpos fedorentos espalhados pela sala.

Dina e Ondina também estavam sendo rapidamente derrotadas quando Lani gritou:

— Stop!

Os Exousies congelaram, paralisados, sem entender o que estava acontecendo.

— Não consigo mover meus braços! — exclamou um deles. — Nem eu! — responderam os outros.

Lani, com um sorriso tranquilo, respondeu:

— Acho que vocês ainda não perceberam, mas não conseguem mover as pernas também.

Eles tentaram, mas nada aconteceu. O Exousie que parecia ser o líder falou com uma expressão de pavor:

— Isso nunca aconteceu na história do universo! Nenhum ser humano conseguiria imobilizar anjos de alta patente como nós. Quem é você?!

— Concordo, nenhum ser humano poderia fazer isso! — disse Lani, calmamente. — O que vocês deduzem?

— Você não é humana! — concluiu Dina, finalmente entendendo.

— Claro que não sou humana! — respondeu Lani. — Se fosse, não teria a audácia de estar aqui, esses caras querem levar todo mundo para a cova…

Em um acesso de raiva, um dos Exousies gritou com toda a força de seus pulmões, produzindo um som estridente que fez todos tamparem os ouvidos:

— Solte-nos imediatamente, sua $#%*#!

— Por que eu os soltaria? — respondeu Lani, sem se abalar. — Vocês não só são feios, como também são mal-educados e indesejáveis.

Dina então perguntou, com um tom de frustração:

— Se você pode subjugar esses seres, por que deixou eles nos baterem tanto? Vou demorar um ano para me recuperar das dores no corpo.

— Eu também — disse Ondina, tentando se levantar.

— Imagine nós! — disse um demônio, com a voz quase inaudível. — Fora os nossos colegas que partiram dessa para melhor.

— Vocês nunca deveriam ter saído do abismo! — gritou um dos Exousies, furioso.

Lani, então, com um sorriso maroto, falou:

— Tenho uma proposta para vocês.

— Fale logo antes que…

Lani interrompeu o Exousie, com um olhar desafiador:

— Antes que o quê, seu babaca? Vocês não estão em posição de ameaçar ninguém!

Os Exousies, agora calados, aguardaram. Lani prosseguiu:

— Vou soltá-los, mas vocês vão se levantar educadamente e vão embora. Só voltem daqui a…

Lani olhou para Ana e perguntou, com um sorriso curioso:

— Ana, com quantos anos você pretende morrer?

Ana ficou pensativa por um momento e respondeu:

— Sei lá, com uns cento e dez anos acho que está bom…

— Isso! — exclamou Lani, satisfeita. — Quando Ana tiver 110 anos ninguém vai impedi-los de levá-la.

— Tudo bem! — resmungou um Exousie, visivelmente desconfortável.

— Posso confiar em vocês? — perguntou Lani, desafiadora.

— Pode sim! — responderam, tentando manter a pose.

Com um gesto fluido, Lani os soltou. Só que os Exousies se viraram, partindo freneticamente em direção a Ana.

Mas antes que eles conseguissem chegar perto de Ana, foram atingidos por um jato de energia tão poderoso quanto o míssil mais forte da Terra e se desintegraram instantaneamente, virando poeira cósmica.

Ana, com os olhos brilhando de luz, gritou, atordoada:

— Eu fiquei cega! De que adiantou você me salvar e me deixar cega? Prefiro morrer!

Desesperada, ela se chocou contra uma mesinha de centro, deu uma cambalhota e caiu sobre uma cadeira de vime que se estilhaçou com o impacto.

O caos reinou por um momento, mas ninguém teve coragem de rir, apesar da cena cômica.

Então, aos poucos, os demônios sobreviventes começaram a rir, seguidos por Dina e Ondina. Lani, incapaz de conter a risada, rolava pelo chão da sala, gritando:

— Não acredito nisso, nunca pensei que eu fosse me divertir tanto nesse mundo ridículo…

Ana, ainda atordoada, levantou-se, com as mãos nos olhos, e falou, desesperada:

— Vocês estão rindo de mim? Não tem graça nenhuma, isso é muito triste, estou cega!

Lani, com uma expressão de diversão, explicou:

— Não, Ana, você não está cega. Eu não iria te privar de ter o imensurável prazer de me ver novamente.

Os olhos de Ana clarearam de repente, e ela gritou, radiante:

— Que bom, estou conseguindo ver de novo!

CAPÍTULO 79 – REVELAÇÕES

Lani se jogou no sofá da sala, fingindo estar exausta, e exclamou:

— Vencemos!

Todos se entreolharam, trocando olhares de curiosidade, até que Ana, com uma voz baixa, murmurou:

— Você venceu…

Lani fez de conta que não ouviu e, com um sorriso enigmático, falou:

— Tenho algumas revelações para fazer a vocês…

Imediatamente, todos começaram a falar ao mesmo tempo. Os demônios, visivelmente agitados, não conseguiram conter a ansiedade:

— O que será?

— Vai nos dizer quem você é?

— Estou curioso…

Lani olhou para os demônios com um sorriso travesso e respondeu:

— Vocês podem ir embora, não são convidados para ouvir minhas revelações.

— Por favor, deixe-nos ficar! — imploraram, quase chorando.

Dina, tentando interceder, disse com um tom mais suave:

— Eles nos ajudaram, deixe-os ficar. Senão vão morrer de curiosidade.

Lani parecia impaciente, mas cedeu:

— Tudo bem. Mas depois dessa conversa, quero que desapareçam daqui. Caso contrário, eu mesma os mandarei para o mesmo lugar que os Exousies foram.

— Que horror! Não queremos isso! — gritaram os demônios. — Pode deixar, vamos embora depois, mas, por favor, fale logo!

Lani, com um sorriso que mais parecia um jogo de poder, disse, deixando o suspense no ar:

— Sentem-se para não caírem de costas!

Os demônios, inquietos, começaram a se ajeitar por ali, com expressões ansiosas. Um deles esfregava as mãos, fazendo uma careta tão grotesca que poderia assustar até as pessoas mais corajosas.

Então, com um brilho nos olhos, Lani soltou a bomba:

— Eu criei Ondina!

— O quê?! — gritou Dina, incrédula. — Eu a criei, para ficar ao lado de Ana enquanto eu estava detida no céu!

Lani a olhou nos olhos, desafiando-a:

— Você acha que conseguiria criar um ser tão bem feito assim?

Dina, sem graça, replicou:

— Bem, eu fiz e pronto…

Lani balançou a cabeça com uma expressão séria:

— Não, você não a fez! Vou contar o que realmente aconteceu. Continuem sentados, porque agora vem a segunda revelação!

Os demônios estavam ainda mais tensos, um deles esfregava as mãos nervosamente.

— Eu não sou deste universo! — revelou Lani, provocando uma reação de surpresa em todos.

— Como assim? Você não é da Terra, é isso? — perguntou Ana, com uma curiosidade crescente, sentindo-se cada vez mais à vontade no meio de tantos seres estranhos.

— Exatamente, não sou da Terra! — Lani confirmou, com um sorriso misterioso.

— Você vem de outra galáxia? — perguntou Dina, com um tom de incredulidade.

Lani negou:

— Não, eu sou de outro universo.

— Como assim, existe outro universo além do que conhecemos? — a pergunta de um dos demônios era carregada de incredulidade.

— Claro que existe! — respondeu Lani. — Vocês já ouviram falar de buracos negros?

— Já ouvi falar, sim — respondeu Ana, aparentando estar confusa.

— Eu nunca ouvi falar disso — disse um demônio, totalmente ignorante sobre o assunto. — Nunca estudei astronomia.

Nesse momento Lani soltou uma revelação bombástica:

— Para chegar no universo onde eu nasci é preciso passar por dentro de um buraco negro!

Dina se sentiu fascinada ao ouvir isso e perguntou:

— Como vocês chegaram a esse nível de tecnologia, capaz de atravessar buracos negros? Que eu saiba, um buraco negro é uma região do espaço com uma gravidade tão intensa que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar.

Lani resolveu explicar, mesmo sabendo que pouco do que diria seria compreendido:

— Sim, o buraco negro, situado nas profundezas do cosmos, é uma singularidade gravitacional de proporções inimagináveis. Mas quando eu me refiro a um buraco negro como ponte entre dois universos, eu não estou me referindo a uma simples passagem especial, mas a uma viagem que desafia as leis da física que vocês conhecem. Ao invés de apenas destruir tudo o que cruza seu horizonte de eventos, o buraco negro também abriga um canal multidimensional, acessível apenas por meio de uma tecnologia avançada que combina ciência e consciência.

Dina ficou interessada no assunto e perguntou como era possível atravessar uma região tão inóspita. Lani explicou:

— A travessia começa com a criação de um escudo energético que envolve o corpo, feito de um material etéreo, capaz de resistir às forças titânicas do buraco negro. O viajante entra em um estado de ressonância mental, uma conexão profunda com a vibração do próprio universo, sincronizando pensamentos e emoções a um nível espiritual. Essa sintonia é guiada por cristais codificados, os quais, ao vibrar em frequência específica, ativam portais no núcleo do buraco negro. O tempo, nessa jornada, deixa de ser linear. O viajante experimenta a eternidade e o instante ao mesmo tempo, sendo capaz de perceber cada segundo desdobrando-se em múltiplas possibilidades.

Dina só escutava. Lani respirou fundo e continuou:

— Na saída, um túnel de luz oscilante conduz a um ponto onde as leis de Zaryon, meu universo natal, e de Lúminis, que é o nome que damos ao universo de vocês, se sobrepõem.

Todos ali presentes estavam assombrados com estas revelações. Percebendo que causou um impacto tão intenso, Lani continuou:

— Na verdade, os buracos negros não são apenas poços gravitacionais que sugam tudo ao seu redor, eles funcionam como portais, pontos de conexão entre realidades distintas.

— Vocês precisam de algum material peculiar para auxiliá-los nessa travessia? — perguntou Ondina, querendo aprender mais sobre o assunto, para, quem sabe um dia, fazer essa viagem também.

Lani teve o prazer de responder:

— Sim, utilizamos um veículo chamado Nérix, desenvolvido com materiais que não existem em seu universo, derivado de um mineral nativo de Zaryon chamado Quarion. Esse mineral é capaz de neutralizar a radiação e as forças extremas do horizonte de eventos. A forma do Nérix lembra uma gota de água gigante, ideal para minimizar a resistência nas camadas dimensionais que circundam a singularidade. Forças que destruiriam qualquer matéria comum são absorvidas pelo Nérix e neutralizadas por um campo de estabilização gerado pelos cristais de Quarion.

Essas palavras deram um nó na cabeça de Dina, que resolveu voltar para a realidade atual.

— O que isso tem a ver com a criação de Ondina? — perguntou ela, fingindo que entendeu toda essa explanação.

Lani fez uma pausa, respirando fundo antes de continuar:

— Faço parte de uma equipe que está criando o que vocês poderiam chamar de planetas habitados. São mundos com seres multiformes e inteligentes.

Ela olhou ao redor, observando as reações de todos e prosseguiu:

— Resolvemos visitar o universo de vocês para coletar algumas ideias que poderiam ser úteis no nosso processo de criação de vidas.

Ela fez uma pausa dramática antes de continuar, sua voz carregada de um tom filosófico.

— Quando cheguei aqui, percebi que alguém estava tentando criar uma vida. Era você, Dina, tentando criar Ondina. Você estava desesperada para não deixar Ana sozinha e tentava criar alguém parecido com você.

Lani sorriu, como se estivesse revivendo uma memória.

— Eu observei por um tempo e percebi que aquilo não ia dar em nada. Você conseguiria, no máximo, criar um ser elemental, que deixaria de existir algumas horas depois.

Ela olhou diretamente para Dina.

— Foi então que resolvi criar Ondina. Como eu estava invisível, você pensou que ela fosse fruto da sua criação.

Lani fez uma pausa, como se estivesse desfrutando do impacto de suas palavras.

— Fui eu quem fiz Ondina ter um pouco do seu aspecto e da sua beleza.

Ana, agora entendendo algo que a intrigava, falou:

— Agora eu entendi por que Ondina me deixou vir mancando da escola até em casa e só depois me curou.

Lani sorriu de forma maliciosa.

— Ela tem por quem puxar!

Os demônios, agora totalmente fascinados, começaram a falar entre si:

— Que interessante!

— Que coisa incrível!

— Você é surpreendente!

Lani sorriu, satisfeita com as reações.

— Realmente, sou isso tudo mesmo! —brincou ela, ajeitando o cabelo com um gesto cheio de confiança.

Ondina se levantou lentamente e foi até a janela, com um olhar triste e distante. Dina, percebendo a mudança de atitude, perguntou:

— O que você fez depois que criou Ondina? Ficou aqui observando-a?

— Sim! — respondeu Lani, com um brilho nos olhos. — Fiquei vendo Ondina fazer suas “artes” por aí, enquanto estudava maneiras de aperfeiçoá-la, como fiz agora há pouco, quando tornei possível ela sentir dor e chorar.

— Agradeço por ter nos ajudado — disse um dos demônios, tentando ser educado.

Lani deu de ombros:

— Seja como for, tenho uma solução para o problema que os tem afligido…

Todos a olharam, aguardando, com um misto de ansiedade e expectativa.

— Que solução?! — perguntaram todos ao mesmo tempo.

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A NAVE DE LANI

CAPÍTULO 80 – O PLANO

Dina então falou:

— Vou ser procurada por alguns membros da cúpula celestial em breve e, com um julgamento de não mais que meia hora, deverei ser condenada ao abismo.

— O que isso significa exatamente? — perguntou Ana, visivelmente preocupada.

— Significa que deixarei de ser anjo. Nesse momento, poderei escolher entre me transformar em demônio ou “vegetar” para todo o sempre.

— Venha ser uma de nós! — gritou um dos demônios, mas Dina balançou a cabeça negativamente.

— Você poderá se transformar em vegetal para evitar virar isso? — perguntou Ana, apontando para os demônios, um mais feio que o outro.

— Não, nesse caso, a palavra “vegetar” é figurada — respondeu Dina. — Poderei existir como qualquer forma de microvida, subsistindo como ser espiritual e atuando em qualquer matéria.

— Pode nos dar um exemplo disso? — perguntou novamente Ana.

Dina respondeu com outra pergunta:

— Você já ouviu falar que quem morreu nunca voltou para contar como é do outro lado? Nesse caso, é assim também: quem preferiu “vegetar” nunca voltou para contar como é. Só saberei se isso realmente acontecer comigo.

— Tal coisa não precisa acontecer — interrompeu Lani. — A minha solução resolverá o seu problema e o da catástrofe futura deste país.

— Então fale logo! — rosnou um demônio impaciente.

Lani sentiu a paciência sendo testada com a presença daqueles seres das trevas, mas manteve a calma.

— Nós vamos usar Ondina para resolver tudo! — disse ela calmamente.

Nesse momento, Ondina olhou feio para todos os presentes e saiu pisando duro, batendo a porta. Dina quis ir atrás dela, mas Lani impediu-a.

— Pode deixar, será bom para ela ter um tempo a sós.

— Ela poderá sumir ou fazer besteiras — objetou Dina, aflita.

— Eu posso encontrá-la em qualquer lugar, não se preocupe.

— Deixe-a continuar sua explanação do plano! — gritou um demônio mais chato.

Lani deu um suspiro e continuou:

— Você irá se defender de duas formas, Dina. A primeira será dizendo que fez tudo por amor à Ana e a Ondina. Isso tem algum peso, mas não será suficiente, pois você é reincidente.

— E a segunda? — perguntou Dina, impaciente.

— Você irá dizer que encontrou a solução para o caso do Tirano!

Dina não achou que aquilo seria suficiente.

— Eles poderão ouvir a minha solução e me lançar no abismo de qualquer forma.

— Não se você fizer parte da solução! — disse Lani, mostrando não ser apenas poderosa, mas também sábia e estrategista.

— Queremos saber logo qual é o seu plano! — pediu um demônio. — Nós vamos fazer parte dele?

Lani respondeu dando mostras de que sua paciência estava no limite:

— Vocês não farão parte do meu plano e se tentarem se envolver só vão atrapalhar.

Passado o tempo necessário para que os demônios reclamassem e praguejassem o quanto acharam necessário, Lani continuou expondo seu plano para Dina.

— Você vai apresentar à cúpula julgadora o seguinte: o Tirano não precisará ser morto porque Ondina vai seduzi-lo, e, na condição de sua mulher, terá influência suficiente para mudar o rumo da vida dele.

Dina achou fraco tal plano e falou:

— Na procura de soluções para esse caso, já foram realizados milhões de estudos e não foi encontrada nenhuma mulher que pudesse alterar o caminho do Tirano a ponto de ele desistir dos seus intentos.

— Isso é muito bom! — comemorou Lani. — Quer dizer que eles viram que essa solução é viável, apenas não encontraram a pessoa certa. Mas você apresentará a eles essa pessoa.

— Mas como vamos saber que Ondina poderá fazer isso? — duvidou Dina.

— Primeiro, porque você estará por trás, guiando-a. E, segundo, porque isso dará um sentido à existência dela, uma incumbência que poderá ser a primeira de muitas pelo universo afora.

Algumas palmas tímidas começaram por parte dos demônios, e, daí a pouco, todos na sala aplaudiram Lani.

Mas Dina ainda tinha uma objeção:

— Ondina não é uma mulher completa, ela só se parece com uma mulher.

— Vamos resolver isso! — respondeu Lani.

CAPÍTULO 81 – A CHACINA

Ondina vagava pelas ruas desertas da periferia da cidade. Já era noite e seus passos eram firmes, embora sua mente estivesse cheia de pensamentos turbulentos. Ela não conseguia afastar a raiva por ter sido criada por Lani, aquele “ser insuportável”.

— Fui criada por um ser das trevas! — pensava Ondina enquanto caminhava sem rumo.

A angústia da situação a consumia. Ela amava Dina e sabia que Dina havia sido enganada, achando que a criara.

Ouvindo um grito vindo de trás, Ondina parou por um momento.

— Onde você está indo, gostosa?!

Ondina sentiu o ódio ferver em seu interior. Aquelas palavras poderiam ser a oportunidade perfeita para ela descarregar sua fúria, mas sabia que não poderia matar alguém por um motivo tão banal.

— Vou deixar para lá — pensou, tentando controlar a raiva.

Mas não demorou até que mais alguns homens a cercassem.

— Onde você vai, lindeza? — disse um deles, com um sorriso cínico.

— Vamos levá-la para o quarto do amor! — disse outro, com um olhar perverso.

Ondina, sem demonstrar medo, deixou-os levá-la. Após atravessarem algumas vielas eles chegaram a uma casa velha e fétida. Ela foi jogada sobre uma cama suja, fingindo estar apavorada.

— O que vocês vão fazer comigo? — perguntou, a voz tremendo de falsa preocupação.

O líder do grupo, um homem gordo e grotesco, sorriu de forma debochada.

— Pessoal, vamos explicar para ela o que vai acontecer. Primeiro, vamos nos revezar. — Ele fez uma pausa e olhou para os outros, e então continuou — Vamos nos revezar fazendo amor com você por algumas horas.

Ondina cerrou os dentes, tentando controlar a raiva. Ela disse, com frieza:

— Fazendo amor?! O nome disso é estupro!

O homem não pareceu se abalar e continuou com sua explicação macabra.

— Depois que todos nós estivermos… satisfeitos, vamos matá-la e jogar seu corpo no rio.

Ondina não conseguiu se conter.

— Vocês são monstros! — exclamou.

O homem mais próximo dela deu de ombros.

— Nós também temos bondade no coração! — afirmou um deles. — Se você cooperar, vai morrer sem dor. Se não cooperar, vamos te torturar e cortar seus dedos um a um…

Neste momento, Ondina se levantou com rapidez, ficando em pé sobre a cama.

— Vocês são a escória deste mundo, cafajestes, salafrários, imundos, vagabundos! Quantas mulheres vocês já mataram?

— Eu não faço ideia! — respondeu um deles.

— Umas vinte! — disse outro, rindo.

— Acho que já passamos de trinta! — comentou um terceiro.

— Não anotamos isso! — disse o mais bêbado, dando uma gargalhada. — Mas o que isso importa se você vai morrer de qualquer forma?

Ondina olhou para eles com uma frieza letal.

— Para mim importa! — disse ela, com um sorriso que não alcançava os olhos. — Com base nisso, vou decidir como vocês vão morrer.

Os homens começaram a rir, ignorando a seriedade nos olhos de Ondina.

— Vamos logo com isso! — disse um deles. — Toda essa conversa não leva a nada.

Ondina não se abalou e, com uma voz calma, continuou:

— Acho que vocês merecem saber como vão morrer. Mesmo sendo tão inúteis, vou ser justa com vocês.

As risadas aumentaram até que um dos homens gritou:

— Temos uma comediante aqui!

Ondina ignorou o sarcasmo e continuou sua explicação.

— Eu desenvolvi uma arma muito interessante. Ao invés de simplesmente transformá-los em poeira com um míssil de energia, vou fazer um corte longitudinal de esquerda para a direita no meio do corpo de cada um.

A sala se encheu de risadas como se fosse parte de um show de comédia. Mas Ondina não se deixou abalar.

— O sangue será contido porque a cicatrização será instantânea. Então, ao invés de morrerem rapidamente, vocês vão sofrer, agonizando por muito tempo.

Os risos começaram a diminuir. Um dos homens, querendo provar que ainda podia brincar com a situação, disse:

— Preciso saber exatamente por quanto tempo vamos agonizar.

Ondina sorriu, com uma calma assustadora.

— Vamos descobrir isso agora —disse ela, estendendo a mão para o homem e fazendo um movimento estranho.

De repente, o homem gritou com uma dor indescritível e seu corpo foi cortado ao meio na altura do umbigo. A parte superior de seu corpo rolou no chão, gritando enquanto a dor dilacerava suas entranhas.

Ondina olhou para os outros, que agora estavam em pânico.

— Vocês ainda acham graça? — perguntou, com a voz gélida.

Os outros homens, aterrorizados, tentaram correr para a porta, mas suas pernas não obedeceram.

— Onde vocês pensam que vão? — perguntou Ondina com sarcasmo.

Ela então deu uma ordem:

— Façam fila! Se cooperarem, vou cortar vocês de maneira que a dor seja menor.

Tentando atacá-la, um dos homens puxou uma faca, mas teve o mesmo destino do outro, que estava se contorcendo de dor e angústia.

CAPÍTULO 82 – ALIENÍGENA

Quando Dina viu na televisão a notícia sobre muitos corpos cortados ao meio encontrados em uma das favelas da cidade, soube imediatamente que aquilo tinha sido feito por Ondina.

A reportagem afirmava que o país havia sido atacado por alienígenas, já que os seres humanos não possuíam tecnologia para realizar um trabalho tão preciso.

A notícia logo se espalhou pelo mundo e cientistas de vários países se dirigiram para o local dos acontecimentos, querendo entender mais sobre a tal invasão alienígena.

Representantes da NASA também chegaram, aconselhando as autoridades a abafarem o caso.

Dina andava nervosamente de um lado para o outro da casa.

— Deixe-a se entreter um pouco! — sugeriu Lani, tentando tranquilizar Dina. — Ondina precisa colocar sua raiva para fora, assim ela vai se desestressar mais rápido.

— Ela está matando pessoas! — contestou Dina, extremamente agitada.

— Ondina está limpando o mundo de gente que não presta — argumentou Lani. — Aposto que essas pessoas tentaram fazer mal a ela.

Dina continuava angustiada.

— Precisamos ir atrás dela! — disse com a voz trêmula.

— Ainda não! — respondeu Lani com firmeza. — Eu sei o momento certo de interferir.

Esse momento começou a parecer cada vez mais iminente à medida que o número de casos de pessoas encontradas sem cabeça, sem mãos, sem pés, e até com orelhas extraídas cirurgicamente aumentava.

— São todos bandidos! — afirmou Lani, com convicção. — Ondina não faria isso com inocentes.

Enquanto isso, Ana se sentia segura com aqueles dois seres especiais morando em sua casa. O risco de os anjos da morte retornarem era constante, mas ela sabia que a presença delas a protegia.

No entanto, Lani avisou que ficaria na Terra só até que o risco de Dina ser lançada no abismo fosse dissipado.

— Eles não farão isso com você se eu estiver por aqui! — afirmou Lani, tentando passar confiança.

Mas Dina não conseguia se acalmar. Estava cada vez mais ansiosa para encontrar Ondina.

— Não está na hora de ir atrás dela? — perguntou ela novamente, sua voz cheia de urgência.

— Vamos dar mais um tempo! — pediu Lani.

Porém, no dia seguinte, logo de manhã, Lani gritou:

— Vamos atrás dela agora!

— Por que a pressa repentina? — perguntou Dina, confusa.

Lani olhou para Dina e respondeu:

— Ela está indo “conversar” com o presidente da república…

CAPÍTULO 83 – A INTIMAÇÃO

Dina e Lani estavam se preparando para ir atrás de Ondina quando, de repente, uma presença imponente tomou conta da sala.

Um ser surgiu do nada, tão estranho que parecia desafiar qualquer conceito de normalidade.

Dina quase perdeu o fôlego, mas Lani não perdeu a chance de ser atrevida.

— Que falta de educação, rapaz! — provocou ela. — Você deveria ter avisado que viria.

O ser a encarou, seus olhos brilhando como fogo líquido. Ele flutuava, sem nunca tocar o solo, e parecia muito irritado. Lani continuou:

— Hoje em dia existe tanta tecnologia e vocês, seres angelicais, poderiam começar a usá-la. Um e-mail, uma ligação… até um telégrafo seria menos assustador do que aparecer assim do nada!

Dina, ainda atônita, estudava a aparência da criatura.

— Já vi muitos tipos de anjos, mas nada parecido com você. — Ela hesitou, como se as palavras não fossem suficientes.

Lani não resistiu e continuou provocando a aparição:

— Tem certeza de que você está catalogado como anjo? — perguntou, não conseguindo conter o riso.

A figura à frente delas era indescritível, uma presença celestial que desafiava a compreensão humana. Seu corpo era esguio e elegante, com traços femininos que irradiavam uma graça inatingível. A pele azul clara brilhava suavemente, como se captasse a luz das estrelas. Olhos hipnotizantes estavam espalhados por todo o corpo, inclusive nas enormes asas etéreas, cada um parecendo observar o infinito de diferentes perspectivas. Sua expressão era serena, mas carregada de poder absoluto. Um halo de energia dourada envolvia sua figura, transmitindo uma autoridade inquestionável e uma paz inquietante.

Após observar um pouco o ambiente ele falou:

— Sou um Omniris e vim trazer um recado importante para Naadiya — anunciou ele, sua voz reverberando pela sala como um trovão dentro de uma panela de pressão.

Lani arqueou uma sobrancelha.

— Custei a descobrir onde é sua boca no meio de tantos olhos — comentou, sarcástica.

— Naadiya — continuou o anjo, ignorando a provocação — você deve comparecer ao Tribunal Celestial no prazo de 24 horas terrenas para ser julgada por rebeldia.

Dina sentiu um frio percorrer sua espinha.

— E se eu não for? — perguntou, tentando esconder o nervosismo.

O anjo estendeu um tentáculo (não se pode chamar aquilo de braço) e revelou uma argola reluzente.

— Se você não comparecer, será lançada ao abismo à distância.

Lani então decidiu agir. Ela se lançou contra o anjo pelas costas, mas ele sequer precisou virar para reagir. Seus olhos espalhados por todo o corpo perceberam o ataque e com um movimento firme, o anjo segurou Lani com força, erguendo-a do chão.

— Você pensa que pode me enfrentar? — perguntou, apertando-a até ela quase perder o ar.

Mesmo assim, Lani conseguiu sussurrar:

— Achei que poderia…

— Entendeu agora que estava errada? — insistiu o anjo, apertando um pouco mais.

— Sim… — respondeu ela, a voz reduzida a um fio.

Com um gesto, ele lançou Lani contra a parede como se ela fosse um brinquedo e falou:

— Quero que você desapareça desse universo!

Ainda contorcendo-se no chão, Lani tentou manter seu sarcasmo.

— Eu não vi nenhuma placa no espaço sideral avisando que eu não poderia vir para cá.

O anjo a olhou com desdém, piscando todos os olhos ao mesmo tempo.

— Você poderia estar aqui se não fosse rude e agressiva. Mas você atacou vários anjos e desrespeitou nossas leis universais. Por isso está sendo convidada a se retirar.

— Posso recusar o convite? — provocou Lani.

— Sugiro que se comporte ou será expulsa à força.

Dina, buscando entender o que estava acontecendo, perguntou:

— Por que mandaram você, um anjo tão… diferente, para me entregar uma simples intimação?

O anjo a encarou com seus inúmeros olhos.

— Por causa dessa allodapia que está com você. — Ele apontou para Lani. — Se um anjo comum viesse, seria pulverizado.

— Alo o quê? — Dina franziu a testa, confusa.

— Allodapia — corrigiu o anjo. — Designamos assim todos os seres que não pertencem ao nosso universo.

Lani sorriu, apesar de ainda estar dolorida.

— É uma honra ter um título tão… distinto! Como se escreve isso?

O anjo a ignorou, voltando-se para Dina.

— Compareça ao julgamento. Rebeldes lançados no abismo experimentam uma dor que nenhum ser vivo poderia imaginar.

O anjo se movimentou para trás, seus olhos brilhando intensamente antes que desaparecesse tão abruptamente quanto chegou. A sala ficou em silêncio, exceto pelos gemidos de Lani, que tentava se levantar.

— Ainda bem que não mandaram um anjo mais poderoso — murmurou ela, enquanto se apoiava em uma parede.

o anjo omniris
OMNIRIS

CAPÍTULO 84 – MÃE

— Você sabia que está hospedando uma allodapia na sua casa? — disse Dina para Ana, que estava dormindo e acabara de levantar.

Ana esfregou os olhos com cara de sono, dizendo:

— Claro que sabia. Sempre soube!

Dina levou um susto ao ouvir isso, mas Ana rapidamente corrigiu:

— É brincadeira, como eu poderia saber tal coisa?

Depois de contar a Ana o que havia acontecido, Dina suspirou.

— Precisamos buscar Ondina. E depois, vou ter que me apresentar ao Tribunal Celestial.

— Posso ir com vocês? — perguntou Ana, inquieta, visivelmente receosa de ficar sozinha.

— Não! — respondeu Lani, firme.

— Sim! — disse Dina ao mesmo tempo.

Lani revirou os olhos.

— É perigoso deixar Ana sozinha, não sabemos quem mais pode aparecer por aqui — justificou Dina.

— Não dá — replicou Lani. — Vamos fazer uma viagem incomum, impossível para humanos.

— Não podemos ir de carro? — perguntou Ana, esperançosa.

— Nem pensar — respondeu Lani, impaciente. — Demoraríamos algumas horas e Ondina está quase chegando no alvo.

Ana levou as mãos ao rosto.

— Meu Deus! Então vamos nos despedir, talvez eu não esteja mais aqui quando vocês voltarem.

Lani fez um olhar triste.

— Ana… hoje descobri que não posso protegê-la de todos os ataques angelicais. Teremos que torcer para que tudo termine bem.

Ana assentiu, resignada.

— Tudo bem, vou acender uma vela e…

— Nem pense nisso! — alertou Dina. — Se fizer isso só vai atrair a atenção do mundo espiritual.

— Ok. Vou ver um filme, então. Boa sorte para vocês.

Lani segurou as mãos de Dina e com um movimento rápido, ambas desapareceram, reaparecendo imediatamente em uma floresta.

Ondina estava à frente delas, caminhando apressada e pulou de susto quando viu as duas ao lado dela.

— Por que tanta pressa, querida? — perguntou Dina, arqueando as sobrancelhas.

— Preciso falar com o presidente. Ele está adotando medidas que vão arruinar o povo e…

— Isso não é problema seu, Ondina! — interrompeu Dina com firmeza.

Ondina parou, encarando Dina.

— Se eu não fizer algo, quem vai fazer? Se vocês quiserem ajudar, ótimo. Se não, deixem-me continuar.

Lani interveio:— Nós temos algo mais importante para resolver.

Ondina cruzou os braços e perguntou:

— O que poderia ser mais importante do que salvar a economia do país?

— Salvar Dina do abismo — respondeu Lani, séria.

Ondina franziu o rosto.

— Eu gosto de você, Dina, mas não posso fazer nada. Afinal, você não me criou. E quanto a você, Lani, eu não gosto de você. Então não sinto vontade nenhuma de ajudar.

Lani piscou, claramente magoada.

— Eu partirei em breve, Ondina, mas Dina ficará aqui. Vocês vão precisar uma da outra para sobreviver neste mundo caótico.

Ondina balançou a cabeça, tentando parecer indiferente.

— Isso seria ótimo se fosse ela quem tivesse me criado. Mas não foi…

Lani suspirou profundamente e então revelou:

— Na verdade, Dina é mais sua mãe do que eu. Eu nunca tive intenção de criá-la. Tudo começou com o desejo dela. Eu só ajudei porque vi o desespero de Dina. Pense bem, Ondina. Você nasceu primeiro no coração e na mente de Dina. Ela é a idealizadora da sua existência.

Dina assentiu, emocionada.

— É verdade. A intenção foi minha. A vontade foi minha…

Ondina ficou imóvel por um momento, mas logo seus olhos se encheram de lágrimas. Ela correu para abraçar Dina e as duas começaram a chorar juntas.

Lani observava em silêncio, mas seus olhos também ficaram marejados.

— Nem lembro a última vez que chorei — disse ela, com um sorriso tímido. — Talvez tenha sido quando conseguimos ajustar a órbita da galáxia…

Lani tentou se conter, mas falhou. Logo, as três estavam abraçadas, chorando no meio da floresta.

Ao redor delas, a natureza permanecia indiferente, exceto por uma serpente, com cerca de dez metros de comprimento, que passou vagarosamente ao lado delas e sumiu por entre as árvores, ignorando a emocionante cena.

CAPÍTULO 85 – UMA NOVA MISSÃO

Assim que chegaram na casa de Ana, Dina se despediu antes de partir para o julgamento, onde seu destino seria decidido.

— Se eu for condenada ao abismo, meu último pedido será que um anjo venha avisá-las, pois eu mesma não poderei vir.

— E se a virmos voltando? — perguntou Ondina, esperançosa.

Dina esboçou um sorriso.

— Então terei sido absolvida.

Horas depois, Ondina e Lani quase explodiram de alegria ao ver Dina entrando pela porta de casa.

— Eu consegui! — gritou ela, eufórica.

Abraços e lágrimas se seguiram, um alívio evidente no ar. Dina então explicou:

— A ideia de Lani foi aceita… mas foi por pouco. Ganhei por 4 a 3.

Dina fez uma pausa e revirou os olhos.

— Um dos jurados me acusava o tempo todo, não sei o que ele ainda faz no céu, aquilo está mais para diabo do que para anjo!

Lani deu uma risada curta.

— Faz parte da função dele. Você viu que os anjos da morte e os Exousies, nem tentam disfarçar a feiura de suas missões.

Ondina sorriu, provocando:

— Não sei o que é mais feio, a missão ou eles mesmos.

Apesar da vitória, Dina não estava completamente feliz.

— Mas nem tudo são flores… — disse ela, com um olhar sombrio.

— Tem algo para estragar nossa festa? — perguntou Lani, apreensiva.

Dina deixou escapar uma lágrima antes de anunciar:

— Perdi meus poderes, vou viver como um ser humano comum até quando eles quiserem.

O silêncio tomou conta da sala. Dina informou:

— Dentro dez anos terrestres minha conduta será reavaliada.

Ondina apertou a mão de Dina, solidária.

— Estarei ao seu lado, Dina. Tenho meus poderes e posso ajudar.

— Obrigada, Ondina. Vou precisar muito de você.

Ondina se sentiu satisfeita. Com a iminente partida de Lani, ela seria a única com poderes por ali.

Pouco depois, Ana voltou para casa, carregada de sacolas de enxoval de bebê, mas largou tudo ao ver Dina.

— Você voltou! — gritou ela, correndo para abraçá-la.

Mais lágrimas e abraços marcaram o momento, até que Lani avisou:

— Está na hora de me preparar para retornar ao meu universo natal.

As três olharam para Lani com tristeza. Ondina foi a primeira a falar:

— Um dia eu te odiei, Lani. Odiei com todas as minhas forças. Mas isso passou. Agora… sinto um pouco de tristeza pela sua partida.

Dina concordou:

— Eu também.

Ana, mais direta, acrescentou:

— Eu nunca te odiei, mas confesso que não gostei quando invadiu minha casa.

Lani sorriu, compreensiva.

— Foi necessário. Vocês estavam no meio de uma guerra que jamais venceriam sem minha intervenção.

Dina assentiu, emocionada.

— Você nos salvou.

— Não havia tempo para explicações, usei meus poderes para fazer o que fosse preciso — justificou Lani.

Ana a abraçou.

— Somos gratas por tudo que fez por nós.

Dina se aproximou dela com um olhar de gratidão.

— Inclusive por ter me dado a chave para escapar do abismo.

Lani respirou fundo antes de revelar:

— Vim a este mundo para aprender mais sobre a vida aqui e realmente aprendi muito. Mas minha missão tem uma segunda parte…

— Que segunda parte? — perguntou Dina, curiosa.

Lani hesitou antes de responder.

— Preciso levar um espécime humano para o nosso universo.

Dina, Ondina e Ana se olharam, surpresas e assustadas.

— Quem aceitaria algo assim? — perguntou Dina.

Lani balançou a cabeça.

— Provavelmente ninguém. Mas, se não houver um voluntário, as normas da missão nos autorizam a levar alguém à força.

— Isso é sequestro! — gritou Ana, indignada.

— Não fui eu quem fez as regras, Ana. Apenas as cumpro.

— Então você voltará para realizar essa segunda parte?

— Inicialmente, aceitei apenas a primeira parte. Mas… — Lani pausou.

— Mas?… — insistiu Dina.

Lani olhou para as três.

— Vou aceitar a segunda parte para poder voltar a vê-las novamente.

O alívio preencheu o ambiente.

— Que bom! — exclamaram elas.

Lani, emocionada, confessou:

— Não suportaria passar o resto da minha existência longe de vocês.

Dina, então, lembrou:

— Você ainda precisa ajudar Ondina a completar sua transformação.

Lani sorriu.

— Já fiz isso.

Ondina revirou os olhos e fez uma careta.

— Eu percebi…

dina em forma de anjo
DINA EM FORMA DE ANJO

CAPÍTULO 86 – O TEMPO PASSA

Assim que Lani se foi, o silêncio tomou conta da casa. Ana foi a primeira a quebrá-lo.

— E agora? O que vamos fazer?

Dina suspirou, visivelmente desanimada.

— Temos que preencher o tempo por uns quarenta anos.

— Quarenta anos? — exclamou Ondina em pânico. — Como vamos fazer isso?

Dina deu de ombros.

— Também não sei, mas tenho uma ideia.

— Qual? — perguntou Ana, curiosa.

Ondina sorriu, como se tivesse acabado de resolver o maior mistério da humanidade:

— Vamos viver um dia de cada vez!

Ana revirou os olhos, mas Dina deu uma risada.

— Por que não continuamos a fazer o curso de gastronomia? — sugeriu Ana.

Dina concordou imediatamente.

— Ótima ideia! Se não estou enganada, as aulas recomeçam amanhã.

— Só tem um problema — lembrou Ana. — Você não é mais aluna, Dina.

Antes que Dina pudesse responder, Ondina sorriu confiante.

— Isso não será um problema.

Ana riu, entendendo o que Ondina quis dizer.

— Claro que não!

Assim elas retomaram o curso de gastronomia. Apesar disso, as aulas com a professora Claudete não foram exatamente tranquilas. Dina e Ondina, com sua visão peculiar e pouco tolerante a “ensinamentos deturpados”, acabaram causando mais do que alguns momentos de constrangimento.

Quando não estavam no curso, elas aproveitavam as madrugadas para patrulhar a cidade. Crimes começaram a diminuir na região e não era coincidência. Ondina, decidida a evitar qualquer risco à já frágil posição de Dina, adotava uma postura mais contida.

— Nada de matar bandidos — decretou Dina.

— Mas seria legítima defesa! — retrucou Ondina, frustrada.

Um incidente específico ilustrou bem essa dinâmica. Uma certa noite um assaltante tentou invadir a casa delas, aparentemente atraído pela ideia de que ali moravam apenas três mulheres. Ondina agiu rápido, mas não o matou.

— Sem as duas mãos, acho que ele não volta tão cedo — disse Ana, tentando amenizar a tensão.

Dina não parecia convencida.

— Ele pode colocar próteses e vir atrás de nós para se vingar!

Ondina balançou a cabeça, tranquila.

— Não se preocupe, eu marquei o bandido. Sempre saberei onde ele está.

Dina arregalou os olhos.

— Como você fez isso? Nem eu sei fazer algo assim!

Ondina deu um sorriso orgulhoso.

— Tenho estudado bastante. Sou autodidata, sabe?

Dina não conteve a admiração.

— Parabéns, Ondina. Estou muito orgulhosa de você!

Ondina, claramente satisfeita com o elogio, completou:

— Aprendi muitas coisas.

Ana, sempre espirituosa, brincou:

— Cuidado, Dina, ela quer ser mais poderosa do que você.

Entre as patrulhas, as aulas e pequenos milagres do cotidiano, o tempo passou e a expectativa tomou conta da casa.

Até que o grande dia chegou. Ana foi para o hospital e, no dia seguinte, voltou com um pequeno embrulho nos braços.

— Natanael chegou! — anunciou ela, emocionada.

Dina e Ondina se aproximaram, encantadas com o bebê. Ele era forte e saudável.

Com Natanael, a casa se encheu de vida…

CAPÍTULO 87 – LUTA DESIGUAL

Certo dia Ana olhou para Ondina com uma pergunta inesperada.

— Por ter sido criada por Lani, você também pode ser considerada uma Allodapia?

O impacto foi imediato. Ondina ficou visivelmente abalada, mas respondeu com outra pergunta, cortante como uma lâmina:

— Por ser o futuro pai do tirano, Natanael também pode ser considerado um tirano?

Ana empalideceu. A sala mergulhou em um silêncio constrangedor até que Dina interveio, cruzando os braços com impaciência:

— O que está acontecendo com vocês duas, foram atacadas pelo vírus da insensatez?

Ana suspirou, envergonhada.

— Eu não quis dizer isso…

— Mas foi exatamente o que disse! — retrucou Ondina, magoada.

— Peço desculpas, não sei onde estava com a cabeça ao perguntar tal coisa. Acho que não tenho dormido direito.

Dina mudou o tom, como se quisesse afastar a tensão:

— Talvez você devesse focar em preparar seu filho para conhecer Elson.

— Como assim?! — Ana arregalou os olhos, surpresa. — Natanael nem tem um mês de vida! Não vou levá-lo a lugar algum.

Ondina apenas sorriu.

— Coloque uma roupinha bonita nele agora mesmo.

Mas antes que Ana pudesse protestar, uma batida na porta interrompeu a conversa.

— Ele já chegou! — revelou Ondina, ajeitando-se no sofá.

— Eu atendo! — disse Dina, correndo até a porta.

O que se seguiu foi uma cena digna de uma novela mexicana.

Elson entrou na sala, cabisbaixo, e, sem dizer uma palavra, caminhou até Ana. Com um gesto dramático, ajoelhou-se diante dela e declarou:

— Perdoe-me por ter te abandonado, você é a única e eterna mulher da minha vida!

Ana ficou boquiaberta. Recuperando-se do choque ela falou:

— Levante-se, Elson! Não faça papel de ridículo.

Dina não conseguiu conter o riso.

— Que cena grotesca, “seu” Elson. Não precisa se humilhar assim…

Antes que Elson pudesse reagir, Ondina ergueu a mão, sinalizando atenção:

— Preparem-se para uma confusão…

— Confusão? Que tipo de confusão? —perguntou Ana, alarmada.

Outra batida na porta ecoou pela casa. Dessa vez, Ana foi atender. Quando abriu a porta, ficou paralisada, tão pálida que parecia prestes a desmaiar.

Era o tarado do garimpo. Ele entrou e anunciou sem rodeios:

— Vim conhecer meu filho!

Dina reagiu como um raio, partindo para cima dele. Mesmo sem seus poderes ela era boa de briga. Os dois rolaram escada abaixo até o portão. Lá embaixo, Dina começou a estapeá-lo sem piedade.

— Você tem coragem de aparecer aqui depois do que fez com Ana, seu verme?

Ana e Ondina correram para separar os dois. Quando finalmente conseguiram, o homem, com a roupa amassada e o rosto marcado, gritou:

— Quem é essa maluca? Só quero conhecer meu filho! Passei meses procurando e finalmente encontrei!

Elson, que até então parecia em choque, levantou-se abruptamente. Ele estava prestes a cometer o segundo ato ridículo do dia.

— Eu vou matar você! — disse ele, pulando em cima do homem, mas a diferença de força era gritante. O garimpeiro desferiu um soco tão violento que Elson caiu desacordado.

Ondina deu um passo à frente, pronta para agir, mas Ana a segurou pelo braço.

— Não faça isso, Ondina, vamos ouvir o que esse crápula tem a dizer.

O homem tentou limpar a sujeira de sua roupa enquanto murmurava:

— Tem louco demais nesta casa… eu só quero conhecer meu filho e dizer que te amo, Ana.

As três mulheres ficaram em silêncio, chocadas com a declaração.

— Não esqueci você nem um dia desde aquele encontro que tivemos — continuou ele.

Elson retomou os sentidos a tempo de ouvir essas palavras. Atordoado e envergonhado, ele tentou se levantar, mas parecia não ter forças. Ondina se aproximou e sussurrou para ele:

— Não deixe esse depravado humilhá-lo em sua própria casa!

— O quê? — perguntou Elson, confuso e ainda tonto.

— Vá lá, não seja frouxo! — insistiu Ondina.

Incentivado, Elson atacou o homem novamente. Ondina com seus poderes diminuiu em 40% a força do garimpeiro, mas, mesmo enfraquecido, ele estava prestes a dominar a luta.

Ondina, discreta, murmurou para Dina:

— Vou tirar mais 30% da força dele.

— Como você faz isso? — perguntou Ana, impressionada.

— É só lançar algumas ondas cerebrais — respondeu Ondina, exibindo-se.

Com menos forças, o garimpeiro começou a perder terreno. Elson, aproveitando a vantagem, finalmente conseguiu dominar a luta e colocou o garimpeiro para correr.

— Nunca mais volte aqui, seu maníaco! — gritou Elson, ofegante.

Enquanto o homem saía, humilhado, ele virou-se e gritou:

— Isso não vai ficar assim. Vou acabar com você!

Ondina, observando de longe, deu um sorriso discreto.

— Ele mereceu apanhar — murmurou, ignorando os protestos de Ana, enquanto o homem se afastava gritando juras de amor.

CAPÍTULO 88 – UM DEDO A MENOS

A madrugada estava silenciosa, com apenas o som do vento sussurrando pelas frestas da janela.

Dina, sentada no sofá da sala, mantinha-se alerta. O clima tenso das últimas noites não a deixava relaxar. Ondina, ao seu lado, observava o ambiente com o mesmo cuidado.

Lembrando das atitudes do garimpeiro, Dina aproveitou para dizer o que pensava sobre tudo aquilo.

— Muitas vezes, a maior declaração de amor que alguém pode fazer a outra pessoa é nunca lhe importunar com declarações de amor, especialmente quando sabe que não é o melhor para ela. O amor mais genuíno não exige palavras, promessas ou gestos evidentes, mas se revela em ações silenciosas, no cuidado constante, no apoio discreto. É aquele tipo de amor que se manifesta nas pequenas coisas, com declarações camufladas, que não gritam, apenas sussurram. Esse é o amor que não pede, apenas dá, que não prende, mas liberta.

Todos aplaudiram estas palavras de Dina.

— Ele vai tentar cumprir aquela promessa — disse Ondina, quebrando o silêncio, mas em um tom baixo. — Esse homem está movido por algo além do ódio.

— O senhor Elson devia ficar mais atento — respondeu Dina. — Mas ele prefere bancar o “macho dominante” em vez de ouvir conselhos.

Ondina esboçou um sorriso fraco, mas logo voltou a franzir a testa. O perigo não era apenas real, mas iminente. 

Então, mais tarde, quando Ana e Elson já estavam dormindo, um leve ruído veio de fora, como se algo ou alguém estivesse tentando forçar a janela da cozinha.

— Ele está aqui! — sussurrou Ondina, levantando-se de forma ágil e elegante. Dina a seguiu, sem fazer barulho, posicionando-se ao lado da porta que dava acesso ao corredor.

A janela foi arrombada em um estalo que fez Ondina cerrar os olhos. Passos abafados ecoaram pela sala enquanto uma sombra se movia devagar.

O homem que invadia a casa não parecia hesitar. Segurava um revólver na mão direita, os olhos fixos na porta do quarto do casal Ana e Elson.

Ondina bloqueou o caminho dele antes que ele alcançasse o corredor.

— Acho melhor o senhor ir embora antes que faça algo de que se arrependa — disse ela, com uma calma que parecia provocar ainda mais o invasor.

— Sai da minha frente, sua maluca! — rosnou o homem, apontando a arma para ela.

Sem mover um músculo, Ondina respondeu, quase como se falasse a um amigo:

— Não faça isso!

O homem puxou o gatilho, mas, no exato momento, a arma esquentou em suas mãos como se estivesse saindo de uma fornalha. Ele soltou o revólver com um grito de dor. Ao cair no chão, junto com a arma, um dedo da mão do homem caiu junto.

Ele olhou incrédulo para a própria mão decepada, mas cicatrizada de forma antinatural, como se o ferimento tivesse ocorrido há anos.

— Meu dedo! — gritou, segurando o coto decepado.

O barulho acordou a casa. Ana e Elson saíram do quarto às pressas. Dina estava próxima ao corredor, tentando evitar que Elson partisse para cima do invasor.

— O que está acontecendo?! — perguntou Elson, confuso.

— Nada que não possamos resolver — respondeu Dina, gesticulando para Ondina.

Enquanto isso, o homem, mesmo com a dor visível, não cedia. Ele olhou para Ana e gritou:

—Não posso viver sem você, Ana! Tudo o que fiz foi por amor!

Ana o encarou com uma expressão que misturava surpresa e exaustão. Sua voz saiu firme, mas carregada de desdém:

— Esqueça que eu existo, o que aconteceu entre nós nunca foi real. Foi uma manipulação das trevas!

— Manipulação das trevas? Do que você está falando? — O homem parecia confuso, mas o desespero ainda transbordava de suas palavras.

Dina interveio, tentando explicar:

— O que houve entre vocês foi orquestrado por demônios, criaturas que brincam com os sentimentos humanos para causar caos. Eles já foram punidos, mas as consequências permanecem.

Ondina observava tudo, atenta ao homem, que se movia como se estivesse pronto para reagir. Então, um som vindo da rua interrompeu a conversa. Sirenes. Dina havia chamado a polícia.

O invasor, percebendo o perigo, tentou correr, mas suas pernas falharam. Ele caiu no chão, incapaz de se mover.

— O que está acontecendo?! — gritou ele, furioso.

Dois policiais entraram na casa, mas antes que fosse algemado ele falou:

— Isso não vai ficar assim, eu vou voltar e acabar com todos vocês!

Os policiais o imobilizaram e levaram para o carro. Quando estavam saindo, ele gritou da rua:

— Ana, não posso viver sem você!

Observando da porta, Ana sentiu um arrepio. Não era medo, mas um estranho pressentimento.

CAPÍTULO 89 – DOIS DEDOS A MENOS

No dia em que Natanael completou seis meses, Ondina anunciou com um tom sério:

— Precisamos ficar atentos novamente!

Elson ergueu as sobrancelhas, visivelmente incomodado.

— Por que está dizendo isso agora, Ondina?

— O “tarado” está saindo da cadeia.

Elson quase engasgou com o café que tomava.

— Como assim? Não é possível que ele tenha ficado tão pouco tempo preso, depois de ter invadido minha casa armado para tentar me matar.

Ana entrou na conversa, suspirando:

— Pelo que ouvi, ele vai responder ao processo em liberdade. Deve ter conseguido um bom advogado.

Nos dias seguintes, Ondina manteve-se alerta. Era como se sentisse a presença de Odair nas redondezas. O ódio e a sede de vingança eram quase palpáveis.

— Preciso ir ao banco — anunciou Elson certa manhã, como se a tensão em torno dele fosse inexistente.

Dina, sempre prática, advertiu:

— O senhor esqueceu do perigo que está rondando sua vida?

Elson deu de ombros, tentando parecer confiante:

— Não posso viver escondido. Além disso, vocês viram a surra que eu dei nele!

Ondina, no entanto, resolver intervir:

— Eu vou com o senhor.

— Como quiser. — Elson revirou os olhos, falando:

 — Nunca pensei que teria guarda-costas, ainda mais uma mulher!

Eles estacionaram o carro perto do centro da cidade e começaram a caminhar em direção ao banco. Mal haviam percorrido alguns metros quando ouviu-se o som de um tiro.

Elson gritou, segurando o braço ensanguentado. Ondina virou-se, alarmada, e viu Odair segurando uma arma com um olhar de pura fúria.

— Isso é por tudo que você me fez perder! — rugiu Odair.

Mas antes que ele pudesse disparar novamente, a arma começou a brilhar intensamente em sua mão. Ele gritou, soltando-a no chão. Com o impacto, outro dedo caiu de sua mão, tal como havia ocorrido antes.

Um menino na multidão apontou, empolgado:

— Olha mãe, um dedo do cara caiu junto com a arma!

Ondina aproximou-se de Odair e disse, com um olhar firme:

— Parece que você ainda não aprendeu a lição.

Odair, pálido e tremendo de dor, olhou para a mão. Assim como antes, o local onde estava o dedo já havia cicatrizado, como se tivesse se passado meses desde o acidente.

Ondina olhou para a mão dele e decretou:

— Eu garanto que vai ser muito pior da próxima vez, se continuar insistindo em nos atacar.

A polícia foi chamada pelos transeuntes, mas antes que ela chegasse Odair se evadiu do local, gritando:

— Isso não acabou! Vou me vingar de todos vocês!

CAPÍTULO 90 – O ESCOLHIDO

Após receber atendimento médico, Elson voltou para casa com o braço enfaixado, ainda processando o que havia acontecido.

— Ainda bem que o tiro só pegou de raspão. Vou sobreviver… — disse ele, tentando soar otimista.

Ana, que havia sido informada por telefone, suspirou aliviada:

— Graças a Deus!

Elson franziu a testa, ainda indignado.

— Mas por que a polícia não prendeu aquele desgraçado de novo?

Ondina, que permanecia inquieta, respondeu:

— Ele conseguiu fugir.

De repente, uma voz inesperada ecoou pela casa:

— Vocês precisam fazer tanto barulho assim?

A voz vinha da cozinha e parecia familiar. Todos correram até lá.

— Aceitam uma xícara de chá? — perguntou Lani, sentada à mesa com uma expressão tranquila.

— Lani, você voltou! — exclamou Dina, surpresa.

— Sim, aqui estou eu! — respondeu ela, levantando-se para abraçar as amigas.

Depois dos cumprimentos, Lani as conduziu até o quintal. Quando chegaram lá, depararam-se com uma estrutura metálica ao lado da piscina.

— O que é isso? — Ana perguntou, intrigada.

— Vim buscar um representante dos seres humanos. Essa jaula tem possui toda a tecnologia necessária para levar alguém seguro de um universo para outro.

Ana ficou boquiaberta.

— Lani, isso é completamente errado! Não podemos concordar com algo assim.

Lani arqueou as sobrancelhas e respondeu com ironia:

— Vocês não colocam animais em jaulas para exibi-los a outras pessoas?

— Mas são animais! — argumentou Ana.

— E o que vocês acham que vocês são? —retrucou Lani com um sorriso malicioso. — Fazemos isso no meu planeta também. Precisamos de um representante humano para enriquecer nosso projeto.

— Não me diga que você vai levar um casal para procriarem lá! — disse Ana, alarmada.

— Nunca! — Lani exclamou. — Já temos problemas com superpopulação. Vou levar apenas um indivíduo.

Elson, que ouvira a conversa do fundo, deu um passo para trás.

— Espero que você não tenha pensado em nenhum de nós.

Lani ignorou os protestos.

— Preciso que me ajudem a encontrar alguém.

— Não conte comigo! — declarou Ana. — Não vou participar de um sequestro.

— Nem eu! — reforçou Dina. — Não posso decepcionar a cúpula celestial.

Ondina, por outro lado, cruzou os braços e afirmou:

— Eu posso ajudar. Não há nada que me impeça de livrar a Terra de um traste.

Ana perguntou:

— Vocês construíram um zoológico universal?

Lani sorriu, orgulhosa.

— Sim. É um parque temático fantástico, que vai faturar uma fortuna. Ter uma espécie alienígena de outro universo será um grande diferencial.

— Que interessante… — ironizou Ana. — Seria bom se pudéssemos também trazer um espécime da sua raça para colocar em algum zoológico aqui na Terra.

Lani ignorou o comentário e voltou-se para Ondina:

— Quem será seu indicado?

Ondina apontou para a entrada da casa com um sorriso calculado.

— Não será necessário ir atrás, ele já está vindo…

Ana arregalou os olhos, já desconfiando:

— É quem eu estou pensando!

Ondina confirmou com um aceno.

Elson, alarmado, perguntou:

— Quem é o escolhido?

Ondina respondeu com um tom de satisfação na voz:

— O “tarado”. Quem mais poderia ser?

CAPÍTULO 91 – A ARMADILHA

— Vão dar um passeio no shopping! — ordenou Lani para Ana, Dina e Elson. — Deixem que eu e Ondina resolvemos tudo por aqui.

— Tudo bem. Assim eu não faço parte dessa insanidade — disse Ana, cruzando os braços.

— Eu até participaria, mas estou de condicional — lamentou Dina, com falsa tristeza.

Elson também aproveitou para se posicionar:

— Eu também não compactuo com atitudes criminosas como essa!

Assim que eles saíram para o passeio forçado, Lani e Ondina começaram a colocar o plano em ação. Colocaram a jaula dentro do banheiro do quarto de Elson e se deitaram na cama, como quem espera tranquilamente o jantar ser servido.

A espera não demorou muito. Logo ouviram o som de uma porta sendo arrombada nos fundos da casa e passos vagarosos ecoando pelos cômodos.

Odair, agora armado com um revólver em cada mão, invadiu o quarto chutando a porta, deixando-a pendurada nas dobradiças. Ao ver as duas mulheres deitadas na cama, apontou as armas e rosnou:

— O que vocês estão fazendo aqui?! Cadê aquele corno?

Ondina manteve-se tranquila e perguntou:

— Por que quer tanto encontrar Elson?

— Não se faça de idiota! É claro que eu quero matá-lo. Diga onde ele está ou quem vai morrer são vocês!

— Tudo bem, estou cansada de viver… — respondeu Lani com um falso suspiro angustiado.

Odair deu um passo à frente, mas Ondina ergueu a mão.

— O senhor não tem amor pelos seus dedos? — perguntou ela, séria.

Ele imediatamente se lembrou das vezes anteriores. Já havia perdido um dedo de cada mão tentando atirar em Elson.

Lani sorriu e acrescentou:

— Não estrague mais o produto, Ondina. Dois dedos faltando podem passar despercebidos, mas se tirar mais um, teremos que escolher outro “voluntário”.

— Do que diabos vocês estão falando?! — vociferou Odair. — Cadê o Elson?!

Ondina ignorou a pergunta e continuou, como quem negocia.

— Posso remover uma parte do corpo que ninguém verá…

— Não! — gritou Lani, apavorada. — Eu me recuso a levar um eunuco!

Furioso, Odair tirou algo do bolso e exibiu triunfante.

— Olhem para isso, suas desgraçadas!

Era uma granada. Ele ergueu o objeto e, com um sorriso insano, ameaçou:

— Ou me dizem onde ele está, ou explodo a casa toda e levo vocês comigo!

Lani e Ondina fingiram pânico.

— Por favor, não faça isso! — gritou Lani, rindo por dentro.

— Sim, nós falamos! — Ondina se juntou ao teatro. — Mas, por favor, não nos mate!

— Então desembucha logo, sua vaca! — gritou ele, impaciente.

Lani apontou para o banheiro e sussurrou:

— Ele entrou ali para se esconder…

Odair avançou como um touro enfurecido, chutando a porta do banheiro e entrando. Porém, antes que pudesse reagir, Lani pressionou um botão e a porta da jaula se fechou rapidamente, trancando o invasor lá dentro.

Odair olhou ao redor, confuso, antes de perceber que estava preso.

— O que é isso?! Me soltem, suas bruxas!

Ondina cruzou os braços, satisfeita, enquanto Lani sorria com diversão.

— Bem-vindo ao mais incrível zoológico de todos os tempos!

CAPÍTULO 92 – O ZOOLÓGICO DE ZARYON

— Veja pelo lado bom, Ana, o pai do seu filho é o homem que viajou mais longe na história da humanidade, o único que foi para um universo tão distante que ninguém sequer sabe que ele existe.

Era Dina, tentando consolar Ana, que, apesar de afirmar que não gostava do tarado, agora chorava incontrolavelmente ao saber que Lani havia ido embora com ele.

— Não é por ele — disse Ana, tentando disfarçar as lágrimas. — É questão de humanidade!

— Lani nem quis se despedir de nós? — perguntou Elson.

Ondina, com a expressão serena de sempre, explicou:

— Ela disse que não tinha tempo de esperar vocês voltarem, mas virá nos ver em breve…

— Mas o que significa “em breve” para Lani? — perguntou Ana, interrompendo o choro para enxugar as lágrimas.

— Ah, talvez uns dez anos! — respondeu Ondina com um sorriso de canto de boca.

— Você está preparada para a sua missão? — perguntou Dina a Ondina, que respondeu meio sem jeito:

— Ainda não, não sei exatamente o que é ser uma mulher de verdade, afinal, não sou anjo, nem allodapia, nem humana… nem sei o que sou.

— Você é uma espécie que ainda não foi catalogada pela ciência! — brincou Dina.

— Eu posso ensinar você a ser uma boa esposa — ofereceu-se Ana.

— Terá que ser você a professora dela, Ana, eu não saberia ensinar esse tipo de coisa.

Elson fez uma observação:

— Eu sempre falei que anjos não têm sexo. Aí está a prova: Dina está apenas disfarçada de mulher.

Ondina concordou, revelando:

— Eu também estou disfarçada! Na verdade, eu poderia ser qualquer coisa, até um robô ou um esqueleto.

A sala explodiu em risadas.

Depois de se acalmarem, Dina mudou o tom da conversa:

— Eu gostaria de saber como o tarado está se saindo em sua nova moradia pós-buraco negro.

Ondina então falou casualmente:

— Eu posso ver!

— Como assim?! — perguntou Dina, surpresa. — Você se transformou numa vidente inter universal?!

Ondina sorriu:

— Eu coloquei uma marca no “tarado” antes dele partir. Assim, consigo acompanhar o que acontece nas imediações de onde quer que ele esteja.

— Que coisa maravilhosa, Ondina! Pode me ensinar a fazer isso? — pediu Dina, esperançosa.

— Claro, mas só quando seus poderes voltarem!

— Então, nos diga: onde ele está e o que está fazendo agora?

Ondina franziu a testa, analisando a cena que via.

— Ele está na frente da jaula agora, gritando: “Me tirem daqui!”

— Coitado! — lamentou Ana. — Isso é tão deprimente para a nossa espécie.

— Tem uns seres estranhos se aproximando da jaula — anunciou Ondina.

— O que eles estão falando, você consegue entender? — perguntou Ana.

— Consigo sim, eu entendo tudo.

— Como você foi criada por uma allodapia, deve ter os códigos linguísticos dela na sua mente — explicou Dina.

Ondina escutou a conversa e começou a traduzir:

— Um dos seres, que parece ser mulher, está lendo a descrição na placa: “Espécie: Humano. Taxonomicamente: Homo sapiens. Surgiu no planeta Terra, do Universo Lúminis, e se espalhou por todos os continentes do planeta, havendo hoje um número estimado de oito bilhões de exemplares. Possui cérebro desenvolvido, capacidade de raciocínio e linguagem complexa. É a forma dominante de vida biológica no planeta Terra.”

Ondina continuou:

— A mulher foi interrompida por um ser menor, que parece ser seu filho. Ele está apontando para a jaula.

— O que ele está falando? — perguntou Ana, cada vez mais curiosa.

Ondina respirou fundo e traduziu:

— “Mãe, olha que interessante: os humanos têm quatro dedos em cada mão e cinco em cada pé!”

Todos caíram na gargalhada, exceto Ana, que soltou um suspiro resignado:

— Que deprimente, ele está envergonhando toda a humanidade…

zoológico interuniversal
O ZOOLÓGICO DE ZARYON

CAPÍTULO 93 – VIDÊNCIA

A noite estava tranquila, mas a tensão era palpável na pequena sala onde Dina e Ondina conversavam. A lua cheia iluminava o ambiente através da janela, criando sombras delicadas nas paredes.

Dina quebrou o silêncio:

— Precisamos nos afastar da família de Ana! — disse ela, com uma expressão de preocupação que não era comum em seu rosto.

Ondina, sentada em um canto com as pernas cruzadas e os olhos semicerrados, respondeu com um tom pensativo:

— Eu já tinha pensado nisso…

Dina inclinou-se para frente, as mãos apertadas em um gesto que denotava seriedade.

— Natanael não pode nos conhecer durante sua vida. Ele não entenderia o fato de não envelhecermos. Pior ainda, como ele reagiria ao descobrir que você vai se casar com o filho dele?

Ondina ergueu uma sobrancelha, mas logo sorriu levemente.

— Você raciocinou bem. E mesmo que ele fosse capaz de compreender, nosso plano perderia completamente a razão de ser.

Dina acenou com a cabeça, confirmando suas próprias palavras.

— Qualquer desconfiança de que algo está sendo armado destruiria nossa missão. Tudo precisa parecer absolutamente natural.

Ondina suspirou, os olhos fixos em um ponto distante.

— Concordo. Abel terá que se apaixonar por mim de forma genuína.

Dina, confusa, franziu a testa.

— Abel? Como você sabe que esse será o nome do neto de Ana?

Ondina olhou para Dina com um brilho nos olhos que misturava mistério e orgulho.

— Eu consegui ver, meus poderes estão ficando mais refinados.

Dina bufou, mas não conseguiu esconder o sorriso.

— Certo, senhora vidente! O tempo dirá se você está certa.

Ondina sorriu de volta, mas logo mudou de assunto.

— Precisamos contar nossa decisão para Ana e Elson, eles vão entender os motivos de nos afastarmos deles.

Dina balançou a cabeça, concordando.

— Na verdade, não precisamos desaparecer completamente. Podemos ficar por perto, observando de longe e protegendo quando necessário.

Ondina concordou balançando a cabeça. Dina então perguntou:

— O que mais você consegue ver na sua bola de cristal mental?

Ondina riu baixinho.

— Posso ver alguns eventos que são fixos no espaço-tempo, coisas que não podem ser alteradas. Mas vejo outras que ainda estão em fluxo, indefinidas.

Dina aproximou-se mais, ansiosa por saber tudo que Ondina sabia.

— Fale algo sobre esses eventos fixos. Estou curiosa.

Ondina fez uma pausa antes de revelar:

— Por exemplo, a diretora Mariana venderá a escola assim que cumprir o acordo financeiro com você.

Dina piscou, um pouco surpresa, mas não convencida da relevância daquilo.

— Ela tem cumprido os depósitos regularmente.

Então Ondina falou como quem dava uma notícia verdadeiramente importante.

— A compradora será a professora Claudete, que transformará o lugar em uma igreja.

Dina parou, sua expressão transitando entre descrença e fascínio.

— Espero que ela não crie uma dessas religiões que só querem tirar dinheiro das pessoas.

Ondina sorriu de forma tranquilizadora.

— Não acredito que ela fará isso, Claudete parece verdadeiramente arrependida de seus erros.

Dina relaxou, um sorriso sincero surgindo em seu rosto.

— Isso é bom de ouvir. Tem mais alguma coisa “bombástica” para me contar?

Ondina hesitou por um momento, mas cedeu:

— Vejo algumas coisas sobre Natanael. Ele vai fazer faculdade no Rio Grande do Sul, abrirá uma empresa e ficará muito rico.

Dina ficou boquiaberta.

— Então, o tirano começará sua ascensão no sul do país?

Ondina balançou a cabeça afirmativamente. De repente, a expressão de Dina endureceu.

— Ondina, como exatamente você está vendo essas coisas?

Ondina desviou o olhar, desconfortável.

— Bem… estou captando informações da mente de um espírito.

O ar pareceu esfriar na sala. Dina ficou imóvel, a boca ligeiramente aberta.

— Você está captando tudo isso da mente de um demônio?

Ondina deu de ombros, como se isso fosse um detalhe insignificante.

— Para mim, Dina, não existe certo ou errado, eu não presto contas a ninguém. Não vou para o céu ou para o inferno e, sinceramente, nem sei até quando vou existir.

Dina balançou a cabeça, frustrada.

— Não adianta tentar argumentar com você sobre isso, não é?

Ondina deu um sorriso tímido.

— Não, Dina, não adianta.

CAPÍTULO 94 – O DISCURSO

Ondina estava em meio a uma multidão compacta de cerca de trezentas pessoas, que ocupava um espaço ao ar livre cercado por árvores.

O local era iluminado por refletores improvisados, cuja luz projetava sombras dançantes na lona do palco rústico. A noite estava fresca e o ar parecia carregado de energia.

No centro de toda essa atenção estava Abel, o orador. Ele era um jovem de aparência marcante, com cerca de 30 anos, cabelos negros e bem penteados que brilhavam sob as luzes.

Seus olhos castanhos profundos tinham um magnetismo quase hipnótico e seu semblante sério parecia transmitir autoridade inata. Ele vestia um terno escuro que, embora simples, parecia perfeitamente ajustado, refletindo um equilíbrio entre elegância e charme.

Abel discursava com paixão, sua voz ressoando pelo espaço de forma clara e firme. Suas palavras eram diretas, sem floreios, mas carregadas de convicção. Ele falava de mudança, de justiça, e de um futuro em que todos tivessem um papel relevante.

Sua postura ereta e gestos precisos eram tão envolventes quanto suas palavras, enquanto seu contato visual com os ouvintes criava uma conexão íntima com cada um.

Ondina observava com atenção, seu olhar avaliador absorvendo cada detalhe. Ela sabia que aquele homem, com tanto carisma e eloquência, com o poder de conquistar corações e mentes, representava uma ameaça perigosa.

Quando o discurso terminou, o público explodiu em aplausos e gritos de apoio. Ondina, em um movimento calculado, começou a gritar:

— Abel, Abel, Abel!

Sua voz firme sobressaiu-se no meio da multidão, atraindo o olhar do rapaz para ela. Quando seus olhos se encontraram, algo mudou na expressão de Abel. Ondina, com sua beleza etérea, parecia irradiar um magnetismo próprio. Seu sorriso era ao mesmo tempo cativante e enigmático, e sua presença se destacava no ambiente.

Enquanto as pessoas começavam a dispersar, Ondina posicionou-se estrategicamente próximo à saída, simulando casualidade. Abel, incapaz de ignorá-la, desceu apressadamente do palco e correu para alcançá-la antes que ela atravessasse a rua.

— Oi, tudo bem? — disse ele, tentando parecer descontraído, mas claramente impressionado.

Ondina voltou-se com elegância, mantendo o sorriso.

— Tudo bem, e você?

— Vi que você gostou do meu discurso. De que turma você é?

Ondina soltou uma risada leve, como se a pergunta fosse engraçada.

— Eu não estudo nesta faculdade. Estava passando pela rua, vi o portão aberto e decidi entrar. Fiquei curiosa com o que você estava dizendo.

Abel pareceu intrigado.

— Que bom que entrou. Você tem algum compromisso esta noite? Gostaria de conversar mais com você.

Ondina fez uma leve pausa antes de responder:

— Infelizmente, tenho. Estou viajando para São Paulo hoje, mas voltarei dentro de alguns meses.

Abel, sem querer perder a oportunidade, tirou um cartão de um bolso do terno e o entregou a ela.

— Aqui está meu telefone. Por favor, me ligue quando voltar, gostaria muito de conhecê-la melhor.

— Com certeza — respondeu Ondina com um tom suave na voz.

Eles se despediram e Ondina caminhou com passos firmes e graciosos até encontrar Dina, que a esperava a poucos metros dali.

— O primeiro passo está dado! — anunciou ela com satisfação.

Dina sorriu, mas seus olhos revelavam preocupação.

— Agora é só esperar o momento certo para você reaparecer.

Ondina hesitou, mas falou em tom decisivo:

— Tomei uma decisão importante hoje, não vou me casar com Abel.

Dina parou abruptamente, seu rosto contorcido em uma expressão de choque.

— Como assim? E a nossa missão?

Ondina manteve-se serena.

— Já planejei tudo. Vamos resolver o problema sem que seja necessário fazer esse sacrifício tão grotesco.

Dina inclinou a cabeça, confusa.

— Sacrifício? Abel é considerado um rapaz bonito. Muitas mulheres dariam tudo para estar no seu lugar.

Ondina fez uma careta de nojo.

— Dina, eu não conseguiria sequer abraçá-lo, muito menos ter algo íntimo com… aquilo.

Dina suspirou, resignada.

— Eu entendo você. Os humanos são… repulsivos nesse aspecto.

Ondina sorriu, mas seu olhar tornou-se sério novamente.

— Tenho um plano que vai funcionar perfeitamente.

— Pode me adiantar alguma coisa? — perguntou Dina, desconfiada.

— Nada de extraordinário. Vou aparecer no momento certo e impedir que ele seja eleito.

Dina ficou em silêncio, seus olhos avaliando a determinação de Ondina. Após alguns instantes, ela falou com um tom grave:

— Espero que você esteja certa, milhões de vidas dependem disso!

ABEL

CAPÍTULO 95 – QUEDA NAS PESQUISAS

Abel estava no auge de sua confiança. Sentado em seu escritório bem iluminado, decorado com móveis modernos e elegantes, ele segurava o jornal com as mãos firmes e os olhos fixos na manchete estampada na primeira página:

“Abel lidera com 70% das intenções de voto.”

Ele sorriu, largando o jornal sobre a mesa.

— Setenta por cento! — exclamou com a voz carregada de euforia.

— Nada poderá me impedir de ser eleito!

A campanha estava em pleno vapor e tudo parecia sob controle. Os outdoors espalhados pela cidade mostravam sua imagem com frases de impacto, enquanto os jingles ecoavam em rádios e televisões.

Enquanto isso, em outro lugar, Dina lia a mesma notícia, com o semblante preocupado. Ela virou-se para Ondina, que estava sentada em uma poltrona próxima, parecendo completamente despreocupada.

— Faltam dez dias para as eleições, será que não é hora de agir? — perguntou Dina, inquieta.

Ondina, que observava distraidamente pela janela o movimento das pessoas na rua, respondeu com calma:

— Vamos esperar mais uns três dias. Não podemos dar tempo de recuperação para ele.

Dina franziu a testa, mas manteve-se quieta por alguns segundos antes de murmurar:

— Espero que você saiba o que está fazendo, Ondina. Se falharmos, minha sentença poderá ser revista. O perigo do abismo ainda não foi totalmente afastado.

Ondina virou-se, encarando Dina com um olhar sério, mas logo um sorriso brincalhão surgiu em seus lábios.

— Não estou pensando em você, Dina, mas no povo que poderá morrer devido às loucuras do tirano.

Dina arregalou os olhos, sentindo um aperto no peito.

— O quê?! — gritou, enquanto lágrimas ensaiaram sair de seus olhos.

Ondina riu levemente e estendeu a mão para confortá-la.

— Querida Dina, é claro que estou preocupada com você!

As duas se abraçaram e Ondina, em tom mais leve, falou:

— Vamos às compras, preciso ficar exuberante para cativar aquele maluco.

Elas foram a uma boutique sofisticada no centro da cidade, onde Ondina escolheu com cuidado um vestido que realçava sua figura esguia e elegante.

Dois dias depois, Ondina ligou para Abel.

Após garantir que ele se lembrasse dela, disse em um tom doce e persuasivo:

— Aceito seu convite para jantar.

A escolha do restaurante foi meticulosamente planejada. Ondina escolheu um local elegante e popular, onde sabia que a presença de Abel com uma mulher tão deslumbrante atrairia a atenção de todos.

Na manhã seguinte, os jornais e programas de televisão estavam repletos de notícias:

“Candidato Abel é visto em jantar romântico com mulher misteriosa.”

Ondina folheava as páginas dos jornais, satisfeita com o resultado.

— Consegui! — exclamou, triunfante. — Saímos, mas não tivemos qualquer contato físico.

Dina, curiosa, perguntou:

— O que você inventou para conseguir isso?

Ondina riu, revelando a estratégia:

— Disse que não estava me sentindo bem. Ele foi compreensivo e marcou outro encontro para amanhã à noite.

No dia seguinte, durante o segundo encontro, Ondina se preparou para a próxima etapa do plano. Após alguns minutos de conversa, ela levantou-se da mesa com um ar delicado e disse:

— Preciso ir ao banheiro e já volto.

No trajeto, ela fingiu tropeçar e “cair”, batendo o rosto levemente contra a parede. Pessoas próximas correram para ajudá-la e no meio da confusão, Dina, disfarçada entre os clientes, capturou várias fotos.

Mais tarde, elas analisaram as imagens.

— Esta está perfeita! — exclamou Ondina, apontando para uma foto onde ela aparecia sendo amparada por uma senhora, enquanto Abel, ao fundo, aparecia com uma expressão séria e tensa. — Vamos enviar esta aos jornais.

Na manhã seguinte, as manchetes estamparam:

“Candidato Abel é acusado de agredir namorada em público!”

A mídia sensacionalista não poupou detalhes. As imagens de Ondina sendo “socorrida” viralizaram, enquanto Abel, com sua expressão severa, parecia exatamente o vilão da narrativa.

Abel estava em seu escritório, lendo os jornais com incredulidade. Ele levantou-se abruptamente, jogando os papéis sobre a mesa.

— Eu pensei que nada poderia me derrubar nas pesquisas, mas em uma hora caí quase vinte pontos percentuais!

Seu assessor tentou acalmá-lo:

— Você ainda pode vencer, mesmo assim estamos na frente.

Em outro lugar, Dina, ao lado de Ondina, não estava nada satisfeita.

— Abel ainda está na frente nas pesquisas. Precisamos fazer algo mais.

Nesse momento, o telefone de Ondina tocou. Era Abel, claramente nervoso:

— Preciso falar com você! Alguém espalhou um boato de que eu lhe bati. Você precisa ir a público desmentir isso!

Ondina respondeu com um tom firme, mas gentil:

— Desculpe, Abel, mas não consigo falar em público, sou tímida.

Abel insistiu, desesperado:

— Onde você está? Quero falar com você agora!

Algum tempo depois, eles se encontraram em um parque discreto, longe de câmeras e olhares curiosos. Abel estava visivelmente abalado, andando de um lado para o outro enquanto falava:

— Você precisa me ajudar! Ainda estou à frente nas pesquisas, mas a margem de erro me deixa inseguro.

Ondina manteve-se calma.

— Não posso fazer nada, não foi minha culpa, apenas caí.

Abel perdeu a paciência e segurou o braço de Ondina com força.

— Você vai falar, sim!

Ondina o empurrou.

— Não insista, por favor!

Foi então que Abel perdeu completamente o controle. Em um acesso de raiva, desferiu um tapa no rosto de Ondina, que caiu ao chão.

Ele ficou parado por um momento, chocado com o que havia feito, antes de virar as costas e sair apressado.

Ondina, que fingia estar inconsciente, levantou-se logo depois e encontrou Dina em um local próximo.

— Pena que não filmamos isso — lamentou Ondina.

CAPÍTULO 96 – O VÍRUS

Ondina e Dina estavam em um café discreto no centro da cidade, debatendo as consequências do último encontro com Abel. O clima era tenso e Ondina não escondia sua preocupação.

— Vamos precisar da filmagem dessa agressão — disse Ondina, quebrando o silêncio.

Dina hesitou antes de responder:

— Vou ter que falar com um anjo especialista para conseguir isso, mas já adianto que vai demorar alguns dias.

Ondina bateu com a mão na mesa, irritada.

— As eleições vão acontecer em dois dias!

Dina suspirou, balançando a cabeça.

— Os anjos precisam de um certo período para concluir um trabalho assim.

O silêncio entre as duas foi cortado pela voz embargada de Dina:

— Será que vamos falhar?! — disse, levando as mãos à cabeça.

Ondina recostou-se na cadeira, olhando para o vazio.

— Não vamos conseguir impedir esse calhorda de se eleger… — murmurou, frustrada.

Em busca de consolo, elas decidiram sair para caminhar e acabaram sentando-se em um banco de uma praça movimentada.

O sol da tarde começava a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados.

Enquanto os sons da cidade ecoavam ao fundo, ambas pareciam perdidas em seus pensamentos.

De repente, uma voz familiar soou atrás delas:

— Por que vocês estão desanimadas, seres ineficientes?

As duas giraram rapidamente e, com um misto de surpresa e alívio, gritaram juntas:

— Lani!

A figura de Lani estava radiante, com um vestido fluido que parecia mudar de cor sob a luz do entardecer.

— Não vim para o casamento, como prometi, até porque ele não vai acontecer — disse ela, com um sorriso travesso. — Mas vim para ajudá-las a resolver o problema da eleição do tirano.

Ondina e Dina a abraçaram, emocionadas.

— Eu trouxe algo que pode resolver essa situação — informou Lani, enquanto retirava de sua bolsa alguns frascos com um líquido azul que brilhava levemente.

As duas olharam intrigadas enquanto Lani explicava:

— Aqui está um vírus do meu planeta. Ele causa dores no corpo e prostração por três dias. Quem for infectado não conseguirá sair de casa para votar.

Dina, sempre cautelosa, perguntou com preocupação:

— Mas isso não é perigoso? Pode afetar a saúde das pessoas?

Lani pensou por um momento antes de responder:

— Acredito que não, é um vírus simples, só vai causar dores e fraqueza por alguns dias. E, honestamente, mais perigoso seria permitir que o tirano inicie uma carreira política meteórica.

Ondina, pragmática, foi direto ao ponto:

— Como vamos saber quem são os eleitores dele?

Lani sorriu, já com um plano em mente.

— Vamos sair às ruas e conversar com as pessoas. Quando identificarmos eleitores do candidato Abel, espalharemos o vírus por lá sem que percebam.

— Isso será suficiente? — perguntou Dina, ainda desconfiada.

Lani fez uma rápida estimativa mental.

— Pelos meus cálculos, precisamos infectar pelo menos quatro mil eleitores de Abel para que ele não tenha chance de vencer.

Sem mais delongas, as três se separaram e começaram a percorrer os bairros mais movimentados da cidade. Fingindo curiosidade genuína, aproximavam-se das pessoas e puxavam conversa sobre as eleições.

Quando alguém declarava apoio a Abel, elas fingiam sentir calor e abanavam-se com as mãos, liberando discretamente o vírus sobre a pessoa.

A missão continuou até o anoitecer, quando elas se encontraram novamente.

— Quantas pessoas conseguimos infectar? — perguntou Ondina, ansiosa.

Dina verificou as listas de cada uma e disse:

— Cerca de três mil pessoas.

Ondina suspirou.

— Vamos torcer para que seja suficiente. Não temos mais tempo.

Dina mordeu o lábio, inquieta.

— Não podemos fazer mais nada?

Lani franziu a testa, pensativa, antes de responder:

— Na verdade, tem mais uma coisa. Descobri que há uma localidade com cerca de mil eleitores do tirano.

Ondina arregalou os olhos.

— Mil eleitores? Isso pode fazer toda a diferença!

— Vamos espalhar vírus por toda a localidade durante a noite?

Lani sorriu, dessa vez com um brilho audacioso nos olhos.

— Esses eleitores precisam atravessar uma ponte para chegar ao ponto de votação. Vou derrubá-la.

Dina segurou o braço de Lani, alarmada.

— Cuidado para não ferir ninguém.

Lani assentiu, séria.

— Não se preocupe, será algo rápido e seguro.

Na manhã seguinte, antes do início da votação, Lani dirigiu-se ao local. Com um gesto firme, utilizou uma tecnologia de seu planeta para enfraquecer a estrutura da ponte, que caiu silenciosamente.

Pouco depois, ela retornou ao ponto de encontro com Dina e Ondina.

— Pronto! — informou. — Agora, não há mais nada que possamos fazer. Só nos resta esperar.

As três observaram juntas o céu limpo da manhã. Apesar do cansaço e das incertezas, a esperança estava viva.

anjo ondina
ONDINA

CAPÍTULO 97 – A DERROTA

O relógio marcava 19 horas quando a tensão que pairava no ar foi finalmente rompida. As três estavam reunidas em frente à televisão, esperando ansiosamente pelo resultado da eleição. Ondina levantou-se de repente, apontando para a tela:

— O tirano perdeu por um voto! — exclamou, quase sem acreditar.

Dina arregalou os olhos, repetindo:

— Um voto! Apenas um voto…

Antes que pudessem comemorar plenamente, uma notícia de última hora apareceu na televisão. O repórter, com um tom grave, anunciou:

— Um acidente envolvendo um veículo que transportava eleitores do candidato Abel ocorreu a caminho do local de votação. Infelizmente, o incidente resultou na morte de duas pessoas.

As palavras pairaram no ar, congelando o entusiasmo. Dina e Ondina olharam para Lani, que desviou o olhar, tentando disfarçar sua expressão.

Dina foi a primeira a romper o silêncio.

— Lani… você teve algo a ver com isso?

Lani hesitou, mas sabia que não adiantava mentir.

— Bem… não tinha outro jeito — respondeu, com um tom de justificativa. — Fiz uma contagem rápida e percebi que Abel venceria por um voto. Tive que agir para inverter o resultado.

Dina cruzou os braços, claramente dividida entre a gratidão e a indignação.

— Não havia outra maneira de impedir isso sem causar mortes?

Lani suspirou profundamente antes de responder:

— Na verdade, o plano era apenas atrasá-los, mas… eles estavam correndo demais.

Ondina deu um passo à frente, com o olhar fixo em Lani.

— Sabemos que você fez o que achava necessário, não podemos julgar.

Depois de um momento tenso, elas se aproximaram e abraçaram Lani.

— Obrigada, Lani. Você nos salvou — disse Dina, finalmente relaxando.

O alívio foi breve, pois Ondina logo lembrou:

— Na verdade ainda não acabou, Abel tentará de novo nas próximas eleições.

Dina assentiu, determinada.

— Nas próximas eleições, vamos acabar de vez com ele. Ele nunca mais poderá se reerguer quando apresentarmos ao mundo o vídeo da agressão.

Lani inclinou a cabeça, curiosa.

— Que vídeo?

Dina explicou:

— Abel agrediu Ondina fisicamente. Vamos conseguir o vídeo e torná-lo público. Isso vai encerrar de uma vez por todas a carreira política dele.

— Onde está esse vídeo? — perguntou Lani, intrigada.

— Ele ainda não existe — revelou Dina. — Um anjo especialista vai criá-lo para mim.

Lani ficou impressionada com essa possibilidade.

— No meu universo não temos nada assim, será que esse anjo não pode me ensinar essa técnica?

Dina sorriu com a pergunta inesperada.

— Posso perguntar, mas os anjos são criados com habilidades específicas. Pelo que entendi, isso não é algo que se aprende.

Lani, no entanto, parecia determinada.

— Eu quero tentar. Quem sabe?

Ondina interrompeu o momento com um suspiro de cansaço.

— Bem, temos quatro anos pela frente até a próxima eleição.

Lani observou as duas por um instante, avaliando o impacto da batalha recente sobre elas. Com um sorriso reconfortante, mudou de assunto.

— Por que não visitamos Ana?

Ondina e Dina trocaram olhares cúmplices antes de assentirem. A ideia de reencontrar Ana parecia trazer um pouco de luz para o caminho difícil que ainda tinham pela frente.

CAPÍTULO 98 – A RENÚNCIA

A voz do telejornal ecoava no bar movimentado da cidade. A tela exibia a mais recente pesquisa eleitoral:

— Apesar da denúncia de ter agredido sua namorada em um restaurante há quatro anos, o candidato Abel está dez pontos percentuais à frente do segundo colocado.

Dina e Ondina, que estavam na calçada em frente, ouviram a notícia. Dina foi a primeira a se pronunciar:

— O vídeo vai resolver. Dez pontos percentuais não serão nada diante do impacto que ele terá.

Antes que pudessem continuar a conversa, um carro preto estacionou bruscamente ao lado delas. Abel saiu do veículo, visivelmente irritado, e caminhou em direção a Ondina.

— Preciso que você faça uma declaração à imprensa me isentando de culpa daquele seu tombo no restaurante, não posso correr o risco de perder essa eleição.

Ondina recuou um passo, mas manteve a calma enquanto Abel a ameaçava:

— Se eu perder essas eleições de novo por sua causa vou até o inferno atrás de você.

Ondina ergueu o queixo, desafiadora:

— Por que não faz isso agora? Afinal, você vai perder novamente!

Abel riu, mas havia tensão em sua voz:

— Estou dez pontos percentuais à frente do segundo colocado. Como você acha que vou perder?

Ondina tirou o celular do bolso e, com um sorriso confiante, mostrou a tela.

— Olhe para isso.

O vídeo mostrava Abel desferindo um tapa em Ondina.

— Vou enviar isso para a imprensa. Sua carreira política vai desmoronar e você nunca mais terá chance de vencer qualquer eleição.

Abel empalideceu, limpando o suor da testa.

— Sua… cadela! Você gravou isso? Vou acabar com você!

Ondina manteve o tom frio e controlado:

— Pode tentar, mas se algo acontecer comigo, esse vídeo será divulgado imediatamente. Deixei uma cópia com alguém de confiança.

Abel bufou, derrotado.

— Você arruinou minha carreira política. Por que fez isso?

Ondina o encarou diretamente.

— Porque você ia fazer coisas horríveis, Abel. Milhões de pessoas iriam morrer tivesse uma carreira política vitoriosa.

Abel pareceu se desarmar por um momento, como se algo despertasse em sua mente.

— É estranho você dizer isso… Eu tive sonhos bizarros recentemente. Sonhei que eu era presidente e que declarei guerra aos Estados Unidos. Era como se o caos estivesse ao meu redor.

Ondina assentiu com a cabeça.

— Esses sonhos são visões do que você se tornaria. Minha missão sempre foi impedir que isso acontecesse.

Abel parecia confuso, quase suplicante:

— Por que você não me contou isso antes, quando nos conhecemos?

— Porque você não teria acreditado. E mesmo que acreditasse, teria seguido em frente. Agora, com este vídeo, tenho o que preciso para garantir que você nunca alcance o poder.

Abel suspirou profundamente, resignado.

— Acho que vou ter que desistir de tudo…

Ondina suavizou o tom:

— Renuncie à candidatura, Abel. E, se posso sugerir, visite sua avó. Há quanto tempo você não a vê?

Abel franziu a testa, intrigado.

— Você conhece minha avó Ana?

Ondina gaguejou ligeiramente antes de improvisar:

— Eu a conheci em um curso de gastronomia.

Abel arqueou as sobrancelhas, desconfiado.

— Isso não faz sentido, minha avó é idosa e você é muito jovem…

Percebendo a brecha que havia criado, Ondina tentou mudar de assunto rapidamente.

— O importante é que você renuncie. Se fizer isso, o vídeo nunca será divulgado.

Abel hesitou, mas acabou concordando:

— Tudo bem, vou renunciar hoje mesmo. Mas quero que você vá comigo visitar minha avó. Preciso entender o que está acontecendo.

Dina, que estava observando de perto, finalmente se aproximou. Ondina a apresentou:

— Esta é Dina, minha amiga. Ela também conhece sua avó.

Abel parecia cada vez mais confuso.

— Quem são vocês? Está claro que há algo muito estranho acontecendo aqui.

Dina respondeu com serenidade:

— Estamos aqui para salvar o país de você, Abel.

Abel ficou em silêncio por um momento, absorvendo aquelas palavras. Finalmente, ele falou:

— Vocês sabem algo sobre meu verdadeiro avô? Elson sempre disse que eu não era neto dele, mas sim de um tal Odair.

Dina e Ondina trocaram olhares rápidos. Abel insistiu:

— O que aconteceu com ele? Ninguém nunca me disse nada, mas algo me diz que vocês sabem.

Dina foi direta:

— Seu avô biológico foi levado para ser exposto como exemplar humano em um zoológico em outro universo.

Abel arregalou os olhos.

— O quê?! Preciso salvá-lo!

Ondina balançou a cabeça.

— Isso é impossível. Você teria que atravessar um buraco negro, algo que apenas um ser que conheço pode fazer.

Abel estava cada vez mais incrédulo.

— Quer ser é esse?

Dina respondeu:

— Lani! Ela levou seu avô.

A fúria tomou conta de Abel.

— Vou matar essa Lani!

Dina suspirou.

— Pode esquecer, Lani é muito mais poderosa do que você pode imaginar, ela pode transformar você em poeira só com o olhar.

Abel deixou escapar um soluço enquanto lágrimas corriam pelo seu rosto.

— Tudo bem… desisto de tudo. Mas, por favor, ajudem-me a salvar meu avô. Não consigo viver sabendo que ele está preso em uma jaula em outro planeta.

Ondina colocou a mão no ombro de Abel.

— Vamos tentar, mas você tem que confiar em nós.

Abel assentiu, emocionado.

— Vocês me fizeram enxergar o que eu estava prestes a me tornar. Obrigado por isso.

Ondina aproveitou para dizer:

— Que tal reunir a família na casa da sua avó? Podemos contar tudo para você lá.

Abel concordou.

— Vou ligar para o meu pai.

CAPÍTULO 99 – REUNIÃO FAMILIAR

Na manhã seguinte, todos estavam reunidos na casa de Ana.

Sentados na sala, Dina e Ondina explicaram a Natanael e Abel toda a situação. Durante duas horas de conversa, detalhes sobre suas missões, os perigos evitados e as forças ocultas que conspiravam contra eles foram revelados.

Abel descobriu sobre os dois homens cujos descendentes poderiam matá-lo. Ele ficou chocado ao saber que era conhecido no mundo espiritual como o “tirano” muito antes de nascer.

— Você deve desistir de vez da política, Abel — aconselhou Natanael. — Venha trabalhar comigo em uma das minhas empresas. Esse sempre foi meu sonho, mas você sempre insistiu em ser político.

Abel suspirou, concordando.

— Acho que é hora de colocar a cabeça no lugar…

De repente eles ouviram uma batida na porta. Ana levantou para atender. Quando abriu, deparou-se com um senhor idoso parado na soleira.

— Quem é você e o que deseja? — perguntou ela, cautelosa.

— Sou Odair. Vim me desculpar.

Elson, intrigado, gritou da sala:

— Quem está aí, Ana?

Ela entrou com Odair, dizendo:

— Abel, você queria conhecer seu avô verdadeiro, aqui está ele.

Dina já sabia que isso ia acontecer.

— Lani o libertou, pedi isso a ela.

Antes que pudessem digerir a novidade, uma voz ecoou da cozinha:

— Só aceitei trazê-lo de volta porque ele está muito velho. Preciso substituí-lo por um exemplar mais novo.

Natanael e Abel saltaram do sofá. Eles não conheciam Lani e sua aparição repentina na casa os deixou atônitos.

— Quem é você? Como entrou aqui? — questionou Natanael.

— Lani tem o hábito de aparecer onde quer, quando quer — explicou Ana.

Abel, entretanto, estava furioso.

— Você sequestrou meu avô! Vou acabar com você, sua desgraçada!

Ele tentou avançar, mas seus pés ficaram colados ao chão. Dina o advertiu:

— Nem tente, Abel. Essa mulher derrotou três anjos da morte. Você não tem chance contra ela.

Ainda assim, ele sacou seu revólver, segurando-o com as duas mãos para não errar. Mas quando tentou disparar, a arma aqueceu e começou a derreter, caindo no chão.

Odair ergueu as próprias mãos, mostrando que faltavam dois dedos. Então disse, apontando para Ondina.

— Perdi dois dedos tentando matar essa mulher…

— Conte a eles como foi a surra que lhe dei! — exclamou Elson, confiante.

Odair suspirou:

— Já sei de tudo, você me bateu porque essas mulheres malucas diminuíram minhas forças.

— Foi você quem fez isso? — perguntou Abel a Ondina, transbordando raiva.

— Sim, fui eu. Tenho poder sobre os humanos e ninguém pode me vencer.

Lani interveio:

— Dê graças a Deus que somos justas. Se fôssemos más, o cenário seria bem diferente.

Dina tentou suavizar a situação.

— Abel, estamos aqui em paz. Nossa missão era salvar o mundo de suas futuras loucuras. Aceite isso e nos respeite.

Ana reforçou:

— Elas nos ajudaram muito. Se não fosse por elas, nenhum de nós estaria aqui hoje.

Abel retrucou com amargura:

— Eu estaria. Elas nunca me salvaram de nada, só me fizeram mal.

Ana rebateu:

— Elas salvaram minha vida várias vezes, Abel. Se eu tivesse morrido você e seu pai nem teriam nascido.

— Só sei de uma coisa — murmurou Abel, contrariado. — Se eu pudesse, mataria essas três agora mesmo.

O estresse foi demais para Abel que de repente teve um surto psicótico e começou a gritar:

— Eu enganei vocês, jamais vou desistir da política, vou provar que esse vídeo que vocês têm é falso, vou desmascarar vocês e vou ser presidente da república!

Lani, Dina e Ondina se olharam assustadas. Elas precisavam fazer alguma coisa ou todo o esforço feito até agora iria por água abaixo.

— Vocês estão pensando o mesmo que eu? — sussurrou Dina para as duas.

— Sim, responderam elas — A jaula que trouxe Odair está aí fora — sussurrou Lani.

— Vamos embora — disse Lani olhando para Dina e Ondina. — Nossa presença não é bem-vinda aqui.

Abel foi atrás delas, xingando-as e expulsando-as. Mas assim que ele passou pela porta da sala ouviu-se um “clic” seco.

CAPÍTULO 100 – PEÇA-CHAVE

Depois que Dina, Ondina e Lani partiram levando Abel, o silêncio pairou na casa. Ana foi a primeira a falar:

— Não podemos enfrentá-las, elas são muito poderosas.

Natanael, furioso, respondeu:

— Elas agem como se fossem deusas! E levaram meu filho…

Odair, que observava a discussão com calma inesperada, comentou:

— Ele vai ficar no meu lugar no zoológico. Não é tão ruim assim. Há boa comida, vemos seres novos o dia todo, temos divertimento, jogos eletrônicos diferentes dos que conhecemos aqui e… até recebemos elogios.

Natanael explodiu:

— Meu filho vai ser um animal de zoológico?! Ainda bem que a mãe dele morreu no parto, não sei como ela lidaria com essa dor e vergonha.

Mas, após refletir por alguns instantes, ele acrescentou, com resignação:

— Pensando bem, eu sempre desconfiei do caráter de Abel. Tanto que nunca quis dar qualquer cargo de confiança para ele nas minhas empresas.

Ana tentou minimizar a situação:

— Pelo menos lá ele não poderá fazer mal a ninguém.

Odair suspirou e se levantou.

— Bem, acho que minha missão por aqui acabou. Estou indo embora.

Elson se aproximou e estendeu os braços.

— Antes de partir quero lhe dar um abraço.

Os dois se abraçaram, e Elson falou:

— Vamos deixar o passado para trás. Eu o perdoo por tudo.

Odair assentiu, emocionado:

— Eu também o perdoo.

Natanael, embora ainda com raiva, também se despediu:

— Se tiverem notícias de Abel ou dessas três… mulheres, por favor, me avisem.

Os anos passaram. Ana, já com mais de cem anos, adoeceu gravemente. Os médicos foram claros: não havia mais nada a ser feito.

Enquanto Natanael cuidava da mãe, alguém bateu à porta. Ao abrir, ele deu de cara com Dina e Ondina.

— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntou ele, hostil. — Minha mãe está morrendo e vocês não são bem-vindas.

Dina respondeu com firmeza:

— Ana gosta de nós e viemos vê-la. Por favor, saia da frente.

Como Natanael se recusou a sair, Ondina fez um gesto e ele foi elevado no ar, ficando grudado no teto da sala.

— Onde está Elson? — perguntou Dina.

— Ele faleceu há dois meses! — gritou Natanael, furioso. — Agora me tirem daqui suas loucas!

Ondina sorriu.

— Se você for educado nós o ajudaremos a descer suavemente.

— Está bem… vou me comportar.

Dina e Ondina o fizeram descer e os três seguiram para o quarto de Ana. Ela estava consciente, mas muito debilitada.

Ao ver Dina e Ondina, Ana abriu um sorriso fraco:

— Que bom que vocês chegaram… Eles já estão aqui?

Dina a abraçou.

— Sim, Ana. Mas dessa vez veio apenas um…

Ondina, olhando para um canto do quarto, comentou:

— Não se preocupe, não estamos aqui para interferir no seu trabalho.

Natanael, confuso, perguntou:

— Com quem você está falando?

— Com um anjo — respondeu Ondina calmamente. — Ele achou que fôssemos impedi-lo de levar sua mãe.

— E vocês podem fazer isso? — perguntou Natanael, desesperado. — Por favor, salvem minha mãe.

Ana, com a voz fraca, interveio:

— Natanael, elas salvaram minha vida muitas vezes. Agora, chegou minha hora.

O anjo da morte se aproximou, tocou a testa de Ana e, com um último suspiro, ela partiu.

Natanael, Dina e Ondina começaram a chorar. Esquecendo as diferenças, Natanael abraçou as duas, que o consolaram em silêncio.

Antes de partir, o anjo da morte olhou para Dina e disse:

— Pediram-me para lhe dar um recado.

Dina enxugou as lágrimas.

— Pode falar…

— Você tem uma nova missão!

— Que missão é essa? — perguntou Dina, intrigada. Ainda não recuperei meus poderes e…

— Você vai recuperá-los dentro de algumas horas. O planeta em breve estará correndo risco de um cataclisma global, algo maior que a extinção dos dinossauros.

Dina arregalou os olhos.

— O que devo fazer?!

— A cúpula celestial entrará em contato com você para acertar os detalhes.

O anjo se virou para partir, mas, antes de desaparecer, olhou novamente para Dina e disse:

— A mulher que será a peça-chave dessa grande tragédia acabou de nascer.

E, com essas palavras, ele se foi.

Dina e Ondina permaneceram em silêncio, contemplando o futuro incerto.

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