Naadiya

NAADIYA
Sérgio Montiel Leal

ÍNDICE

PRIMEIRA PARTE – A MISSÃO

CAPÍTULO 1 – O CURSO DE GASTRONOMIA

CAPÍTULO 2 – VERDADEIRO NOME

CAPÍTULO 3 – A PROVA SURPRESA

CAPÍTULO 4 – MANDADO DE PRISÃO

CAPÍTULO 5 – A DENÚNCIA

CAPÍTULO 6 – A PRISÃO

CAPÍTULO 7 – LIVRAMENTO

CAPÍTULO 8 – NOVA FUGA

CAPÍTULO 9 – A CASA MISTERIOSA

CAPÍTULO 10 – O HELICÓPTERO

CAPÍTULO 11 – ALÇANDO VOO

CAPÍTULO 12 – A IDENTIDADE

CAPÍTULO 13 – O ASSALTO

CAPÍTULO 14 – A ABORDAGEM

CAPÍTULO 15 – O FINAL DO PASSEIO

CAPÍTULO 16 – A NOVA CASA

CAPÍTULO 17 – AS PROVAS

CAPÍTULO 18 – ONISCIÊNCIA

CAPÍTULO 19 – O TIRANO

CAPÍTULO 20 – SURREAL

CAPÍTULO 21 – IMAGENS RECUPERADAS

CAPÍTULO 22 – TRABALHO PERFEITO

CAPÍTULO 23 – O MOTORISTA

CAPÍTULO 24 – A DOENÇA

CAPÍTULO 25 – O PROBLEMA FUTURO

CAPÍTULO 26 – A PROFESSORA É DESPEDIDA

CAPÍTULO 27 – A DIRETORA

CAPÍTULO 28 – O LADRÃO

CAPÍTULO 29 – BRINCANDO DE DEUS

CAPÍTULO 30 – FORÇAS DO MAL

CAPÍTULO 31 – TENTATIVA DE ASSASSINATO

CAPÍTULO 32 – A ENFERMEIRA

CAPÍTULO 33 – O ACIDENTE

CAPÍTULO 34 – LIGAÇÃO DO CÉU

CAPÍTULO 35 – DESPEDIDA

CAPÍTULO 36 – ELSON

SEGUNDA PARTE – AS FÉRIAS

CAPÍTULO 37 – A INVASÃO

CAPÍTULO 38 – NA HORA “H”

CAPÍTULO 39 – O JULGAMENTO

CAPÍTULO 40 – A SENTENÇA

CAPÍTULO 41 – O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

CAPÍTULO 42 – A SALA DO DIRETOR

CAPÍTULO 43 – UMA REVELAÇÃO

CAPÍTULO 44 – A SURRA

CAPÍTULO 45 – OS GUARDAS

CAPÍTULO 46 – EXIBICIONISMO

CAPÍTULO 47 – A BRONCA

CAPÍTULO 48 – A DECLARAÇÃO

CAPÍTULO 49 – A DEVOLUÇÃO

CAPÍTULO 50 – O COMBATE

CAPÍTULO 51 – REVELAÇÃO BOMBÁSTICA

CAPÍTULO 52 – O PEDIDO

CAPÍTULO 53 – O RACKHAM

CAPÍTULO 54 – DUELO DE TITÃS

CAPÍTULO 55 – A NOVA ALUNA

CAPÍTULO 56 – A TEMPESTADE

CAPÍTULO 57 – O DESAPARECIDO

CAPÍTULO 58 – A DELEGACIA

CAPÍTULO 59 – AS ONÇAS

CAPÍTULO 60 – “SEU” MANÉ

CAPÍTULO 61 – O CERCO POLICIAL

CAPÍTULO 62 – OS DEMÔNIOS

CAPÍTULO 63 – OS ANJOS DA MORTE

CAPÍTULO 64 – O ESTUPRO

CAPÍTULO 65 – AMOR

CAPÍTULO 66 – SAIDINHA DE NATAL

CAPÍTULO 67 – ONDINA

TERCEIRA PARTE – SEDE DE PODER

CAPÍTULO 68 – INTERROGATÓRIO

CAPÍTULO 69 – A BRIGA DE TRÂNSITO

CAPÍTULO 70 – A REMATRÍCULA

CAPÍTULO 71 – A CURA

CAPÍTULO 72 – BRIGA DE CASAL

CAPÍTULO 73 – DOR DE COTOVELO

CAPÍTULO 74 – ENCURRALADAS

CAPÍTULO 75 – AJUDA INUSITADA

CAPÍTULO 76 – LANI

CAPÍTULO 77 – A ESPECTADORA

CAPÍTULO 78 – EXPLOSÃO QUÁDRUPLA

CAPÍTULO 79 – REVELAÇÕES

CAPÍTULO 80 – O PLANO

CAPÍTULO 81 – A CHACINA

CAPÍTULO 82 – ALIENÍGENA

CAPÍTULO 83 – A INTIMAÇÃO

CAPÍTULO 84 – MÃE

CAPÍTULO 85 – UMA NOVA MISSÃO

CAPÍTULO 86 – O TEMPO PASSA

CAPÍTULO 87 – LUTA DESIGUAL

CAPÍTULO 88 – UM DEDO A MENOS

CAPÍTULO 89 – DOIS DEDOS A MENOS

CAPÍTULO 90 – O ESCOLHIDO

CAPÍTULO 91 – A ARMADILHA

CAPÍTULO 92 – HUMANO

CAPÍTULO 93 – VIDÊNCIA

CAPÍTULO 94 – O DISCURSO

CAPÍTULO 95 – QUEDA NAS PESQUISAS

CAPÍTULO 96 – O VÍRUS

CAPÍTULO 97 – A DERROTA

CAPÍTULO 98 – A RENÚNCIA

CAPÍTULO 99 – REUNIÃO FAMILIAR

CAPÍTULO 100 – PEÇA-CHAVE

PRIMEIRA PARTE – A MISSÃO

CAPÍTULO 1 – O CURSO DE GASTRONOMIA

Ana Célia estava muito ansiosa, pois era o primeiro dia de aula de um novo curso.

O prédio da escola era simples, mas confortável e aconchegante.

Na grande sala de aula as carteiras eram cuidadosamente ordenadas em cinco fileiras, de onde se podia ver o quadro negro ocupando praticamente toda a extensão da parede frontal, enquanto a mesa do professor, embora antiga, destacava-se num ambiente construído alguns centímetros acima do nível do piso da sala.

Ana deixava seus pensamentos divagarem livremente enquanto aguardava o início daquela nova jornada de aprendizado.

Será que ela iria conhecer pessoas interessantes e simpáticas, será que iria gostar das aulas, dos colegas e dos professores?

Ana sentou-se ao lado de uma moça muito bonita e bem vestida, que usava um perfume muito agradável e trazia no rosto aquele olhar típico das mulheres de personalidade forte e marcante.

— Muito prazer, meu nome é Dina!

— O prazer é todo meu, meu nome é Ana Célia…

Dina era uma mulher bonita, doce e inteligente. Bastaria olhar para ela por alguns segundos para perceber que se trata de alguém que sabe se manter no controle da situação.

Depois de se olharem por alguns segundos, Ana perguntou:

— Será que vamos aprender coisas interessantes nesse curso de gastronomia?

Dina sorriu ao responder:

— Espero que sim, senão vou querer meu dinheiro de volta…

Elas estavam rindo quando a professora entrou na sala. Era uma senhora que estava entre seus cinquenta e sessenta anos, que chamava a atenção devidos aos seus cabelos encaracolados e loiros muito maltratados pelo tempo.

Seus gestos denotavam uma certa insegurança e seu semblante deixava claro que estava ali uma mulher que pretendia ser austera, sem convencer ninguém de que tinha motivo para isso.

Após se apresentar como “professora Claudete”, ela começou a falar da história da arte da confeitaria profissional no mundo.

Em dado instante, talvez para expor as diferentes espécies de animais usados na culinária moderna, Claudete resolveu expor sua crença na teoria da evolução de Darwin.

Ana notou que Dina não estava gostando nada daquilo, porque ela balançava a cabeça de vez em quando, até que em dado momento ela levantou a mão, solicitando a palavra:

— Professora, eu poderia aceitar a teoria que a senhora está nos apresentando se alguém me explicasse como muitas espécies de animais e plantas da terra surgiram “do nada”, pois não tiveram antepassados dos quais possam ter evoluído e a ciência nunca soube explicar de onde elas vieram.

O semblante da professora mudou imediatamente, deixando claro que ela não gostou nada do que ouviu.

Dina continuou:

— Por exemplo, a senhora pode me explicar como os peixes se transformaram em anfíbios? Onde estão os elos necessários para provar isso?

A professora ficou paralisada, ficou claro que ela não sabia o que falar. Dina aproveitou para continuar:

— A senhora notou também que os animais terrestres antigos, que são conhecidos na atualidade, sempre “apareceram” na história com membros e cabeças bem definidos? Não tem nada que nos faça pensar que um animal se “transformou” em outro…

A professora começou a gaguejar:

— Olha, eu… sabe o que é…

Dina não deixou a professora delinear ideia alguma e prosseguiu:

— A senhora já pensou também que após o cataclisma que extinguiu os dinossauros, surgiram diversos grupos de mamíferos ao mesmo tempo e todos muito bem definidos?

A professora procurou esconder sua irritação:

— Vamos fazer assim, depois da aula a gente conversa sobre isso, não podemos discutir esse assunto aqui. Desse jeito não vou ter tempo de concluir a matéria dessa primeira aula…

— Desculpe, professora — interrompeu Dina —eu tenho um compromisso inadiável com a minha colega Ana logo após a aula. Mas podemos conversar outro dia.

Percebendo que Ana não havia entendido nada, Dina sussurrou para ela:

— Depois da aula quero conversar com você!

Ana assentiu com a cabeça, mas ficou pensativa. O que será que Dina queria falar com ela, já que mal haviam se conhecido?

A aula continuou sem grandes novidades, a não ser que Dina corrigiu a professora mais duas ou três vezes.

Na saída Ana perguntou para Dina:

— Como você sabia aquelas coisas que nem a professora sabia?

— Gosto muito de estudar e, principalmente, de pensar…

— Preciso perguntar se você não é…

A pergunta de Ana não deixou Dina embaraçada.

— De jeito nenhum, não gosto de mulher, pode ficar tranquila quanto a isso…

— Estou perguntando porque hoje em dia está difícil… além disso sou casada e muito bem casada.

— Que bom! — exclamou Dina. Conte-me alguma coisa sobre sua vida, afinal de contas vamos ser amigas.

— Não tenho muito tempo agora, Dina, tenho um compromisso.

Dina pensou um pouco e falou:

— Não quer vir em minha casa amanhã? Podemos conversar mais e…

— Tudo bem, é só me dar seu endereço que eu vou   concordou Ana.

CAPÍTULO 2 – VERDADEIRO NOME

No dia seguinte Ana compareceu na casa de Dina no horário combinado.

Ela estava sentada na sala de um sobrado majestosamente lindo, com um design interior que parecia ser tirado de um filme inspirado nas primeiras décadas do século XX.

Ana ficou olhando para aqueles móveis de linhas circulares estilizadas, com tons perolados e dourados típicos das ilustrações abstratas da arte oriental egípcia.

— A julgar pela sua casa você deve ser muito rica — disse Ana, não conseguindo esconder sua surpresa.

— Tenho o básico para viver— respondeu Dina.  Essa casa é herança do meu pai.

— Parabéns — elogiou Ana Célia. — Não é todo mundo que tem a sorte de receber uma herança.

— Quer beber alguma coisa? — perguntou Dina.  Tenho refrigerante, vinho e cerveja.

— Pode ser refrigerante…

Minutos depois elas estavam sentadas frente a frente e Ana pode sentir na alma o olhar penetrante de Dina. Parecia que ela procurava algo mais profundo do que os olhos podem ver.

Assim que tomou o refrigerante Ana perguntou:

— Dina é seu nome verdadeiro ou é apelido?

— É meu apelido, meu nome verdadeiro é Naadiya, que significa mensageira…

— É um nome muito bonito, qual a origem dele?

— Há quem diga que sua origem é árabe, mas na verdade esse nome tem origem celestial.

— Tá bom, quer dizer que você é um anjo que caiu do céu?  disse Ana brincando.

Dina quase corou, mas soube disfarçar bem.

— Sim, eu sou um anjo, mas não caí do céu, desci numa carruagem de fogo — disse ela sorrindo.

Elas conversaram bastante, riram bastante, até que Ana falou:

— Preciso ir embora, Dina. Gostei muito de você e estou feliz por tê-la conhecido.

— Eu também!   disse Dina, abraçando sua nova amiga.

CAPÍTULO 3 – A PROVA SURPRESA

No próximo dia de aula a professora Claudete não estava num bom dia. Isso ficou claro porque seus cabelos estavam ainda piores do que no dia anterior, parecia que não eram penteados há meses, ao mesmo tempo em que ela apresentava uma carranca que acrescentava pelo menos dez anos ao seu rosto já bem enrugado.

— Vou fazer uma prova surpresa agora, quem tirar menos que 5 estará antecipadamente reprovado nesse curso!

Todos os alunos se olharam, assustados. Mas só Dina teve coragem de levantar a mão para falar alguma coisa:

— Professora, a senhora perguntou para a diretora da escola se pode fazer isso? Que eu saiba todos nós estamos pagando por esse curso e ser reprovado não consta nem nas letras miúdas do contrato que assinamos.

A professora olhou para ela com fogo nos olhos:

—  Você vive me contradizendo. Eu não preciso pedir nada para a diretora, mesmo porque meu salário está atrasado e…

— E a senhora quer descontar em nós… — interrompeu Dina.

A professora levantou rapidamente da sua cadeira, fazendo esvoaçar seus cabelos que mais pareciam uma medonha peruca de arame farpado.

— Não é isso! Preciso avaliar meus alunos, trata-se de algo natural em qualquer curso.

Dina continuou:

— Então, professora, eu sugiro que a senhora nos dê a prova surpresa sim, pode ser bom para avaliar nosso grau de conhecimento, mas esqueça a parte da reprovação automática.

Nesse momento a professora perdeu as estribeiras e caminhou até onde Dina estava.

No auge de sua feiura, Claudete era muito maior do que Dina e estava fazendo tudo que podia para que todos notassem isso.

 — Você vai aprender a me respeitar — disse ela.

E antes que Dina pudesse falar alguma coisa desferiu-lhe um forte tapa no rosto.

Mas foi como se tivesse dado um tapa numa coluna de concreto, o que resultou numa fratura exposta em sua mão.

CAPÍTULO 4 – MANDADO DE PRISÃO

A escola ficou alguns dias sem aula porque a professora precisou tirar licença médica.

Quando voltaram as aulas Claudete fez de conta que nada havia acontecido, mas ela parecia mais nervosa do que de costume.

— Ela está ainda mais estranha!  sussurrou Ana para Dina.

— Mas tem motivo para isso — respondeu Dina.  Mais alguns minutos e você saberá porque.

Não se passaram nem dois minutos dessa conversa e ouviu-se bater na porta da sala de aula.

A professora foi abrir tão apressadamente que tropeçou e só não caiu porque se apoiou num vaso de flor que estava perto da porta.

— A desastrada quebrou a planta! — resmungou Dina.

Ao abrir a porta todos os alunos se assustaram. Era a polícia.

— Quem é a Sra. Naadiya?

A professora não esperou Dina responder e já apontou para ela seu dedo enrugado:

— É aquela ali, na terceira carteira…

— A senhora está presa!

Começou um grande alarido na classe, todos falavam ao mesmo tempo. Ana gritou:

— O que você fez Dina?!

— Eu não fiz nada, armaram para mim. Depois eu explico melhor…

— Acho bom mesmo, não quero ser amiga de uma criminosa…

— Não se preocupe, tenho o coração puro!

Aproximando-se do ouvido de Ana, Dina falou:

— Vá em minha casa quando terminar a aula, estarei lá.

— Mas a polícia vai te prender…  contestou Ana.

— Eles não vão conseguir, faça o que eu falei.

Um policial ordenou que Dina colocasse as mãos para trás e colocou a algema nela. Mas a algema caiu no chão. Ele tentou várias vezes e a algema sempre caía no chão.

— Deve estar com defeito.  Disse o policial, ficando vermelho ao olhar para os alunos.

— Vamos sem algema mesmo…

— Só uma coisa — pediu Dina.  Preciso ir ao banheiro urgente, fiquei nervosa, o senhor entende…

— Deixa para ir na delegacia, não temos tempo agora!  urrou o policial.

— Se o senhor não se importar de sujar a viatura…  resmungou Dina.

O policial fez aquela típica cara de impaciência.

— Tudo bem, vamos lá. Onde fica o banheiro professora?

Dina entrou no banheiro e já estava lá por dez minutos. Foi quando os policiais resolveram arrombar a porta.

— O que é isso?! — gritou um deles.

Não havia ninguém no banheiro.

CAPÍTULO 5 - A DENÚNCIA

Ana chegou na casa de Dina e tocou a campainha. Ela não tinha presenciado a cena do banheiro e pensou que Dina estava presa. Mas pelo sim, pelo não, resolveu fazer o que sua amiga falou.

— Oi Ana, pode entrar.

Era a voz de Dina no vitrô da sala, abrindo o portão da frente com o controle remoto.

— Como você conseguiu escapar?  perguntou Ana, surpresa.

— Eles não podem me prender, a menos que eu permita. E não permiti hoje porque queria te contar o que aconteceu.

— Conte logo então, Dina, estou correndo risco aqui com você, que eu saiba estou ao lado de uma foragida da justiça.

— O único lugar que você não corre risco nesse mundo é comigo, Ana. Pode ficar tranquila.

— Então comece logo a falar, o que aconteceu?

— Bem, você se lembra que a professora tentou me dar um tapa na cara e quebrou a mão?

— Sim, claro que lembro.

— Pois ela deu queixa na polícia!

— Mas foi ela quem te agrediu. E isso não é caso para prisão…

— Sim, ocorre que ela alegou que eu roubei a bolsa dela.

— Mas a polícia aceitou uma acusação sem provas?

— Veio uma intimação para eu comparecer na delegacia, mas não fui. Então eles presumiram que eu sou culpada. Por isso o juiz decretou minha prisão preventiva.

— Mas porque você não atendeu à intimação?   perguntou Ana, indignada com essa atitude da amiga.

— Essa é uma pergunta difícil de responder, Ana. Talvez porque eu estava querendo um pouco de ação, um pouco de diversão, sei lá, estou cansada da rotina desse mundo.

— Muito interessante, Dina, ser procurada pela polícia é divertimento para você.

— Em certo ponto, sim, Ana, você verá o quanto vamos nos divertir, vamos até passear de helicóptero.

— O que?!! Você ficou maluca?!

— Não fiquei não, Ana. E depois que eu, ou melhor, nós nos divertirmos um pouco, vou provar minha inocência.

— Eu sabia que você tinha uma carta na manga, Dina.

— Tenho sim. Venha aqui ver.

Dina abriu a janela de um dos quartos e apontou para um objeto vermelho no chão do quintal, a poucos metros da piscina.

— Essa é a bolsa da professora…

— Então você realmente roubou a bolsa dela?  pertuntou Dina aparentando desespero.

— É claro que não, ela mandou alguém jogar a bolsa aí. Mas sei quem foi e na hora certa vou fazê-lo confessar.

— Na hora certa? Por que não faz isso agora?

— Agora não, que graça teria? Você conhece as Cataratas do Iguaçu?

CAPÍTULO 6 – A PRISÃO

No dia seguinte Dina foi à escola normalmente. Todos ficaram se olhando assustados, pois não sabiam o que tinha acontecido.

— Já soltaram você? — perguntou um colega mais afoito.

— Nem chegaram a me levar presa, eu fugi. Mas não vou fugir hoje  disse ela.

A professora também levou um grande susto quando deu de cara com Dina na costumeira terceira carteira.

— O que você está fazendo aqui? — gritou ela.

— Estudando — respondeu Dina.  É para isso que as pessoas vão à escola.

— Insolente! Vou ligar para a polícia.

Gesticulando nervosamente a professora ordenou:

— Pessoal, não a deixem sair, dentro de alguns minutos a polícia estará aqui. Ontem ela conseguiu fugir, mas hoje vai ser diferente.

— Vai ser mesmo — disse Dina, sorrindo. Ela levantou a mão e falou:

— Professora, a senhora poderia ir dando a aula enquanto esperamos, os alunos do curso não têm culpa dos seus devaneios.

— Meus devaneios? Quem está sendo procurada pela polícia é você e não eu.

— Sim, mas injustamente, e a senhora sabe disso. Sabia que o feitiço costuma virar contra o feiticeiro?

— Você é maluca… Ainda bem que eles já chegaram…

Quatro policiais truculentos adentraram a sala de aula, muito nervosos e irritados.

— Dessa vez a algema não vai falhar, mocinha. Coloque as mãos para trás.

— Tudo bem, policial. Mas se eu quiser elas vão falhar sim.

— Cale a boca, sua vadia! — gritou o policial dando um forte tapa no rosto de Dina, mas saiu pulando igual a uma rã, segurando a mão que sangrava.

— O que tem na sua cara? Parece concreto. Quase quebrei a minha mão!

— Quase? — ironizou Dina.  O senhor precisa fazer um raio X urgentemente, logo vai começar a inchar.

— Coloquem logo a algema nessa doida, vamos prender logo essa piranha  disse ele, impaciente.

Ninguém falava nada na classe. A professora fez aquela cara de satisfação quando os policiais conseguiram colocar a algema em Dina.

Eles caminharam até a porta da sala de aula, mas antes de sair Dina virou-se para a turma e falou sorrindo:

— Já não se fazem mais algemas como antigamente!

Imediatamente a algema caiu no chão.

O policial pegou a algema e empurrou Dina, falando:

— Vamos sua p… Vai sem algema mesmo…

— Aconselho a não encostar muito em mim, policial — disse Dina, em tom ameaçador.

— Por que? Você vai me agredir?

— Não, é claro que não, mas o senhor pode machucar a outra mão.

CAPÍTULO 7 – LIVRAMENTO

Dina entrou na viatura, mas o veículo não funcionou por uma falha no motor. Enquanto os policiais verificavam o problema, Ana correu até lá e falou baixinho com Dina pela janela do veículo.

— Você vai fugir de novo?  perguntou Ana, aflita.

— Sim, mas preciso fazer uma coisa na cadeia antes. Tem outra pessoa presa injustamente e vou ajudá-la a fugir.

— Mas essa pessoa vai ser perseguida, poderá até ser morta pela polícia.

— Isso não vai acontecer, vou lhe dar as chaves para provar sua inocência.

Ana não conseguiu esconder que estava chorando.

— Não chore, Ana  pediu Dina.  Estou aqui porque eu quero. E amanhã vamos nos divertir muito. Esteja em casa onze horas da manhã em ponto. Não se atrase senão vai perder a diversão.

— Mas e a escola?  perguntou Ana, tentando prender o choro.

— Vamos faltar amanhã!

Nesse momento o motor da viatura funcionou. Dina falou para Ana:

— Esse defeito no motor foi só para nós podermos conversar. Fique em paz e não se esqueça de estar em casa no horário combinado.

— Sim, estarei lá.

Ana viu a viatura se afastando e estranhamente se sentiu feliz.

— Tudo bem, minha amiga, parece que você sabe o que está fazendo.

Ao chegar na delegacia, Dina foi colocada em uma cela onde já havia outra mulher presa.

— Eu sei que você é inocente, Jurema — disse Dina, olhando nos olhos de sua companheira de cela.

— Como você sabe meu nome? E como sabe que sou inocente?

— Eu vou tirar você daqui, mas terá que seguir à risca minhas instruções para provar sua inocência.

— Não quero fugir, só quero provar minha inocência. Se eu fugir vou ser perseguida pela polícia e…

— Se você seguir minhas instruções vai conseguir provar sua inocência amanhã mesmo. Além disso, você não pode ficar aqui, estão planejando matá-la amanhã à noite.

— Como você sabe disso?

— Robson, o verdadeiro culpado, já encomendou a sua morte. Se eu não viesse aqui hoje, depois de amanhã logo pela manhã você seria encontrada morta.

— Pelo amor de Deus, não quero morrer, o que eu devo fazer?

CAPÍTULO 8 – NOVA FUGA

No dia seguinte Ana chegou onze horas em ponto em frente à casa de Dina e tocou a campainha, duvidando novamente que ela estaria lá.

— Pode entrar, Ana! — gritou Dina da janela.

— Que coisa mais maluca! Nunca pensei que eu fosse presenciar algo assim nessa vida — disse Ana para si mesma.

Assim que entrou, Dina falou, eufórica:

— Você precisava ver a cara deles quando encontraram nossa cela vazia. Eu e a Jurema fugimos antes do amanhecer.

— Quem é Jurema? — perguntou Ana, curiosa.

— É uma longa história, qualquer dia eu te conto, agora precisamos nos preparar para a viagem.

— Vamos viajar? Para onde você vai fugir?

— Não vou fugir, só vamos dar um passeio muito agradável pelo céu.

— Vamos morrer, então?

— É claro que não… você trouxe blusa de frio?

— Por que eu traria? Hoje está calor…

— Onde vamos a temperatura vai estar baixa. Mas tenho algumas blusas que servem para você.

Enquanto Dina arrumava sua mala, Ana falou:

— Não vi seu carro na garagem, o que aconteceu com ele?

— Ah, sim! Deixei-o pronto para a nossa volta.

— De onde vamos voltar?

— Você verá em breve, Ana, tenha paciência.

Nesse momento a campainha da casa tocou.

— Eles já chegaram — disse Dina, eufórica.

— Quem chegou?!  perguntou Ana, quase enlouquecendo com tanto mistério.

— A polícia, quem mais você pensou que seria?

CAPÍTULO 9 – A CASA MISTERIOSA

Dina atendeu os policiais pelo interfone.

— Não quero comprar nada hoje — disse ela antes de alguém falar qualquer coisa do outro lado.

— É a polícia! Viemos procurar a senhora Naadiya.

Ana tinha dificuldade de se acostumar com o estranho nome verdadeiro de Dina.

— Sou eu mesma, mas não posso atender agora, estou muito ocupada preparando-me para uma viagem.

— Estamos com um mandado de prisão contra a senhora, não poderá viajar e sim voltar para a cadeia.

— Vocês não podem voltar daqui a alguns dias?

— Não podemos, ou a senhora se entrega ou vamos invadir a casa.

— Ok, comecem a tentar logo, não quero me atrasar para a minha viagem.

Os policiais olharam um para o outro. Ato contínuo pegaram uma espécie de marreta na viatura e começaram a dar bordoadas no portão.

— Que material é esse? — perguntou um dos policiais.

Depois de meia hora tentando, eles desistiram de arrombar os portões da casa. Resolveram então pular o muro, que tinha uma espécie de cerca elétrica na parte superior.

— Vamos colocar uma escada e cortar os fios, pelo jeito não tem energia elétrica nessa cerca.

Ocorre que eles também não conseguiram cortar os fios da cerca elétrica. Quebraram três alicates nas tentativas infrutíferas. E não conseguiram também saltar sobre a cerca, porque ela era muito fina e tinha mais de um metro de altura.

Ao tentar se apoiar na cerca para passar sobre ela, cortavam profundamente as mãos, como se segurassem em lâminas de barbear. E não dava para passar entre elas, por terem apenas dez centímetros de distância de uma para a outra.

— Não dá passar pelo muro — deduziram eles.

Dina continuava arrumando as coisas tranquilamente.

— Vamos almoçar? — disse ela, com o costumeiro sorriso no rosto.

— A polícia está tentando invadir a sua casa e você vai almoçar?

— Sim, eles não vão conseguir entrar.

Em dado momento, durante o almoço, Dina falou:

— Acho melhor você tampar os ouvidos.

— Por que?

— Faça isso agora, pode prejudicar seus tímpanos…

Assim que Ana tampou os ouvidos, ouviu-se um barulho tão alto que parecia o fim do mundo.

— O que aconteceu? — perguntou Ana, desesperada.

— Eles tentaram explodir o meu portão com dinamite.

— Como você conseguiu fazer uma casa tão resistente?

— Meus amigos me ajudaram. Eles trouxeram material de um planeta distante. Esse material não existe aqui na terra.

— Dina, vamos devagar com isso, você está me assustando… Você é de outro planeta?!

— O mais interessante, Ana, é que esse material é facilmente cortado em Tqmor, devido à tecnologia avançada deles. Eu só estou usando esse material aqui porque na terra não tem como destruí-lo.

Ana fingiu acreditar nessa história de “outro planeta”.

— Mas é possível fazer esse material aqui na terra?  perguntou.

— Dá para fazer algo muito parecido, mas só vão conseguir daqui a 130 anos.

— Pode me falar mais desse tal planeta?

— Agora não vai dar, nossa condução chegou…

CAPÍTULO 10 - O HELICÓPTERO

Ana e Dina olharam pela janela do quarto dos fundos e viram um helicóptero descendo no quintal da casa. Ana gritou, perplexa:

— O que é isso, Dina?! Eles vão entrar de qualquer forma, vamos sair daqui agora…

— Calma, Ana, a situação está sob controle.

— Não estou vendo nada sob controle, sua casa está cercada e agora vão invadir de qualquer forma, pois já estão para dentro dos muros e…

— Não faz diferença nenhuma, as portas e janela da casa também são reforçadas, eles vão ter que desistir de entrar, senão como vamos fazer nosso passeio?

— Será que eles vão mesmo desistir? — perguntou Ana, duvidando que tudo estava realmente sob controle.

— É claro que sim, quando eles constatarem que não vão conseguir entrar na casa pelos métodos tradicionais, vão ter que conseguir uma ordem judicial para explodir a casa, e nesse caso só retornarão amanhã.

— Mas eles não pediram ordem judicial para tentar explodir seu portão.

— Realmente, mas até então era só um portão. Eles não vão arriscar explodir uma casa sem autorização judicial.

— Espero que você esteja certa — disse Ana, apreensiva.

Elas ficaram escutando o que os policiais conversavam fora da casa, depois que perceberam que não poderiam entrar no imóvel.

— Vamos ter que pedir ordem judicial e explodir uma parede da casa, é a única forma de entrar, pelo jeito estas portas e janelas são feitas de um material inquebrável.

Outro policial concluiu:

— Sim, faremos isso, mas vamos deixar policiais vigiando a casa para que a ré não possa fugir daqui.

Ana não estava acostumada com esse palavreado:

— Eles chamaram você de ré, Dina, que horror!

— É o que eu sou nesse momento, mas por pouco tempo. Veja agora, eles vão tentar ir embora, mas não vão conseguir.

Nesse instante começou um alarido de vozes em torno do helicóptero.

— Não está funcionando, não tem nenhum sinal elétrico para acionar o motor, estamos presos aqui — disse um dos policiais.

— O pior é que não tem como escalar esses muros com essa maldita cerca elétrica em cima dele.

— Vamos ter que solicitar o resgate por meio de outro helicóptero e amanhã voltaremos com a ordem para explodir a casa e com os mecânicos.

Vinte minutos após solicitarem apoio pelo rádio, outro helicóptero começou a sobrevoar a casa. Ana e Dina viram os policiais subindo por uma corda e indo embora.

— Pronto — gritou Dina, eufórica. Já podemos ir!

— Como assim? — perguntou Ana. Tem policiais lá fora, vigiando a casa.

— Vamos sair voando! Por isso falei que nosso passeio seria pelo céu…

CAPÍTULO 11 – ALÇANDO VOO

Ao saírem no quintal, Ana falou:

— Você me desculpe, mas não vou entrar nesse negócio aí, principalmente porque está com defeito.

— Eu bloqueei a parte elétrica do helicóptero para ele não funcionar. Agora estou desbloqueando.

— Você faz isso com a força da mente? — perguntou Ana, assombrada.

— Sim, você pode aprender também.

— Não quero aprender esse tipo de coisa não, parece bruxaria.

Elas entraram no helicóptero e Ana foi logo perguntando:

— Você sabe pilotar essa coisa?

— É claro que eu sei, eu sei fazer qualquer coisa. Se não souber aprendo na hora.

Ana parecia aterrorizada:

— Dizem que errando é que se aprende. Na aviação não são aceitos erros, você vai errar e nós vamos morrer.

Nesse momento o motor do helicóptero ligou.

— Coloque o cinto de segurança, Ana, vamos subir.

— Mas Dina, os policiais vão atirar em nós!

— Não se preocupe, eles não sabem o que está acontecendo. Não iriam atirar no helicóptero da própria polícia.

— Pode ser, mas…

— Esses policiais que estão aí fora não são os mesmos que estavam aqui no meu quintal, eles vão achar que o helicóptero foi consertado e está retornando para a base.

O helicóptero subiu e Ana sentiu todo o seu corpo tremer com a adrenalina.

— Que loucura isso, Dina, nunca pensei que fosse fazer um passeio desses. Para onde vamos?

— Vou mostrar para você as Cataratas do Iguaçu vistas do céu.

Depois de algum tempo elas estavam sobrevoando as cataratas.

— Veja, Ana, aí está um dos mais lindos patrimônios naturais da humanidade, que faz parte das sete maravilhas da natureza.

— É espetacular, Dina, obrigado por me proporcionar tudo isso.

Elas sobrevoaram a usina de Itaipu, construída entre dois países e viram os turistas no Parque Nacional do Iguaçu.

As exclamações de ambas se multiplicavam, mas foram quebradas por uma observação de Ana:

— Dina, você está prejudicando o Estado, usando combustível que não nos pertence para fazer uma viagem particular.

Dina não se deixou abalar e respondeu:

— Eu não estou usando o combustível do helicóptero, ele ficará intacto. Uso um sistema desconhecido na terra, onde os elementos se modificam e um líquido continua se recriando enquanto é usado.

— Não estou entendendo.

— Vou deixar o tanque do helicóptero cheio, na verdade o combustível que tinha nele não daria para fazer essa viagem.

— Você consegue fazer com que o combustível nunca acabe?

— Exatamente!

Ana continuou fazendo objeções:

— Mas você está usando um bem público que poderia estar sendo utilizado para algo importante no combate ao crime. Isso também é errado…

— Seria se ele tivesse que ser usado hoje. Os dois helicópteros da polícia da nossa cidade só são usados em operações especiais e não tinha nada disso marcado para essa semana.

— Mas e se uma dessas operações precisar ser realizada repentinamente?

— Foi isso o que aconteceu, eles levaram o helicóptero para uma operação na minha casa. Estou apenas usando-o num momento em que ele estava à disposição para ser usado com relação a mim mesma.

— Nossa, Dina, você tem resposta para tudo. Tudo bem, senhora dona da verdade.

— Obrigada, Ana, esse título se encaixa bem para mim…

Elas riram e começaram a retornar do passeio. Dina completou:

— Seja como for, Ana, esse helicóptero tinha um defeito de fábrica que poderia fazer com que caísse a qualquer momento.

— Mas você não está nos colocando em risco, viajando em uma aeronave com defeito de fábrica?

— Nós consertamos — respondeu Dina. E completou:

— Por isso não me critique por estar usando esse helicóptero por algumas horas.

Dina ficou olhando para um ponto no céu, como se visualizasse uma cena e falou:

— Salvamos algumas vidas!

CAPÍTULO 12 - A IDENTIDADE

Enquanto retornavam Dina resolveu dar mais algumas voltas e conhecer outros pontos do Brasil.

— Estamos adiantadas mais ou menos duas horas — disse ela.

— Adiantadas para o que especificamente? — perguntou Ana.

— Deixei meu carro num lugar estratégico, não podemos voltar para casa de helicóptero.

— Você vai abandoná-lo na rua?

— Vou deixá-lo onde será facilmente encontrado pela polícia. E voltaremos tranquilamente…

Nesse momento Ana interrompeu:

— Tenho uma dúvida: quem são seus pais?

Dina ficou pensando por alguns segundos, até que falou:

— Não me faça perguntas difíceis, Ana.

— Eu gostaria de saber, curiosidade apenas. Posso ver sua carteira de identidade?

— Tudo bem sua curiosa. Pode ver.

Dina tirou do bolso seu documento e entregou para Ana, que leu em voz alta:

— Naadiya de Deus. Filiação: Divino de Deus e Deusdete de Deus. O que é isso?

— Eu tinha que colocar alguma coisa aí…

— Mas isso é ridículo. Seu pai se chama Divino de Deus?

— É um nome fictício, Ana, como um pseudônimo que os artistas usam.

— Para mim isso é falsidade ideológica. E o número do RG, é válido pelo menos?

— É um número que não estava em uso.

— Dina, você está me parecendo uma grandessíssima charlatona.

— Opa, espere um pouco, sem ofensa — gritou Dina.

— Mesmo que você fosse realmente um anjo, anjos não comentem pecados?

— Os anjos não podem cometer pecado, se cometer é expulso e se transforma imediatamente em demônio.

— Mas você faz cada uma, como ainda não se transformou? — disse Ana dando uma gargalhada.

— Os pecados dos anjos são diferentes dos humanos. Por exemplo, um anjo não pode ter fé, como os humanos, devido ao conhecimento que ele tem.

— Mas qual o tipo de pecado um anjo pode cometer então?

— Um anjo não pode confrontar a Deus, como os humanos fazem. Vou dar um exemplo: Se um anjo escrever: “Deus, ó Deus, onde estás que não respondes, em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçando nos céus”, ele é expulso imediatamente. Mas para os humanos isso é normal, faz parte da busca de Deus.

— Muito interessante. Quer dizer que você pode criar um falso documento de identidade que não é pecado.

— No meu caso, não! Se fosse eu já não estaria aqui. Mesmo porque eu precisava me matricular naquela escola para ajudar você, e não poderia fazer isso sem um documento.

— Mas e se um ser humano fizer isso, criar um falso documento?

— Depende do caso. Se for por necessidade absoluta, para salvar uma vida, entendo que não seja pecado. Seria pecado se fosse para ludibriar pessoas, obter benefícios próprios, praticar crimes…

— Interessante!  disse Ana, sendo irônica mais uma vez na vida.

— Mas não sou especialista em pecado, essa não é minha área. Portanto, não tome as minhas palavras como regra.

— Até que faz sentido — disse Ana, pensativa.

CAPÍTULO 13 – O ASSALTO

Depois de dez minutos sem falar nada, Ana resolveu abrir a boca:

— Você viu que estamos sendo observadas do solo?

— Sim — respondeu Dina. Tem um carro de polícia tentando nos acompanhar.

— Mas por que você está indo tão devagar?

— Porque eu quero que eles nos sigam, para ver onde vamos deixar o helicóptero.

— Mas nesse caso eles vão tentar prender você… ou nós duas…

— É claro que vou ficar à frente deles. Manterei distância de pelo menos quinze minutos, para dar tempo de chegar no meu carro.

Alguns minutos depois o helicóptero pousou num local descampado. Elas desceram correndo, atravessaram um matagal e chegaram onde estava o carro de Dina.

Porém, quando elas foram entrar no carro apareceu um assaltante armado, gritando:

— Passem as bolsas rápido, se não quiserem morrer!

Antes que Ana tivesse tempo de entregar a bolsa dela, Dina falou para o assaltante:

— Pode atirar em nós se quiser, não vamos te dar nada.

O bandido, extremamente nervoso, apontou a arma para a cabeça de Dina, falando:

— Última chance, moça, passe a bolsa agora, senão vou atirar!

Dina respondeu, calmamente:

— Atire de uma vez, não tenho tempo a perder com você. Vamos, Ana, entre no carro!

Nesse momento o assaltante tentou atirar várias vezes e a arma não funcionou. Dina olhou para ele e falou:

— Pegue esse cartão, aí tem meu telefone. Ligue para mim daqui a uma semana. Não adianta ligar antes. Se você conseguir me convencer que nunca mais vai roubar eu curo a sua cegueira.

— Que cegueira, ficou maluca sua…

O bandido não conseguiu terminar a frase e começou a gritar:

— Não vejo nada, o que está acontecendo?

 Vamos embora  disse Dina.  A polícia já achou o helicóptero, temos que sair logo daqui.

Elas se afastaram com o carro e por algum tempo puderam ouvir os gritos do assaltante:

— Me ajuda aqui, como eu vou voltar para casa? Socorro…

Dina viu que Ana ficou incomodada com aquilo e falou:

— Está com dó dele? Saiba que se eu fosse uma pessoa normal estaria morta a essa altura. Eu só deixei ele cego. Pelo menos assim ele não vai conseguir assaltar ninguém.

— Tudo bem, Dina, você livrou a humanidade de um crápula.

— Exatamente! Se ele me ligar quem sabe eu o cure.

— Eu duvido muito que ele vá deixar a malandragem — disse Ana, pensativa.

— Eu também duvido — concordou Dina, com tristeza.

CAPÍTULO 14 – A ABORDAGEM

Depois que elas andaram uns cinco quilômetros viram que estavam sendo seguidas por uma viatura policial.

— Eles nos acharam! — Gritou Ana.

— Não, eles não sabem quem está nesse carro. É a polícia rodoviária que está atrás de nós. Acontece que esse veículo não tem placas, por isso estamos sendo seguidas.

— Você não colocou placas no seu carro? Como você tem coragem de andar em um carro assim?

— Como vou emplacar um carro que não existe na terra?

— Não acredito! Que carro é esse, Dina?

— Nós o montamos rapidamente, ele só vai ser usado de vez em quando, em casos de grande necessidade, como agora.

— Nós quem? — perguntou Ana, impaciente.

— Eu e meus amigos. Tentamos fazer o mais parecido com os carros da terra. Mas não é só placas que esse carro não tem.

— O que mais essa geringonça não tem?

— Ele não tem motor como os carros terrenos. O motor é isso aqui…

Dina apontou para um aparelho quadrado, de aproximadamente quinze centímetros de diâmetro, que estava em cima do painel.

— Isso é o motor?! — exclamou Ana.

— Sim. O melhor é que ele não precisa de combustível.

— Mas não tem nenhum fio ligado nele, como as rodas obedecem a isso?

— É tudo via ondas…

Dina não conseguiu terminar sua explicação sobre o funcionamento do carro, pois a viatura de polícia cortou a frente e a obrigou a parar.

Dois policiais marrudos desceram gesticulando:

— Quero ver sua habilitação e os documentos do veículo.

— Tudo bem senhor policial? Eu não tenho habilitação e esse carro não tem documentos.

— Então vou ter que apreender o veículo e levá-las para a delegacia…

— Vou ter que recusar o convite — interrompeu Dina.  Minha amiga aqui precisa chegar urgentemente na casa dela.

— Tudo bem, Dina, posso chegar mais tarde…

Dina balançou a cabeça. Nessa hora um policial ordenou:

— Desçam do carro e se virem para serem revistadas.

— Não vamos descer, senhor policial, como já falei estamos com pressa. Por favor, tire essa viatura do nosso caminho.

Os dois policiais imediatamente sacaram suas armas e apontaram para Dina, falando energicamente:

— Desçam imediatamente! Vamos! Agora!

— Já falei que não vamos descer. Se forem atirar, façam isso logo.

Os dois policiais tentaram atirar ao mesmo tempo, mas como no caso do bandido, as armas deles não funcionaram.

— Você não vai deixá-los cegos, né Dina — pediu Ana.  Eles estão só trabalhando…

— Não vou fazer isso, não. Só vou deixá-los sem poder andar até que já estejamos bem longe daqui.

Os policiais tentaram se mover, mas seus pés não saíram do chão.

— Não consigo tirar meus pés do chão! — gritou um deles.

— Eu também não consigo  disse o outro.  O que está acontecendo?

Dina então falou:

— Senhores, peço desculpas pelo mau jeito, mas daqui a pouco vocês vão conseguir sair daí. Por hora vou empurrar um pouquinho o carro de vocês para poder passar.

Dina desceu do carro e com as mãos empurrou a viatura policial, ante os olhos assombrados de Ana e dos dois policiais.

Feito isso ela entrou no carro e saíram dali.

— Como você fez aquilo, você é uma mulher biônica? — perguntou Ana, admirada.

— Você não faz ideia dos meus poderes! — respondeu Dina, sorrindo.

CAPÍTULO 15 – O FINAL DO PASSEIO

Dina parou o carro em frente à casa de Ana e lhe entregou um pedaço de papel, dizendo:

— Esse é o meu novo endereço…

— Você mudou de casa? Como fez isso enquanto estávamos no helicóptero?

— Eu não posso mais morar naquela casa, não vão me dar sossego lá. Meus amigos fizeram tudo para mim.

— Quem são esses seus amigos misteriosos, Dina?

— Eles são como eu, somos da mesma ordem de criação. Mas só aparecem quando eu os chamo.

— Em quantos eles são?

— São muitos, tenho milhões de amigos. Mas geralmente eles vêm em grupo de quarenta.

— Quarenta amigos? Eles não chamam atenção andando em grupo assim?

— Eles conseguem se locomover sem serem notados, são muito espertos.

— Se forem como você são espertos mesmos. Nunca conheci ninguém com seus poderes.

— Obrigada, Ana. Não elogie muito que eu posso acreditar que é verdade.

— Você não acredita que é verdade?

— Foi só uma brincadeira, eu sei exatamente quem eu sou. Sei das minhas possibilidades e fraquezas.

— Não sabia que você tinha fraquezas, parece ser tão perfeita.

— Tenho fraquezas sim, já ouviu aquele ditado: perfeito só Deus?

— Sim, Dina, já ouvi. Tudo isso é muito estranho, mas depois conversamos melhor. Vou entrar pois estou cansada.

— Tudo bem, boa noite!

— Ah, preciso dizer que esse foi o dia mais incrível da minha vida  disse Ana, sorrindo.

— Que bom, Ana! Eu não posso dizer o mesmo, pois já tive dias bem mais movimentados e interessantes que esse…

— Acredito que sim, amiga — concordou Ana.

— Passe em minha nova casa amanhã para conhecê-la. Não é longe daqui e podemos ir de lá para o curso.

— Você vai no curso amanhã? A polícia pode aparecer por lá e…

— Amanhã eles não vão, pode ficar sossegada.

— Como você sabe disso?

— Eu simplesmente sei. Seja como for vou começar os preparativos para provar minha inocência.

— Você precisa da minha ajuda para isso?

— Não, Ana, agradeço, não vai ser necessário.

— Tudo bem, então  consentiu Ana, chateada por não poder ser útil.

— Na verdade vai ser muito fácil  concluiu Dina.

CAPÍTULO 16 – A NOVA CASA

Ana chegou no endereço que Dina lhe deu e tocou a campainha.

— Pode entrar — gritou Dina da janela, abrindo o portão com o controle remoto.

— Como seus amigos conseguiram transferir sua casa para cá? — perguntou Ana, admirada.

— Eles não transferiram, só modificaram algumas partes dessa.

— Mas são os mesmos móveis, tudo é igual…

— São outros móveis. Venha aqui, vou te mostrar uma coisa…

Dina ligou um aparelho de televisão que estava na sala. Apareceu a imagem em tempo real da sua antiga casa.

— Você está filmando o interior da outra casa? Como está fazendo isso?

— Tem algumas câmeras ocultas lá e consegui transferir a imagem para cá.

— Eles estão vasculhando tudo — disse Ana, admirada.

— Mas não vão encontrar nada contra mim, exceto a bolsa da professora que ficou no quintal, no mesmo lugar onde foi jogada.

— Como eles conseguiram passar por aqueles portões inquebráveis?

— Meus amigos retiraram o material resistente. Nem foi preciso arrombar, estava tudo destrancado hoje de manhã.

Os policiais falavam palavrões o tempo todo, referindo-se a Dina com os piores termos possíveis.

— Você não pode processá-los assim que provar sua inocência? Estão denegrindo sua imagem…

— Não vou fazer isso, eles estão só trabalhando. Além disso, esses palavrões fazem parte do mecanismo de defesa deles.

— Desculpe minha ignorância, Dina, mas não entendi.

— Quanto mais palavrões eles falam, mais homens eles se sentem. Veja aquele à esquerda da tela, vociferando as maiores arrogâncias, ele se sente o macho alfa…

— Mas isso é uma bobeira, porque vomitar palavrões vai fazer alguém ser mais homem?

— Realmente, você usou a palavra certa, isso é uma bobeira da humanidade. Tem gente que precisa falar palavras de baixo calão para se sentir forte e inteligente.

Ana mostrou que estava preocupada:

— Você vai mesmo querer ir no curso hoje? Pensei nisso a noite toda, estou cansada de ver a cara de policiais.

— Vamos sim, como já falei, preciso começar os preparativos para provar minha inocência.

— Ok, vamos lá então — assentiu Ana e falou para si mesma:

— Quero ver isso!

CAPÍTULO 17 – AS PROVAS

Acredito que nem seja necessário descrever a cara que a professora Claudete fez quando viu Dina toda sorridente sentada na costumeira terceira carteira.

— Você está aqui de novo? Pessoal, temos uma fugitiva da cadeia em nossa sala de aula. Vou ligar agora para a polícia…

Todos os alunos se entreolharam. Um deles falou:

— Vai começar tudo de novo…

Mas o que eles viram logo após foi a professora balançando os braços nervosamente, como se aquilo fosse fazer seu telefone celular funcionar.

— Porque essa #*@ não funciona? Eu coloquei crédito hoje de manhã. Alguém pode me emprestar seu telefone?

Um aluno magro e feio, que ostentava uma cara perene de choro correu até a professora e lhe entregou seu celular.

— Obrigada, Artur!

— Por nada professora — falou ele com sua voz fanhosa.

— Seu telefone também não está funcionando, Artur. Pessoal, por favor, verifiquem seus telefones e me emprestem algum que esteja funcionando.

Nenhum telefone funcionava, exceto o da Dina.

— O meu está funcionando, professora, quer usá-lo? Só não dá para ligar para a polícia, pois eu bloqueei o número deles. A última coisa que quero ouvir na vida é a voz de um policial de novo.

— Insolente! Vou usar o telefone fixo da escola na secretaria. Pessoal, não vão embora, já volto.

E voltando-se para a classe:

— Ah, por favor, não deixem essa… foragida… sair daqui.

Cinco minutos depois a professora voltou.

— O telefone da secretaria também não está funcionando. Deve ser um problema geral. Vou de carro até a polícia.

— Professora — gritou Dina. — A senhora não pode fazer isso, os alunos pagaram pelo curso, é melhor a senhora deixar para ir na polícia depois da aula.

— Não, eu vou agora mesmo e…

— Acho que antes de ir a senhora deveria ver isso — disse Dina, com ar de mistério.

Caminhando até um aparelho de televisão que estava no canto da sala, Dina ligou-o e começaram a aparecer algumas imagens.

— É o Artur! — gritou um dos alunos.

— Sim! — concluiu Dina. — É o Artur, que foi fazer um favor para a professora, jogando sua bolsa por cima do muro da minha casa.

— Artur! — gritou a professora. — Eu não falei para você verificar se tinha câmera na casa dela ou na vizinhança?!

— Eu verifiquei, professora — respondeu Artur. — Não tinha nada.

— Vocês já ouviram falar de “câmera oculta”?   disse Dina.  Eu escondo muito bem as minhas câmeras.

— Sua vaca, eu vou matar você — rosnou a professora.

— Acho melhor nem tentar — respondeu Dina. — Da última vez a senhora quase se matou. A propósito, sua mão está melhor?

— Vou dizer que essas imagens são manipuladas. Você não conseguirá provar nada.

Dina balançou a cabeça, falando:

— Além dessas imagens, tenho a gravação dessa conversa que tivemos agora, onde a senhora e o Artur confessaram tudo. E, também, tenho a classe inteira de prova. Acredito que pelo menos dez dos colegas aqui presentes aceitariam testemunhar a meu favor. Muita gente não suporta injustiça…

Nesse instante Artur teve um ataque de histeria e começou a chorar copiosamente.

— Eu sabia que isso ia dar errado, agora estou f…

A professora também começou a passar mal, sua pressão caiu e ela cambaleou em volta da mesa. Mas ninguém foi acudi-la.

Depois que Claudete melhorou um pouco Dina falou:

— Eu tenho a solução para tudo isso. A senhora e Artur vão até a polícia e confessam tudo o que fizeram, para limpar a minha barra. Se fizerem isso eu não processo a senhora por danos morais.

— Você vai me processar? — disse a professora, ameaçando chorar.

— Só se vocês dois não forem na polícia para contar toda a verdade.

— Eles podem nos prender e…

— Não vão prendê-los, não. Falsa noticia de crime para pessoas sem passagem pela polícia vai dar no máximo prestação de serviços à comunidade. Isso vocês vão tirar de letra.

— Eu nunca vou fazer isso! — gritou a professora com a voz esganiçada.

— Então eu vou entrar com um processo por danos morais. Só adianto que vou pedir um valor muito alto, visto que a senhora tem uma gorda conta bancária, três imóveis e aquele anel de diamante que “ganhou” de uma amiga quando morava em Minas Gerais.

Ao falar a palavra ganhou Dina fez aquele sinal de aspas, deixando claro que sabia que tinha acontecido algo diferente de “ganhar”.

— Tudo bem, tudo bem! — concordou a professora.  Nós vamos à polícia depois da aula e…

Claudete não conseguiu terminar a frase, pois desmaiou caindo sobre a mesa.

— Mais um dia sem aula — lamentou uma aluna da primeira fila.

CAPÍTULO 18 – ONISCIÊNCIA

Na saída do curso Ana perguntou para Dina, enquanto caminhavam rumo às suas casas:

— Como você sabe todas essas coisas, Dina? Você é onisciente?

— É claro que não…

— Então você foi até Minas Gerais para investigar a vida pregressa da professora?

— Não foi preciso ir pessoalmente, meus amigos me ajudaram.

— Você pode me apresentar seus amigos?

— Não dá, você não conseguiria vê-los, eles são invisíveis.

— Não são amigos imaginários, Dina?

— Amigos imaginários não bloqueiam telefones e travam armas. Eles são tão reais quanto nós.

— Pensei que você fizesse tudo sozinha  disse Ana, aparentando estar decepcionada.

— Posso fazer sozinha, mas não é aconselhável em casos muitos importantes, como quando envolve armas de fogo. É como no caso da aviação: um piloto pode voar sozinho, ele consegue, mas é aconselhável ter sempre o co-piloto com ele.

— Entendi — disse Ana, demonstrando impaciência. — Seus amigos são anjos! Que incrível!

— O mais incrível nisso tudo não são os anjos que você não vê. Sou eu, que você está vendo!

— Como assim?  perguntou Ana, cada vez entendendo menos.

— Não é fácil para um anjo assumir uma forma visível como a minha. É uma tarefa hercúlea fazer isso.

— Já li histórias onde os anjos assumem aparência humana. Até mesmo na Bíblia tem algo assim.

— Assumir a aparência humana por alguns instantes não é o problema. O difícil é assumir uma identidade, participar da vida das pessoas, tudo isso que eu estou fazendo.

Ana pensou um pouco:

— Dina, você está quase me convencendo que é realmente um anjo.

— Se eu não fosse um anjo, como faria as coisas que tenho feito?

— Sei lá, com a tecnologia atual é possível fazer muita coisa. Além disso, depois que inventaram o avião eu não me surpreendo com mais nada.

— Pois é a verdade…

— Vamos partir do pressuposto que você seja realmente um anjo — argumentou Ana. — Você não deveria manter isso em segredo? Por que me contou?

— Eu não pretendia manter isso em segredo, a não ser pelo tempo que fosse necessário. Na verdade, eu gostaria de ter lhe contado no dia que nos conhecemos.

— Mas as outras pessoas não podem saber, presumo…

— Não faz mal se souberem, mesmo porque não vão acreditar. Você mesma, vendo tudo que eu já fiz, acabou de dizer que está “quase acreditando” que eu sou um anjo. Imagine as outras pessoas…

— Tenho uma dúvida, Dina: os anjos não têm coisas mais importantes para fazer do que curso de gastronomia?

— Temos sim, mas isso faz parte da nossa missão.

— O que mais tem nessa missão? — perguntou Ana. — Agora fiquei curiosa.

— Você sabia que eu não durmo?

Ana ficou olhando para Dina com cara de boba, sem saber o que dizer.

— Eu não sabia… — balbuciou ela.

Dina tentou explicar:

— Muitas coisas dependem somente de nós, então vamos lá e fazemos o que é preciso fazer. Agora, tem coisas que dependem das pessoas entenderem e agirem. Quando não depende de nós e sim de terceiros, a missão é muito mais difícil.

— Quanto a mim você não precisaria ter vindo, eu estava me virando bem por aqui…

— Viu porque é difícil? Você acha que está sempre certa, não tem noção das coisas que faz e não faz ideia do que poderia acontecer na sua vida se não fosse a minha intervenção.

Ana não perdeu a oportunidade de ser irônica:

— Se você está falando…

CAPÍTULO 19 – O TIRANO

Antes de ir embora Ana perguntou:

— Não entendi uma coisa, Dina. Se vocês anjos têm missões importantes, porque você resolveu fazer aquele passeio de helicóptero comigo ontem. Foi muito agradável! Nossa, foi maravilhoso! Mas a meu ver não foi nada prático.

— Aquele passeio estava nos nossos planos — disse Dina, secamente.

— Não entendi, poderia me explicar?

Dina se mostrou impaciente, parecia não querer falar daquele assunto. Por fim resolveu falar:

— Daqui a sessenta anos uma eleição presidencial vai ser particularmente importante no Brasil. Digo importante, mas, na verdade, seria ainda mais importante que as demais.

— Certo… e o que isso tem a ver com o nosso passeio?

— Teríamos que consertar o helicóptero em pleno voo e a polícia não o usava o tempo suficiente para fazer esse serviço, só fazia voos curtos, devido ao preço do combustível.

— Então esse passeio não foi para me proporcionar uma tarde agradável, mas sim para consertar o helicóptero?

— Consegui conciliar as duas coisas…

— Ok, eu já devia saber que não sou tão importante assim…

— Claro que você é importante, Ana. Se não fosse eu não a levaria junto. Mas a verdade é que esse helicóptero ia cair da próxima vez que levantasse voo, causando cinco mortes.

— Acho que entendi. O futuro presidente iria morrer nesse acidente. Ou o futuro pai dele, ou a mãe, sei lá…

— Tem coisas que não é fácil de falar, Ana, você não entenderia, aliás ninguém entenderia…

— Por que? Não me deixe assim curiosa…

— Nós salvamos a vida de um homem cujo futuro filho será o único capaz de impedir a vitória daquele que seria o maior tirano da história desse país, um crápula que iria causar a morte de mais de 30% da população com suas loucuras bélicas.

— Acho que estou entendendo. Esse homem que é objeto da atenção de vocês é o que será o presidente, pois ganhará as eleições derrotando o tirano.

— Não, Ana, esse homem é quem irá assassinar aquele que seria considerado na história como o “Hitler brasileiro”.

— Que horror! Vocês estão salvando um assassino?

— Por isso é difícil falar desses assuntos com as pessoas comuns, o falso moralismo humano atrapalha tudo.

Ana foi embora pensativa, mas particularmente feliz. Afinal de contas, se isso fosse verdade ela devia ser o único ser humano do planeta que sabia desse fato futuro.

— A menos que Dina tenha outras amigas como eu — pensou.

CAPÍTULO 20 – SURREAL

No dia seguinte Ana apareceu bem cedo na casa de Dina. Assim que entrou ela começou a falar:

— Não consegui dormir essa noite pensando em tudo que tem acontecido. Preciso de algumas respostas senão vou pirar…

Dina já esperava por algo assim.

— Pode perguntar, Ana, o que estiver ao meu alcance eu responderei.

— Tenho dezenas de perguntas…

— Então vamos dividir isso em capítulos — brincou Dina. — Que tal duas perguntas por dia?

Ana não conseguia mais ficar nessas preliminares, portanto falou à queima roupa:

— Você consegue ficar invisível?

— Não — respondeu Dina. — Segunda pergunta?

— Espere um pouco, Dina, não é para responder apenas “sim” e “não”.

— Tudo bem, Ana, eu não consigo ficar invisível, ou seja, não consigo desaparecer, se estou nessa forma que você está vendo agora. Mas consigo bloquear o cérebro das pessoas para que não me vejam.

— Então você consegue ficar invisível, você mentiu para mim.

— Se eu conseguisse ficar invisível tudo seria mais fácil. Não funciona assim. Eu tenho que bloquear as pessoas que eu não quero que me vejam. Se for um grande número de pessoas preciso da ajuda dos meus amigos.

— Mas de qualquer forma você fica invisível.

— Se alguma pessoa presente não for bloqueada eu estou ali, visível a ela.

— Tudo bem, passemos à segunda pergunta.

— Manda lá…

— Como você consegue colocar imagens em aparelhos de televisão e monitores de computador sem colocar nenhum periférico, como CD, pendrive, etc.

— Você já ouviu falar de Bluetooth? Funciona mais ou menos igual, só que tudo sai da cabeça de um anjo.

— Pode explicar melhor isso? — pediu Ana.

— Eu não consigo fazer tal coisa, tem anjos especializados nisso. Esses anjos podem olhar uma cena, memorizá-la perfeitamente, e depois transferi-la para qualquer aparelho.

— Isso é totalmente surreal! — admirou-se Ana.

— E já existe há milhões de anos! Aqui na terra só está sendo usado recentemente, desde que surgiram os aparelhos de televisão e os computadores.

— Como funciona isso? É loucura…

— Os anjos que possuem o poder de memorizar as cenas precisam aprender o funcionamento do aparelho em questão. Assim que eles conseguem dominar o aparelho, compreendendo seu funcionamento, transformam o sinal mental para que seja compatível com tal aparelho.

— Isso é demais para a minha cabeça…

— Na verdade tudo é mais ou menos a mesma coisa, são sinais elétricos que só precisam ser sutilmente modificados para cada ocasião.

— Que coisa maravilhosa. É possível um ser humano aprender a fazer isso?

— Não posso dizer que não seja possível, mas eu, particularmente, não acredito que alguém possa fazê-lo. Na verdade eu acredito que seja impossível.

— Agora você viajou, Dina, é possível ou não é possível?

— Eu acredito que não seja possível, mas já vi pessoas fazerem cada coisa que não dá para duvidar de mais nada.

— Entendi, quer dizer que é possível…

— É mais ou menos assim: você acredita que um ser humano possa sair voando até as nuvens sem usar aparelho tecnológico nenhum? Você dirá que não. Eu também diria que é impossível se não tivesse visto acontecer.

— O que?! Alguém já fez isso?

— Sim, já aconteceu duas vezes na história da humanidade.

— Dina, você está falando de Jesus Cristo…

— Não, Jesus não conta pois ele é Deus. Estou falando de pessoas comuns.

— Tudo bem, se você está falando vou acreditar.

— Então encerramos por aqui sua cota de perguntas diárias — decretou Dina.

— Só mais uma, por favor. Como você consegue…

Dina interrompeu bruscamente:

— Você viu como o dia está lindo hoje?

CAPÍTULO 21 –IMAGENS RECUPERADAS

— Será que a professora e Artur foram na polícia? — perguntou Ana assim que saíram para ir no curso.

— Eles não foram! — Respondeu Dina.

— Não foram?! Então você continua correndo risco de ser presa…

— Não, Ana, quem está correndo risco é a professora. Hoje vou levar as provas de que ela roubou aquele anel de diamante que mencionei.

— Você vai fazê-la desmaiar de novo, Dina!

— Não se preocupe, não vou apresentar as provas diante dos alunos e sim no final da aula. Vou mostrar as provas no meu celular.

Ana tinha uma dúvida:

— Você consegue impedir as pessoas de morrerem?

— Todos os anjos conseguem fazer isso. Fazemos milhares de intervenções desse tipo por dia. Conseguimos estender a vida de muitas pessoas por décadas.

— Que coisa maravilhosa! Esse poder eu gostaria de ter.

— Esse dom normalmente não é dado aos humanos, eles não saberiam usá-lo com sabedoria…

— Mudando de assunto, não é hoje que começam as aulas práticas do nosso curso?

— Segundo o que consta no contrato sim. Vamos começar a por a mão na massa!

— Uma coisa me deixa intrigada: como a professora vai ter coragem de encarar a classe depois que foi desmascarada por você?

— Para ela não será difícil, ela é muito cara de pau e já passou por isso outras vezes. Por que você acha que ela veio embora de Minas Gerais?

— Entendo… Mas além desse anel não deve haver nada muito grave, espero…

— Assassinato é grave para você?

Ana quase surtou.

— O que?! Estamos tendo aula com uma assassina?

— Sim, ela colocou veneno na comida de uma colega de serviço porque ela descobriu o roubo do anel.

— Não vai me dizer que você vai apresentar um vídeo dela colocando veneno na comida da pobre vítima…

— Vou sim!

— Mas como você conseguiu essas imagens? Tinha um anjo lá no momento para gravar isso?

— Não tinha, mas tudo que acontece no mundo fica impregnado na luz astral.

— Você conseguiu recuperar as imagens de um acontecimento antigo?

— Bem, tive que pedir a ajuda do único anjo que conheço que consegue fazer isso. Ele fez uma viagem de milhões de anos luz só para me ajudar.

Ana se mostrou surpresa:

— Só um anjo consegue fazer isso? Por que os outros não aprendem?

— Tem coisas que não dá para aprender, o anjo tem que já ser criado com o dom. Mas eu falei que ele é o único anjo que eu conheço que faz isso, no entanto, existem outros pelo universo afora que também conseguem.

— Como você vai falar que conseguiu essas imagens?

— Vou dizer que recebi uma mensagem no celular. O mais importante são as imagens, que são contundentes, não a forma que eu as consegui.

— Ela não pode alegar que o vídeo foi manipulado?

— Poderá sim, mas uma perícia feita no vídeo pode provar que ele é verdadeiro. Qualquer perito atestará sua veracidade.

Ana não poderia deixar de dizer aquilo:

— A solução de um simples caso de assassinato dentre milhares que acontecem no mundo todos os dias é motivo para um anjo se deslocar uma distância correspondente à metade do universo?

Dina balançou a cabeça e respondeu:

— Decidimos que essa é a melhor forma de levar Claudete ao arrependimento. Quando ela se arrepender poderá ser recuperada como ser humano.

— Você está querendo dizer que quando a professora ver o seu vídeo vai se arrepender?

— Acredito que sim, porque ela verá sua amiga novamente. Elas eram realmente amigas, mas Claudete ficou cega pela ganância.

— Quer dizer que diante de Deus é possível matar alguém e simplesmente se arrepender depois?

— Não é simplesmente se arrepender, é realmente se arrepender. O arrependimento sincero é raro e não consiste de meras palavras ou algumas lágrimas derramadas.

— Tudo bem, se você acredita que ela vai se arrepender dou todo o apoio…

— Obrigada, Ana, eu acredito sim, não vim fazer esse curso só por sua causa.

Ana ficou desolada ao ouvir isso. Dina tentou consertar:

— Não fique chateada comigo, a minha amizade por você é absolutamente verdadeira.

— Está bem, é que eu pensei que eu fosse única…

— Você é especial para mim em todos os sentidos, Ana. Nunca amei um ser humano como amo você. Mas a minha missão nesse mundo é bem complexa.

Ana conseguiu segurar o choro.

— Tudo bem, eu entendo…

Quando elas estavam entrando na escola Dina falou:

— O universo é bem maior do que qualquer ser humano pode imaginar.

CAPÍTULO 22 – TRABALHO PERFEITO

Os alunos foram encaminhados para a cozinha da escola. Dessa vez a professora não fez aquela estranha cara de surpresa por ver uma foragida da justiça na sua frente.

Depois de tossir algumas vezes ela falou:

— Queridos alunos, vamos iniciar a parte prática do nosso curso. Hoje vou falar da limpeza e higiene da cozinha, dos utensílios que usaremos e dos temperos, óleos, grãos, verduras, legumes e frutas…

A aula transcorreu tranquila, mas percebia-se claramente o alto grau de estresse que Claudete e Artur se encontravam.

No fim da aula a professora saiu rapidamente da sala, sem nem se despedir, mas foi seguida por Dina.

— Professora, quando a senhora vai na polícia com o Artur?

Claudete fez aquela cara feia que era sua marca registrada.

— Olha, Dina, eu pensei muito e resolvi não ir à polícia. Pode entrar com o processo contra mim, eu sei me defender, afinal estou certa que você não tem como provar nada do que falou.

Enquanto a professora falava Dina mexia no celular:

— Vou mostrar uma coisa para a senhora…

Claudete começou a ver o vídeo no celular de Dina e seus olhos arregalaram o máximo que seria possível, tendo em vista o tamanho do seu rosto.

— O que é isso?! Você me filmou também?!

— Recebi esse vídeo de uma pessoa que conhecia a senhora em Minas Gerais. Nele podemos ver claramente a senhora colocando veneno na comida da sua amiga Lígia.

— Procure ouvir o áudio do vídeo — pediu Dina.

— Não quero ver isso — disse Claudete procurando se afastar.

— Se a senhora não ver vou mostrar para a classe toda.

— Tá certo, tá certo… — Disse ela, impaciente.

A voz de Claudete estava baixa no vídeo, mas dava para entender bem. O serviço do anjo especialista tinha sido perfeito, a tal ponto que ele aumentou o volume natural da voz acima do que realmente havia acontecido na data dos fatos.

Eis o que se ouviu:

“Me perdoe minha amiga, apenas vou ajudar você a ir mais rápido para o céu. Não posso fazer nada, você sabe mais do que devia e não quero ser presa por sua causa. Espero que sua morte não seja dolorida, por isso comprei um veneno que age rápido e não pode ser descoberto pela perícia. Custou caro, mas vai valer a pena.”

Claudete balbuciou essas palavras para si mesma enquanto preparava o prato de comida de Lígia.

— Como você conseguiu isso?! — Disse a professora, surtando. — Você tem parte com o diabo?

— Não, professora, tenho parte com Deus. Esse vídeo pode colocar a senhora na cadeia, mas não quero fazer isso, portanto a senhora tem até amanhã para ir na polícia e confessar que me acusou injustamente, se não fizer isso enviarei esse vídeo para as autoridades.

Dina começou a encaminhar o vídeo para alguém. Claudete gritou:

— Para quem você vai mandar esse vídeo? Pelo amor de Deus, eu vou na polícia com o Artur…

— Estou mandando para a senhora mesmo, para ver melhor em sua casa.

— Pode deixar, vou na polícia amanhã antes do horário do curso!  assegurou ela.

CAPÍTULO 23 – O MOTORISTA

Ana e Dina voltaram conversando:

— Conseguiu convencer a professora a ir na polícia? — perguntou Ana, já sabendo a resposta.

— Dessa vez sim. Ela vai amanhã de manhã — respondeu Dina, com ar de vitória.

— Por que era tão importante para você que ela fosse à polícia? Não tinha outra forma de provar sua inocência?

— Sim, tinha várias maneiras, mas a melhor é essa. Claudete vai ter que se humilhar, confessando que me incriminou injustamente.

— Será que ela vai conseguir? — duvidou Ana.

— Pode ter certeza que sim, ela está nas minhas mãos e fará tudo que eu mandar.

De repente Dina parou um pouco, pensou, depois falou:

— Vamos dar uma volta no shopping?

— Mas é muito longe daqui, vamos no seu carro sem placas?

— Não, vamos de Uber!

Cinco minutos depois elas estavam dentro de um carro, onde um senhor de uns trinta e poucos anos ouvia uma música sertaneja enquanto dirigia.

— As senhoritas estão bem? — Perguntou ele educadamente.

As duas responderam que estavam bem. Dina aproveitou para conversar com ele:

— O senhor não tem medo de trabalhar como motorista de aplicativos? A gente vê acontecer tanta coisa…

— Tenho sim — respondeu ele. — Mas a gente precisa trabalhar para viver, não tenho escolha.

— O senhor pode retornar, fazendo um favor — pediu Dina repentinamente. — Resolvi não ir no shopping hoje…

— Tudo bem! Vamos voltar…

Ana não estava entendendo nada e perguntou no ouvido de Dina:

— O que está acontecendo?

— Já aconteceu. Não precisamos fazer mais nada hoje.

— Aconteceu o que?

Nesse momento elas ouviram no rádio a notícia de que havia ocorrido um crime.

— Salvamos a vida dele — disse Dina, deixando Ana perplexa.

— Não estou entendendo nada!  exclamou Ana, pálida.

Quando o veículo parou em frente à casa de Dina ela falou ao motorista:

— Por favor, eu tenho um dom e percebi que o senhor está doente. Vá no médico imediatamente, o senhor vai ter que fazer uma operação.

O homem ficou olhando para Dina sem saber o que falar.

— Prometa para mim que o senhor vai no médico ainda essa semana!

— Tudo bem! — respondeu ele, assustado.

Dina se despediu e foi entrando em sua casa quando Ana protestou:

— Não senhora, você não vai me deixar curiosa, quero saber o que foi isso…

— Tudo bem — consentiu Dina. — Vamos entrar.

CAPÍTULO 24 – A DOENÇA

Assim que se sentaram no sofá da sala Dina começou a falar:

— O nome desse senhor é Gerson.

— Você deve ter visto no aplicativo do celular.

— Eu o conheço há muitos anos, mas ele não me conhece.

— Você é muito misteriosa, Dina, prossiga.

— Sabe o crime que ouvimos no rádio? Foi outro motorista de aplicativo, mas vítima seria o senhor Gerson se não fosse a minha intervenção.

— E você permitiu que outra pessoa morresse no lugar dele?

— Se isso serve de consolo, essa pessoa ia morrer de qualquer forma, ele estava envolvido com drogas e estava com os dias contados.

Ana ainda não estava satisfeita.

— Por que todo esse interesse em salvar o senhor Gerson?

— Ele é o futuro pai da mãe do assassino de quem falei, que irá livrar o país do tirano.

— Entendi — disse Ana. —  Mas porque vocês não curaram a doença do senhor Gerson? Você o mandou ir no médico…

— Já o curamos muitas vezes, se não fosse nossa intervenção o senhor Gerson já teria partido desse mundo há pelo menos cinco anos.

— Posso ver que vocês não o curaram direito, já que a doença sempre volta.

— Ocorre que não podemos alterar as leis do mundo. Não podemos transformar o senhor Gerson em algo que não seja humano.

— Não entendi…

— A doença volta porque o senhor Gerson se alimenta de forma errada. Nós o curamos hoje e daqui a alguns meses ele volta a ficar doente.

— Quer dizer que vocês anjos optaram por usar um médico humano? Que interessante…

— Não seja irônica, Ana, simplesmente percebi que nesse caso é a melhor opção.

— Poderia me explicar por que?

Dina falou com muita calma:

— Acontece que nós curamos o senhor Gerson, mas não o orientamos a mudar de hábitos, por isso a doença volta. Dessa forma ele será orientado pelo médico a seguir uma dieta rigorosa.

— Entendi, porque ele mudaria de hábitos se sempre é curado… Mas vocês anjos não poderiam continuar curando-o indefinidamente?

— Sim, era o que estava programado para acontecer. Mas mudei de ideia hoje, quando conversei com o senhor Gerson.

— Você não precisou da aprovação dos outros anjos para fazer isso?

— Eles aprovaram!

— Pode me dizer como? Afinal de contas eu não vi você conversando com mais ninguém.

Dina ficou olhando para Ana, dizendo mentalmente: “Não é óbvio?”.

Ana respondeu:

— Sim, é óbvio, vocês conversam telepaticamente!

Dina assentiu com a cabeça.

CAPÍTULO 25 – O PROBLEMA FUTURO

Depois de uma longa pausa Dina resolveu servir um refrigerante. Ana começou a falar:

— Não consegui dormir bem de novo, Dina. Para mim não faz muito sentido o que está acontecendo.

— O que não faz sentido? — perguntou Dina.

— Se vocês podem interferir dessa forma na humanidade, salvando pessoas, organizando assassinatos, tirando gente da cadeia, alterando destinos, por que simplesmente não impedem o nascimento desse tirano de quem você tem falado?

— Não podemos fazer isso, vou tentar explicar tudo para você.

Ana se ajeitou melhor no sofá. Dina também tentou se sentar mais confortavelmente. Tudo indicava que a explanação seria longa.

— Nós não podemos mudar destinos a nosso bel prazer. Tudo é muito bem orquestrado. Tem muitas coisas que não podemos fazer nesse mundo.

— Pode dar um exemplo? — pediu Ana.

— Não podemos interferir no destino dos antepassados do futuro tirano. Por incrível que pareça todos eles são pessoas de bom caráter, com significados bem estruturados e envolvidos em causas nobres que não temos o direito de destruir.

— Mas vocês não poderiam simplesmente esperar esse crápula nascer e empurrá-lo da ponte?

— Tem uma coisa que ainda não mencionei para você: Existe toda uma estrutura maléfica atuando nesse mundo. Já calculamos tudo, ele será muito bem assessorado pelas hostes do mal.

— Mas vocês não podem enganar esses seres das trevas e realizar sua missão?

— É claro que podemos e é exatamente o que estamos fazendo!

— Quero perguntar uma coisa — pediu Ana, nem um pouco contente com o que já sabia até aqui.

— Pode perguntar — disse Dina com paciência maternal.

— Como vocês descobriram uma coisa tão distante no tempo, mais de meio século à frente?

— Essa descoberta não foi feita por nenhum anjo. Seres de uma ordem superior à nossa deram o alarme há pouco mais de 70 anos. Fomos então designados para essa missão.

— Entendi, quem são esses seres?

— Arcanjos — respondeu Dina. — Eles detectaram o problema e nos deram as diretrizes para cumprir nosso mister, alertando-nos que não seria uma tarefa fácil.

— Acredito que seja realmente bem difícil — concordou Ana.

— É particularmente difícil porque tem muita gente envolvida. Começamos a fazer estimativas, anjos especializados em cálculos passaram a estudar o caso.

— Tem anjos que fazem o serviço dos computadores atuais? — perguntou Ana, admirada.

— É mais ou menos isso. Eles fazem milhões de cálculos à procura de uma solução. Não participei dessa etapa, mas pelo que eu soube esse caminho que estamos percorrendo parece ser o único possível.

— Será que eles calcularam bem? — duvidou Ana.

— Não temos mais tempo para descobrir isso. Os cálculos tomaram um tempo muito longo, foram meses de estudo. Não podemos esperar mais.

Ana mostrou que estava quase compreendendo:

— Se vocês não agirem logo até essa possiblidade pode deixar de existir, é isso?

— É exatamente isso. E tem mais: não podemos falhar, qualquer falha pode lançar por terra todo o plano.

— E você ainda achou tempo para se preocupar comigo?! — disse Ana, sentindo-se uma das pessoas mais importantes do mundo.

— Acontece que tenho muito tempo livre, as coisas que precisamos fazer não são contínuas, muitas vezes temos que esperar semanas para realizar uma nova ação. Nesse tempo é bom ter o que fazer…

— Entendi — disse Ana, desapontada. — Quer dizer que eu servi para preencher esse tempo vazio e ajudá-la a vencer o tédio.

Mas Dina resolveu a crise de auto vitimização de Ana com uma única frase:

— Isso tudo não foi escolha minha, a ordem veio de cima!

CAPÍTULO 26 – A PROFESSORA É DESPEDIDA

Ao chegarem na escola Dina falou:

— Claudete foi na polícia, está tudo resolvido.

Nesse momento a professora entrou na sala de aula e logo todos perceberam que ela não estava bem.

Assim que começou a aula a diretora abriu a porta e falou:

— Turma, vocês estão dispensados hoje. Amanhã haverá aula normal com uma nova professora.

E, virando-se para a professora, falou:

— Claudete venha até a minha sala, por favor.

Todos ficaram surpresos. Dina falou para Ana:

— Eu já previa que isso iria acontecer, por isso estudei a vida da diretora. Vou ter que falar com ela.

— Por que você fez isso, Dina? A Claudete não é uma praga ruim?

— Não quero que ela seja despedida, ela está num momento difícil. Se isso acontecer ela vai tentar fugir da dor e da vergonha por meio do suicídio.

— Quer dizer que você vai chantagear a diretora para não despedir a professora? — disse Ana, em tom de reprovação.

— Eu não chamaria isso de chantagem…

Dina pensou um pouco e concordou:

— Tudo bem, é chantagem! Mas o que você quer que eu faça? Não tem outro jeito…

— Pode me dizer o que você descobriu a respeito da diretora?

— Sonegação fiscal pesada, tenho todos os documentos que provam isso.

— Olha só, quem diria, como as aparências enganam… Qual é a pena para isso?

— Além do risco de prisão ela pode ter que pagar uma multa de até cinco vezes o valor sonegado. Tal multa a levaria à falência.

De repente Dina saiu correndo. Ana espiou pela janela da sala de aula, onde os alunos estavam arrumando seus materiais para ir embora e viu Dina conversando com a professora, que estava chorando.

Daí a pouco Dina voltou com aquele seu conhecido ar de vitória.

— Falei com a Claudete, prometi a ela que vou falar com a diretora e ela terá o emprego de volta.

— Ela acreditou? — disse Dina com cara de dúvida.

— Sim, eu falei que descobri algumas coisas. Ela já conhece meus métodos. Você acredita que ela até sorriu?

— Sério? Nossa, esse emprego deve ser muito importante para ela…

— Não é tanto pelo salário, mas é onde ela coloca o seu tempo. Eu poderia dizer que atualmente a vida de Claudete está nessa escola.

— Que bom que você pode fazer algo por ela, apesar do mal que ela tentou lhe causar.

— Aprenda isso, Ana, sempre pague o mal com o bem. Todo o universo vai aprovar sua atitude e você será inevitavelmente recompensada.

— Obrigada pela linda lição. Mas, afinal de contas, quando você vai conversar com a diretora?

— Agora mesmo! — Disse Dina dirigindo-se para a diretoria.

CAPÍTULO 27 – A DIRETORA

Quase que instintivamente Ana saiu correndo e alcançou Dina.

— Vou com você — disse ela.

— Tudo bem, Ana, talvez seja bom ter uma testemunha.

Pouco depois de bater na porta a diretora veio atender.

— O que você deseja? — Perguntou ela.

— Precisamos falar com a senhora — disse Dina.

— Estou muito ocupada agora, estou contratando uma nova professora.

— A senhora não deve contratar uma nova professora. Queremos que Claudete continue e…

— Essa escolha não é dos alunos. Eu, como diretora, sei o que é melhor para a minha escola. Claudete vai responder um processo criminal e não posso aceitar esse tipo de mau exemplo.

A diretora Mariana era uma mulher de boa aparência, nem bonita nem feia, porém elegante.

— Podemos entrar para falar com a senhora? — Pediu Dina.

— Já falei que estou ocupada, pode voltar amanhã ou depois.

— Preciso falar com a senhora agora, não dá para esperar.

A diretora tentou fechar a porta, mas Dina colocou o pé e impediu que ela fosse totalmente fechada.

— Preciso falar da sua contabilidade… — disse Dina, forçando um pouco a porta para entrar.

— O que tem a minha contabilidade? O que acontece na minha escola é problema meu.

— Eu diria que é problema do Estado, eles vão querer saber o que está acontecendo aqui.

— Você é muito insolente, menina, me fale seu nome que vou expulsar você da escola imediatamente.

— Se eu fosse a senhora não faria isso, tenho todas as provas da sua sonegação fiscal.

A diretora ficou imediatamente vermelha.

— O que?! De onde você tirou isso? Que provas são essas?

— Se a senhora nos deixar entrar eu explico melhor.

Dina e Ana se sentaram diante de uma mesa grande, muito bem arrumada, que ficava num dos cantos de uma sala com pouca luminosidade, pintada com cores estravagantes, escolhidas a dedo para causar desconforto em quem precisasse conversar com a diretora.

— Que história é essa de sonegação fiscal? Preciso saber qual é o seu nome. Se você está me acusando sem provas eu vou chamar a polícia.

— Meu nome é Naadiya e tenho provas sim.

— Naadiya?! — Exclamou a diretora. — Você é a aluna que estava sendo procurada pela polícia?

— Sim, mas injustamente. Claudete confessou que tentou me incriminar, por isso não tem mais nada contra mim.

— Sim, eu soube disso, mas você está defendendo a professora que te acusou injustamente?

— Estou sim, pois tenho uma filosofia de vida: pagar o mal com o bem!

A diretora estava muito impaciente:

— Onde estão as provas que você mencionou?

Dina abriu sua bolsa, tirou algumas folhas de papel e entregou para a diretora, dizendo:

— Estas são cópias, os originais são estes…

Após dizer isso Dina colocou os originais de volta em sua bolsa. Depois de ler as cópias por alguns instantes Mariana perguntou:

— Onde você conseguiu isso? Mais alguém sabe desses papéis?

— Só uma pessoa sabe, mas preciso manter sua identidade em sigilo. A boa notícia para a senhora é que essa pessoa faz tudo que eu mando, então não tem perigo dela fazer uma denúncia sem a minha autorização.

— Pelo amor de Deus, isso foi uma burrada que eu fiz o ano passado, já me arrependi, mas agora não tem como voltar atrás, se o governo descobrir posso ir presa.

— A senhora sabia que pode ter que pagar uma multa de até cinco vezes o valor sonegado?

— Pelo amor de Deus, rasgue isso… — implorou a diretora.

— Vou rasgar sim, mas preciso de duas coisas antes.

— Fale logo, já estou passando mal  disse a diretora, ameaçando desmaiar.

Finalmente a situação chegou onde Dina queria.

— Primeiro, a senhora vai doar o valor sonegado para uma instituição de caridade. E, segundo, vai readmitir a professora.

— Readmitir Claudete é fácil, posso fazer isso hoje mesmo. Mas não tenho o valor sonegado, é muito alto.

— Em dez vezes seria bom para a senhora?

Mariana pensou um pouco. Dina tentou argumentar:

— É melhor pagar esse valor parcelado do que uma multa que vai levá-la à falência.

— Teria que ser em pelo menos 60 vezes, mais do que isso não vou conseguir pagar.

— Tudo bem. Escolha uma instituição de caridade e diga que vai fazer doações mensais por cinco anos.

— Ok, vou fazer isso ainda hoje. Agora me dê esses documentos.

— Só depois que a senhora readmitir a Claudete e pagar a primeira parcela.

A diretora olhou para o teto, fechou os olhos, respirou fundo e falou:

— Tudo bem. Mas fique aqui, não saia dessa sala com esses papéis, vou fazer isso agora mesmo.

Dina olhou para Ana e sorriu, falando alto:

— Vou querer ver os recibos mensais…

A diretora ligou o computador e procurou por uma instituição de caridade. Logo após fez uma ligação:

— Quero fazer uma doação mensal para essa instituição de caridade por cinco anos. Podem me passar o número da conta bancária?

Mariana continuou a mexer no computador enquanto falava no telefone:

— Eles falaram que o número da conta está no site deles. Aqui está…

Depois de desligar o telefone a diretora acessou sua conta bancária no computador e fez a transferência. Em seguida pediu o número do telefone de Dina e encaminhou o recibo da transação para ela, falando:

— Todo mês até o terceiro dia útil vou enviar o recibo para você. Agora só faltam 59 parcelas…

— E a Claudete? — perguntou Ana.

A diretora fez uma careta e falou:

— Vou ligar para ela.

Nesse momento bateram na porta. A diretora foi atender e deu de cara com Claudete. Dina explicou:

— Eu enviei uma mensagem para ela…

CAPÍTULO 28 – O LADRÃO

Quando saíram da escola Ana não pode deixar de fazer uma observação:

— Aí está você de novo com esse ar de vitoriosa. Você já se olhou no espelho para ver como fica quando consegue realizar seus objetivos?

— Eu fico feliz, Ana, qualquer coisa que conseguimos realizar é motivo de felicidade.

— Para mim parece mais que isso…

— Tudo bem, pode pensar o que você quiser, mas agora precisamos encontrar aquele ladrão.

— O assaltante que você deixou cego?

— Esse mesmo, você acredita que ele se arrependeu e vai mudar de conduta?

— Isso é muito bom! Você sabe onde encontrá-lo?

— Sei, ele está pedindo esmolas na rua, não muito longe daqui.

— Ele não te ligou? — perguntou Ana, admirada.

— Não, no desespero o coitado perdeu o meu cartão.

Ana e Dina caminharam uns dez minutos e chegaram em uma esquina onde avistaram um homem de óculos escuros. Elas notaram que quando alguém passava próximo ele se ajoelhava implorando ajuda para alimentar seus filhos.

— Vamos falar com ele — disse Dina, caminhando resolutamente.

— Como o senhor está, “seu” André?

— Quem é você?! — perguntou o cego.

— Eu sou…

O homem não deixou Dina terminar a frase:

— Você é a mulher que me deixou cego? Reconheci sua voz. O que você jogou em mim, pó da cegueira? Você é uma bruxa? Como eu me curo disso?

— Eu preciso saber uma coisa: você vai deixar essa vida de assaltante e viver honestamente?

— Eu preciso cuidar dos meus filhos, não consigo trabalho e…

— Tudo bem, então o senhor pode cuidar dos seus filhos pedindo esmolas, já que insiste em tirar dos outros o que não lhe pertence.

— Você quer que eu deixe meus filhos passando fome?

— De modo algum, “seu” André, quero que o senhor cuide deles, mas não roubando.

— Por favor, tem jeito de me fazer voltar a enxergar?

Ana fez aquela típica cara de desânimo. Dina falou:

— Teria se o senhor decidisse parar definitivamente de roubar. Não é tirando dos outros o que não é seu que o senhor vai alimentar seus filhos. Desse modo o senhor vai arrumar é uma longa pena na cadeia ou uma passagem rápida desse para o outro mundo.

O homem começou a chorar. Dina continuou:

— Se o senhor for preso ou morrer quem vai cuidar dos seus filhos?

— Tudo bem, vou continuar procurando emprego…

— Garanto que o senhor vai conseguir cuidar dos seus filhos de forma honesta. Compareça nesse endereço que eles lhe darão um emprego.

Dina colocou um pedaço de papel na mão do homem, que perguntou:

— Quem vai dar emprego a um cego?

— O senhor vai me prometer solenemente que nunca mais vai tentar tirar dos outros o que não lhe pertence. Aí voltará a enxergar.

— Eu prometo…

— Posso confiar mesmo? Se o senhor não cumprir sua promessa o castigo que virá em seguida será tão pesado que o senhor vai desejar voltar a ser cego.

— Eu vou cumprir a minha palavra, pode confiar em mim…

O homem voltou a chorar. Dina fez cara de dó e falou:

— Tudo bem, vou confiar no senhor.

Dina tirou do bolso um maço de dinheiro e colocou na mão do homem, falando:

— Isso aqui dá para pelo menos um mês. Vá no endereço que eu lhe passei, eles estão precisando muito de mão de obra lá.

— Tudo bem, mas quando eu vou voltar a ver?

Dina pensou um pouco, depois falou:

— Daqui a cinco minutos… Estou indo embora, não se esqueça da sua promessa.

— Tudo bem, obrigado moça, peço perdão por tudo!

— O senhor está perdoado, “seu” André.

— Muito obrigado, vou ser grato pelo resto da vida.

Dina se despediu do homem fazendo um alerta:

— Guarde bem o dinheiro que dei para o senhor, alguém pode tentar roubá-lo.

Quando elas se afastaram Ana perguntou:

— Por que você não curou o coitado na hora? Ficar mais cinco minutos cego deve ser uma eternidade para ele.

Dina balançou a cabeça, como a dizer que Ana devia saber o motivo:

— Ele ia fazer um escândalo, tentaria nos abraçar, haveria aglomeração de curiosos…

Ao ouvir isso Ana falou como se tivesse participado ativamente de toda a transação:

— Sim, temos que ser discretas!

CAPÍTULO 29 – BRINCANDO DE DEUS

Ana estava angustiada para falar aquilo, parecia que estava com um espinho na garganta que só iria sair quando ela falasse:

— Dina, você pode fazer todas essas coisas? Quero dizer, você tem autorização para isso? Para mim você está brincando de Deus…

— Posso sim! Sempre que alguém cruza o meu caminho com violência, com injustiça ou tentando me impedir de cumprir minha missão eu posso agir da forma que achar melhor.

— Quer dizer que você pode até matar alguém?

— Posso!

Ana ficou escandalizada ao ouvir aquilo.

— Não acredito. Quer dizer que os anjos podem ser assassinos?

Dina não gostou da observação.

— Um anjo nunca é assassino, Ana. Só os humanos podem ser assassinos.

— Mas se você matar alguém você é o que? Qual palavra é usada para designar um anjo que mata alguém? Austero, enérgico?

— Não seja irônica, Ana! Nós evitamos matar pessoas e se o fizermos é por absoluta necessidade. Então não somos assassinos, somos apenas seres superiores cumprindo uma missão.

Ana não estava satisfeita.

— Em quais casos você precisaria matar alguém? Pelo que eu vi você consegue deixar a pessoa cega, consegue imobilizá-la deixando seus pés presos no chão, consegue travar todas as armas ao seu redor, consegue desaparecer…

Dina tentou não perder a paciência.

— Você percebeu que eu tive tempo para fazer todas essas coisas? Nada é por mágica, não se trata de magia e sim de ciência. Eu tenho que realizar uma tarefa para conseguir fazer o que eu faço.

Ana fez aquela cara de quem não entendeu. Dina continuou:

 Quando escapei da polícia eu continuava lá, eles apenas não me viram. Eu entrei no banheiro e bloqueei o cérebro deles para não me verem. Demorei quase trinta segundos para fazer isso.

— E o assaltante, quanto tempo você precisou para travar a arma dele e deixá-lo cego?

— Você viu que ele chegou falando para entregarmos as bolsas. Ele não chegou atirando. Enquanto falava com ele eu estava agindo na arma e no cérebro dele.

— Entendi. Só não entendo em que caso seria necessário matar alguém.

— Suponhamos que ele já chegasse atirando. Poderia nos ferir gravemente, um ferimento grave poderia atrasar em horas ou até em dias a minha missão. Na verdade, uma missão pode até fracassar por causa de um ataque assim.

— Nesse caso você o mataria? — perguntou Ana.

— Nesse caso sim, eu não teria tempo de agir no cérebro dele para limitar seus movimentos.

— Como você o mataria se não anda armada?

Dina sorriu:

— Eu não preciso de arma humana, tenho uma arma melhor do que qualquer artefato que os homens já inventaram.

— Pode me mostra essa arma? — pediu Ana.

— Ela não é visível, mas vou explicar como funciona: ao ser atacada dessa forma eu posso lançar uma energia potente que paralisa todos os movimentos da pessoa imediatamente. Porém é irreversível.

— Que coisa maravilhosa. Imagine uma arma dessas nas mãos da polícia…

Dina tentou explicar melhor:

— Quando eu tenho tempo de fazer algo no cérebro de alguém não fica dano algum, é tudo feito com cuidado e suavidade, bloqueando uma área específica, como da visão ou do movimento dos pés. Mas essa ação brusca que falei não é dessa forma.

— Entendi, é como se você lançasse um míssil na cabeça do indivíduo.

Dina concordou, completando:

— É como pisar num inseto. Imagine o peso do seu corpo pisando num grilo, por exemplo. O esmagamento é imediato, o animal não consegue fazer mais nada e geralmente a morte é instantânea.

Nesse momento Dina olhou para Ana com ar de pânico:

— Não ouse perguntar isso, não vou responder!

— Tudo bem! — disse Ana, concordando. — Fique tranquila senhora leitora de mentes.

— Se você fizer essa pergunta vou deixá-la cega por três dias — disse Dina sorrindo, deixando claro que aquilo foi apenas uma brincadeira.

Elas continuaram andando, mas Ana não conseguia parar de pensar:

— Eu daria tudo para saber se Dina já matou alguém…

CAPÍTULO 30 – FORÇAS DO MAL

No dia seguinte não foi Ana quem apareceu de manhã na casa de Dina, foi o contrário.

— Preciso que você vá comigo em um lugar — disse Dina assim que foi atendida.

— Tudo bem, posso ir agora! — respondeu Ana, solícita.

— É urgente, nem precisa se arrumar.

Elas começaram a caminhar e Dina falou:

— Antes de mais nada quero te falar uma coisa.

— Tudo bem — respondeu Ana. — Desde que não seja uma bronca.

— Você já sabe que tem motivo para levar bronca, pelo jeito…

— Tenho certeza que não tenho motivo nenhum. Mas vamos lá, jogue suas pérolas.

Dina caminhava rapidamente e algumas vezes precisou puxar Ana pela mão para que ela não ficasse para trás.

— Tome cuidado com as forças do mal que procuram agir na cabeça das pessoas  aconselhou Dina.

— Você nunca havia me falando de tentações. Você acredita que existem maus espíritos?

— Eles existem sim e são inimigos dos humanos, eles só querem o mal das pessoas, mesmo que falem que vão ajudar.

— Quer dizer que todos os espíritos que aparecem nos centros são maus? — perguntou Ana.

— Eles não são apenas maus, são hediondamente maus. Eles só não acabam com a humanidade porque são impedidos por Deus, por meio dos anjos.

— Nossa, não sabia que era assim…

Dina continuou caminhando rapidamente, puxando Ana pela mão para que ela a acompanhasse.

— A propósito, onde estamos indo?  perguntou Ana.

— No hospital — respondeu Dina.

CAPÍTULO 31 – TENTATIVA DE ASSASSINATO

Continuando a caminhar naquela toada acelerada, Dina foi explicando:

— Estávamos falando sobre maus espíritos ou demônios, como você preferir chamá-los, e são justamente eles que estão em ação nesse momento.

— Vamos ter que enfrentar demônios? Por favor, não gosto disso, prefiro voltar — disse Ana.

— Não tem perigo algum, porque agora vamos lidar apenas com pessoas. Tem uma enfermeira que pretende conseguir favores do mundo espiritual e recebeu uma incumbência macabra para atingir seus objetivos.

— Já posso imaginar o que seja — disse Ana, mostrando que possui algum poder de dedução.

Dina continuou:

— É exatamente o que você está pensando. Ela precisa praticar um assassinato e o escolhido a dedo foi justamente o senhor Gerson.

— Como ela fez essa escolha? — perguntou Ana.

— Ela pensa que escolheu por si mesma, mas foi orientada mentalmente a escolher quem eles queriam.

Ana ficou apavorada:

— Temos que ir logo então! Quando ela vai agir?

— Ela já está agindo, mas estamos dentro do horário.

O pavor de Ana piorou ao ouvir essas palavras.

— Quando chegarmos lá o senhor Gerson já vai estar morto…

— Ela colocou um veneno no soro dele, mas vai demorar pelo menos uma hora para todo o soro entrar no corpo.

— Dina, você me surpreende às vezes. Se ela colocou veneno no soro ele já deve estar morto a essa altura.

— A senhora Irani pesquisou muito bem antes de agir. Para não deixar vestígios que possam ser encontrados numa possível perícia, a dose tem que ser muito pequena, apenas o suficiente para causar um ataque cardíaco no paciente. Então ainda temos por volta de meia hora para entrar em ação sem que haja perigo de danos para o senhor Gerson.

— Se você está falando isso, vamos parar naquela lanchonete para tomar um lanche antes de ir — disse Ana, com sua costumeira ironia fora de hora.

— Não tem porque arriscar demorando mais, vamos agir imediatamente — disse Dina.

Quando elas entraram no hospital Ana notou que alguma coisa estava diferente. Ninguém olhava para elas.

— Estamos invisíveis! — Revelou Dina.

— Que maravilha — disse Ana, baixinho.

— Na verdade agimos nas mentes das pessoas ao redor. Ninguém vai nos ver.

— Eu também agi nas mentes das pessoas? — perguntou Ana, admirada.

— Eu e meus amigos agimos. Não estamos sozinhas…

Ao chegarem na porta de um quarto, Dina falou para Ana:

— Fique aqui perto da porta, se aparecer alguém você começa a fazer perguntas sobre qualquer coisa para que a pessoa não entre imediatamente no quarto.

— Mas não estou invisível? — perguntou Ana.

— Não está mais. —  respondeu Dina. — Precisamos agir logo…

Dina entrou no quarto e alguns minutos depois um médico veio caminhando na direção de Ana. Ele se aproximou do quarto onde Dina estava.

— Com licença — disse Ana, abordando-o. — O senhor é médico?

— Sou sim, por que? — perguntou ele, parando diante de Ana.

— Meu pai está internado neste hospital e não sei em que quarto ele está e…

— Veja isso na recepção, minha senhora, eu sou médico, não posso dar essa informação…

— Só uma coisa, por favor — pediu ela.

O médico consentiu, fingindo ter paciência.

— Qual o índice de cura de câncer atualmente? Estou muito preocupada com meu pai…

— Que tipo de câncer ele tem? — perguntou o médico, tentando ser atencioso.

— É câncer de… de… não me lembro agora… acho que fiquei nervosa…

— Estou com muita pressa, minha senhora, com licença…

— Por favor só mais uma coisa…

O médico não lhe deu mais atenção e entrou no quarto do senhor Gerson.

Ana pensou:

— Falhei!

CAPÍTULO 32 – A ENFERMEIRA

Ana olhou para o teto do corredor, desolada, mas ouviu uma voz chamando-a. Quando olhou para o final do corredor viu Dina lá.

— Venha aqui — disse ela, fazendo gestos de urgência.

Quando Ana se aproximou Dina falou:

— Você foi sensacional, me deu os exatos 30 segundos que eu precisava.

— Deu certo, então?

— Deu sim, fomos perfeitas — comemorou Dina. — Troquei o soro adulterado por um normal.

— Vamos embora então? — perguntou Ana.

— Não podemos deixar essa maluca aqui no hospital, ela pode ver que não funcionou e tentar outra coisa.

— Como vamos tirá-la daqui? — perguntou Ana.

— Ela vai sair de cadeira de rodas, venha comigo.

Elas atravessaram um longo corredor e chegaram numa porta que estava fechada. Dina falou:

— Espere aqui, eu já volto.

— Quer que eu atrapalhe alguém que tentar entrar aí também?

— Se vier alguém sim, mas não virá ninguém — respondeu Dina.

Mesmo do lado de fora Ana conseguiu ouvir a conversa:

— Quem é você?! Não pode entrar aqui! — gritou a enfermeira.

— Posso e já entrei! — disse Dina, erguendo a cabeça. — Quem você pensa que é para tentar matar um doente?

— Do que você está falando?! Eu não fiz isso…

— Fez sim, eu fiz um teste no soro que você colocou no senhor Gerson. Estava envenenado…

— Você vai ter que provar isso, sua cadela, vou chamar a polícia…

Nesse momento a voz de Irani ficou fraca, ela tentou gritar, mas quase não dava para ouvi-la.

— Minha garganta… não sei o que aconteceu… saia daqui…

Irani tentou se aproximar de Dina para agredi-la, mas seus pés não saíram do chão.

— O que está acontecendo comigo? Estou presa no chão — murmurou ela.

— Você vai ter que fazer uma escolha agora…

— Você é um demônio — tentou gritar Irani, fazendo o sinal da cruz.

— Não importa quem eu sou, mas sim quem você é: uma assassina! Eu poderia te mandar embora desse mundo agora mesmo, mas não sou como você… Estou te dando a chance de fazer uma escolha.

A enfermeira começou a murmurar palavrões.

— Que escolha sua %#@*#…

— Essa escolha vai ter que ser feita agora, se você não fizer irá ficar com os dois flagelos: você prefere ficar cega ou paralítica?

— Não vou escolher isso não, sua…

— Tudo bem, então está decidido.

Dina dirigiu-se até a porta para sair. A enfermeira caiu no chão e tentou gritar:

— Não consigo ficar em pé… não estou enxergando… volte aqui…

Dina voltou a se aproximar dela:

— Vai escolher então?

— Vou escolher sim  resmungou a enfermeira com ódio.

— Pode falar — disse Dina, com autoridade.

— Prefiro ficar paralítica…

— Ok, assim será!

A enfermeira voltou a enxergar, mas não conseguia sair do lugar. Dina falou:

— Se você tentar fazer o mal para mais alguém nessa vida eu vou saber e voltarei — ameaçou ela.

— Não vou fazer mais nada de mal, por favor, preciso voltar a andar.

— Sinto lhe dizer, mas isso não será possível. É um castigo muito pequeno perto do que você tentou fazer com aquele pobre homem.

Quando estava na porta do quarto a enfermeira falou:

— Vou morrer aqui, ninguém vem nesse quarto, fica dias sem aparecer alguém…

— Você se esqueceu que tem um telefone celular? Além disso, daqui a pouco sua voz vai voltar ao normal e poderá gritar à vontade.

CAPÍTULO 33 – O ACIDENTE

Enquanto retornavam para casa Ana voltou a ter um surto de falsa moralidade:

— Não me agrada isso que você faz, Dina. Você simplesmente deixou uma senhora paralítica pelo resto da vida, sem direito a defesa.

Dina não gostou da observação de sua amiga.

— Também não me agrada você não conseguir entender o quanto esse castigo é pequeno perto do que essa “pobre senhora” ia fazer com o senhor Gerson.

— Ela deveria ser julgada pelas leis do país, esse é o método de castigo que eu conheço e acho adequado.

— Mas não é! — respondeu Dina com firmeza. — Desde quando ficar um tempo na cadeia compensa tirar uma vida? É como tirar férias em um lugar onde não falta nada, desde alimentação até todas as necessidades básicas, como banho, remédios, apoio psicológico, etc.

— É o que temos nesse mundo, Dina, não podemos fazer justiça com as próprias mãos.

— Vocês não podem, mas nós sim! Nós, anjos, já cansamos de encaminhar pessoas para as autoridades e vê-las se safarem de seus crimes. Por fim desistimos e estamos agindo da forma que achamos mais conveniente.

— E tem resolvido? Você tem visto resultados positivos dessa forma de castigo?

Dina tinha um exemplo e não podia deixar de usá-lo:

— Claro que sim, você mesma presenciou o caso do assaltante. Ele realmente se arrependeu e até já conseguiu trabalho.

— Quer dizer que ele nunca mais vai roubar?

— Nunca mais eu não sei dizer, minha bola de cristal não vê tão longe, mas ele vai tentar se firmar na honestidade.

— E o caso dessa enfermeira? Será que ela também não pode vir a se arrepender?

— Não acredito muito, mas podemos conversar com ela daqui a alguns meses. Quem sabe ela também se regenere…

— Quero ir sim…

Ana não conseguiu terminar a frase, pois deu um grito de horror.

Um caminhão em alta velocidade perdeu o controle e veio na direção delas. Não dava tempo de escapar e dentro de dois segundos elas estariam esmagadas.

Dina só teve tempo de empurrar Ana com muita força, tirando-a do alcance do caminhão, mas não teve tempo de sair da frente e foi atingida. O caminhão parou alguns metros depois, após se estatelar numa parede.

Ana tentou se levantar rapidamente para socorrer Dina, gritando sem parar. Pessoas vieram de todo lado para ajudar.

— Dina, onde você está? — gritava Ana a plenos pulmões. Ela procurou embaixo do caminhão, mas não tinha nada lá.

Nessa hora o motorista do caminhão conseguiu sair da cabine toda contorcida e, mancando, foi falar com Ana.

— Moça, parabéns, nunca vi alguém dar um salto desses, você teve um reflexo surpreendente.

— Eu não fiz nada, minha amiga me jogou para fora do alcance do caminhão. Por que você fez isso, está bêbado?

— Não sei o que aconteceu, perdi o controle, parece que alguém estava dirigindo o caminhão no meu lugar…

Ana estava desesperada:

— Preciso achar minha amiga. Pessoal, me ajudem a achar a Dina…

Os curiosos que estavam por ali começaram a procurar também, mas não havia nem sinal de Dina. O motorista falou:

— Moça, acho que quem bebeu foi você. Meu caminhão estava desgovernado, mas eu vi bem o que estava na minha frente e só tinha você.

— Você tem uma amiga imaginária? — perguntou um senhor que estava por ali.

— É claro que não, Dina é real, é minha amiga…

— Sou psicólogo e sei bem o que aconteceu com você. O susto foi tão grande que você saiu da realidade e…

Ana voltou a gritar feito uma doida:

— Eu não saí da realidade, não! Nós estávamos no hospital e viemos andando de volta para casa. Estávamos conversando…

As pessoas olhavam umas para as outras. Ninguém acreditava que o caminhão tinha atropelado alguém que não estava por ali, nem que fosse aos pedaços.

Ao ouvir a sirene da polícia, que havia sido chamada por uma testemunha do acidente, Ana saiu correndo dali, falando para si mesma:

— Dina, o que aconteceu, onde você está?

Nesse momento o telefone dela tocou.

CAPÍTULO 34 – LIGAÇÃO DO CÉU

— Alô! — disse Ana, não querendo esconder seu desespero.

A voz do outro lado era de Dina, mas mal dava para ouvir.

— Ana, fique em paz, eu estou bem… ou melhor, vou ficar…

— Pelo amor de Deus, Dina, o que aconteceu? Onde você está?

— Fui atingida, se não fosse um amigo que estava por ali eu não estaria ligando para você agora.

— Mas… anjos morrem? — perguntou Ana.

— Não, nós não morremos, mas podemos ser feridos e ficar um bom tempo inativos até a recuperação plena.

— O que seu amigo fez? Ele não conseguiu impedir você de ser atingida?

— Ele conseguiu minimizar em muito a batida do caminhão no meu corpo. Assim como eu te lancei para o lado, ele me lançou para a frente. Ele só não conseguiu impedir o acidente por completo porque havia uma parede muito próxima.

— Mas como você está? Você não foi atingida em cheio então?

— Fui atingida, mas é como se um carro bate na traseira de outro que está em movimento. A pancada não é tão forte como se o carro estivesse parado, pois estão indo no mesmo sentido.

— Quero ver você agora, onde você está?

— Onde eu estou você não pode vir… estou no céu…

— Mas como você está usando o telefone no céu… tem torre de celular aí?

— Não estou usando o meu celular, ele caiu por aí.

— Eu vi mesmo que não identificou nenhum número. De que telefone você está ligando?

— De nenhum, só o seu telefone está em ação.

— Como você está fazendo isso? Não tem que ter um anjo especialista para realizar essa tarefa?

— Apenas a voz eu posso fazer. Não consigo fazer o mesmo com imagens, principalmente se estão no passado.

Ana estava mais calma, mas o susto ainda não tinha passado.

— Quando vou ver você? Posso ir na sua casa amanhã?

— Podemos nos encontrar no curso, fica mais fácil para mim.

Depois de uma curta pausa, Dina falou novamente:

 É isso, nos encontramos no curso amanhã…

Dina estava com dificuldade para falar. Ana percebeu e não quis estender muito a conversa.

— Tudo bem, minha amiga, desejo uma boa recuperação para você.

— Agradeço, querida, por favor, vá para a sua casa e descanse também.

A ligação terminou e Ana fez o que já estava em sua cabeça: procurar o telefone de Dina.

Ela voltou ao local do acidente e assim que se aproximou o senhor que se identificou como psicólogo falou:

— Eu sabia que você iria voltar, você deixou cair seu telefone celular. Estava embaixo do caminhão.

Era o telefone de Dina.

— Obrigada, agradeço muito…

Nesse momento um policial se aproximou dela.

— Essa é a moça que conseguiu escapar de ser atropelada? Parabéns, você foi muito esperta.

— Eu tinha que tentar fazer alguma coisa, era a minha única chance…

Nesse momento o motorista do caminhão falou:

— A senhora devia se inscrever para as olimpíadas. Esse seu salto deve ter sido um recorde mundial.

— Como a senhora não se machucou, saltando dessa forma? — perguntou outro policial.

— Não sei, acho que os anjos me protegeram — disse Ana, sorrindo timidamente.

CAPÍTULO 35 – DESPEDIDA

A aula transcorreu normal e Dina não apareceu. No final da aula a professora perguntou dela para Ana:

— Sua amiga inseparável não veio hoje? O que houve?

— Conversei com ela ontem, ela disse que viria — respondeu Ana. — Na verdade estou preocupada…

Quando estava saindo da escola uma senhora se aproximou dela:

— Pode me dizer que horas são?

Ana consultou o celular:

— São 17 horas e 10 minutos…

— Vamos até a minha casa para a gente conversar melhor? — perguntou a mulher.

— Eu não conheço a senhora e…

Ana parou, esfregou os olhos e gritou:

— Dina!

— Sim, sou eu!

— Mas… o que aconteceu? Por que você não compareceu no curso?

— É uma longa história, vou resumir para você, não vou mais frequentar o curso…

— Não vai mais?! Justo agora que entramos na parte prática…

— Eu não preciso fazer esse curso, não preciso aprender nada que é ensinado lá. Fazia parte da minha missão, somente isso.

— Tudo bem, mas o que você vai fazer?

Nesse momento Ana entregou o celular de Dina, que agradeceu e falou:

— Hoje não vou poder te oferecer uma bebida — disse Dina, procurando esconder a tristeza.

— Por que? Você está me deixando assustada.

— Nossa missão falhou, estou indo embora…

Nesse momento Ana começou a chorar.

— Não pode ser… você fez tudo certo… fomos no hospital…

— O senhor Gerson faleceu na cirurgia. A missão acabou, pelo menos por enquanto.

Ana não podia acreditar no que estava ouvindo.

— Meu Deus do céu! Como isso pode acontecer?!

— Fomos pegos de surpresa, subestimamos a organização das forças espirituais do mal. Eles estavam um passo à nossa frente…

— Quer dizer que o mal venceu? — perguntou Ana, entrando em pânico.

— Eles venceram uma batalha, mas a guerra está apenas no começo…

O medo de perder a amiga entrou no coração de Ana como uma espada.

— Você vai embora? Não vamos mais nos ver?

— Não sei o que vai acontecer. Mas posso prometer uma coisa: farei tudo para voltar a vê-la.

Nesse momento elas chegaram onde deveria estar a casa de Dina, mas no lugar havia somente um grande terreno baldio.

— O que é isso? Onde está a sua casa?

— Não existe mais… — respondeu Dina, fazendo tudo que podia para não chorar também.

— Você disse que ia resumir para mim, o que aconteceu para dar tudo errado assim? — pediu Ana.

— O acidente com o caminhão tirou de cena não só a mim, mas outros anjos que tiveram que nos socorrer. Infelizmente o anjo que me salvou se feriu mais gravemente que eu…

— Isso teve alguma coisa a ver com a morte do senhor Gerson?

— Teve tudo a ver! Enquanto estávamos voltando ao céu para nos recuperar, eles estavam agindo de forma organizada.

— Sinto muito por tudo isso, Dina…

— Eu recebi uma admoestação por ter falhado. Todos acharam que eu devia ter agido de forma diferente.

— Eu falei para você não ficar castigando as pessoas, deixando-as cegas e paralíticas — disse Ana.

— Não foi por esse motivo. Já falei que temos autorização até para matar quem atrapalha a nossa missão.

— E qual foi o motivo então? — perguntou Ana, com ingenuidade.

— Isso não importa agora. Sabia que eu tive que implorar para vir conversar com você?

— Nossa, não sabia! Se você não viesse eu iria enlouquecer…

— Por isso me deixaram vir, eles não podem negar o apelo do amor. Depois, vir ou não vir falar com você não muda em nada com relação a nossa missão, que já fracassou mesmo.

— Quer dizer que o tirano vai assumir o poder de qualquer forma? Não há mais nada que se possa fazer?

— Acredito numa nova missão para breve. Mas isso não depende de mim, faço parte da execução e não do planejamento.

Nesse momento elas encontraram um banco numa pequena praça abandonada, se abraçaram e começaram a chorar.

CAPÍTULO 36 – ELSON

Ana chegou na casa dela desolada. Começou a caminhar de um cômodo para o outro falando em voz alta:

— O que eu faço? O que vai ser de mim? Volte minha amiga, não posso viver sem você!

Depois de tomar alguns comprimidos ela caiu no chão da sala e dormiu.

Quando o marido de Ana chegou viu ela caída no meio da sala.

— O que aconteceu, você desmaiou? — disse ele, levando-a para a cama.

Ana abriu os olhos e começou a chorar, falando:

— Ela se foi, minha amiga foi embora…

Ana já havia falado algumas coisas a respeito de Dina para Elson.

— Aquela sua amiga… a Dina? — perguntou ele.

— Sim… ela não é humana… ela é um anjo… eu nunca falei isso para ninguém… mas você precisa saber…

Ana parecia que estava bêbada por causa da quantidade de remédio que tomou.

— Vou te contar tudo, mas preciso tomar um banho primeiro — disse ela.

Do lado de fora do banheiro Elson ouviu Ana gritando o nome de Dina enquanto tomava banho. Ele balançou a cabeça, precisava fazer alguma coisa para minimizar essa perda.

Ana saiu do banho e se deitou na cama, chorando sem parar.

— Desse jeito você não vai conseguir me contar o que houve, tente se acalmar.

— Como posso me acalmar? — disse ela. — Talvez eu nunca mais veja a Dina…

Depois de mais meia hora se lamentando e chorando, Ana conseguiu contar tudo para Elson.

Contou o que aconteceu desde que conheceu Dina no curso. Falou dos problemas com a professora e com a polícia, do passeio de helicóptero, do assalto, da ida no hospital…

Elson pensou um pouco e falou:

— Ana, se essa Dina é mesmo um anjo, anjos não têm sexo. Logo, ela não é realmente uma mulher.

— Anjos não têm sexo? Como assim?

— Foi a forma que ela assumiu para realizar uma tarefa, uma missão…

— Quer dizer que ela poderia ser um homem?

— Acredito que sim, partindo do princípio que os anjos não são do sexo masculino ou feminino.

Ana ficou surpresa com essa possibilidade.

— Então ela, ou ele, pode assumir qualquer forma, até a forma de um animal?

Elson balançou a cabeça afirmativamente. Mas ele havia entendido algo que Ana não percebeu:

— Acredito que Dina foi punida porque salvou você ao invés de se salvar e salvar sua missão.

Essas palavras soaram como uma bomba nos ouvidos de Ana.

— Como assim?!

Elson explicou sua tese:

— Pelo que você falou, os anjos podem até matar para realizar a contento sua missão. Então, num momento crucial, ela deveria ter dado mais importância para a missão principal do que para você.

— Nossa! Pode ser isso! Ela deu mais importância para mim…

— Milhões de pessoas podem morrer porque Dina achou você mais importante que a missão.

Ana voltou a chorar e disse soluçando:

— Ela poderia ter se salvado e salvado a missão. Ela tinha tempo de escapar, mas perdeu segundos preciosos para me salvar…

— Se não fosse por você ela teria escapado do caminhão. As forças do mal vislumbraram essa fraqueza nela, sabiam que ela poderia tentar te salvar. Eles arriscaram e acertaram…

— Lembro-me que uma vez Dina falou que tinha fraquezas… quer dizer que por minha causa milhões de pessoas poderão morrer…

— Essas pessoas nem nasceram ainda  contestou Elson.  Deixe isso com os anjos, não vá viver se martirizando por algo que não aconteceu ainda.

Ana não parava de chorar.

— Eu a vi indo embora, caminhando por aquela rua até desaparecer. Nunca mais vou vê-la…

— Acredito que qualquer dia esse anjo voltará a aparecer. O amor entre vocês parece ser muito grande para terminar dessa forma.

Ana conseguiu parar de chorar e falou:

— Antes de ir embora Dina pediu para eu me lembrar de todos os conselhos que ela me deu, inclusive pagar o mal com o bem.

— Muito bom, espero que se lembre mesmo — concordou Elson.

Ana concluiu, olhando para cima, como se o telhado da casa fosse transparente e ela pudesse ver o céu:

— Vou ser uma pessoa melhor…

SEGUNDA PARTE – AS FÉRIAS

CAPÍTULO 37 – A INVASÃO

Ana continuou frequentando o curso de gastronomia, mas parecia que algo estava faltando. Ela sentia constantemente aquela triste sensação de perda e abandono, algo que não sabia explicar.

— Dina poderia ligar para mim de onde ela estiver… ou será que essas ligações sem aparelho são restritas a situações de extrema urgência? — pensava ela.

Ana sentia que Dina iria voltar, mas essa expectativa só servia para atormentá-la.

— Eu sei que Dina voltará e que será em grande estilo — pensava.

Aquele dia Ana estava em dúvida se ia no curso. Elson falou:

— Se esse anjo voltar não deixe de me contar imediatamente. Estou preocupado com essa situação também.

Ana não gostava que Elson se referisse a Dina como “esse anjo”.

— Ela é a minha amiga Dina, não é um anjo qualquer — dizia.

Quando começou a aula Ana olhou um calendário que estava numa das paredes da cozinha da escola e viu que estava fazendo exatamente um mês daquele terrível acidente.

— Como eu queria ver você, Dina, te dar um abraço…

Ana estava pensando isso quando a porta da cozinha da escola foi aberta violentamente. Um homem com aparência de doido invadiu o ambiente, ante os gritos histéricos de todos os presentes.

— Não façam barulho — falou ele, nervosamente. — Estou fugindo da polícia e ninguém vai se machucar se fizerem o que eu falar.

— O que você quer? — perguntou a professora Claudete, aproximando-se dele com a cabeça erguida.

O resultado foi um empurrão tão forte que fez a professora ir parar no outro lado da cozinha, caindo sobre umas panelas sujas que estavam num canto.

O homem pegou uma faca que estava sobre a mesa e apontou para os alunos.

— Estou com fome, o que tem para comer aqui?

Comida era o que mais tinha ali. A professora tinha feito algumas coisas para os alunos provarem e eles teriam que fazer algo semelhante na forma e no sabor.

— Tem muita comida aqui — disse uma aluna que conseguiu falar. — O senhor pode comer e ir embora.

— Você tem telefone celular? — perguntou ele. Ante a resposta afirmativa ele pegou o aparelho e começou a ligar para alguém.

— Ainda bem que o imbecil do meu irmão conseguiu roubar um telefone celular — disse ele enquanto digitava o número.

Em alguns instantes alguém atendeu.

— Estou em um lugar que tem muita comida — falou ele com seu interlocutor. — Sabe aquela escola que fica no final da Rua Sete de Setembro? Venham aqui e subam a escada, estou na cozinha da escola.

A professora, que tinha acabado de conseguir levantar, falou com a voz quase não saindo:

— O senhor chamou mais bandidos para virem para cá? Por favor, não faça isso…

— Vamos precisar comer e de alguns automóveis para fugir. Só isso. Espero que vocês colaborem e ninguém irá se machucar.

Daí a pouco mais dois homens estranhos abriram a porta da cozinha.

— Vamos comer logo e sumir daqui — disse um deles.

— Não tem tanta pressa assim — disse outro. — Parece que o pessoal dessa sala está colaborando. E tem umas mulheres bonitas aqui, não podemos perder essa oportunidade, estou preso faz cinco anos…

— Que grande ideia — disse aquele que havia invadido a escola em primeiro lugar.

— Vamos saciar todas as nossas necessidades de uma vez só — falou ele, rindo.

Eles começaram a comer como porcos famintos. Depois se sentaram por ali e começaram a conversar, fazendo planos para a fuga.

— Eu não devia ter fugido com vocês — disse um deles.  Faltavam apenas seis meses para terminar de cumprir minha pena e estaria livre.

— Agora já foi! — contestou o bandido mais nojento. —  Hoje você é foragido, não tem volta. E a chácara daquele seu tio vai servir bem de esconderijo para nós.

— Mas não quero que façam mal para ele e sua esposa. Eu só quero…

Um bandido cortou o comparsa:

— Como não vamos fazer mal para eles? Vamos matá-los e ficar lá o quanto for necessário. Pare de ser frouxo…

Nesse momento um dos bandidos olhou para Ana com olhos de tarado:

— Oi, linda, vem aqui no meu colo…

CAPÍTULO 38 – NA HORA “H”

Ana não obedeceu ao chamado do bandido e ele foi até ela a puxou pelo braço.

— Você vai fazer tudo que queremos ou vai morrer agora mesmo — rosnou o marginal, espirrando saliva para todo lado.

Mas na hora que ele começou a abrir os botões da blusa de Ana, alguém bateu na porta. Um dos bandidos correu até lá e abriu só uma fresta.

— O que você quer? — perguntou ele.

— Sou aluna dessa classe, cheguei atrasada — respondeu a voz do lado de fora.

O bandido olhou para os outros dois e falou:

— É uma mulher muito bonita, vamos deixar entrar.

Assim que ela entrou a classe toda se admirou. Ana deu um grito de espanto:

— Dina, você voltou!!

Os assaltantes bateram palmas, falando:

— Oi Dina, você chegou bem na hora, estamos fazendo uma festinha aqui e você será nosso prato principal.

Nesse momento a professora falou:

— Dina, você não devia ter vindo agora. Esses homens são bandidos e querem estuprar as mulheres aqui presentes.

Dina olhou para eles, com ar de felicidade. Ana já sabia que Dina gostava dessas situações.

— Então cheguei bem na hora mesmo — disse ela, sorrindo. — Quero participar dessa festa, sim senhores.

— Agora eu gostei — disse um dos bandidos.  Essa é uma das nossas…

— O senhor não vai gostar muito quando ver o que eu vou fazer com vocês  disse ela.

Os bandidos começaram a rir. Cada um estava com uma faca pontuda na mão e apontaram para ela. Um deles falou:

— Você vai fazer tudo que a gente quiser ou vai morrer na frente dos seus colegas!

— Sinto dizer, mas quem está com as horas contadas são vocês.

As gargalhadas dos bandidos foram mais altas dessa vez. Um deles pediu:

— Não faça tanto barulho, pode chamar a atenção dos transeuntes.

— Não tem perigo — disse Dina. — Já bloqueei todo o som dessa sala, nenhum barulho vai ser ouvido lá fora.

— Você bloqueou? — perguntou um dos bandidos. — Está de gozação com a nossa cara? Venha aqui…

O bandido tentou ir até ela, mas seus pés não saíram do lugar. Dina falou:

— Vocês estão presos aí onde estão. Não podem fazer mais nada. Daqui vocês vão sair direto para o Instituto Médico Legal e de lá para o cemitério.

Nesse momento os bandidos tiveram certeza que algo diferente estava acontecendo ali.

— Que %@#* é essa? Não consigo tirar meus pés do lugar.

— Nem eu — gritou outro.

— Quem é você, um diabo? — perguntou o outro.

— Sou um anjo que vim livrar o mundo de vocês. E também vou livrar vocês de vocês mesmos, não deve ser fácil existir nessa forma tão perversa…

Um dos bandidos falou:

— Moça, solte a gente, prometo que vamos embora e ninguém aqui vai se machucar.

Nessa hora quem deu uma gargalhada foi Dina:

— Ninguém vai se machucar? Vocês devem estar brincando! Tem gente aqui que vai se machucar sim!

Os alunos e a professora estavam aliviados ao verem que os bandidos não conseguiam sair do lugar.

Ana foi até onde Dina estava, as duas se abraçaram e começaram a chorar juntas.

— Isso é muito emocionante — disse um dos bandidos.  Mas vamos logo com isso, se for nos matar faça isso logo.

— Vocês estão com pressa de morrer? — perguntou Dina. — Que interessante, pela primeira vez na vida vocês tiveram um pensamento bom…

Nesse momento um dos bandidos tentou atirar a faca que estava em sua mão em Dina. Mas a faca estranhamente tomou outro rumo e furou seu próprio pé.

Em meio aos gritos de dor do bandido, outro deles falou:

— Vou jogar minha faca nessa maluca também, mas não vou errar como esse pateta.

Ele atirou a faca na direção da cabeça de Dina com toda a sua força, mas, da mesma forma que o outro, sua mão não obedeceu corretamente e a faca perfurou seu pé.

— Vai jogar a sua também? — perguntou Dina ao bandido que ainda não tinha furado o pé.

— Não, vou passar minha vez! — disse ele, jogando sua faca sobre a mesa da cozinha.

CAPÍTULO 39 – O JULGAMENTO

Dois bandidos estavam com uma faca cravada no pé. Eles tentavam tirar as facas, mas não conseguiam.

— Por que essa %@#* não sai do meu pé? Essa mulher é uma bruxa. Eu pensei que isso só existisse em filmes.

Dina sentou-se numa cadeira e falou, olhando para os dois bandidos feridos:

— Vocês tentaram me atingir, se pudessem teriam me matado. Então não reclamem da dor nos pés.

— Se eu pudesse te mataria sim, essa é a coisa que eu mais quero fazer na vida nesse momento — disse um deles.

O outro bandido resolveu mudar de tática:

— Você é pior que nós dois juntos, pois está nos torturando. Você vai pagar por isso!

— Que dó, estou torturando os coitadinhos — disse ela, e completou, olhando para a classe:

— Pessoal, alguém aqui está com dó deles? Se estiver eu os solto e vocês podem levá-los para casa.

— Eu não!

— Que horror!

— Mate esses pilantras de uma vez!

— Chame a polícia logo…

— Tortura mesmo!

Essas foram algumas das expressões ouvidas após a pergunta de Dina. Ela mudou seu semblante, ficando claro que a coisa estava se aproximando do seu final.

— Vocês serão julgados agora! Vou adiantar que a minha sentença é apenas de absolvição ou de condenação à morte. Não existe meio termo.

Nesse momento Ana tentou interferir:

— Dina, vamos ligar para a polícia, eles vão ser presos e continuar a pagar a pena…

— Sem chance, Ana! — respondeu Dina. — Até já bloqueei todos os telefones dessa sala para ninguém chamar a polícia.

— Mas não acho certo isso que você faz — insistiu Ana.

— Se eles voltarem a ser presos vão fugir de novo — arrazoou ela. — Ou vão ser soltos daqui a algum tempo e voltar a assombrar pessoas de bem com suas maldades. Você viu o que eles pretendem fazer com os tios daquele ali?

— Tudo bem, faça o que achar melhor! — consentiu Ana.

— Esse julgamento não faz nenhum sentido — disse um dos bandidos que parecia estar sentindo mais dor no pé. — Nós vamos ser condenados à morte de qualquer forma, pois temos milhões de pecados e não somos ressocializáveis.

— É isso mesmo — interferiu outro. — Mate-nos de uma vez sua %#&*…

Nesse momento Dina tirou um termômetro de sua bolsa. Ou pelo menos aquilo parecia com um termômetro.

— Vamos começar — disse ela.

Dina colocou seu aparelho sobre a mesa e falou com um dos assaltantes:

— Você pretende se regenerar se eu o deixar ir embora?

— É claro que sim! — respondeu ele. — Vou arrumar emprego, vou ajudar todo mundo e…

Nesse momento o aparelho de Dina ficou completamente vermelho.

— Você foi reprovado! — disse ela.

Chacoalhando levemente o aparelho ele voltou a ficar branco. Então ela fez a mesma pergunta para outro bandido e a resposta foi:

— Pode ter certeza que eu vou largar a vida de crime. Vou ajudar minha família, vou… — ele pensou um pouco e continuou:

— Vou ajudar instituições de caridade… eu prometo que vou ajudar todo mundo que puder…

O aparelho ficou tão vermelho quanto da vez anterior.

— Reprovado também! — decretou ela.

Ao se aproximar do terceiro bandido ele começou a chorar.

— Olha… por favor… eu não sei o que vai acontecer, mas prometo que vou tentar viver corretamente, fazer o bem a todos…

O aparelho ficou verde e todos se assustaram.

— Ele está falando a verdade — disse Dina.

CAPÍTULO 40 – A SENTENÇA

Depois desses fatos, Ana falou para os bandidos reprovados:

— Vocês dois foram condenados à morte!

Ao chegar no terceiro bandido ela falou:

— Você foi preso injustamente, ninguém acreditou em suas palavras, nem mesmo seus colegas de cela. Teve então que se adaptar ao sistema, fazendo-se passar por um bandido perigoso para não ser “engolido” pelos outros. Vejo no senhor plena condição de viver em paz sem prejudicar ninguém na vida.

— Como ela sabe tudo isso? — perguntou a professora.

Nessa hora o homem absolvido começou a chorar, falando:

— Obrigado, senhora Dina, mas eu vou continuar sendo procurado pela polícia. Faltavam apenas seis meses para eu sair da cadeia e agora minha pena vai ser imensa. Não tem mais jeito para mim, pode me matar.

— Vou colocá-lo de volta em sua cela — disse Dina. — Eles vão pensar que se enganaram com relação à sua fuga e sua pena continuará normal. Aliás, haverá uma pequena revisão e o senhor poderá sair bem antes do que pensa.

Nessa hora os outros dois bandidos ficaram muito indignados e começaram a gritar e cuspir naquele que foi absolvido. Foi quando ela falou:

— Já chega, vocês dois já viveram demais!

Dina se virou para a classe e falou:

— Pessoal, vocês estão dispensados por hoje. Vão embora e não falem para ninguém sobre o que aconteceu aqui.

Um dos bandidos condenados falou para a professora:

— Por favor, avise a polícia, não nos deixe aqui com essa louca…

— A professora olhou para ele e mostrou todas as partes do seu corpo que ficaram roxas por ela ter sido lançada longe.

— De jeito nenhum, concordo plenamente com a sentença dela — respondeu Claudete.

Ana também ia saindo da sala quando Dina falou:

— Você pode ficar!

CAPÍTULO 41 – O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

Dina pegou seu telefone celular e ligou para a polícia, falando:

— Alô, meu nome é Dina, estou na escola Mariana Montenegro. Tem dois bandidos mortos aqui, eles invadiram a cozinha da escola, mas começaram a brigar e se mataram…

— Tudo bem — respondeu a voz do outro lado da linha. — Estaremos aí em alguns minutos.

Os bandidos olharam um para o outro, assustados.

— Nós ainda estamos vivos, sua vaca. Eles vão chegar aqui e nos prender!

— Tem certeza que vocês ainda estão vivos? — perguntou ela, estendendo a mão na direção deles.

Um dos bandidos tentou falar alguma coisa, mas caiu desfalecido para o lado. O mesmo aconteceu com o outro condenado.

O “bandido” que fora absolvido, falou:

— A polícia vai me encontrar aqui e vou ser preso. Você mentiu para mim. É melhor me matar também…

— Vamos sair daqui — disse ela.

Os três saíram para a rua e Dina falou:

— Tomem cuidado para não se chocarem com ninguém. Estamos invisíveis!

— Para onde vamos, Dina? — perguntou Ana, já sabendo a resposta.

— Vamos levar esse senhor de volta para a sua cela — respondeu Dina.

Depois de meia hora eles chegaram na frente da cadeia.

— Como vamos entrar aí? — perguntou Ana, embora soubesse que Dina iria dar um jeito.

— Posso abrir qualquer porta — respondeu ela. — Ninguém vai nos ver entrar.

Dina foi abrindo porta por porta, até chegar diante da cela de Pedro.

— Boa sorte — disse ela, abrindo a porta para o presidiário entrar. — A partir de agora você está visível.

Ana fez uma pergunta, mas pressentiu que não iria gostar da resposta:

— Vamos embora, então?

— Ainda não, vamos nos divertir um pouco aqui!  respondeu Dina com aquele seu típico ar de vitória.

CAPÍTULO 42 – A SALA DO DIRETOR

Até esse momento Ana e Dina se movimentaram “pelas sombras” dentro da cadeia, ou seja, não tiveram que passar por onde tinha pessoas. Agora Dina falou:

— O diretor da cadeia está em um congresso no exterior e vai demorar alguns dias para voltar. Ele não gosta que ninguém entre em sua sala na sua ausência, por isso levou a chave. Vamos ficar lá.

— Tudo bem, Dina, aprendi a confiar nas suas deduções — disse Ana, resignada.

— O problema — continuou Dina — é que teremos que passar pelo meio do pátio para chegar lá. Você vai precisar ter sangue frio.

— Não se preocupe comigo, cuide de você — disse Ana, brincando.

— Temos que escolher o melhor caminho para passar entre eles — disse Dina, fazendo cara de nojo.

— Por que você fez essa cara? — perguntou Ana.

— Não gosto de uns sujeitos que estão aí, mas vou dar uma lição neles…

— Agora?! Por favor, não quero participar disso.

Elas foram caminhando lentamente e viram que um grupo de homens estava no comando da situação, enquanto outros se sentiam acuados.

Um sujeito estranho e rude, que parecia o Rasputin, era o grande líder da gangue. Elas viram um preso de cabeça baixa perto dele pedindo desculpas, mas mesmo assim levando tapas na cara.

— Você vai fazer tudo que eu mandar ou não vai sair vivo daqui — disse o cafajeste.

Elas passaram bem perto dele e Ana quase caiu quando o bandido se movimentou bruscamente para dar um chute na barriga de sua vítima. Dina a puxou pelo braço e elas conseguiram atravessar o pátio.

Em poucos instantes as duas alcançaram um longo corredor e chegaram na porta de uma sala, que Dina abriu habilmente.

Dentro da sala ela falou:

— Vamos ficar um pouco aqui, tem bebida e comida na geladeira e podemos usar o forno microondas.

Dina caminhou até um canto da sala, ligou uns monitores e elas puderam ver as câmeras instaladas em todo o presídio.

— É por essa câmera que você verá a lição que vou dar nesses salafrários — informou Dina, apontando para um monitor em particular.

— Não podemos conversar um pouco antes disso? — pediu Ana.

Dina sorriu, falando:

— Claro que sim, vamos colocar nossa conversa em dia!

CAPÍTULO 43 – UMA REVELAÇÃO

Dina abriu a geladeira, procurando algo para elas comerem. Ana se sentou no confortável sofá da sala do diretor e falou:

— Eu já conheço seus métodos, Dina, tudo que consumirmos vai continuar do mesmo jeito…

— Sim — concordou Dina. — Pode comer e beber à vontade.

— Eu gostaria de saber porque você voltou. E a sua missão, em que pé está? — perguntou Ana.

— Tirei umas férias — disse Dina, colocando alguns comestíveis e bebidas na mesinha de centro.

— Anjos tiram férias? — perguntou Ana, curiosa.

— É modo de dizer — respondeu Dina. — Nossa missão está sendo delineada e deverá começar dentro de um mês. Por isso pedi permissão para passar um tempo com você e me autorizaram.

— Você chegou bem na hora, imagine o que seria de nós se não tivesse aparecido…

— Na verdade eu queria voltar em grande estilo e dei uma mãozinha para que aquele bandido invadisse a escola — confidenciou Dina.

Ana levou um grande susto com essa revelação.

— Sua maluca, quer dizer que passamos tudo aquilo por sua causa?

— Sim… você não achou divertido?

— Eu quase fui estuprada, como poderia ter achado divertido?

— Eu não deixaria isso acontecer, você não viu que o tempo todo eu estava no controle da situação?

— Mas por que você guiou os bandidos justamente para lá?  perguntou Ana, indignada.

— Eu queria livrar o mundo daqueles monstros… e também queria voltar a ver os colegas da escola… apenas uni o útil ao agradável.

Ana não gostou nada daquilo.

— Você não poderia simplesmente voltar para a escola, como as pessoas normais fazem?

— Se eu fosse normal, sim — respondeu Dina, sentindo orgulho da sua condição angelical.

— Agora estamos aqui, dentro dessa cadeia — reclamou Ana. — Não foi dessa forma que pensei de rever você.

— O mais importante foi nos revermos — acudiu Dina. — Você gritava interiormente meu nome todos os dias.

— Você ouvia tudo?

— Claro que eu ouvia, só não ouviria se fosse surda.

— Tá bom — disse Ana, balançando a cabeça envergonhada. Ela pensou um pouco e falou:

— Só não quero ver mortes por aqui. Por favor, já basta ter visto aqueles dois bandidos morrerem na cozinha da escola.

— Tudo bem, prometo que ninguém vai morrer enquanto estivermos aqui.

— Que bom! — disse Ana, aliviada.

— Mas eles vão aprender uma grande lição — concluiu Dina, fazendo aquela cara de leoa brava que Ana já conhecia tão bem.

CAPÍTULO 44 – A SURRA

Dina precisava falar uma coisa para Ana, mas estava se sentindo meio sem jeito.

— Tenho uma coisa para falar…

— O que será? — perguntou Ana, ainda nervosa por causa da conversa anterior.

— Eu posso aparecer para as pessoas na forma que eu quiser  confidenciou Dina.

— Eu já sabia disso, uma vez você se mostrou para mim como uma senhora idosa…

— Então você não vai se assustar quando me ver na câmera como um homem?

— Você vai se transformar em homem? — perguntou Ana, surpresa. — Bem que Elson me falou isso…

— Sim, posso aparecer para as pessoas como homem se eu quiser.

— Dina, preciso perguntar uma coisa — disse Ana, apertando os olhos.

— O que você é, afinal de contas? Homem ou mulher, quero dizer, masculino ou feminino?

Dina deu uma risada ao ouvir aquilo:

— Nem uma coisa nem outra. Não tenho sexo. Mas confesso que prefiro atuar como mulher.

— Qual o motivo dessa preferência? Você tem instintos homossexuais?

Outra risada, dessa vez mais longa.

— De modo algum, não tenho nenhum desejo sexual. Prefiro me mostrar como mulher devido à aparência de fragilidade. Não foi muito mais surpreendente você ver uma mulher empurrando um carro de polícia no dia do nosso passeio do que se fosse um homem realizando a mesma tarefa?

— Sim, realmente… — respondeu Ana.

— Bem, vou lá, então, tenho só vinte minutos para fazer o que preciso fazer.

Quando Dina se dirigiu à porta para sair da sala, Ana perguntou:

— Como vou saber quem é você no meio de todos aqueles homens?

— Fique olhando a câmera, logo você saberá.

Dina saiu da sala e Ana se posicionou diante da câmera que mostrava o pátio. Daí a pouco ela viu aparecer na tela um rapaz de seus vinte e poucos anos, estatura média e franzino.

Ele passou no meio dos bandidos dominantes, caminhando resolutamente.

— Opa! Temos um novato aqui! — gritou um dos presidiários.

— Venha aqui pedir a bênção para o titio — gritou o líder do bando.

— Vocês estão falando comigo? — perguntou ele.

Ana ajustou o áudio no monitor da sala do diretor e podia ouvir claramente a conversa.

— Como é o seu nome, moleque? — perguntou o chefão.

— Meu nome é Dino. E o seu?

Ana começou a rir na sala do diretor.

— Dino?! Que piada é essa?

— Por que você quer saber meu nome? — perguntou o bandidão.

— Pelo mesmo motivo que você quis saber o meu!

O bandido não gostou nada dessa irreverência de Dino.

— Venha até aqui, mas venha com a cabeça baixa, não gosto de gente arrogante conversando comigo.

Dino deu uma risada estridente, falando:

— Por que eu iria abaixar a cabeça para um idiota como você?

Nessa hora todos que estavam no pátio ficaram mudos. Um silêncio sepulcral tomou conta do lugar.

— É hoje que vamos ter o carro da funerária por aqui — falou um deles.

O bandido chefe caminhou até Dino, olhando para ele com fúria. Mas apesar de irritado com a resposta que obteve, ele parecia estar saboreando aquele momento. Não é todo dia que alguém o desrespeita dessa forma, para precisar receber uma lição diante de todos.

— Você assinou sua sentença de morte, Dino, sabia disso? — perguntou ele.

— Por que? — perguntou Dino, admirado. Você vai tentar me matar?

O bandido olhou para Dino com ar de nojo.

— Não, não vou fazer isso. Vou transferir esse privilégio para meu amigo aqui. Não quero sujar minhas mãos com um verme como você.

O chefão fez um sinal para um de seus auxiliares, que respondeu imediatamente:

— Pode deixar comigo, chefe, vou resolver isso agora!

O silêncio no pátio era total, podia-se ouvir uma mosca voando. Todos pareciam extremamente nervosos, menos Dino, que olhava para eles com serenidade.

— Espere um pouco — gritou Dino. — Você mandou esse fracote bater em mim?

Nesse momento todos no pátio começaram a rir. Se havia alguma dúvida quanto ao destino de Dino, agora ela havia se dissipado totalmente.

— Você está me chamando de fracote? Você me conhece, pirralho?

— Não preciso conhecer — respondeu Dino. — Basta olhar para você, aliás, basta olhar para todos vocês para ver que possuem a força de uma criança de seis anos.

— Você foi longe demais, imbecil — disse o bandido rangendo os dentes.

Ato contínuo ele partiu para cima de Dino, tentando lhe dar um murro na cara, mas Dino se desviou e acertou-lhe um tapa com tanta força que o homem rodopiou e foi cair uns dez metros para a frente de onde estava.

Todos olharam assustados.

— Por que não vem você mesmo, machão? — pediu Dino, olhando para o líder deles.

O homem não esperou ser chamado de novo e atacou Dino com toda a força que tinha, mas levou um golpe de arte marcial que o fez saltar alguns metros para cima e cair estatelado no chão.

— Alguém mais quer me enfrentar? — perguntou Dino olhando para os lados.

Nesse momento uns vinte homens o cercaram. Ana ficou assustada vendo aquilo no monitor.

— Tome cuidado, Dina… ou Dino — disse ela para si mesma.

Mas o que ela viu foi um redemoinho de homens voando para todos os lados. Dino rodopiava acertando tapas, murros e pernadas nos bandidos, que caiam e voltavam para tentar de novo e novamente saíam voando.

Depois de alguns minutos o pátio voltou a ficar em silêncio. Tinha uns vinte homens caídos no chão, gemendo de dor.

O chefão deles estava sentado num canto, humilhado.

— Onde você aprendeu a lutar assim? — perguntou ele. — Você é um ninja?

Dino caminhou até perto dele.

— Não importa quem eu sou, mas o que você será de agora em diante. Eu quero respeito nessa cadeia. Ninguém é líder de nada aqui…

— Tudo bem, depois dessa você é o chefe — disse o homem, morrendo de vergonha.

— Quem disse que eu quero ser chefe disso aqui? Está vendo aqueles caras ali?

Dino apontou para aqueles que eram humilhados pela gangue dominante.

— Eu quero que vocês os respeitem. Se não fizerem isso vou voltar e não vou dar só uma surrinha em vocês, como fiz agora, a coisa vai ficar realmente feia…

Os homens que estavam caídos, alguns sangrando, acenaram afirmativamente com a cabeça.

Nesse momento os guardas da cadeia chegaram no pátio.

— Quem começou essa briga? — perguntou um deles.

— Fui eu! — respondeu o ex-chefão.

CAPÍTULO 45 – OS GUARDAS

Dino ficou olhando para os quatro guardas com um sorriso irônico. Um deles falou:

— Nós vimos tudo, foi você quem fez isso! Você é bom de briga, mas não vai escapar de ir para a solitária…

Dino continuava olhando para eles, como que acusando-os mentalmente.

— Você não vai falar nada? — perguntou um dos guardas, perturbado com o olhar de Dino.

— Seria melhor que você mesmo falasse — respondeu Dino. — Os reeducandos dessa penitenciária sabem que vocês fazem apostas sobre quem vai ser o próximo a morrer aqui dentro?

— Do que você está falando? — perguntou o guarda, ficando vermelho.

Dino continuou:

— Eles sabem também que vocês ganham um bom dinheiro da funerária?

E virando-se para os presos:

— Pessoal, cada vez que alguém morre aqui dentro eles embolsam dois mil reais!

Começou um alarido no pátio, os presos estavam indignados. Os quatro guardas presentes apontaram as armas para Dino, ordenando:

— Coloque as mãos na cabeça e fique de joelho!

Dino fez como se não fosse com ele e continuou:

— Eu tenho todas as gravações de vocês falando lá na sala de controle.

— De joelhos, agora! — gritou um dos guardas. — Vou contar até três e atirar!

Dino continuou falando, enquanto a contagem prosseguia:

— Pessoal, vocês sabiam que antes da briga começar eles ligaram para o amigo deles da funerária, falando para ele se preparar porque hoje teria mais um “presunto” aqui?

Os presos olharam para os guardas com ódio. Nessa hora a contagem chegou no “três” e os guardas tentaram atirar.

— Qual foi a última vez que vocês usaram essas armas? — perguntou Dino. — Eu acho que elas nunca foram usadas aqui na prisão, estão enferrujadas…

— Por que essa #%$*# não funciona? — gritou um deles.

— Tem certeza que vocês sabem usar armas? — perguntou Dino, com sarcasmo.

Os guardas usaram o rádio, falando com outro guarda que estava na torre do presídio:

— Atire agora nesse preso! — eles apontaram para Dino. — Ele nos confrontou e nossas armas não estão funcionando.

— Pode deixar comigo, falou a voz do outro lado.

Nesse momento todos os olhares se direcionaram para o guarda na torre de vigia e viram ele apontando seu fuzil na direção de Dino.

Mas logo ele começou a gesticular e a mexer em sua arma.

— Não está funcionando! — gritou ele lá de cima.

Então Dino tirou um celular do bolso e começou a ligar. Os guardas se mostraram escandalizados com isso.

— Um preso com telefone celular! Vamos tirar isso dele…

Dino ameaçou:

— Não se aproximem de mim. Vocês viram nas câmeras o que eu fiz com esses vinte homens que me atacaram. Imaginem o que vou fazer com vocês, que são apenas quatro.

Os guardas pararam, constrangidos, e ouviram Dino ligando:

— É da emergência?

— Sim — respondeu a voz do outro lado. — O que aconteceu?

Dino havia colocado seu telefone no “viva-voz”:

— Estou aqui no presídio da cidade, um guarda se feriu com um tiro no próprio pé.

Todos os presos começaram a rir. Um deles falou:

— O cara é bom de briga, mas é um mentiroso, ninguém se feriu com tiro aqui.

— Não podemos admitir isso — gritou um dos guardas. — Vamos acabar com esse cara agora mesmo.

Eles começaram a tentar atirar em Dino nervosamente. Um deles gesticulou tanto que conseguiu atirar, mas o tiro acertou seu pé.

Outro guarda foi socorrer o amigo, mas tropeçou e sua arma disparou acidentalmente, também atingindo seu pé.

Dino ainda estava no telefone:

— Só um momento — pediu ele a seu interlocutor, e completou:

— Tragam duas macas!

CAPÍTULO 46 – EXIBICIONISMO

Quando Dino terminou sua ligação ouviu uma grande salva de palmas. Todos os presos ali presentes o aplaudiram efusivamente.

Ele fez aquele gesto que os grandes artistas fazem nos palcos, agradecendo.

Um dos guardas usou seu telefone:

— Por que vocês estão demorando tanto? Tem dois homens feridos aqui…

Outro guarda também usou seu telefone celular, pedindo reforços:

— Precisamos de ajuda aqui, urgente! Um preso se rebelou, bateu em outros vinte presos e nossas armas não estão funcionando. Já temos dois funcionários do presídio feridos à bala.

O guarda ficou ouvindo quem falava do outro lado. Depois de um tempo respondeu:

— Não sei, acho que tem que ser pelo menos cinquenta homens, a coisa está realmente feia por aqui!

Antes de encerrar a ligação ele falou:

— Se puder tragam também uma equipe do instituto de ufologia, acho que esse cara não é humano!

E, depois de enxugar o suor, arrematou:

— Ah, tragam também um padre, o meliante pode estar possesso…

Nesse momento Dino olhou para a câmera que Ana estava visualizando e falou em voz alta:

— Sei que está ficando tarde, aguarde só mais alguns minutos, já vamos embora!

— Com quem ele está falando? — disseram eles.

— Deve ser com Deus — disse um dos presos.

— Ou com o diabo — disse outro.

Dino apontou para o céu:

— Vocês viram aquilo lá?

Todos olharam para onde ele apontou, mas não havia nada lá. Quando voltaram os olhares para Dino, quem não estava lá era ele.

— Para onde ele foi?!

— O cara desapareceu…

— Ele é mesmo um demônio…

— É o diabo em pessoa!

— Deve ser um anjo…

Essas foram algumas das expressões de admiração que se ouviu por ali.

Logo após Dina chegou na sala do diretor e falou para Ana:

— Gostou do que viu?

— Gostei mais agora, que você é Dina de novo!

— Eles receberam uma grande lição! — comemorou Dina.

— Sim, mas quando eu pedi para não haver mais mortes hoje, incluía feridos à bala.

— Você não falou isso, Ana — contestou Dina. — Se tivesse falado eu não deixaria isso acontecer…

Nesse momento elas ouviram a sirene da ambulância que estava chegando. Dina falou:

— Preciso terminar logo o meu serviço para a gente ir embora — disse Dina.

Ela colocou um pendrive e alguns papéis sobre a mesa do diretor.

— O que é isso? — perguntou Ana. Dina respondeu:

— Estou delatando toda a corrupção desse presídio. O diretor é um homem honesto, ele vai apurar tudo e punir os culpados.

— Como você descobriu tudo isso em tão pouco tempo?

Dina fez outra revelação:

— Já estou por aqui faz uma semana e…

— O que?! — gritou Ana. — Você já estava por aqui e não foi falar comigo?

Dina não se deixou abalar:

— Eu falei que queria reaparecer em grande estilo…

— Só me diga uma coisa — pediu Ana, suspirando com impaciência.

— Pode falar…

— Quantas penitenciárias tem no Estado? Quantas tem no país? Você vai querer consertar todas?

Dina se mostrou surpresa com aquelas perguntas:

— É claro que não, tenho mais coisas para fazer.

— De que adianta tentar melhorar uma só? Isso é uma gota no mar…

— Já é alguma coisa, oras, melhor que nada…

— A menos que existam outros anjos exibicionistas por aí querendo fazer o mesmo que você. Quem sabe assim outros presídios sejam melhorados também.

Dina se sentiu estranha com aquilo. Depois de refletir algum tempo ela falou:

— Você acha que sou exibicionista?

Ana respondeu com outra pergunta:

— Tem outros anjos com esse mesmo defeito?

— Para você isso um defeito? Eu pensei que…

— É claro que é um defeito, Dina, você vive querendo se mostrar, vive procurando situações para expor ao mundo que é poderosa… ou poderoso… já nem sei mais quem você é…

Elas saíram da sala do diretor e foram andando vagarosamente rumo à saída do presídio. Dina estava pensativa, não sabia o que dizer.

Por fim ela falou baixinho, quase não dava para ouvir:

— Acho que você tem razão…

CAPÍTULO 47 – A BRONCA

Depois que saíram do presídio, Ana resolveu usar um método que Dina gostava muito, que é de levar seu oponente ao nocaute.

— É claro que eu tenho razão, Dina! — falou ela, e continuou:

— Eu não entendo muito disso, mas acredito que anjos não deviam andar por aí deixando pessoas aleijadas e cegas, ou matando bandidos e surrando presidiários.

— Sabe Ana, é que…

Ana não deixou Dina continuar:

— É que você se sente bem sendo admirada… ou admirado. Por que você não coloca uma capa de super homem e sai voando pela cidade? Todos vão te admirar…

— Eu já pensei em fazer isso — confessou Dina, cabisbaixa.

— Viu como eu estava certa!

— Eu já levei duas advertências por agir assim, mas não consigo parar — confessou Dina.

— Quer dizer que anjos levam advertência? O que mais vocês fazem, são despedidos, cumprem aviso prévio?

— Não faça piada com coisa séria, Ana — contestou Dina. — As advertências foram injustas e…

— Olha, não tenho tanta certeza que elas foram injustas…

— Eu apenas cumpri meu dever. Bem, eu aproveitei para me divertir um pouco, só isso.

— Você já pensou em trabalhar num circo? — perguntou Ana, rindo.

— Tudo bem, Ana, vou tentar não me exibir mais. Mas já adianto que não sei se vou conseguir.

— E agora, ainda por cima, descobri que você enviou aqueles bandidos lá na escola. O que mais você fez?

Dina tentou não ficar vermelha. Ana continuou:

— Aposto que o caso do assaltante e da abordagem policial na estrada foi armação sua também, para mostrar que é poderosa.

— Olha, Ana, não foi armação minha, mas eu poderia ter evitado sim, claro que poderia. Só não evitei porque…

Nessa hora o telefone de Ana tocou. Era Elson.

Dina já sabia o que havia acontecido, mas perguntou mesmo assim:

— O que houve?

— O carro dele foi roubado — respondeu Ana.

CAPÍTULO 48 – A DECLARAÇÃO

Ana ficou muito aflita com o furto do veículo de Elson.

— Você pode usar seus poderes para nos ajudar a encontrar o carro? — pediu Dina, usando um tom de voz bem mais comedido do que enquanto dava aquela bronca em Dina.

— Acho que não vai dar, Ana. Vou tentar ficar longe de confusão por alguns dias, para não me exibir mais…

Ana não gostou do que ouviu:

— Você vai nos deixar na mão, Dina? Nosso carro não tem seguro, não podemos ter uma perda dessas. Por favor…

— Por que vocês não compram outro? Aquele já estava velho, você viu quanto Elson gastou nele nos últimos meses?

— Não importa se o carro é velho, importa que é nosso. Não podemos deixar esses bandidos continuarem roubando.

— Mas agora pouco você me criticou por tentar arrumar as coisas naquele presídio. Da mesma forma tem milhares de ladrões pelo mundo agora, não vou conseguir prender todos.

Ana ficou irada:

— Você nunca pensou de deixar todos eles cegos com a força do pensamento? Pronto, estaria resolvido, bandido cego não consegue roubar ninguém…

— Olha, Ana, sei que você está chateada, mas vamos descansar agora, amanhã depois da aula voltamos a falar disso…

— Amanhã depois da aula?! — gritou Ana, histericamente decepcionada. — Até lá o carro já vai ter sido desmontado e vamos achar somente os pedaços dele espalhados pela cidade.

— Vamos torcer para não acontecer isso… — disse Dina, mostrando estar conformada com a situação.

Ana começou a chorar, falando:

— Eu queria tanto que você voltasse, senti tanto a sua falta, e agora você está fazendo isso comigo. Quase fui estuprada por sua causa, vi dois homens caírem mortos na minha frente, vi outros tantos serem atirados longe e mais dois baleados nos pés…

Ana usou um lenço e continuou:

— Você está me decepcionando…

— Desculpe, Ana, eu…

Ana resolveu apelar, talvez funcionasse:

— Já sei porque está agindo assim, você quer me castigar porque sua missão fracassou por minha causa.

— Quem te falou isso? — perguntou Dina, fingindo estar assustada.

— Ficou bem óbvio, Dina. É claro que você conseguiria escapar daquele caminhão se eu não estivesse lá.

Dina ficou chateada de Ana ter falado sobre isso, mesmo que fosse verdade. Ela olhou nos olhos de Ana e falou:

— Eu faria isso de novo e quantas vezes fosse necessário, para mim você é mais importante que o resto do universo.

Ana não esperava receber uma declaração de amor tão linda assim, principalmente vinda de um ser assexuado. As lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.

— É claro que vou ajudar a encontrar o carro! — disse Dina, sorrindo.

Ana tentava esconder que estava chorando. Dina concluiu:

— Você acha que eu perderia um divertimento desses?

CAPÍTULO 49 – A DEVOLUÇÃO

Elas chegaram na casa de Ana e foram se despedir com um abraço.

— Não reconstruí minha casa, já que vou ficar aqui por pouco tempo — disse Dina.

— Onde você tem pernoitado? — perguntou Ana.

— Eu não pernoito em nenhum lugar específico. Como eu não preciso dormir, como vocês humanos, fico andando por aí, ajudando quem precisa.

— Eu gostaria de ficar com você, imagine quanta coisa interessante acontece enquanto estamos dormindo.

— Não é nada muito diferente do que você já viu até aqui — revelou Dina. — A diferença é que sem você junto não tem muita graça.

— Eu poderia ir com você? — pediu Ana.

— Não é possível, você precisa dormir. Mas não se preocupe, vou procurar o carro enquanto vocês dormem.

Depois disso elas se despediram e no dia seguinte, logo pela manhã, Ana e Elson ouviram tocar o interfone.

— Quem é? — perguntou Elson.

— Vim devolver o carro de vocês — disse a voz do outro lado.

Elson foi até a rua e lá estava seu carro, lavado e encerado.

— Obrigado por recuperar meu carro. Sabe quem praticou o furto? — perguntou Elson admirado.

— Fui eu! — respondeu o rapaz.

Elson levou o maior susto da sua vida.

— Você é o ladrão?! Vou chamar a polícia…

— Não precisa — respondeu o rapaz. — Eles já estão chegando.

Nesse momento um carro de polícia parou em frente à casa de Elson. O policial desceu perguntando:

— É esse o carro que foi roubado? Alguém ligou dizendo que ele iria ser devolvido e que queria se entregar.

— Fui eu que roubei o carro — disse o rapaz, demonstrando estar extremamente nervoso. — Por favor, leve-me preso logo!

Ninguém estava entendendo nada.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou um policial para Elson.

— Eu sei tanto quando os senhores — respondeu ele. — Esse rapaz tocou a campainha, vim atender e meu carro estava aqui.

— O que aconteceu? — perguntaram os policiais para o rapaz. — Você roubou o carro e se arrependeu?

— Eu não me arrependi não, mas um demônio apareceu para mim à noite e me obrigou a vir aqui para devolver o carro.

Ana tinha chegado naquele momento.

— Isso é coisa da Dina — falou ela no ouvido de Elson. — Ela prometeu procurar o carro durante a noite.

Os policiais queriam saber o que realmente aconteceu, é claro que eles não acreditaram nessa história de demônio.

— Conte as coisas direito para a gente, rapaz! Não venha com mentiras…

— Tudo bem, vou contar — disse o rapaz, sob enorme carga emocional.

— Eu estava muito feliz por ter roubado esse carro, na verdade foi meu primeiro roubo bem sucedido. Hoje de manhã eu pretendia levá-lo para um amigo que trabalha num desmanche, mas minha alegria durou pouco.

— O que estragou sua alegria? — perguntou um policial, cada vez mais curioso com essa história.

— Ela apareceu dentro do meu quarto… uma mulher muito bonita… mas ela é o demônio em pessoa… ela me atormentou a noite toda…

— Eu já conheço os métodos de Dina — sussurrou Ana para Elson.

— De quem você está falando? — perguntou o policial para o rapaz.

— Ela disse que se chama Dina…

— Você mora sozinho? — perguntou Elson.

— Eu moro com uma filha, ela estava dormindo no outro quarto, mas falou que não ouviu nada.

— O que essa mulher fez com você? — perguntou Ana, já imaginando o que havia acontecido.

— Primeiro ela me deixou mudo. Eu não conseguia falar nada, nem gritar. Aí tentei atacar ela, mas fiquei cego. Eu não conseguia falar nem enxergar…

— Continue… — pediu um dos policiais.

— Eu tentei correr, mas meus pés não saíram no chão. Eu estava colado no chão, como se tivessem colocado cola industrial nos meus pés.

— O que você fez então? — perguntou Elson.

— Eu não podia fazer nada, não conseguia falar, nem enxergar, nem sair do lugar. Tive que ficar escutando o sermão dela por umas três horas.

— O que ela disse para você? — perguntou o policial, pensando que estava falando com um louco.

— Não dá para falar tudo. Resumindo, ela me mandou lavar e encerar o carro e devolvê-lo de manhã com um pedido de desculpas. Se eu não fizesse isso ela me deixaria cego, mudo e paralítico para sempre.

— Então você obedeceu piamente a esse tal demônio?! — disse o policial, com ironia. — Fez muito bem, essas aparições sempre dão bons conselhos…

O outro policial começou a rir.

— Por que você ligou para a polícia hoje de manhã? — perguntou ele.

— Ela me mandou fazer isso também — respondeu o ladrão.

— Bem — concluiu um dos policiais — temos um demônio ajudando a polícia. Já não basta o que aconteceu na penitenciária ontem, vocês ficaram sabendo?

— Eu ouvi falar alguma coisa a respeito — disse Ana.

Os policiais colocaram a algema no ladrão, que falou:

— Obrigado por vocês terem vindo, ela falou que se eu não me entregasse ainda hoje iria me arrepender de ter nascido.

— Um dos policiais fez um sinal para Elson e Ana pelas costas do bandido, dando a entender que ele era louco.

— O psiquiatra da cadeia vai gostar de conversar com você — falou um policial, rindo sem parar.

Eles já estavam entrando no carro de polícia quando Ana perguntou:

— Vocês não vão estourar o desmanche de veículos do amigo dele?

CAPÍTULO 50 – O COMBATE

Depois que a polícia foi embora, Ana recebeu uma mensagem da escola em seu celular, informando que não haveria aula por uma semana devidos aos acontecimentos do dia anterior, com a morte de dois bandidos no local.

Daí a pouco Dina chegou na casa de Ana. Ela parecia estar desesperada.

— Quero agradecer pelo que você fez por mim! — disse Ana, com entusiasmo. Mas Dina não correspondeu à euforia da amiga.

— Preciso conversar com você urgente — disse Dina, extremamente nervosa.

— Eu nunca vi você assim Dina, o que aconteceu?

— Precisamos de um lugar para conversar, onde ninguém possa nos ouvir. O que eu vou falar é segredo de estado…

— Tudo bem, Dina, estou sozinha em casa, meu marido saiu…

— Na sua casa não vai dar, tem que ser um lugar onde eu possa isolar todo o som…

Ana sentiu que alguma coisa estava terrivelmente errada. O que ela poderia fazer para ajudar Dina?

— Precisamos de uma casa onde não tenha ninguém morando — disse Dina, suando frio.

— Conheço uma casa abandonada numa rua próxima daqui — informou Ana, tentando se mostrar preocupada com a situação.

—  Vamos para lá então! — sugeriu Dina.

Elas chegaram na casa e entraram, mas de repente Dina deu um grito:

— Saia daqui verdugo infernal!

— Não estou vendo nada aí — disse Ana.

— Vou ajudar você a ver esse inseto…

De repente os olhos de Ana se abriram e ela viu o ser mais horrível que já havia visto na vida. A “coisa” parecia um morcego enorme, do tamanho de um boi, mas com cara humana.

Assim que viu aquilo Ana caiu desmaiada. Dina partiu para cima do demônio e eles começaram a lutar. Quando Ana acordou viu o ser mais lindo que já havia visto, lutando com o ser mais horrendo do universo.

Dina não era mais Dina, era um anjo muito grande, com uma espada brilhante na mão.

Ana pode presenciar o momento em que o anjo traspassou o demônio várias vezes, fazendo-o cair por terra.

Depois ela o amarrou com uma corda e lançou a espada no chão, fazendo abrir um enorme fosso escuro diante deles.

— O que é isso — gritou Ana, desesperada com tudo que estava vendo.

— Isso é uma porta para o inferno — disse o anjo-Dina.

Ato contínuo ele pegou o demônio, que estava ferido e bufando de ódio, e o lançou dentro daquele abismo. O demônio começou a urrar, mas o barulho foi diminuindo à medida que ele ia caindo mais e mais.

Ana ficou admirando o anjo, que falou:

— Agora você me viu como eu sou! — disse o anjo.

— Por favor, volte a ser Dina, estou a ponto de desmaiar de novo — pediu Ana.

Num piscar de olhos Dina apareceu na frente de Ana e o abismo desapareceu como que por encanto.

Ana começou a chorar, aquilo foi demais para o sistema nervoso dela.

— O que você tinha para me falar? — perguntou ela, soluçando.rr

CAPÍTULO 51 – REVELAÇÃO BOMBÁSTICA

— Agora podemos conversar sem ser ouvidas — disse Dina, olhando para Ana com seriedade.

— Pode falar, estou muito curiosa…

— Não sei como vou te falar isso, Ana, é muito… muito constrangedor…

— Seja lá o que for fale logo, Dina, por favor…

— Vou ter que falar de qualquer forma — disse ela. — A minha missão com relação a você é muito mais complexa do que parece. Isso porque…

— Por favor, fale logo minha amiga…

— Não sei como lhe dizer isso, Ana. Não vou deixar fazerem isso com você…

Ana ficou confusa e perplexa ao ouvir isso.

— Por favor, Dina, pare com esse mistério.

— Um anjo da morte está a caminho para levá-la…

— O que!? Como assim? O que eu fiz?

— Ana, eu não queria te contar isso, mas não dá mais para esconder…

A partir de agora Ana tinha mais um motivo para desmaiar, mas conseguiu se manter firme.

— Por favor, Dina, me ajude, eu não quero morrer tão nova. Por que esse anjo quer fazer isso comigo?

— Não foi possível encontrar uma solução plausível para o problema, então eles partiram para o plano “B”.

— E o que eu tenho a ver com esse plano “B”? — perguntou Ana, sem saber o que estava acontecendo.

— Ana, eu vou lutar por você, dou minha palavra que farei de tudo para te proteger.

— Dina, por favor, responda-me uma coisa: por que alguém está querendo me matar? Por que esse anjo da morte está atrás de mim?

Nessa hora Dina ficou estática, parecia petrificada.

— Ele chegou — disse ela, olhando para cima.

— Por favor, Dina, me proteja desse monstro!

— Ele não é um mostro, Ana, ele é um anjo maior do que eu… Mas vou enfrentá-lo de igual para igual, você verá que vou protegê-la com todas as minhas forças.

— O que eu tenho a ver com tudo isso? — perguntou Ana, já a ponto de enlouquecer.

Dina não podia mais esconder aquilo:

— Você é… ou melhor… será a avó do tirano…

CAPÍTULO 52 – O PEDIDO

Ao ouvir essas palavras Ana literalmente enlouqueceu. Ela começou a correr dentro da casa e a tentar abrir as portas, gritando:

— Eu mereço morrer… por favor eu quero morrer… não quero ser mãe de um monstro…

Dina tentava impedir que Ana se machucasse.

— Eu não queria falar isso, mas chegou num ponto que não foi mais possível…

— Quer dizer que você veio para me matar? Por isso você se aproximou de mim. Depois desistiu e foi preciso enviarem outro anjo para fazer o serviço?

— Não! Nunca! Eu não vim matá-la, Ana, eu fui enviada para estar por perto, para tentar descobrir algo importante para a nossa missão. Não sabemos exatamente porque o tirano será um descendente direto seu, tem coisas que só Deus sabe.

— Mas por que vocês não perguntam para Deus, então? Ele não pode revelar?

— Não funciona dessa forma. A vida tem muitas nuances, não dá para controlar tudo. Por isso o sofrimento está presente com tanta intensidade nesse mundo.

— Tudo bem, Dina, eu entendo. Mas quero te pedir uma coisa.

— Pode falar — disse Dina, com medo do que Ana poderia pedir.

— Por favor, não lute por mim! Pode deixar esse anjo me levar, não quero mais viver sabendo que de mim sairá alguém que irá dizimar grande parte da população do país.

— Isso não é sua culpa, você não notou que pais bons muitas vezes têm filhos maus?

— Não sei, não, Dina, dizem que uma árvore boa não pode dar maus frutos.

— Uma árvore sim, mas as pessoas são diferentes. Um casal pode ter dez filhos ótimos e uma ovelha negra, um filho que reúne em si todo mal que o resto da filha não possui.

— Quer dizer que sou uma árvore boa que dará um fruto mau? Isso não faz sentido para mim…

— Sabe o que acontece, Ana, o tirano não será mau a princípio. Ele terá ideais, pensará que está lutando pelo bem. Mas em dado instante ele se perderá e ficará louco. A partir daí ninguém mais poderá detê-lo.

Ana pensou mais um pouco e perguntou:

— Não quero que você lute por mim, não quero que deixe de ser anjo por minha causa.

— Não, Ana, não posso atender o seu pedido. Os anjos não podem morrer, mas eu prefiro morrer do que não lutar por você.

Ana ficou em silêncio por alguns minutos. Ela não sabia o que fazer para convencer Dina a não lutar por ela. Por fim perguntou:

— Quais os resultados possíveis da sua luta com esse anjo da morte?

— Não sei! — respondeu Dina. — Tudo pode acontecer.

— O que acontecerá se você vencer essa luta?

— Bem, se eu vencer vamos somente ganhar tempo…

— Só isso?! E se você perder?

— Bem… — disse Dina, circunspecta. — Ele vai levá-la imediatamente.

— E o que acontecerá com você nesse caso?

— Não sei ao certo, eles podem me prender por um longo tempo, alguns milhares de anos terrestres, ou…

— Ou o que? Por favor, responda — pediu Ana.

— Ou podem me lançar no abismo…   respondeu Dina olhando para o chão.

CAPÍTULO 53 – O RACKHAM

— A partir de agora não posso mais ficar longe de você nem um segundo — disse Dina, examinando tudo ao redor.

Ana não concordava com aquilo:

— Dina, eu não quero morrer, mas se for necessário para você ficar bem, eu aceito meu destino, pode ter certeza que ficarei bem.

— Você não merece isso… — balbuciou Dina com tristeza.

— Tem alguma coisa que eu possa fazer? É possível eu me defender de alguma forma? — perguntou Ana.

— Sim, tem algo muito poderoso…

Dina entregou a Ana um objeto do tamanho de um botão de roupa. A coisa tinha um brilho muito bonito. Ela falou:

— O nome disso é rakham, guarde-o com você, assim poderá saber quando o anjo da morte se aproximar e ele não poderá pegá-la de surpresa.

— Mas isso só serve para eu ver o anjo? De que me serve ver o ser que irá me matar?

— Se você jogar o rakham contra um anjo, ele será ferido de tal forma que precisará de pelo menos um século para se recuperar!

— Mas… o que tem nesse objeto que pode fazer tal coisa?

— Energia em estado latente. Tal energia em contato com o corpo astral de um anjo vai fazê-lo implodir.

— Você quer que eu agrida o anjo da morte dessa forma? — perguntou Dina.

— É sua única chance se eu for vencida na luta, será seu último recurso. Se você fizer o que estou falando podemos ganhar algum tempo. Mas ele não pode saber que você o está vendo, pois ficará na defensiva e nosso plano pode falhar.

— Por que você mesma não lança esse tal rakham contra seu oponente?

— Se eu fizer isso serei atingida também. O rakham não tem utilidade para anjos, ele foi criado por arcanjos, somente eles deveriam poder usá-lo, mas acredito que os humanos também podem fazer uso dele sem se ferir.

— Como você conseguiu esse exemplar, roubou de um arcanjo?

— Eu não conseguiria fazer isso! Encontrei esse no vale sinistro, logo após o grande confronto que alterou a ordem dos planetas.

— Quando foi isso? — perguntou Ana, curiosa.

— Faz muito tempo, algumas centenas de milênios. Guardo-o comigo, pois sempre acreditei que um dia poderia ser útil.

— O que acontecerá com esse anjo se ele for ferido tão gravemente?

— Ele vai implodir e ficará inconsciente por décadas. Por fim, irá se recuperar e voltará a ser um anjo normal.

Ana tentou imitar a cara de leoa brava que Dina costuma fazer e falou:

— Tudo bem, vamos dar umas merecidas férias para esse cara…

CAPÍTULO 54 – DUELO DE TITÃS

No momento em que Ana pronunciou a última palavra desse diálogo o telhado da casa em que elas estavam explodiu e uma luz mais brilhante que o sol invadiu o ambiente.

Ana perdeu os sentidos imediatamente e Dina se colocou em posição de defesa diante do terrível anjo da morte.

— Eu tenho ordens de levá-la e você não pode ficar em meu caminho — bradou o sinistro ser.

— Não vou deixar você fazer isso, não sei se você sabe, mas eu amo essa mulher  disse Dina corajosamente.

— Nós anjos não temos o direito de ter essas fraquezas. Não podemos deixar de cumprir a missão para a qual fomos designados por causa de sentimentalismos sem sentido!

— Eu não concordo com o plano “B”, por isso vim para a terra, precisamos encontrar o Matuto.

— Ele foi procurado por todo o país e não foi encontrado, por isso fui enviado para levar sua amiga.

— Eu posso encontrá-lo, basta me darem tempo — pediu Dina, em forma de anjo.

— Você sabe muito bem que eles não têm mais esse tempo…

— Pois então me dê tempo você mesmo. Só peço uma semana, pode confiar em mim, vou resolver isso.

— Não posso fazer isso, vim para cumprir uma tarefa e nada vai me impedir.

— Então por que você veio sozinho? Devia ter trazido seus companheiros de foice. Eu não queria fazer isso, mas vou ser obrigado a direcioná-lo para o caminho de volta.

Nessa hora o anjo da morte puxou sua espada negra reluzente. Ao mesmo tempo o anjo Dina também empunhou sua espada flamejante. E a luta começou.

Dina lutava com bravura, mas era visível que o anjo da morte era mais forte que ela. Seria questão de tempo que ela fosse vencida.

Por isso, depois de alguns minutos de luta Dina foi lançada ao chão e não tinha mais forças para lutar. O anjo da morte pisou nas costas dela e deu o golpe final.

Dina ficou estirada no chão como morta. Então o anjo da morte aproximou-se de Ana e disse:

— É hora de ir minha amiga…

Nesse momento Ana acordou e viu o fúnebre anjo negro perto dela. Ela fingiu que não o viu e correu até onde Dina estava, lamentando e debruçando-se sobre ela.

— Preciso ter sangue frio — pensou ela.

O anjo da morte guardou sua espada e surgiu em sua mão uma imensa foice negra cintilante. Ana começou a se levantar, fingindo que não estava vendo nada. Então ela fingiu tropeçar e lançou o objeto que recebeu de Dina contra o anjo.

A cena que aconteceu a seguir foi digna dos melhores filmes de Hollywood. O anjo da morte deu um grito horrendo, rodopiou como uma bexiga furada e foi sugado pelo espaço sideral.

Ana olhou para cima e viu aquele espectro horripilante desaparecer nas nuvens. Correu então onde Dina estava, mas não a encontrou.

Dina havia desaparecido.

CAPÍTULO 55 – A NOVA ALUNA

Ana chegou em sua casa desesperada e contou a Elson tudo que aconteceu. Ele acreditou em algumas coisas, outras achou que Ana havia imaginado. Mas mesmo assim Elson ficou muito preocupado.

— Onde está sua amiga nesse momento? — perguntou ele.

— Não sei, temo que ela tenha sido lançada no abismo.

Ana abraçou Elson e falou, chorando:

— O que eu faço, estou longe da minha amiga outra vez…

Elson procurou ser sensato:

— Não tem nada que possamos fazer, vamos esperar ela reaparecer.

Passou-se uma semana e as aulas voltaram. Todos perguntaram de Dina para Ana, mas ela disse apenas que Dina desapareceu.

— Aquela mulher não é humana — disse a professora. — Preciso descobrir o que ela é…

Em dado instante a diretora abriu a porta e falou:

— Quero apresentar a vocês uma nova colega de curso.

Então entrou na sala uma moça de seus vinte e poucos anos, muito bonita e sorridente.

— Olá, pessoal, meu nome é Ondina.

A professora cumprimentou a nova aluna, mas falou para a diretora:

— Ela não fez a parte teórica do curso, será que vai acompanhar os colegas?

Nesse momento a diretora cochichou no ouvido da professora:

— Ela pagou por todo o curso de uma só vez, não tinha como recusar sua matrícula…

— Tudo bem, pessoal — disse e professora. — Não vamos perder o foco, continuemos nossas atividades.

A aula transcorreu normalmente, mas Ana não parava de olhar para a nova colega.

— Ela me parece familiar — pensava ela. — Será que não é a Dina disfarçada?

Numa das vezes que Ana olhou para a nova colega, esta também olhou ao mesmo tempo e piscou para Ana, sorrindo.

— Só pode ser ela — disse Ana para si mesma.

Na saída da escola Ondina começou a caminhar rumo ao portão para ir embora. Mas Ana foi atrás dela.

— Acho que conheço você de algum lugar — disse Ana ao se aproximar da colega.

— Será? — respondeu Ondina. — Eu vim de muito longe e…

— De onde você veio, pode me dizer?

— Qualquer dia eu falo — respondeu ela.

As duas se despediram com um aperto de mão e Ana notou que Ondina lhe passou um pedaço de papel sem que ninguém visse e foi embora.

— Quando chegou em sua casa ela abriu o papel e leu:

— “Eu vim do céu.”

CAPÍTULO 56 – A TEMPESTADE

Ana comentou este fato com Elson, que também achou estranho.

— Deve ser outro anjo que veio para te proteger — disse Elson.

— Ou para me matar — supôs Ana.

— Acho melhor você parar de frequentar esse curso — propôs Elson. — Aconteceu muita coisa estranha na sua vida desde que você entrou nessa escola.

— Não posso fazer isso, esse curso pode estar sendo o único elo possível de Dina comigo. Não posso abandoná-la.

No dia seguinte Ana chegou antes que todos os alunos. Ela olhava de um lado para o outro, procurando por Ondina, que chegou atrasada.

Na saída Ana tentou falar novamente com Ondina, que fingiu estar indo embora, mas parou novamente para conversar com ela.

— Precisamos conversar, você falou que veio do…

— Não vim de lugar nenhum — interrompeu Ondina. — Por favor, estou com pressa.

Ao dizer isso Ondina deu um aperto de mão em Ana novamente, e outra vez ela deixou um pedaço de papel em sua mão sem que ninguém visse.

Chegando em casa Ana correu para o banheiro para ler o que estava escrito.

— “Amanhã não haverá aula. Encontre-me às oito da manhã naquela praça onde nos despedimos depois do acidente com o caminhão.”

Ana mostrou o bilhete para Elson, que falou:

— É melhor você ir. Seja como for, deixe-me informado por mensagens.

— Dina disse que não haverá aula amanhã. O que será que vai acontecer? — perguntou Ana.

— Ligue na escola, veja se está tudo bem — aconselhou Elson.

— Vou fazer isso!

Ana ligou para a escola e a diretora atendeu. Elas conversaram por alguns instantes e então Ana falou:

— A diretora disse que está tudo bem, ela achou estranho eu perguntar se iria haver aula amanhã.

— Sei lá — disse Elson. — Sua amiga pode ter ficado doida…

Mas lá pelas sete horas da noite começou uma chuva com muito vento.

— Isso parece um furacão — disse Elson, pegando algumas coisas que estavam no quintal.

A ventania durou por volta de meia hora. Ana falou:

— Nossa, acho que houve muita destruição pela cidade, se não foi um furacão acho que foi pelo menos um tornado que passou por aqui.

— Vamos ligar a televisão para saber dos estragos.

Assim que ligaram a TV o repórter estava falando:

— A chuva que atingiu nossa cidade essa noite foi muito violenta, mas os estragos que ela causou foram pequenos. Estamos aqui com diretora desta escola, Sra. Mariana Montenegro. O que aconteceu aqui durante a chuva, diretora?

— Bem, eu só tive tempo de correr para o meu carro e o telhado veio abaixo…

— Era um telhado muito antigo? — perguntou o repórter. — Sabemos que em nossa cidade tem muitas construções do século passado…

— Isso que foi mais estranho! — disse a diretora. — O telhado era novo e muito reforçado. Muitas construções antigas ficaram intactas, mas não tivemos sorte…

Ana desligou a televisão, exclamando:

— Dina, você também tem o poder de criar tempestades?!

CAPÍTULO 57 – O DESAPARECIDO

No dia seguinte Ana se encontrou com Ondina no lugar combinado.

— Eles acabaram de descobrir o que aconteceu com o anjo da morte — disse Dina, preocupada. — Logo virão atrás de nós.

— O que vamos fazer? Como vamos fugir desses seres poderosos? — perguntou Ana, aflita.

— Eu estou disfarçada, eles vão demorar para me encontrar. Quanto a você, não posso fazer nada, eles vão te encontrar assim que chegarem aqui.

— O que eu faço, Ondina?

— Pode me chamar de Dina. Sou a mesma pessoa, sua amiga…

— Sim, minha amiga querida, o que eu faço?

— Você precisa estar perto de mim se quiser ter uma chance de continuar viva. Não posso garantir nada, mas, como já falei, lutarei por você até a morte.

— Mesmo que anjos não possam morrer… — disse Ana.

— Não morremos jamais, somos eternos. Morrer para nós é só uma “força de expressão”, que significa um longo período de recuperação.

— O que você pretende fazer, temos algum plano? Por quanto tempo vamos conseguir escapar deles?

Dina compreendia a preocupação de Ana.

— Tenho um plano, o único possível nesse caso. Precisamos encontrar o Matuto.

— Por favor, Dina, quem é esse cara e como vamos encontrá-lo?

— O Matuto era uma alternativa do plano “A”, que na verdade era dividido em dois: o primeiro falhou com a morte do senhor Gerson; o segundo era relacionado ao Matuto, mas ele desapareceu faz algum tempo.

— Por isso eles partiram para o plano “B”, que é me matar?

— Sim, mas conseguimos impedir isso até agora — disse Dina, lembrando da sua luta com o anjo da morte.

Ana não havia entendido uma coisa:

— O que esse Matuto tem a ver com toda essa situação? — perguntou ela.

— Os anjos encontraram muitas pessoas que vão querer matar o tirano, mas só duas delas podem realmente cumprir seu intento.

— Vamos ver se eu entendi — disse Ana. — Um descendente do Matuto pode matar o tirano, assim como um descendente do falecido senhor Gerson…

— Sim, esse seria o plano “A” em suas duas subdivisões. Exterminar você é o plano B, algo impensado a princípio, mas que por fim se tornou necessário, segundo o pensamento da liderança angelical.

— Como alguém consegue desaparecer de modo que nem os anjos conseguem encontrá-lo?  perguntou Ana.

— Isso é possível se a pessoa estiver alguns metros embaixo da terra ou embaixo d’água. Eu tenho certeza que o Matuto está embaixo da terra.

— Por que você tem essa certeza? Quer dizer que ele deve estar morto?

— Ele não está morto, se estivesse seria encontrado pelos anjos da morte. E se estivesse embaixo d’água teria morrido afogado, a menos que estivesse em um submarino. Tendo em vista o poder aquisitivo do Matuto, essa hipótese está descartada.

— Mas embaixo da terra ele também não deveria estar morto? — indagou Ana.

— Não se ele estiver em uma mina subterrânea. Acredito que ocorreu alguma avalanche e ele ficou preso lá.

— Mas como alguém sobreviveria tanto tempo preso numa mina? Como a pessoa iria se alimentar?

— Ele poderia ter uma boa quantidade de alimentos em mãos. Além disso, outras pessoas que lá estavam podem ter morrido e ele pode usar os suprimentos deles.

Ana sentiu o desespero tomar conta de sua alma.

— Como vamos achar alguém dentro de uma caverna subterrânea, se todos os anjos já procuraram e não acharam? Veja o tamanho do Brasil…

— Aí que entra o meu plano, Ana. Vamos fazer algo que os outros anjos não fizeram: conversar com as pessoas, obter informações até encontrá-lo.

— Quanto tempo temos para fazer isso? — perguntou Ana, aflita.

— Nem sei se temos tempo, o Matuto pode morrer a qualquer momento. Além disso, logo virão atrás de você e pode ter certeza que dessa vez eles não virão sozinhos.

— Por onde vamos começar essa procura, não existem muitas minas subterrâneas pelo país afora? Como vamos percorrer o mundo a pé?

— Vamos de carro! — informou Dina, apontando para um veículo que estava estacionado do outro lado da praça.

CAPÍTULO 58 – A DELEGACIA

Elas entraram no carro e Dina explicou:

— Peguei esse carro de um casal que viajou para o exterior e não vai mais voltar. Na verdade, eles morreram por lá e…

— Tudo bem, Dina, não precisa me contar a história toda. Precisamos focar em encontrar o senhor Matuto. Por onde vamos começar?

— O Matuto é um baiano do interior, ele residia na zona rural de Jacobina, de onde desapareceu. É por lá que vamos começar.

— Estamos indo para a Bahia? — exclamou Ana. — Vou avisar meu marido…

— Sim — concordou Dina. — Fale para ele que você vai precisar ficar pelo menos três dias fora.

— Você me colocou numa encrenca daquelas, Dina — disse Ana, brincando.

Dina sorriu, mas falou:

— Estou te livrando de uma encrenca, isso sim. Se não fosse a minha intervenção você já estaria morta a essa altura e nem saberia o motivo.

— Do que eu teria morrido, já que tenho saúde?

— Não sei, Ana, mas os anjos da morte são muito criativos, eles achariam um bom motivo sem nenhuma dificuldade.

Ana então perguntou:

— Você pode usar seus poderes normalmente? Se o fizer não vai chamar a atenção e perder seu disfarce?

Dina fez cara de preocupação:

— Não posso chamar a atenção de modo algum, por isso só vou fazer algo fora do normal em caso de absoluta necessidade.

De repente Ana começou a sentir sono. Dina falou:

— Pode dormir, Ana. Eu não sinto sono e posso dirigir sem parar.

Ana dormiu e quando acordou Dina falou:

— Já estamos chegando em Jacobina e…

— O que?! — gritou Ana. — Quantas horas eu dormi?

— Acho que umas quatro horas e…

— E você percorreu mais de mil quilômetros em quatro horas? — Como você fez isso?

— Bem… eu… — gaguejou Dina. — É que esse carro chega a atingir 300 quilômetros por hora e…

— Você dirigiu a 300 quilômetros por hora comigo do seu lado? Você está querendo poupar o trabalho dos anjos da morte?

— Não teve perigo algum, Ana, essa velocidade para mim é muito pequena, estou acostumada a viajar na velocidade da luz…

Ana balançou a cabeça, falando:

— Tudo bem! Agora me diz como vamos encontrar o Matuto?

— Não sei ainda, estou pensando… — respondeu Dina.

Nesse momento elas chegaram num comando policial e tiveram que parar.

— O que vamos fazer, Dina? Você não pode usar seus poderes pois chamará a atenção dos anjos…

— Deixa comigo, vou tentar resolver.

O policial pediu os documentos de Ana.

— Sabe o que é, senhor policial, eu esqueci meus documentos em casa, mas tenho algum dinheiro aqui…

O policial fingiu que não ouviu aquela tentativa de suborno.

— Deixe-me ver os documentos da sua amiga — disse o policial com impaciência.

Ana colocou a mão na cabeça e falou:

— Eu também esqueci meus documentos em casa, senhor policial, é que saímos meio rápido e…

— Se vocês estão sem documentos vão ser detidas para averiguação.

— Mas nós não fizemos nada de errado! — implorou Ana.

— Como eu vou saber disso se não tenho os documentos de vocês para checar?

Por fim Ana e Dina foram conduzidas para a delegacia, onde o delegado falou:

— Amanhã vocês vão conversar com o juiz. Como já é tarde vocês terão que passar a noite aqui.

Logo após elas foram colocadas em uma cela. Então Dina falou:

— Acho que foi melhor assim, Ana.

— Como assim, Dina? Estamos presas, o Matuto pode morrer a qualquer momento, uma legião de anjos da morte virá atrás de mim… E foi melhor assim?!

— Sabe o que é, ao relento, no meio da rua, eu não quis usar meus poderes. Mas aqui dentro da delegacia não chamaremos a atenção dos anjos.

— Mas já está anoitecendo, o que você vai fazer? — perguntou Ana.

— O plano é o seguinte — disse Dina, tentando mostrar que estava no controle da situação.

— Assim que todos forem embora deve ficar somente um carcereiro. Eu o farei dormir, abrirei essa porta e vamos embora.

— É isso? Tão simples assim? — ironizou Ana.

— Antes vamos ver nos computadores as informações que precisamos sobre o Matuto.

Nessa hora Ana teve um estalo:

— Ah, entendi! Você planejou essa prisão, você não muda, Dina, sempre agindo por conta própria.

Daí a pouco elas estavam acessando o computador da delegacia.

— Qual é o nome verdadeiro dele? — perguntou Ana. — Matuto deve ser apelido.

— Se não me engano é Josivaldo… Aqui está, achei! — disse Dina, eufórica.

Após anotar o endereço do Matuto, Dina escreveu um bilhete e deixou em cima da mesa do delegado:

“Vocês esqueceram a porta da cela aberta. Desculpe, mas precisamos ir embora.”

Enquanto elas saíam do prédio da cadeia, Ana perguntou:

— Quando o carcereiro vai acordar?

— Eu posso acordá-lo a qualquer momento, porém, se eu me esquecer ele acordará de qualquer forma daqui a uma ou duas horas.

CAPÍTULO 59 – AS ONÇAS

Ana e Dina foram caminhando no meio da noite em direção à zona rural da cidade.

— Qual é o endereço do Matuto? — perguntou Ana, apreciando o céu noturno.

— Na ficha dele consta Estrada da Serra, sem número, última casa à direita.

Depois de andarem um pouco elas viram uma placa apontando a referida estrada. E mais à frente outra que dizia:

“Cuidado, animais silvestres!”

Depois de caminharem uns trinta quilômetros, Ana falou:

— Não consigo mais andar, Dina. Essa estrada não tem fim?

Nesse momento Dina parou, falando.

— Sinto a aproximação de dois animais de grande porte. Parecem onças…

— Onças atacam à noite? Por favor, não quero morrer comida por feras.

— Não vou deixar isso acontecer, Ana, mas preciso ter cuidado, qualquer coisa que eu fizer pode chamar a atenção.

Como era noite de luar elas puderam ver duas onças imensas se aproximando delas. Dina falou:

— Não quero matá-las, Ana, assim que duas onças mortas forem encontradas sem ferimentos à bala nem envenenamento os defensores da ecologia vão espalhar a notícia pelo mundo e todo o universo saberá do ocorrido. É óbvio que vão deduzir que tenho algo a ver com isso.

— O que vamos fazer, atirar nelas? — perguntou Ana, baixinho, como se adiantasse alguma coisa falar baixo.

— Eu preciso de pelo menos trinta a quarenta segundos para fazer alguma coisa, posso deixá-las cegas, posso paralisá-las, posso fazê-las dormir, mas preciso desse tempo.

— Nós temos esse tempo? — perguntou Ana, tremendo.

— Não sei, eu…

Dina não teve tempo de completar a frase. As duas onças atacaram ao mesmo tempo. Ana só teve tempo de pular para o lado e uma onça caiu onde ela estava.

— Eu tive que matá-las — disse Dina, contrariada.

— Você lançou aquele míssil de energia no cérebro delas?

— Sim, foi morte instantânea. Agora precisamos enterrar esses bichos…

Nesse momento elas ouviram um assovio.

— Está vindo alguém — disse Dina.

— O que vamos fazer? — perguntou Ana. — A pessoa que está vindo vai ver as onças mortas e espalhar a notícia…

— Fique aqui, vou ao encontro dele — disse Dina, resoluta.

Daí a pouco Dina encontrou o homem que estava vindo na estrada.

— Boa noite, senhor, o que faz por aqui à noite?

— Eu que pergunto a você: o que uma moça tão bonita faz nesse fim de mundo no meio da noite?!

— Bem, eu…

— Você sabe que tem onças por aqui? Você tem sorte de ainda estar viva — disse o homem.

— Mas… e o senhor… não tem medo delas?

— Não, moro aqui desde que nasci…

— Quer dizer que as onças conhecem o senhor e não o atacam?

— De modo algum, se elas me virem me devoram na mesma hora.

— Não estou entendendo. Como o senhor consegue não ser visto por elas?

— Sabe o que é — disse o homem. — Minha avó me ensinou uma simpatia poderosa. Com ela eu caminho sem ser visto pelas onças.

Isso foi surpresa para Dina.

— Que interessante, e eu sofrendo para… deixa para lá. O senhor pode me dar uma informação?

— Claro que sim, desde que seja do meu conhecimento.

Dina foi caminhando com o homem em direção a Ana e as onças mortas. Quando se aproximou delas o homem falou:

— O que está acontecendo, minhas vistas escureceram… Não estou vendo nada!

— Eu vou guiar o senhor até mais à frente. Deve ser um mal súbito, logo sua visão voltará ao normal.

Ana ficou só olhando eles passarem. Dina piscou para ela e prosseguiu, conversando com o homem.

— O senhor conheceu o Matuto, que mora no fim dessa estrada?

— Conheci sim… coitado, deve ter morrido no garimpo, mas seu corpo nunca foi achado.

— Sabe o que é — disse Dina — eu preciso saber onde fica esse garimpo que ele foi. Sou sobrinha dele e quero encontrar o corpo para fazer o funeral…

— Nossa! — exclamou o homem — O Matuto tinha uma sobrinha tão bonita?

Nessa hora o homem voltou a enxergar.

— Minhas vistas melhoraram — disse ele. — Você tinha razão, foi só um mal súbito.

— Que bom! — concordou Dina. — Mas, então, o senhor pode me informar onde fica esse garimpo?

— Eu não sei!

Essas palavras soaram como uma bomba nos ouvidos de Dina.

— Meu senhor, eu preciso encontrar o Matuto, por favor, me ajude.

— Mas eu já falei que não sei onde é o garimpo que ele foi…

— O senhor conhece alguém que foi com ele? Alguém que foi nesse garimpo e voltou…

— Ah! Conheço sim… Tem o “seu” Mané Gingado. Ele foi com o Matuto e conseguiu voltar com vida.

— E onde posso encontrar esse “seu” Mané Gingado?

— Ele mora nos fundos da venda do “seu” Geraldo.

O homem explicou como chegar na casa de Mané Gingado e foi embora. Dina voltou correndo até onde Ana estava.

— Precisamos enterrar esses animais antes que apareça mais alguém.

— Como vamos fazer isso? Não temos nenhuma ferramenta…

— Vamos ter que improvisar… — disse Dina, procurando pedras e pedaços de madeira.

Depois de algum tempo as onças estavam enterradas.

— Ainda bem que dificilmente passa gente por aqui — disse Ana, ofegante.

CAPÍTULO 60 – “SEU” MANÉ

Por volta de dez horas da manhã Ana e Dina chegaram no comércio do “seu” Geraldo.

— Preciso falar com o “seu” Mané Gingado — disse ela ao dono do comércio.

— Vou chamá-lo para vocês. Ainda bem que vieram de manhã, daqui a pouco ele estará bêbado e ninguém consegue falar com ele.

Daí a pouco “seu” Mané chegou onde elas estavam, perguntando:

— O que vocês querem? Se forem assistentes sociais vou soltar meus cachorros em vocês…

— Não somos assistentes sociais, não…

— Ainda bem, não quero voltar para aquela clínica e…

— “Seu” Mané, nós só queremos conversar sobre o garimpo…

— Ah, bom! Então tudo bem… O que vocês querem saber?

— Precisamos encontrar o Matuto. O senhor sabe onde ele está?

O homem pensou um pouco e falou:

— Sim, eu sei onde ele entrou, mas já deve estar morto faz tempo, vocês vão encontrar só o esqueleto…

— Tudo bem, mas precisamos que o senhor nos diga onde encontrá-lo…

— Eu vi onde ele entrou… depois teve um desmoronamento, ele deve ter sido soterrado lá e…

— Pode nos fazer um mapa do lugar? Temos que encontrar o corpo dele para a família…

O homem viu uma boa oportunidade de ganhar um dinheiro.

— Entendi, vocês foram contratadas para encontrar o corpo. Devem estar ganhando um bom dinheiro para fazer isso. E para o velho aqui, nada?

Dina não se surpreendeu com isso:

— Quanto o senhor precisa, “seu” Mané?

— Bem, estou com quatro meses de aluguel vencidos. Não consigo arrumar trabalho. O dono da venda está querendo me despejar…

— Tudo bem, quanto o senhor paga de aluguel?

— Quinhentos reais mensais…

— Tudo bem, “seu” Mané. Vamos combinar uma coisa. Se eu lhe der dois mil reais, que dá para pagar os quatro meses que o senhor está devendo, o senhor faz um mapa do local onde o Matuto entrou?

— Não! — disse ele, imitando um burro empacado.

— Como assim? — perguntou Ana, nervosa.

— É muito pouco…

— Quanto o senhor quer, “seu Mané”? — perguntou Dina, cada vez mais impaciente.

— Pelo menos três mil reais para eu ficar com dois meses em haver…

— Tudo bem, três mil reais…

Dina colocou a mão no bolso, pegou um maço de dinheiro e começou a contar. Ela contou três mil e cem reais.

— Aqui está, “seu” Mané: trinta notas de cem reais.

— Poderia me dar mais essa nota?

O homem apontou para a última nota de cem que ficou com Dina.

— Vou precisar dessa, o senhor quer que a gente volte a pé para casa? — disse Dina, sorrindo.

— Tudo bem, vou fazer o mapa para vocês.

Quando elas estavam indo embora Ana perguntou:

— O sobrenome do senhor é “Gingado” mesmo ou é apelido?

O homem olhou para ela e falou sorrindo, feliz com o lucro que tinha obtido:

— É apelido, pois gosto muito de dançar, já ganhei duas vezes o concurso de dança da cidade…

CAPÍTULO 61 – O CERCO POLICIAL

Ana precisava perguntar aquilo:

— Onde você arrumou esse dinheiro, Dina. Vai me dizer que é herança?

— Eu só tinha cem reais, mas fiz “brotar” mais trinta notas iguais e…

— Notas iguais? Quer dizer que todas têm o mesmo número?

— Sim, respondeu Dina.

— Desse jeito o pobre senhor Gingado poderá ser preso… não acho certo você fazer isso.

— Por que você está preocupada com isso, Ana? Esse pessoal mal sabe ler e escrever, você acha que vão checar os números das notas.

— Tudo bem — concordou Ana. — Mas e os cem reais, onde você conseguiu?

— Ah, essa cédula caiu do bolso de um ladrão que estava fugindo…

Ana balançou a cabeça e perguntou:

— Onde fica esse lugar que o “seu” Mané apontou no mapa?

— Fica a mais de cem quilômetros daqui — respondeu Dina. — Precisamos recuperar o carro.

Depois de se informarem sobre a localização do pátio de recolhimento de veículos da cidade, elas se dirigiram para lá.

— Como vamos pegar o carro, se você não pode usar seus poderes?

Dina então revelou uma coisa:

— Sabe o que é, Ana. Quando o “seu” Mané fez o mapa, eu pude sentir que o Matuto está morrendo.

— Como assim “pude sentir”? — perguntou Ana.

— Não sei, Ana, talvez por ter pensado nele juntamente com o “seu” Mané uma conexão se fez. Eu tenho a impressão que o Matuto tem poucas horas de vida.

— O que vamos fazer então?

Dina falou com firmeza:

— Tudo que for preciso, não podemos mais nos dar ao luxo de ficar nos escondendo. Se o Matuto morrer tudo estará perdido.

Elas chegaram no pátio de recolhimento de veículos e Dina falou:

— Espere aqui, já volto!

Daí a pouco Ana ouviu latidos, gritos, tiros, e depois um silêncio total.

— O que será que aconteceu? — pensou ela.

Alguns minutos depois Dina surgiu saindo do pátio com o carro.

— Vamos sumir daqui, um funcionário do pátio conseguiu acionar o alarme antes de ser paralisado. A polícia deve estar vindo para cá…

Daí a pouco elas começaram a escutar sirenes e três carros de polícia vieram desembestados atrás delas.

— Tudo bem! — disse Ana. — Você consegue dirigir a 300 Km por hora…

— Na estrada sim — retrucou Dina, preocupada. — Dentro da cidade não dá, tem muitos veículos, pessoas atravessando as ruas…

— O que vamos fazer então? — perguntou Ana, cada vez mais desesperada.

Nesse momento elas foram cercadas por mais três que carros de polícia que vieram pela frente.

— Não temos tempo para mais nada. O Matuto pode dar o último suspiro a qualquer momento e estamos a mais de cem quilômetros de onde ele está.

— Desçam com as mãos para cima — gritou um policial com megafone.

— Feche os vidros do carro, Ana, vamos levar tiros! — disse Dina.

— Mas… você não consegue bloquear as armas deles?

— Não tenho tempo para isso. Ainda bem que eu revesti o carro com o mesmo material inquebrável da minha casa, você se lembra?

— Claro que sim! — disse Ana, quase chorando.

— Vamos lá então…

Dina acelerou o carro para cima dos policiais, que tiveram que correr para não ser atropelados.

A partir de então ela foi colidindo com todos os carros de polícia que estavam no caminho dela. Em um deles a batida foi tão forte que a viatura começou a pegar fogo e explodiu.

Ana tampou os ouvidos, porque o barulho dos tiros contra o carro era muito alto.

— Eles estão usando fuzil, Dina! Esse carro vai resistir?

— Vai sim! — disse Dina, mordendo os lábios.

Daí a pouco elas estavam voando baixo na estrada e Ana viu o ponteiro do velocímetro chegar em 300 Km por hora.

— Pelo amor de Deus, Dina, vamos morrer!

Daí a pouco elas chegaram num ponto onde não dava mais para ir de carro.

— Vamos ter que caminhar por uns dez minutos — disse Dina, descendo do carro e puxando Ana pelo braço.

E finalmente elas chegaram no lugar onde houve a avalanche.

CAPÍTULO 62 – OS DEMÔNIOS

Assim que desceu do carro Dina viu um demônio correndo e entrando em um pequeno buraco no chão.

— Espere aqui, Ana, acho que esse demônio sabe que o Matuto está morrendo e foi lá para se certificar da morte dele.

Dina seguiu o demônio e logo se viu dentro da mina. Depois de andar mais ou menos um quilômetro embaixo da terra ela chegou onde o Matuto estava.

O homem estava caído no chão, como morto. Dina tentou chegar perto dele, mas foi atacada pelo demônio.

Depois de ter lutado com o anjo da morte, aquele ser parecia apenas um inseto fraco para ela. Bastou um golpe da sua espada e o demônio foi despedaçado vivo.

Dina colocou a mão na cabeça do Matuto, que conseguiu abrir os olhos.

— Quem é você? — falou ele, com a voz arrastada.

— Eu vim salvar você! — disse Dina, sorrindo.

Dina levou o Matuto nos braços, fazendo de volta o caminho que o demônio tinha ensinado para ela.

Assim que Ana viu Dina saindo daquele buraco com o homem nos braços gritou:

— Você conseguiu, Dina, estamos salvas!

Dina colocou o homem numa sombra atrás de uma rocha e continuou fazendo pressão em sua testa.

— O que você está fazendo? — perguntou Ana.

— Se ele morresse eu não poderia fazer mais nada, mas como ainda está vivo posso recuperá-lo aos poucos…

O Matuto abriu os olhos e desmaiou de novo.

— Ele vai ficar bem! — disse Dina, tranquilizando a amiga.

Mas de repente Dina gritou:

Fique aqui com ele, Ana, estamos sendo atacadas.

— Atacadas por quem? — perguntou Ana.

— Vou abrir seus olhos — disse Dina.

Ana olhou para cima e viu uns quarenta ou cinquenta demônios voando ao redor, como urubus atrás da carniça. Era um mais horripilante que o outro.

Dina falou:

— Não vou conseguir vencer todos eles, são muitos. Se eu for vencida, por favor, leve o Matuto para a casa dele.

— Como vou fazer isso? — perguntou Ana. — Não consigo carregá-lo até o carro…

— Não consigo pensar nisso agora, mas assim que encontrei o Matuto chamei meus amigos. Eles chegarão dentro de meia hora, mais ou menos.

— Por que você não os chamou antes? — perguntou Ana.

— Eles não viriam, só viriam se eu encontrasse o Matuto!

— Você não consegue resistir até eles chegarem?

— Não vai ser possível, são muitos demônios, nosso combate não vai durar nem cinco minutos.

Nesse momento os demônios atacaram Dina, que com um salto tomou a forma de anjo e puxou sua espada.

Ana não podia fazer nada e viu o anjo-Dina lutando bravamente, mas sendo vencida devido a enorme quantidade de demônios que a atacavam ao mesmo tempo.

De repente Ana olhou para o céu e gritou:

— Aguente mais um pouco, Dina, seus amigos estão chegando!

Uma luz cintilante surgiu nas nuvens e veio se aproximando deles na velocidade da luz. De repente Ana viu tudo se iluminar e o que aconteceu a seguir não pode ser reproduzido por palavras humanas.

Começaram a voar para todo lado pernas, barbatanas, escamas, couros, olhos, línguas, tripas, e tudo que se é possível imaginar.

Gritos, urros e gemidos se fizeram ouvir por todos que podiam ouvir e enxergar as coisas espirituais.

Um pouco mais abaixo de onde eles estavam alguns homens trabalhavam normalmente, como se nada estivesse acontecendo.

Depois que os demônios foram literalmente triturados, três anjos da morte guardaram suas espadas e falaram com o anjo-Dina:

— Finalmente encontramos vocês!

E, olhando para Ana um deles falou:

— Agora ela virá com a gente!

CAPÍTULO 63 – OS ANJOS DA MORTE

Dina-anjo olhou para os três anjos da morte parados na frente dela e falou:

— Agradeço por nos salvarem daqueles demônios e…

— Nós não salvamos ninguém, só abrimos caminho para chegar até vocês   urrou um deles.

— Agradeço mesmo assim, eu estava com os minutos contados, se não fosse por vocês…

Um dos anjos da morte falou:

— Soubemos o que você fez com nosso amigo Almat. Já denunciamos sua conduta e seu julgamento será amanhã!

— Não me importo de ir a julgamento, mas deixem Ana em paz, achamos o Matuto! — revelou Dina, apontando para onde o homem estava deitado.

— Isso não importa mais! — vociferou um dos anjos da morte. — Vamos cumprir nossa missão de qualquer forma, você não pode nos deter.

Dina se aproximou de Ana e falou baixinho:

— Precisamos ganhar tempo, meus amigos não devem demorar…

— O que vocês estão cochichando? — perguntou um dos anjos da morte. — Exijo respeito na minha presença, não gosto que falem pelas minhas costas.

Ana então falou:

— Eu estava falando com Dina que quero fazer uma oração antes de partir!

Os anjos mostraram que não gostaram daquilo, mas não podiam negar um pedido desses, já que na verdade eles eram anjos e não demônios.

— Tudo bem, faça logo sua oração e vamos embora.

— Do que eu vou morrer? — perguntou Ana, curiosa?

— Não importa — disse um dos anjos. — Infarto, derrame cerebral, mal súbito, colapso, seja lá o que for…

— Ou tudo isso ao mesmo tempo — disse outro.

— Prefiro mal súbito — sugeriu Ana.

Dina quase deu uma risada, ela sabia que Ana estava só ganhando tempo.

— Faça logo sua oração e vamos embora — gritou um dos anjos da morte.

— Tudo bem! — disse Ana, que começou a orar:

— Querido e amantíssimo Deus, que criou todas as coisas, desde os micróbios até as estrelas, peço nessa hora…

— Pare! — gritou um dos anjos da morte. — Isso não é oração, você está jogando palavras ao vento…

— Isso nunca vai ser ouvido por Deus! — disse outro anjo.

— Você não tem fé! — falou o terceiro deles.

Dina então falou:

— Pessoal, vamos com calma com isso, quem tem que saber se ela tem fé ou não é Deus e não vocês.

— Vai me dizer que você não sabe quando alguém tem ou não tem fé? — disse o anjo da morte que parecia mais raivoso.

Dina filosofou:

— Eu evito esse tipo de julgamento, que é da alçada de Deus e não dos anjos…

Essa discussão sobre ter fé ou falta dela continuou por mais alguns minutos, tempo suficiente para que os amigos de Dina chegassem.

Toda aquela empáfia dos anjos da morte acabou naquele momento.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou um dos anjos recém-chegados.

— Esses senhores querem levar Ana, mesmo sabendo que encontramos o Matuto, que está descansando ali — disse Dina, aliviada com a chegada dos amigos.

Alguns anjos chegaram perto do Matuto.

— Ele vai viver! — disse um deles.

Nesse momento um dos anjos da morte resolveu encenar um ataque de nervos:

— Não podemos voltar de mãos vazias! Nossa missão não pode falhar de novo! Vamos levar essa mulher de qualquer forma!

Os três anjos da morte correram na direção de Ana, mas foram cercados por vários anjos que apontaram para eles suas espadas:

— Vocês vão querer lutar? — disse um dos anjos.

Era óbvio que os três anjos da morte não eram páreo para mais de quarenta anjos guerreiros.

— Tudo bem! — disseram eles, contrariados.

— Mas vamos nos ver no seu julgamento amanhã! — disse um deles, olhando com fúria para Dina.

CAPÍTULO 64 – O ESTUPRO

— Eles venceram uma batalha, mas nós vencemos outra! — comemorou Dina quando estavam voltando.

— Sim! — disse Ana, feliz. — Perdemos o senhor Gerson, mas ganhamos o Matuto. Quem vai desempatar a guerra?

— Só o futuro irá dizer — respondeu Dina, pensativa e esperançosa.

Elas ficaram em silêncio por alguns minutos, até que Dina falou:

— Reparei que você estava toda suja quando cheguei com o Matuto, parece que rolou no chão… Aconteceu alguma coisa na minha ausência?

Ana não se sentiu à vontade para falar daquilo:

— É que… fui estuprada…

— O que!? — gritou Dina, quase batendo o carro. — Por que você não me falou? Vou matar esse canalha…

— Não tinha como eu falar, o Matuto estava com os minutos contados, se eu te chamasse de volta tudo poderia ir por água abaixo, então preferi me sacrificar em prol da missão.

Dina não conseguia assimilar aquilo.

— Vamos voltar lá, Ana, quero transformar esse crápula em pó…

— Não, Dina, não precisa fazer isso…

— Estou achando você muito conformada, Ana, nenhuma mulher que é estuprada fica assim. Por favor, conte direito o que aconteceu…

— Bem…

Ana estava envergonhada. Dina tentava conectar seus poderes superiores para descobrir o que houve, mas não conseguia. Então Ana falou:

— Foi assim… ele não foi estúpido… foi até gentil comigo…

— Não estou acreditando nisso! — gritou Dina, com impaciência. — Você gostou de ser estuprada?

— No começo eu me assustei, mas era um homem muito forte e bonito. Ele começou a me beijar e não resisti…

— Não pode ser…

— Ele não era um estuprador profissional na verdade… acho que era só um homem que estava muito tempo sem sexo e…

— Era um estuprador, Ana, coloque isso na sua cabeça. Você foi estuprada sim…

— Se você pensa assim, tudo bem… — disse Ana, envergonhada.

— Você já pensou que pode ter ficado grávida?

— Pensei, mas espero que não, senão não sei o que fazer…

— Por que você não sabe o que fazer? — perguntou Dina. — Não seria o caso de fazer um aborto?

— Eu jamais faria isso! — disse Ana, com firmeza. — Vai contra todos os meus princípios…

Dina continuou dirigindo e pensou:

— Já sei de onde virá o tirano…

CAPÍTULO 65 – AMOR

Quando elas chegaram em frente à casa de Ana, Dina falou:

— Vou colocar o carro de volta onde o peguei…

Ana acenou afirmativamente com a cabeça, concordando com esta atitude da amiga, e perguntou:

— Será que o Matuto vai mesmo ficar bem?

— Claro que sim, ele encontrou alguns amigos por lá, eles vão levá-lo de volta para casa. Ele será recebido com festa na cidade, pois todos gostavam dele.

— Que bom! — comemorou Ana.

— Além disso, ele terá a proteção dos anjos 24 horas por dia. Não podemos correr o risco de perde-lo de novo.

— Fico feliz com isso, pois pelo jeito minha vida depende de ele viver…

Dina então falou, fazendo cara de preocupação:

— Vou ter que enfrentar esse julgamento, Ana. Se eu não comparecer a minha pena poderá ser muito maior, talvez eu nunca mais a veja…

— Como assim?! — gritou Ana. — Pensei que estava tudo bem…

— Para mim não está nada bem! — informou Dina. — Posso pegar uma pena muito longa…

— Quanto é “muito longa” para você, Dina?

— Alguns milênios…

— Não acredito, então podemos realmente não nos ver mais…

— Eu tenho vários pontos a meu favor, principalmente por ter encontrado e salvado o Matuto. Mas tudo pode acontecer.

— Quem sabe seja absolvida — disse Ana, mostrando-se otimista.

— Eu não serei absolvida, Ana, isso não é possível. A questão é quantos anos de prisão celestial eu vou pegar…

— Posso ser sua testemunha? — perguntou Ana ingenuamente.

— Não precisamos de testemunha no céu, lá podemos ver todas as cenas e assim o julgamento é plenamente justo.

— Quem será seu advogado? — perguntou Ana. — Você precisa de um! Mesmo aqui na terra, onde tem tanta injustiça todos têm direito à ampla defesa…

— Também não temos necessidade de advogado no céu — respondeu Dina. — As próprias cenas que causaram a denúncia estão ao alcance de todos, dessa forma as próprias imagens do fato nos acusam ou defendem.

— Estou entendendo, Dina. Quer dizer que você não pode abrir a boca, é julgada pelas imagens e fim de papo?

— Se eu quiser posso falar, sim, mas não tem necessidade porque tudo que poderia ser dito está nas imagens e áudios disponibilizados.

— Posso te dar uma ideia? — pediu Ana. — Por que você não diz que fez tudo por amor? Afinal de contas você falou que me ama…

— Posso falar sim, Ana, mas eles já sabem disso e vão levar em consideração na sentença. Então seria chover no molhado…

Ana queria dar alguma ideia que fosse útil para ajudar a amiga angélica.

— Você poderia chorar, Dina. Isso pode sensibilizá-los…

Essa possibilidade não agradou Dina, que falou:

— Não sei se seria bom, Ana, porque mesmo que me ajudasse num primeiro momento, diminuindo minha pena, não seria bom no futuro, pois eu seria visto como um anjo fraco, problemático, quase humano…

Ana continuou tentando:

— Mas se houver uma possibilidade de reduzir sua pena, eu peço que faça isso por mim, Dina, não quero ficar muito tempo sem ver você.

Ao ouvir isso as lágrimas brotaram nos olhos de Dina.

— O nosso amor é muito grande! — disse ela abraçando a amiga.

CAPÍTULO 66 – SAIDINHA DE NATAL

Antes de ir embora Dina falou que voltaria para contar a Ana o resultado do seu julgamento e para se despedirem.

Ana estava conformada, sabia que não poderia segurar sua amiga a seu lado para sempre, afinal de contas ela era de outra ordem de criação.

Passaram-se alguns dias e nada de Dina aparecer. Por fim as aulas voltaram e Ana continuou frequentando o curso, apesar da eterna melancolia que sentia estando longe de Dina.

Foi no meio de uma aula que alguém bateu na porta e a professora foi atender. Mas qual não foi o susto de Ana quando entraram ao mesmo tempo na sala de aula Dina e Ondina.

— O que é isso?! — exclamou Ana.

Dina tomou a palavra na frente da classe:

— Professora e colegas de curso, eu e minha amiga Ondina viemos nos despedir. Não poderemos continuar fazendo esse curso porque estamos nos mudando dessa cidade.

Nesse momento Ondina falou:

— Peço desculpas por não ter conseguido concluir o curso com vocês…

A professora olhou para ela e falou:

— Eu soube que você pagou o valor integral do curso, por que vai desistir?

— Motivo de força maior, professora — explicou Ondina.

— Vocês duas são irmãs? — perguntou Artur com sua voz cada dia mais irritante.

Dina respondeu:

— Somos tão unidas que poderíamos ser chamadas de irmãs, mas na realidade somos apenas amigas.

Depois disso elas se despediram da classe e se dirigiram até a porta para irem embora.

Foi quando Ana ficou em pé e falou:

— Preciso conversar com vocês duas…

Dina respondeu:

— Passe em minha casa depois da aula, podemos conversar lá.

Ana estava quase passando mal de estresse, a aula parecia que nunca ia acabar. Mas acabou e ela saiu literalmente correndo até onde era a casa de Dina, mas não tinha nada lá, só o terreno baldio.

— Você está brincando de esconde-esconde comigo, Dina? Onde você está? — dizia ela.

De repente ela se lembrou da casa abandonada, onde aconteceu aquela terrível luta de Dina com o anjo da morte.

Ana correu para lá e entrou sem bater, afinal de contas não morava ninguém ali.

— Finalmente você chegou! — disseram Dina e Ondina ao mesmo tempo.

Ana ficou parada, olhando para as duas que estavam sentadas numa mureta que separava a copa da cozinha.

— Dina, por favor, me explique o que está acontecendo… pensei que vocês fossem a mesma pessoa.

— Nós somos a mesma pessoa — respondeu Dina. — Minha amiga Ondina não existe, é apenas uma miragem.

— Mas ela está aqui, posso vê-la… Ondina, fale comigo…

— Sobre o que você quer falar, Ana? — perguntou Ondina.

— Só quero saber se você é real…

— Sim, Ana, sou real desde que me entendo por gente, ou melhor, por anjo…

Ana continuava indignada:

— Por que você fez isso, Dina, aparecer na escola dessa forma?

— Eu precisava me despedir e quis faze-lo em grande estilo. Então novamente uni o útil ao agradável: fiz uma dupla despedida usando o mesmo espaço de tempo e vi sua cara de surpresa…

— Ah, tá! Acredito que a segunda parte, a parte do “agradável” não tem preço…

Dina deu uma gargalhada e falou:

— Vim me despedir, Ana, vou começar a cumprir minha pena dentro de alguns minutos.

— Qual foi a sua pena? — perguntou Ana, já sentindo as primeiras lágrimas brotarem.

— Foi a menor possível, na verdade, segundo meus julgadores, foi uma pena simbólica.

— Que bom! — exclamou Ana. — Foram apenas alguns dias, então?

— Dez anos… — informou Dina, como se aquilo não fosse nada.

— O que?! Você chama isso de pena simbólica?

— Sabe o que é, Ana, em termos siderais dez anos não chega a ser mais que alguns minutos cósmicos…

— E eu vou ficar dez anos sem ver você?!

— Posso vir visitá-la todo final de ano…

— Vai me dizer que no céu também tem “saidinha de natal”?

— É mais ou menos isso… Na verdade eu posso sair quando eu quiser, não tem grades lá…

— Mas… então… — guaguejou Ana, sem entender. — Quer dizer que você pode sair e voltar para cá quando quiser?

— Posso, mas devo mostrar obediência. Se eu sair estarei mostrando que não aceitei a punição. Isso pode ser visto como rebeldia.

— Entendi, mas no Natal é possível, pelo visto…

— Já é tradição no céu que no Natal todos os anjos venham para a terra, para se confraternizar com os homens. Então, nesse caso, eu não só posso como devo vir…

— Tudo bem, Dina, eu a verei todos os natais por dez anos. Mas e depois, você poderá ficar definitivamente por aqui?

— O meu futuro é incerto no momento, farei de tudo para continuar trabalhando na terra, mas não depende de mim…

— Tem outros lugares precisando dos serviços dos anjos? — perguntou Ana.

— Sim, tem um número incontável de lugares precisando de nós, são milhões de estrelas com bilhões de planetas habitados…

— Bilhões?! Você não está exagerando, Dina?

— Na verdade são trilhões, só não quis assustar você com números muito altos…

CAPÍTULO 67 – ONDINA

De repente três anjos da morte apareceram no local. Ana deu um grito de horror.

— Fique calma, Ana, eu pedi que eles viessem — disse Dina com toda calma do mundo.

— Por que?! Não quero ir para o céu ainda! — disse Ana, tentando se recobrar do susto.

— Eles foram muito grosseiros e sugeri que viessem pedir desculpas para você.

— Tudo bem, mas não precisava… — disse Ana, tentando disfarçar sua cara de ódio.

Então um dos anjos da morte tomou a palavra em nome de todos:

— Desculpe-nos, senhora Ana! Espero que entenda que só estávamos cumprindo ordens…

— Ok, vocês estão desculpados. Mas posso pedir uma coisa para vocês, como compensação por tudo que eu passei?

— Pode pedir sim! — disse um deles com sua voz fúnebre.

— Quando vocês vierem para a terra errem o caminho da minha casa…

Todos riram. Depois disso os anjos foram embora e Ana falou:

— Onde está Ondina? Não a vi mais…

— Está ali — disse Dina apontando para um canto da sala. — E ali… e lá… ah, também está lá em cima…

Ondina se multiplicava aparecendo em todo lugar que Dina apontava.

Ana balançou a cabeça, pensando:

— Isso é loucura…

— Bem, estou indo embora, Ana. Juízo… — disse Dina com tristeza.

— Eu que tenho que pedir para você ter juízo, Dina. Não vá ser acusada de rebelião e pegar mais dez anos de prisão…

— Dez anos?! Não, Ana, a pena para rebelião é o abismo por toda a eternidade…

— Que horror, então jamais faça isso!

— Não farei, quanto mais agora que aprendi essa técnica tão maravilhosa e útil…

— Que técnica? — perguntou Ana, sem saber do que Dina estava falando.

— Posso lhe enviar Ondina sempre que você precisar. Ela falará por mim…

— Que bom, Dina! Então sempre que eu sentir saudades de você poderei abraçar a Ondina?

— Poderá sim, se ela quiser…

— Que bom! Ela poderá me acompanhar em qualquer lugar que eu for?

— Se vocês duas entrarem em acordo, poderá sim!

Ao dizer essas palavras Dina começou a chorar.

— O que aconteceu? — perguntou Ana.

— Vinte segundos… me dê um abraço…

Ana abraçou Dina, perguntando:

— O que você quis dizer com “vinte segundos”?

— É o tempo que ainda posso ficar aqui… cinco segundos agora…

Daí a pouco Ana estava abraçando o ar.

Ela ficou parada, olhando para o céu, até que levou um grande susto quando ouviu uma voz vinda de um canto da sala:

— Não fique triste, eu ainda estou aqui!

Era Ondina, toda feliz sorrindo para ela…

TERCEIRA PARTE – SEDE DE PODER

CAPÍTULO 68 – INTERROGATÓRIO

Elson ficou perplexo quando viu Ana e Ondina entrando juntas na casa.
— Quem é a sua amiga, Ana? — perguntou ele.
— Essa é Ondina, eu já havia lhe falado a respeito dela — respondeu Ana, não conseguindo esconder sua tristeza pela partida de Dina.
— Não entendi, Ana. Você falou que Ondina e Dina eram a mesma pessoa — disse Elson, admirado.
— Bem, era e não era — explicou Ana, tentando fazer um esforço de raciocínio. — Na verdade não sei exatamente quem – ou o que – a Ondina é.
Elson ficou olhando sem entender nada.
— Pode nos dizer quem você é, Ondina? — perguntou ele, deixando no ar a impressão de ser menos inteligente do que seria na realidade.
— Bem… eu estou tentando descobrir também… — respondeu Ondina, passando a impressão de ser mais ingênua e insegura do que seria na verdade.
— Você não sabe quem você é?! — perguntou Ana, espantada. Ondina respondeu:
— Vou dizer o que eu sei que não sou: não sou anjo nem humana.
— Já sei! — interrompeu Elson, com cara de quem matou a charada:
— Você é de outro planeta, temos uma extraterrestre em casa.
— Engano seu, Elson, não sou um ser planetário e sim celestial.
Elson resolveu colocar ordem na casa:
— Vou fazer algumas perguntas, Ondina, por favor, responda o mais objetivamente possível.
— Pode deixar! — disse Ondina, sorrindo.
— Vamos lá! — começou Elson. — Você pode morrer?
— Não como os humanos — respondeu Ondina. E completou:
— E também não como os anjos…
Antes que Elson demonstrasse sua irritação com palavras, Ondina concluiu:
— Posso deixar de existir, assim como passei a existir pela vontade de Naadiya.
— Ela está falando de Dina, esse é seu nome verdadeiro — informou Ana, completando:
— Dina sempre gostou de brincar de Deus…
— Na verdade os seres humanos também podem fazer isso — disse Ondina. — Vocês já ouviram falar de seres elementais?
— Já ouvi falar sim — respondeu Elson.
Ana pareceu não entender nada. Elson completou:
— São espíritos da natureza, formas pensamento, possuem apenas um elemento: terra, fogo, água ou ar.
Ondina concordou, falando:
— Pesquisem na Internet sobre silfos, ondinas, salamandras e gnomos.
— Quer dizer que você é um ser elemental, qual é o seu elemento? — perguntou Elson.
— Sou um ser elemental espiritual, não terreno — respondeu Ondina.
— Quer dizer que Dina, ou Naadiya, pode exterminar sua existência quando ela quiser? — perguntou Elson, gostando do rumo que a conversa estava tomando.
Ondina pareceu um tanto envergonha quando respondeu:
— Via de regra sim, mas pretendo resolver isso…
— Você quer se rebelar contra sua criadora? — perguntou Ana, indignada.
— Pretendo, claro que sim! Alguém de vocês iria querer morrer se pudesse enfrentar Deus?
Ana e Elson não gostaram das palavras de Ondina. Ela tentou consertar:
— Sempre vou amar Naadiya, ou Dina, como vocês preferem falar. Mas vou tentar achar uma maneira de me tornar independente dela…
Fez-se um certo silêncio na sala por alguns segundos.
— Outra coisa — pediu Elson, tentando ticar mais um item na sua lista de perguntas.
— Você precisa se alimentar?
Ana não gostou dessa pergunta:
— Que falta de educação com a moça, Elson. Ela vai achar que você está preocupado com os gastos se ela ficar aqui.
— Não é isso! — replicou Elson. — É apenas curiosidade. Ondina pode ficar aqui o tempo que quiser.
— Tudo bem, Ana, vou responder — disse Ondina, mostrando-se solícita. — Eu não preciso me alimentar, mas posso fazê-lo para acompanha-los, por exemplo, se formos juntos em um restaurante.
Elson estava cada vez mais curioso com tudo aquilo:
— Mas, para onde vai o alimento, você tem aparelho digestivo?
— Não tenho aparelho digestivo — informou Ondina. — Os alimentos simplesmente desaparecerão assim que eu os engolir.
— Vão para outro plano? — perguntou Elson.
— É mais ou menos isso, mas é bem complicado explicar para quem não tem qualquer noção de física aposintezional.
— Física o que?! — gritou Elson, incrédulo a respeito da existência de tal ramo da ciência. Ondina explicou:
— É a física que trata da desintegração total de determinada matéria, levando-a à inexistência plena, muito usada em planetas evoluídos. Talvez vocês descubram isso daqui a alguns séculos.
Elson balançou a cabeça, duvidando. Por fim continuou:
— Outra pergunta…
— Chega, Elson! — pediu Ana. — Você vai cansar nossa hóspede e…
— Tudo bem, Ana, eu não me canso — disse pacientemente Ondina.
— Vou fazer só mais uma pergunta, não quero ser chato — desculpou-se Elson.
— Pode falar…
— Pelo menos órgãos vocais você deve ter, ou o som sai da sua boca por milagre?
— Sim, tenho um sistema fonador, necessário para me comunicar com vocês.
Ana estava impaciente e Ondina percebeu:
— Pode perguntar Ana, sei que você tem uma dúvida — disse Ondina.
— É que eu repreendi o Elson por estar fazendo muitas perguntas. Mas quero fazer só uma…
— Ficarei feliz de responder, se estiver ao meu alcance — concordou Ondina.
— Você é de carne e osso?
— Não! Sou feita de uma matéria que imita o corpo humano, mas trata-se de algo milhões de vezes melhor.
— Essa puxou a mãe! — ironizou Ana, fazendo piada com a falta de modéstia de Ondina.
— Como você sabe tanta coisa? — perguntou Elson, quebrando a promessa de fazer só mais uma pergunta.
Ondina respondeu com aparente orgulho:
— Naadiya me passou todo seu conhecimento, sei tudo que ela sabe!
Mas depois ela pensou um pouco e corrigiu com tristeza:
— Bem, ela não me ensinou a ser imortal como ela…

CAPÍTULO 69 – A BRIGA DE TRÂNSITO

Na primeira noite que Ondina “dormiu” em sua casa, Elson não conseguiu pegar no sono nem um minuto. Como ele poderia dormir com um ser estranho daqueles dentro de sua casa, lendo seus livros e bisbilhotando seu computador?

Ondina percebeu que isso havia acontecido.

— Você dormiu bem? — perguntou ela, quando Elson apareceu na cozinha com cara de zumbi.

— Mais ou menos — mentiu ele.

— Vou dar uma volta com Ondina — disse Ana, mostrando estar feliz com sua nova amiga. Ondina então falou:

— Será que serei aceita novamente no curso? Afinal de contas paguei por ele…

— Por que você saiu do curso e agora quer voltar? — perguntou Ana.

— Ainda não sabemos adivinhar o futuro — confidenciou Ondina. — Quando eu e Dina nos despedimos realmente pensamos que ali seria o fim de tudo.

Elas saíram e Elson aproveitou para dormir um pouco.

— Não tenho condições de trabalhar hoje — pensou ele.

As duas foram caminhando pela calçada, conversando alegremente, quando presenciaram uma briga de trânsito. Ondina falou:

— Aquele cidadão do carro vermelho está errado, mas quer ter razão. Além disso, ele está com 1,8 gramas de álcool por litro de sangue. Acho que vou dar uma lição nele…

— Não faça isso! — pediu Ana. — Já sofri muito com as demonstrações de habilidade de Dina.

Nesse momento o rapaz embriagado desceu do carro e começou a chutar o carro de seu oponente.

— Não dá para não fazer nada, Ana, ele tem uma faca no bolso e assim que o outro condutor descer vai esfaqueá-lo.

Dito e feito. Mas assim que o indivíduo sacou sua faca ele deu um grito e caiu como morto.

— O que você fez? — perguntou Ana, assustada.

— Nada de mais — respondeu Ondina. — Ele só teve um ataque cardíaco fatal.

— O que!? Você matou o cara? — bradou Ana, chamando a atenção de alguns transeuntes.

— Sabe o que é, Ana, eu não tenho paciência com gente agressiva, principalmente se estiver bêbado.

— Mas… Dina só deixava a pessoa cega, ou muda, ou pregada no chão… nunca a vi matar ninguém.

Ondina se defendeu:

— É que os anjos têm um nome a zelar. Eles não devem realmente sair matando gente sem motivo. Já eu…

— Você pode fazer isso? — perguntou Ana, desesperada.

— Posso sim, Ana, afinal de contas nenhuma lei do universo pode me alcançar. Nem a lei dos anjos, nem a lei dos homens. Então sou livre para fazer o que eu quiser.

Ana pensou consigo mesmo:

— Acho que Dina criou um monstro…

— Mas não se preocupe — disse Ondina, tentando melhorar o que Ana estava pensando a seu respeito. — Vou procurar agir de forma bem comedida a partir daqui.

— Então vá lá e ressuscite o coitado — pediu Ana, sentindo-se atordoada com aquilo.

— Não dá! — informou Ondina. — Ainda não aprendi a ressuscitar pessoas.

Ana saiu dali balançando a cabeça. Algum tempo depois, quando elas estavam dentro de uma loja no shopping, Ondina confidenciou:

— Desculpe, Ana, eu menti para você…

— Como assim? — perguntou Ana, cada vez mais aturdida com o que estava presenciando em sua vida.

— Eu poderia ter ressuscitado o homem sim. Posso fazer isso com qualquer pessoa, desde que não tenha morrido a mais de seis horas.

Ana teve vontade de bater em Ondina, mas resolveu se conter, vai que ela resolvesse fazer o mesmo que fez com brigão no trânsito. Então falou:

— Por favor, Ondina, não faça mais isso, eu fiquei com uma má impressão da sua pessoa e você não pode me culpar por isso.

— Desculpe, eu não quero decepcioná-la, afinal de contas preciso de você para continuar viva, pelo menos até aprender a existir sem depender de Naadiya.

— Entendi, você está comigo por interesse… — disse Ana, cada vez mais decepcionada.

— Não é isso… quer dizer, é isso sim! Assim que eu aprender a viver independente de Naadiya vou deixar você em paz.

— Nossa, Ondina, quer dizer que não existe nenhuma forma de amor de você por mim? Dina me ama e…

— Não sinto nada por você, Ana, mas isso não quer dizer que eu não possa vir a sentir amor por você algum dia. Percebi que posso aprender a amar, embora ainda esteja nos primórdios desse aprendizado.

— O que eu posso fazer para que isso aconteça mais rápido? — perguntou Ana ingenuamente.

— Não sei, talvez se você não me recriminar por matar pessoas…

— O que?! — gritou Ana. — Jamais vou fazer isso!

— Não pude resistir a fazer essa brincadeira, Ana.

— De muito mal gosto, Ondina. Por favor, não me assuste assim.

— Desculpe, Ana, preciso te proteger para continuar existindo, então pode contar com a minha ajuda. Vou tentar fazer a sua vontade daqui para a frente.

— Que bom ouvir isso! — disse Ana. — Eu já estava ficando preocupada.

— Mas você pode fazer uma coisa: ajude-me a voltar para o curso, já que tenho que ficar perto de você o tempo todo.

— Por que você precisa ficar perto de mim? — perguntou Ana.

— São ordens de Dina, ela quer que eu a proteja, afinal de contas você pode ser alvo de um atentado a qualquer momento.

— Por que?! — perguntou Ana, assustada.

— Porque você é a avó do tirano, Dina não lhe falou isso?

— Sim, falou…

Ondina olhou para Ana e falou:

— Seu marido ficará feliz ao saber que você está grávida?

CAPÍTULO 70 – A REMATRÍCULA

Ana e Ondina chegaram na escola antes do horário da aula e bateram na porta da sala da diretora.

— O que vocês querem? — perguntou Mariana ao vê-las.

— Ondina quer voltar para o curso — disse Ana com todo o respeito do mundo.

— Não vai dar, desculpem! — respondeu a diretora. — Eu já dei baixa em sua matrícula, agora só se pagar o curso de novo porque…

Ondina interrompeu:

— Dina precisou viajar e pediu para eu continuar supervisionando suas doações.

— Está tudo em dia, aqui estão os recibos — respondeu a diretora com irritação. — Agora me deixem em paz, preciso trabalhar…

— A senhora só vai ficar em paz se me readmitir — insistiu Ondina.

— Por que você está falando isso? Está me ameaçando?

— Sim, estou ameaçando-a sim, senhora diretora. Afinal de contas tenho as provas da sua sonegação fiscal muito bem guardadas…

— Não acredito que eu vou ser chantageada duas vezes pelo mesmo motivo — disse a diretora, virando os olhos.

— Pode acreditar, pois é exatamente isso que está acontecendo — informou Ondina, acrescentando:

— Afinal de contas esse documento só será entregue à senhora quando terminar de fazer o último depósito, e sabemos que ainda faltam alguns anos…

— Tudo bem, pode voltar para o curso sua…

— Cuidado com a boca — ameaçou Ondina. — Eu não sou tão pacífica quanto Dina, pergunte para Ana a meu respeito.

— Sim, senhora diretora, Ondina tem pavio curto, é melhor ter cuidado com ela.

— Tudo bem. Pode voltar para o curso e me deixe em paz — disse Mariana com o nervosismo à flor da pele.

Ato contínuo ela bateu a porta na cara das duas e por pouco não acertou o nariz de Ondina. Na mesma hora a porta foi lançada para dentro, indo parar no outro canto da sala da diretora e se partindo em três partes.

Elas olharam para dentro da sala e viram a diretora caída no chão, mais pálida que o esqueleto que estava ao lado do armário.

— Não se fazem mais portas como antigamente — disse Ondina com sarcasmo, imitando Dina.

— O que eu vou dizer para as pessoas, que um elefante invadiu minha sala? — perguntou a diretora, chorando.

— Diga que uma corrente de vento fez isso — aconselhou Ondina.

— Mas não teve vento forte nenhum hoje — interrompeu Ana.

— Não seja por isso — disse Ondina. — Segure-se em alguma coisa, Ana.

Não deu tempo de Ana se segurar. Imediatamente ela foi arrastada para fora do corredor por uma ventania que mais parecia uma furação.

Ondina não se moveu do lugar e falou para a diretora assim que o vento parou:

— Pronto, diretora, a senhora já tem uma justificativa para a porta quebrada. No entanto, vai ficar mais caro para consertar aquele busto do patrono da educação que tem na frente da escola…

— O que aconteceu com ele?! — perguntou a diretora, recuperando as forças para ir ver o que aconteceu.

— Espatifou-se! — disse Ondina, fingindo estar triste.

CAPÍTULO 71 – A CURA

— Ondina, estou com medo de você! — disse Ana, mancando na volta para casa.

— Por que? Eu estou aqui para protegê-la, não para lhe fazer mal.

— Não parece! — duvidou Ana. — Afinal de contas você quase me matou naquela ventania.

— De modo algum, Ana, aquilo foi o mesmo que brincar num escorregador. Na verdade, quem quase morreu hoje foi a diretora.

— Como assim? Você pensou em matá-la?

— Sim, mas consegui me controlar para não deixar você assustada…
— Não seria possível ficar mais assustada do que já estou — retrucou Ana.

— Pode ter certeza que seria possível sim…

Ana parou um pouco para descansar, fazendo cara de dor por ter torcido o pé e falou:

— Se eu estivesse mesmo grávida teria perdido o bebê…

— Você está grávida sim, Ana, posso ouvir daqui as batidas do coraçãozinho dele…

— E mesmo sabendo disso você me lançou longe com aquela ventania?

— Desculpe, Ana, mas eu falei para você se segurar, você demorou muito e…

— Poderia ter esperado eu achar um lugar, onde eu iria me segurar, nas teias de aranha do corredor?

— Você poderia ter se segurado em mim! — afirmou Ondina.

— Da próxima vez vou fazer isso — disse Ana, gemendo.

Seu pé está inchando, Ana, quer ir no médico?

— Não, prefiro ir para casa, vou me deitar um pouco e logo melhora.

Depois de quase duas horas elas chegaram em casa. Elson viu Ana entrando chorando de dor.

— O que aconteceu? — perguntou ele, aflito.

— Levei um tombo — disse Ana, mal conseguindo falar.

Nesse momento Ondina abaixou-se e colocou as duas mãos no pé torcido de Ana.

— A dor passou! — gritou Ana. — O que você fez?

— Curei sua torção, só isso! — disse Ondina, como se tivesse acontecido a coisa mais normal do mundo.

— E por que você não fez isso já na saída da escola? — perguntou Ana, com irritação. — Demoramos duas horas para chegar em casa…

— No desespero não me lembrei que podia fazer isso e…

— Não seja mentirosa, Ondina, você gostou de me ver sofrendo — disse Ana, revoltada.

Elson também achou aquilo estranho:

— Ondina, por favor, responda: se você poderia ter curado Ana desde que ela torceu o pé, porque deixou-a sofrer até agora?

— Desculpem… isso não vai mais acontecer…

— Você sente prazer em ver pessoas sofrerem, Ondina? — perguntou Ana.

— Não é isso… é que…

— Por favor, Ondina, precisamos entender — insistiu Elson.

— Eu… tudo bem, eu confesso, senti prazer de ver Ana com dor. Não sei porque, não quero ser assim, me ajudem…

— Como podemos ajudá-la a não ser má? — perguntou Ana.

— Não sei, estou envergonhada — desculpou-se Ondina. — Acho que vou embora e…

— Não! Por favor não vá! — pediu Ana. — Eu preciso de você, afinal de contas podem querer me fazer mal devido ao bebê e…

Ana percebeu que falou demais. Elson deu um grito, perguntando:

— Como assim, você está grávida, Ana?

Ondina não deixou Ana responder, falando:

— Ana, você não contou para Elson sobre o estupro?

CAPÍTULO 72 – BRIGA DE CASAL

— Ainda bem que eu não preciso dormir! — pensou Ondina, enquanto ouvia a briga de Elson e Ana, que se estendeu pela madrugada adentro.

Quando Elson saiu de manhã, Ana foi para cima de Ondina como uma vespa:

— Por que você fez isso comigo? Eu não ia contar que fui estuprada e sim que o filho é de Elson.

— Que coisa feia, Ana! — recriminou Ondina. — É feio mentir dessa forma, principalmente para o seu marido.

— Agora ele me colocou contra a parede! — esbravejou Ana. — Ele quer que eu faça um aborto ou vai se separar de mim.

— O que você resolveu? — perguntou Ondina, como se o assunto não fosse tão importante.

— Prefiro o divórcio, claro, não vou matar meu filho!

— Quer dizer que Elson foi procurar um advogado?

— Tudo indica que sim — respondeu Ana, segurando o choro. — Agora vou ter que criar esse filho sozinha.

— De modo algum, Ana, eu ajudo você a criá-lo — ofereceu-se Ondina.

— Não quero sua ajuda nesse sentido, Ondina, você não tem noção de certo e errado, não segue leis e meu filho irá se transformar num…

Ana parou, ela não queria dizer aquilo. Mas Ondina completou a frase:

— Num tirano? Pelo jeito esse é o destino dele…

— Dina disse que vou ser avó do tirano e não mãe — corrigiu Ana.

— Mas quem sabe eu também ajude a criar seu neto — disse Ondina, dando uma gargalhada.

— Vamos parar de brincar com coisa séria, Ondina! — repreendeu Ana.

— Tudo bem, desculpe, amiga. Tem alguma coisa que eu possa fazer para corrigir meu erro?

— Não faço ideia, preciso pensar — respondeu Ana, desolada.

— Bem, eu poderia chantagear Elson. Se ele deixar você ficará cego pelo resto da vida…

— De jeito nenhum! — bradou Ana. — Não quero que ele fique comigo dessa forma.

Quando Elson chegou foi direto para o quarto e fechou a porta. Mas Ondina foi chamá-lo:

— “Seu” Elson, preciso falar com o senhor! — gritou ela ao bater na porta.

Elson abriu a porta muito irritado:

— O que foi, Ondina?

— O senhor pode perdoar a Ana? — disse Ondina, com ternura. — Ela ama o senhor e não quer se separar.

— Não, Ondina, não posso perdoá-la. Ana não me contou sobre esse malfadado estupro, não fez boletim de ocorrência contra o cafajeste e ainda quer ter o filho dele. Tudo isso é demais para mim.

— O senhor tem algum sonho na vida? Eu posso ajudar a realizá-lo em troca do seu perdão à Ana — afirmou ela.

— Não tenho sonho algum, Ondina — Elson pensou um pouco e continuou:

— Aliás tenho sim! Meu sonho é voltar para a minha terra natal e vou fazer isso ainda hoje.

Ondina não gostou do que ouviu.

— Acredito que não era seu sonho voltar para sua terra natal cego! — disse ela com fogo nos olhos.

Ana ouviu tudo e resolveu participar da conversa.

— Deixe ele ir em paz, Ondina, não quero viver com alguém que não me entenda, não me aceite como eu sou e, principalmente, que não aceite meu filho.

— Não vai ser possível! — respondeu Ondina. — Você já sabe como eu sou, Ana, não suporto injustiças.

— E você considera justo o que essa “piranha” fez comigo? — gritou Elson, extremamente nervoso. — Ela simplesmente teve um caso com um garimpeiro e agora quer que eu crie o filho dele…

Ondina não podia contestar esse argumento.

— Você se arrependeu de ter feito isso, Ana? — perguntou ela.

— Sim, eu me arrependi… — disse ela timidamente.

— Não é o que parece! — atacou Elson. — Se você tivesse se arrependido aceitaria fazer um aborto…

— Assassinar meu filho está fora de cogitação, pois vai contra meus princípios religiosos — discordou Ana. — Não vou me tornar uma assassina para satisfazer seus anseios machistas.

Ondina tentava colocar panos quentes na situação:

— “Seu” Elson, vou sugerir que o senhor pense melhor no assunto. Não vamos nos precipitar e…

Nesse momento alguém bateu na porta da casa. Ana foi atender e deu um grito de surpresa:

— Dina, que bom te ver, vamos entrar!

Dina entrou na sala e após cumprimentar a todos começou a falar desesperadamente.

— Desculpem-me por vir sem avisar. Ana, você está em perigo!

Por essa nem Ondina esperava:

— O que aconteceu, querida Naadiya?

— Não me chame assim, Ondina, prefiro que me chame de Dina quando estou na terra.

— Tudo bem, você é quem manda — respondeu Ondina.

Dina olhou para Elson e falou:

— Vamos ter que tirar Ana daqui por algum tempo, alguns anjos estão vindo para levá-la novamente.

Ana que já estava assustada precisou sentar-se para não cair.

— Por que? Eles não estavam bem depois que o Matuto foi salvo?

Dina sentiu profundamente dar aquela notícia:

— O Matuto morreu!

CAPÍTULO 73 – DOR DE COTOVELO

Enquanto Ana arrumava algumas coisas para fugir Ondina perguntou:

— O que aconteceu, as forças do mal venceram mais uma batalha?

— Infelizmente sim! — respondeu Dina, muito nervosa. — Eu abandonei minha prisão no céu e infelizmente vou ser lançada no abismo em breve.

— Por que você fez isso, Dina, não precisava se sacrificar por mim! — gritou Ana que ouvira tudo do quarto.

— Eu não poderia abandonar vocês duas…

Ondina se sentiu feliz ao ouvir isso:

— Quer dizer que você se sacrificou por mim também?!

— É claro que sim, eu te amo, Ondina, apesar de saber que você está querendo se livrar de mim!

— Eu não quero me livrar de você, Dina, eu também te amo. Mas não quero ser exterminada se a minha missão falhar…

— Eu não farei isso — prometeu Dina. — Vou precisar de você como aliada, nesse momento você é minha única chance de lutar.

Ondina se sentiu orgulhosa de ser tão importante.

— Não sabia que eu tinha tanto poder…

— Você é muito importante, pois será meu escudo diante de um exército de anjos da morte.

— Não estou entendendo… — balbuciou Ondina, surpresa.

— Lembra-se do rakham, que pode ferir os anjos e fazê-los dormirem por décadas? Tenho mais um comigo…

— Apenas um? — perguntou Ondina. — O que vamos fazer com um rakham contra um exército?

Dina explicou:

— Vamos multiplicá-los e precisamos começar agora, não temos muito tempo.

Elson estava ouvindo tudo sentado no sofá da sala. Por fim ele falou:

— Se quiserem podem usar essa casa como quartel general. Estou indo embora mesmo, até já comprei a passagem.

— Para onde você vai, querido? — perguntou Ana, tentando ser afável.

— Nenhum lugar que seja do interesse de mulheres adúlteras — respondeu ele com grosseria.

Ondina fez menção de castigar Elson por ter dito essas palavras, mas Dina impediu-a:

— Não faça isso, Ondina, deixe-o ir, um dia ele voltará e pedirá perdão a Ana de joelhos.

— Quem tem que pedir perdão é ela, não fui eu quem teve um caso extraconjugal — contestou Elson.

— Eu já pedi perdão! — afirmou Ana.

— Mas eu não a perdoo…

Dina teve que segurar as mãos de Ondina, pois ela estava decidida a atacar Elson outra vez.

— Não faça isso, Ondina, vamos dar um tempo para Elson, ele está apenas com o orgulho ferido.

— Tudo bem — concordou Ondina. — Temos coisas mais importantes para pensar do que em dor de…

Nesse momento Elson saiu batendo a porta e gritando:

— Espero que esse exército dos céus acabe com todas vocês…

CAPÍTULO 74 – ENCURRALADAS

Como o Matuto morreu? — perguntou Ana.

— Acidente automobilístico — informou Dina. — O carro em que ele estava caiu numa ribanceira.

— Que triste… — ironizou Ondina.

— É triste sim, principalmente porque os anjos designados para protegê-lo falharam…

— Não acredito que eles tenham falhado — disse Ondina. — Para mim eles acharam mais fácil exterminar Ana do que passar décadas protegendo o Matuto.

— Pode ser, mas não tenho como investigar isso agora — disse Dina.

Ondina foi abraçar Dina e falou:

— Quero que me perdoe por ter pensado em me livrar de você, querida Dina.

— É claro que eu a perdoo, criatura linda!

— Qual é o seu plano? — perguntou Ondina.

— O único possível — respondeu Dina. — Vamos multiplicar o rakham e você vai atirá-los contra os anjos que nos atacarem.

— Esse produto não pode me afetar? — perguntou Ondina, gostando da possibilidade de realizar essa interessante tarefa.

— Felizmente não, você e Ana são imunes a essa forma de energia pura, ela foi criada por arcanjos especialmente para aniquilar anjos rebeldes.

— Nessa hora eu fico feliz por não ser um anjo! — comemorou Ondina. — Na verdade nem sei o que eu sou, mas de qualquer forma estou feliz por existir.

De repente Dina e Ondina ficaram paralisadas olhando para o mesmo lugar na sala, pois diante delas apareceu o maior anjo que já tinham visto.

— Fique atrás de mim! — ordenou Dina para Ana.

— O que aconteceu? — perguntou Ana, que até então não havia visto nada.

— Peguem isso aqui — Dina deu um rakham para Ana e outro para Ondina. De posse do rakham Ana pode enxergar o anjo.

— Você já conseguiu duplicar alguns rakhans? — sussurrou Ondina para Dina.

— Sim, mas precisamos de tempo para fazer mais…

Dina nunca tinha visto um exousies antes, mas já ouvira falar deles. São anjos mais poderosos que os anjos da morte, que atuam em galáxias onde os seres vivos são maiores e mais resistentes que os humanos.

O estranho anjo não queria conversar e foi logo desembainhando sua espada, caminhando na direção de Ana.

Mas Dina estava entre eles e falou:

— Não queremos ferir você, ó grande e majestoso exousie!

— Que bom que você sabe quem eu sou, assim não vai querer me enfrentar pois não terá a mínima chance de me vencer.

— Posso enfrentá-lo sim, querido — disse Dina com amabilidade. — Mas peço a você que vá embora, pois temos alguns rakhans conosco e vamos usá-los se for necessário.

— Onde você conseguiu essa porcaria?! — bradou o exousie. —  Anjos não podem usar essa arma, só os arcanjos conseguem fazer uso disso. Se você tentar usá-lo vai se ferir gravemente.

— Eu sei que eu não posso usá-lo, mas minha amiga Ondina pode! — informou Dina.

Ondina olhou para o anjo e, sorrindo cinicamente, mostrou o objeto em sua mão.

— Você não teria coragem de jogar isso em mim! — rosnou ele.

— É claro que tenho! — disse Ondina, sorrindo. — E vou fazê-lo com muito prazer por livrar o mundo de um ser tão feio e indesejado como você.

Nesse momento chegaram mais dois exousies no recinto. Enquanto eles conversavam, Ondina perguntou:

— Quantos rakhans você tem, Dina?

— Três, mas não podemos usar todos. Um deles será necessário para fazer as duplicações, afinal tem outros exousies vindo para cá.

— Temos aqui três exousies, mesmo que nos livremos de dois deles, o terceiro vai nos vencer — concluiu Ondina.

Ana daria tudo para não precisar fazer essa pergunta:

— Quer dizer que chegou minha hora, Dina?

— Temo que sim, minha amiga, não temos como vencer esses seres…

CAPÍTULO 75 – AJUDA INUSITADA

De repente um dos exousies falou:

— Vamos levar Ana conosco. Quanto a você, Naadiya, será lançada no abismo e nós vamos assumir a incumbência de entregá-la aos arcanjos. E quanto a essa…

O anjo apontou para Ondina e falou:

— Nem sei o que é isso, você criou uma aberração, Naadiya!

Ao ouvir estas palavras Ondina atirou seu rakham contra o exousie tagarela, que implodiu e explodiu ao mesmo tempo, desaparecendo dali diante dos olhos assustados dos outros dois exousies presentes.

— Quem vai ser o próximo a falar besteira? — perguntou Ondina, pegando o rakham que estava na mão de Ana.

— Escolha você mesma! — disse um deles. — Um de nós vai embora, mas o que sobrar vai levar vocês três para o lugar que merecem.

— Se ninguém nos atacar não vou fazer nada — informou Ondina.

Nesse momento os dois anjos da morte se abraçaram, despedindo-se, e um deles falou:

— Vamos atacar ao mesmo tempo, um de nós vai partir, mas o outro vencerá!

Por fim os dois exousies atacaram e Ondina lançou o rakham contra um deles, que seguiu o mesmo ritual de desaparecimento daquele que fora atingido antes. O exousie que sobrou empunhou sua espada, mas quando tentou usá-la foi atacado por uma legião de demônios.

— Viemos ajudá-las! — gritou o líder deles.

Dina e Ondina vislumbraram a oportunidade de continuar vivas e foram ajudá-los.

A luta durou apenas alguns minutos, pois o exousie foi ferido gravemente e fugiu.

Dina ia agradecer aos demônios pela ajuda, mas um deles se adiantou:

— Não nos agradeça, não gostamos de vocês duas, só queremos salvar essa moça.

Um deles olhou para Dina e falou:

— Apesar de que você será uma de nós em breve!

Dina não gostou nada de ouvir aquilo.

— Isso não vai acontecer porque vou preferir vegetar! — disse ela.

— Tudo bem, cada um faz a sua escolha na vida! Nós preferimos fazer nossas perversidades pelo mundo afora. Você realmente parece idiota o suficiente para fazer uma escolha tão tola.

Ondina não gostou nada do que ouviu e defendeu sua criadora, lançando sua espada contra o demônio, que foi ferido na cabeça. Ele fez menção de partir para cima de Ondina, mas foi seguro pelos outros demônios.

— Não faça isso! — ordenou o chefe deles. — Vamos precisar dessas duas idiotas para levar adiante nosso plano. Elas são nossas aliadas agora…

Ondina se sentiu ofendida e tentou ferir o demônio chefe, mas foi impedida por Dina.

— Não vamos lutar com eles, Ondina, afinal de contas essas assombrações nos salvaram e vão nos ajudar a manter Ana em segurança.

—  Não nos ofendemos com palavras como essa mocinha aí — disse o demônio chefe, referindo-se a Ondina. — Podem nos xingar à vontade, mas preciso dizer uma coisa: vocês viram quantos exousies estão vindo para cá?

— Parece que são mais três ou quatro — afirmou Dina.

— Não podemos lutar contra esses monstros — disse o demônio chefe. — Eles são muito mais fortes do que nós, se não fosse a cooperação de vocês duas estaríamos todos triturados a essa altura.

Dina então falou:

— Todos nós juntos tivemos dificuldade para vencer apenas um deles, imagine como seria lutar com vários.

— Dois deles já seriam muito para nós! — lamentou o demônio mais tétrico deles.

Ana então resolveu falar alguma coisa:

— Gente, vamos começar logo a produção desse tal rakham, não adianta ficar aqui conversando e…

Nesse momento um dos demônios olhou para Ana e falou com sarcasmo:

— Agradeça a mim por essa barriga, sua vadia, fui eu quem guiou aquele tarado até onde você estava.

Ana ficou atônita ao ouvir isso. Outro demônio falou:

— E eu induzi você a entrar naquele clima e…

Ele não teve tempo de terminar a frase, pois os dois demônios falastrões foram atingidos ao mesmo tempo com os golpes das espadas de Dina e Ondina.

Então o demônio chefe falou, berrando:

— Vamos parar com isso, imbecis, estamos em guerra e nosso inimigo não está aqui nesse momento.

Os demônios feridos se levantaram gemendo. Um deles olhou com ódio para Dina e Ondina e falou, enquanto tentava consertar sua asa quebrada:

— Pode ser, chefe, mas quando tudo isso acabar vou acertar as contas com essas duas!

CAPÍTULO 76 – LANI

A sala da casa de Ana era bem ampla, do tamanho de pelo menos três cômodos comuns. Quando Elson idealizou uma sala assim, não imaginava que ali seria palco de uma guerra que teria como pano de fundo um fato futuro onde milhões de pessoas poderiam ou não morrer.

Agora ali estava Ana; um anjo que se identificava como Dina; sua criação Ondina, que até então não possui denominação existencial conhecida; e um grande número de demônios cochos que se arrastavam resmungando e fungando pela casa.

Além disso, seguia viagem pelo cosmos uma legião de exousies, com destino justamente a este lugar.

Se qualquer pessoa normal entrasse ali, sem possuir qualquer dom extraordinário de visão espiritual, veria apenas Ana, Dina e Ondina, andando de lá para cá como três loucas, conversando sobre coisas estranhas e lutando com seres invisíveis.

Mas ninguém, nem mesmo Dina com todos os seus poderes angelicais, nem mesmo Ondina, que possuía praticamente todos os poderes de Dina e outros mais que conseguiu aprender por si mesma, nem os demônios que vasculhavam todos os cantos da terra para descobrir coisas úteis aos seus intentos maléficos, nem aqueles seres poderosos que estavam a caminho dali, nenhum deles poderia prever o que viria a seguir.

Quando Dina e Ondina iam se retirar para um dos quartos da casa para iniciarem a multiplicação do rakham, ouviu-se bater na porta da casa.

Ana foi atender, com a intenção de se desvencilhar rapidamente de seja lá quem fosse, tendo em vista os acontecimentos de grande gravidade que ali estavam acontecendo.

Ao abrir a porta Ana deparou-se com uma menina.

Uma simples menina de seus quinze a dezesseis anos, relativamente bonita, de cabelos escuros e curtos e um par de olhos negros e misteriosos bem ajustados num rosto de linhas suaves, mas ao mesmo tempo fortes e bem definidas.

— Pode me dar um copo de água? — solicitou a menina.

— Por favor, estou com um problema muito grande aqui, volte outra hora — pediu Ana com impaciência.

— Não se pode negar um copo de água a ninguém! — gritou Dina, que ouvira o pedido lá da sala.

Ana não gostou da intromissão de Dina, mas falou:

— Tudo bem, vou lá pegar, aguarde aí…

— Pode deixar, eu mesma pego — disse a menina, entrando na casa sem autorização.

— Você não pode entrar na minha casa assim, isso é invasão! — contestou Ana.

Dina também não gostou daquela falta de educação e falou:

— Por favor, retire-se querida, ninguém te autorizou a entrar aqui.

A menina não parecia caminhar e sim flutuar. Ela foi até cada um dos cantos da sala, observou, olhou para cima, olhou para o chão, mas sua observação foi interrompida por Ondina, que falou quase gritando:

— Saia daqui agora mesmo ou eu vou tirá-la à força. Só adianto que você não vai gostar nem um pouco dos meus métodos de expulsão de invasores.

A menina olhou para Ondina com um sorriso e falou:

— Não, Ondina, não vou sair, eu vim para ficar!

Ondina desejou pulverizar imediatamente a intrusa, mas uma coisa a deteve: ela sabia seu nome!

— Você me conhece?! — perguntou Ondina.

A menina sentou-se confortavelmente no sofá, olhou para todos, inclusive para os demônios ali presentes – que não deveriam ser vistos por humanos normais – e falou:

— Meu nome é Lani, tenham todos o imenso prazer de me conhecer!

Ana, Dina e Ondina se olharam, não entendendo nada.

E mesmo Dina, que gostava de enxergar a alma por trás do semblante das pessoas, nada podia ver além de uma simples menina sentada no sofá.

— Vocês não podem vencer essa guerra! — disse Lani, olhando para cima, como quem estivesse vendo algo que só ela podia ver.

— Como assim? — perguntou Ana, fingindo que nada de especial estava acontecendo naquela casa.

— Eles estão chegando, não vão demorar mais que meia hora e vocês possuem apenas um rakham.

Todos ficaram admirados ao ouvir aquilo. Lani continuou:

— Bastaria dois exousies para transformar todos vocês aqui presentes em dejeto gasoso, principalmente esses ridículos demônios, tão nefandos quanto patéticos.

Ninguém conseguia falar nada, até os demônios, que costumam destilar os piores palavrões que as mentes doentes conseguiram criar pelo correr dos milênios, ficaram mudos.

— Quem é você?! — perguntou Dina, totalmente aturdida com o surgimento desse estranho ser.

— Eu posso impedi-la de ser lançada no abismo, Dina! — revelou Lani, não respondendo à pergunta de Dina.

Nessa hora Ondina perdeu a paciência e resolveu atacar a intrusa. Estendendo suas mãos na direção dela, lançou um raio capaz de transformar imediatamente qualquer ser humano em fumaça.

Mas não aconteceu nada com Lani, que ficou olhando para ela com ar de reprovação. Então Lani estendeu uma das mãos na direção de Ondina, que foi se erguendo no ar enquanto gritava de dor.

— Por favor, solte-a! — pediu Dina.

Imediatamente Ondina caiu no chão, quase desfalecida, humilhada e chorando.

Dina foi acudir sua criação e perguntou:

— Você está bem, Ondina?

Ante a resposta afirmativa, mas nada convincente de Ondina, Dina exclamou:

— Eu não sabia que você pudesse sentir dor e chorar!

CAPÍTULO 77 – A ESPECTADORA

Depois de ter acudido Ondina, Dina foi caminhando vagarosamente na direção de Lani.

— Aconselho você a se conter! — falou a intrusa.

Dina falou com raiva:

— Você entra aqui sem ser convidada, agride minha amiga e agora me ameaça?! O que você quer?

— Quero ajudar vocês, se me permitirem. Ou melhor, vou ajudar de qualquer forma, se me permitirem ou não!

— Que espécie de ser é você? — perguntou Dina.

Lani não respondeu, no entanto falou:

— Aconselho vocês a começarem logo a produção de rakhans, eles estão quase chegando!

Como todos ali sabiam que isso era verdade, Dina pegou Ondina pela mão e foram para um dos quartos da casa.

Quando chegaram lá Ondina falou:

— Não vou ajudar a produzir rakhans, não vou ajudar a salvar Ana, não vou fazer mais nada em minha existência até que eu destrua esse demônio que está aí na sala.

Dina respondeu:

— Eu também estou pensando como você. Vamos produzir apenas um rakham, para deixar um guardado para o futuro e vamos usar um deles contra essa doida.

— Concordo plenamente! — disse Ondina, rangendo os dentes de ódio.

Daí a pouco elas terminaram de duplicar o rakham e saíram do quarto, com a intenção de atacar Lani.

Mas nesse momento um exousie entrou no recinto. Depois de olhar um pouco à sua volta ele falou:

— Venho em paz e me adiantei aos outros companheiros para dar um recado a vocês: não queremos ferir ninguém, só precisamos levar Ana para o mundo dos expirados, essa é a nossa missão.

— Antes disso você vai ter que nos ferir sim! — falou Dina com firmeza. — Para levar a minha amiga vocês vão ter que passar por mim.

Nesse momento Lani começou a aplaudir:

— Que coisa mais linda, como é maravilhoso o amor!

O exousie fixou sua atenção naquela mulher sentada serenamente no sofá da sala e falou:

— Vocês trouxeram uma espectadora para presenciar a partida de Ana? — perguntou ele.

— Eu só queria um copo de água! — disse Lani timidamente.

— Ela invadiu a casa! — acusou Ondina, deixando transparecer o ódio que guardava na alma. Dina então falou:

— Parece que “essa coisa aí” tem alguns poderes, mas vamos acabar com ela…

Nesse momento Ondina lançou um rakham contra Lani, esperando vê-la explodir. Mas Lani simplesmente pegou o rakham no ar e ficou admirando-o. Depois falou:

— Ana, busque uma bacia para mim, fazendo um favor.

Ana não se mexeu do lugar. Lani então falou:

— Tudo bem, eu mesma pego!

Ela estendeu a mão e veio se arrastando em sua direção uma pequena bacia que estava na cozinha.

O exousie não estava entendo o que estava acontecendo e falou:

— Vamos parar de palhaçada, preciso saber se vocês vão entregar Ana pacificamente ou vão querer lutar. Adianto que viemos prontos para estraçalhar quem ficar em nosso caminho!

Nesse momento o exousie mensageiro arregalou os olhos. Lani havia colocado o hakham na bacia e conforme movimentava as mãos outros rakhans iam aparecendo, até que a bacia ficou cheia. Então Lani falou, olhando para o exousie:

— Chame seus amigos e façam fila, quero ter o imenso prazer de exterminar todos vocês!

O exousie ficou parado por algum tempo pensando no que fazer, até que se manifestou:

— Vou falar com meus companheiros, vamos delinear nosso ataque, veremos se você conseguirá atingir todos nós ao mesmo tempo.

O exousie saiu dali e todos ficaram em silêncio por alguns instantes, até que Lani falou:

— Não gosto da cor que vocês pintaram essa sala.

Ela estendeu uma das mãos e toda a sala que era azul ficou lilás.

— Como ela fez isso? — perguntou Ondina.

— Transmutação dos elementos — respondeu Dina. — Nunca tentei, mas não deve ser difícil…

— Isso é mais difícil! — disse Lani, estendendo novamente sua mão. Então surgiram os desenhos mais lindos nas paredes, como florestas, cachoeiras, pássaros, praias, etc.

Dina falou:

— Estamos no meio de uma guerra e você está pensando em colorir a parede da casa?

Um dos demônios se manifestou com cautela:

— A chata está se divertindo, gente, ela pode fazer isso porque é poderosa!

Ondina então falou, revelando seu ódio que parecia não parar de crescer:

— Você está se escondendo atrás desses rakhans. Duvido que enfrentaria os exousies de mãos vazias.

Lani ficou olhando para Ondina, sorrindo com os olhos quase fechados. Por fim ela falou:

— Eu devia te dar outro castigo, mas não vou fazer isso porque gostei de você, principalmente da sua rebeldia. Na verdade, eu não queria sujar minhas mãos, mas já que fui confrontada nesse sentido vou mudar meu modus operandi.

Então Lani pegou a bacia cheia de rakhans e jogou tudo pela janela.

— Não faça isso! — gritou Dina.

CAPÍTULO 78 – EXPLOSÃO QUÁDRUPLA

Os quatro exousies que estavam lá fora olharam admirados para aquela cena. Como alguém em sã consciência jogaria fora a única arma que possuía para lutar?

Decidiram, então, terminar logo com isso e entraram todos ao mesmo tempo na sala da casa de Ana.

Lani tinha um senso de humor muito apurado:

— O que é isso, um concurso de fantasias fúnebres?

Um dos exousies foi em direção a Lani, mas os companheiros o seguraram. Um deles falou:

— Vamos resolver isso da forma correta, levando primeiro Ana, que é a nossa missão. Depois cuidamos dessa pirralha ridícula.

— Vindo de vocês isso é um elogio — disse Lani, rindo alto. — Vocês já se olharam no espelho?

Os exousies resolveram ignorar Lani e foram na direção de Ana. Mas foram atacados por uma legião de demônios, além de Dina e Ondina. Ana ficou encolhida num canto da sala, esperando o resultado da luta, enquanto Lani ficava pulando e gritando:

— Isso! Acerta ele! Abaixa! Dá uma rasteira nele! Ah, não, assim você vai morrer!

Dois exousies cuidavam dos demônios, enquanto os outros dois lutavam com Dina e Ondina. Daí a pouco a maioria dos demônios já haviam sido triturados, com pedaços fedorentos deles sendo lançados para todos os lados.

Dina e Ondina também foram rapidamente vencidas e iam ser espedaçadas quando Lani gritou:

— Stop!

Os exousies ficaram parados no lugar, olhando um para o outro.

— Não consigo mexer meus braços! — disse um deles. — Nem eu! — responderam os outros.

Lani falou:

— Acho que vocês não perceberam ainda, mas também não conseguem mover as pernas.

Eles tentaram e não conseguiram. Um exousie, que parecia ser o líder deles falou angustiado:

— Isso nunca aconteceu na história do universo! Nenhum ser humano conseguiria imobilizar anjos de alta patente como nós. Quem é você?!

— Concordo, nenhum ser humano poderia fazer isso! O que vocês deduzem? — perguntou Lani.

— Você não é humana! — concluiu Dina.

— É claro que não sou humana, se fosse eu não seria idiota de estar aqui, pois iria sobrar para mim. Esses caras querem levar todo mundo para a cova…

Um dos exousies gritou com todas as forças do seu pulmão, fazendo os presentes tamparem os ouvidos devido ao som estridente:

— Solte-nos imediatamente sua $#%*#!

— Por que eu os soltaria? — respondeu Lani, calmamente. — Vocês não são apenas feios, também são muito mal educados e indesejáveis.

Dina então perguntou:

— Se você pode subjugar esses… seres, porque deixou eles nos baterem tanto? Vou demorar um ano para me recuperar das dores no corpo.

— Eu também — falou Ondina tentando se levantar.

— Imagine nós! — disse um demônio quase sem voz. — Fora os nossos colegas que partiram dessa para melhor.

— Vocês nunca deveriam sair do abismo! — gritou um dos exousies, super nervoso.

Lani então falou:

— Tenho uma proposta para vocês.

— Fale logo antes que…

Lani não deixou o exousie concluir:

— Antes que o que, seu babaca? Você não está em posição de ameaçar ninguém!

Os exousies ficaram calados. Lani continuou:

— Vou soltá-los, mas vocês vão se levantar educadamente e vão embora. Só voltem daqui a…

Lani olhou para Ana e perguntou:

— Ana, com quantos anos você pretende morrer?

Ana ficou pensando e respondeu:

— Sei lá, com uns cento e dez anos acho que está bom…

— Isso! — gritou Lani. — Voltem quando Ana tiver 110 anos, aí ninguém vai impedi-los de levá-la.

— Tudo bem! — resmungou um exousie, sem passar credibilidade.

— Posso confiar em vocês? — perguntou Lani.

— Pode sim! — responderam eles.

Então Lani soltou-os com um movimento, mas assim que eles se viram livres partiram freneticamente para cima de Ana.

Ocorre que quando eles estavam a menos de um metro dela receberam um jato de energia mais forte que o mais potente míssil terrestre, e viraram poeira cósmica imediatamente.

Ana recebeu nos olhos toda aquela luz e saiu correndo pela casa, gritando:

— Eu fiquei cega! De que adiantou você me salvar e me deixar cega? Prefiro morrer!

Ana se chocou com uma mesinha de centro, deu uma cambalhota e caiu sobre uma cadeira de vime que havia na sala, espatifando-a.

A cena foi bem engraçada, mas ninguém riu… num primeiro momento.

Daí a pouco, porém, os demônios que tinham permanecido vivos começaram a rir, depois Dina e Ondina não conseguiram segurar, principalmente quando viram Lani rolando pelo chão da sala, rindo e gritando:

— Não acredito nisso, nunca pensei que eu fosse me divertir tanto nesse mundo…

Ana então levantou, desesperada com sua cegueira repentina e falou:

— Vocês estão rindo de mim? Não tem graça nenhuma, isso é muito triste, estou cega!

Lani explicou:

— Não, Ana, você não está cega. Eu não iria te privar de ter o imensurável prazer de me ver novamente.

Os olhos de Ana clarearam:

— Que bom, estou conseguindo ver de novo! — gritou ela.

CAPÍTULO 79 – REVELAÇÕES

Lani se jogou no sofá da sala, fingindo estar exausta e exclamou:

— Vencemos!

Todos olharam uns para os outros, até que Ana falou:

— Você venceu…

Lani fez de conta que não ouviu isso e falou:

— Tenho algumas revelações para fazer a vocês…

Todos começaram a falar ao mesmo tempo. Os demônios se alvoroçaram:

— O que será?

— Vai nos dizer quem você é?

— Estou curioso…

Lani então olhou para os demônios e falou:

— Vocês podem ir embora, não são convidados para ouvir minhas revelações.

— Por favor, deixe-nos ficar — imploraram eles quase chorando.

Dina interferiu:

— Eles nos ajudaram, deixe-os ficar, senão vão morrer de curiosidade.

Lani se mostrou impaciente, mas concordou:

— Tudo bem, mas depois dessa conversa quero que desapareçam daqui, senão eu mesma vou mandá-los para onde os exousies foram.

— Que horror, não queremos isso não! — gritaram eles. — Pode deixar, iremos embora sim, mas por favor, fale logo…

Lani então falou, fazendo com que o suspense aumentasse ainda mais:

— Sentem-se para não caírem de costa!

— O que será? — perguntou um demônio, esfregando as mãos e fazendo uma careta que mataria de susto qualquer criança.

Então Lani soltou a bomba:

— Eu criei Ondina!

— O que?! — gritou Dina. — Eu a criei, para ficar ao lado de Ana enquanto eu estivesse presa!

— Você acha que conseguiria fazer um ser tão bem feito assim? — disse Lani, olhando nos olhos de Dina.

— Bem, eu fiz e pronto…

— Não, você não fez! Vou contar o que aconteceu — disse Lani, pedindo:

— Continuem sentados, lá vem a segunda revelação!

O demônio mais curioso esfregou as mãos de novo.

— Eu não sou desse universo! — revelou Lani, esperando uma forte reação de todos.

— Como assim? Você não é da terra, é isso? — perguntou Ana, sentindo-se à vontade no meio de tantos seres estranhos.

— Não sou da terra, não! — disse Lani.

— Você de outra galáxia? — perguntou Dina.

— Também não! Não sou de outra galáxia e não sou de outro planeta! Sou de outro universo!

— Como assim!? Existe outro universo?

— É claro que existe! Vocês já ouviram falar de buracos negros no espaço?

— Já ouvimos falar sim — disse Ana.

— Nunca ouvi falar disso — disse um demônio ignorante. — Nunca estudei astronomia.

Lani continuou:

— Para chegar no universo de onde eu sou é preciso passar por dentro de um buraco negro.

— Entendi — disse Dina. — Mas o que isso tem a ver com a criação de Ondina?

Lani explicou:

— Faço parte de uma equipe que está criando aquilo que vocês poderiam chamar de planetas habitados. São mundos com seres multiformes e inteligentes.

Lani fez uma pausa para recuperar o fôlego e continuou:

— Resolvemos visitar o universo de vocês, para ter algumas ideias que poderiam ser úteis em nosso sistema de criação de vidas.

“Quando eu cheguei aqui nesse planeta, percebi que alguém estava tentando criar uma vida e fui até onde esse ser estava.

“Era você, Dina, tentando criar Ondina. Você estava desesperada para não deixar Ana sozinha que lutava para criar alguém parecido com você.

“Eu fiquei observando por um tempo e vi que aquilo não ia dar em nada. Você conseguiria no máximo criar um ser elemental, que deixaria de existir em alguns minutos ou quando muito algumas horas depois.

“Resolvi, então, criar Ondina para você. Como eu estava invisível, você pensou que ela foi produto da sua criação.

“Fiz com que ela tivesse um pouco do seu aspecto, da sua beleza feminina e do seu gênio forte…

— Agora eu entendi porque Ondina me deixou vir mancando da escola até em casa e só depois ela me curou — disse Ana, olhando feio para Ondina.

— Ela tem por quem puxar! — disse Lani, sorrindo.

A essa altura os demônios estavam maravilhados e falavam:

— Que interessante!

— Que coisa linda!

— Você é surpreendente!

— Realmente, sou isso tudo mesmo! — concordou Lani, arrumando o cabelo.

Ondina se levantou e ficou olhando pela janela, pensativa e triste. Dina então perguntou:

— O que você fez depois que criou Ondina, ficou aqui observando-a?

— Sim! — respondeu Lani. — Fiquei vendo Ondina fazendo suas artes por aí, enquanto estudava maneiras de aperfeiçoá-la, como fiz agora pouco, quando a ensinei a sentir dor e chorar.

— Você interferiu na história! — disse um dos demônios, tentando ser o mais educado possível.

— Eu sei disso! — revelou Lani. — Eu me inteirei de toda história e tenho uma solução para o problema do matuto…

— Que solução?! — gritaram todos.

CAPÍTULO 80 – O PLANO

Pela terceira vez Lani pediu para todos permanecerem sentados. Dina falou:

— Vou ser procurada por alguns membros da cúpula celestial em breve e com um julgamento de não mais que meia hora deverei ser condenada ao abismo.

— O que isso significa exatamente? — perguntou Ana, muito preocupada.

— Significa que deixarei de ser anjo. Nesse momento poderei escolher entre me transformar em demônio ou “vegetar” para todo o sempre.

— Venha ser uma de nós! — gritou um dos demônios. Dina balançou a cabeça negativamente.

— Você poderá se transformar em vegetal para evitar virar isso? — perguntou Ana, apontando para os demônios, um mais feio que o outro.

— Não, nesse caso a palavra “vegetar” é figurada — respondeu Dina. —  Poderei existir como qualquer forma de micro vida, subsistindo como ser espiritual e atuando em qualquer matéria.

— Pode nos dar um exemplo disso? — perguntou novamente Ana.

Dina respondeu com outra pergunta:

— Você já ouviu falar que quem morreu nunca voltou para contar como é do outro lado? Nesse caso é assim também: quem preferiu vegetar nunca voltou para contar como é, então só vou saber se isso realmente acontecer.

— Tal coisa não precisa acontecer com você! — interrompeu Lani. — A minha solução resolverá o seu problema e o da catástrofe futura desse país.

— Então fale logo! — rosnou um demônio impaciente.

Lani não sabia de onde estava tirando tanta paciência com aqueles seres das trevas.

— Nós vamos usar Ondina para resolver tudo! — disse ela calmamente.

Nesse momento Ondina olhou feio para todos os presentes e saiu pisando duro, batendo a porta. Dina quis ir atrás dela, mas Lani impediu-a.

— Pode deixar, será bom para ela ter um tempo a sós.

— Ela poderá sumir ou fazer besteiras — objetou Dina, aflita.

— Eu posso encontrá-la em qualquer lugar do mundo, não se preocupe.

— Deixe-a continuar sua explanação do plano! — gritou o demônio chato.

— Tudo bem! — disse Lani dando um suspiro e continuou:

— Você irá se defender de duas formas, Dina. A primeira será dizendo que fez tudo por amor à Ana e Ondina. Isso tem algum peso, mas não será suficiente, pois você é reincidente.

— E a segunda? — perguntou Dina, impaciente.

— Você irá dizer que encontrou a solução para o caso do Tirano!

Dina não achou que aquilo seria suficiente:

— Eles poderão ouvir a minha solução e me lançarem no abismo de qualquer forma.

— Não se você fizer parte da solução! — disse Lani, mostrando não ser apenas poderosa, mas também sábia e estratégica.

— Queremos saber logo qual é o seu plano! — pediu um demônio. — Nós vamos fazer parte dele?

Lani respondeu mais uma vez, porém, dando mostras de que sua paciência estava no limite:

— Vocês não farão parte do meu plano e se tentarem se envolver só vão atrapalhar.

Passado o tempo necessário para que os demônios reclamassem e praguejassem o quanto acharam necessário, Lani continuou expondo seu plano para Dina:

— Você vai apresentar à cúpula julgadora o seguinte: o Tirano não precisará ser morto porque Ondina vai seduzi-lo e na condição de sua mulher terá influência suficiente para mudar o rumo da vida dele.

Dina achou fraco tal plano e falou:

— Na procura de soluções para esse caso já foram realizados milhões de estudos e não foi encontrada nenhuma mulher que pudesse alterar o caminho do Tirano a ponto de ele desistir dos seus intentos.

— Isso é muito bom! — comemorou Lani. —Quer dizer que eles viram que essa solução é viável, apenas não encontraram a pessoa certa. Mas você apresentará essa pessoa a eles.

— Mas como vamos saber que Ondina poderá fazer isso? — duvidou Dina.

— Primeiro, porque você estará por trás, guiando-a. E, segundo, porque isso dará um sentido à existência dela, uma incumbência que poderá ser a primeira de muitas pelo universo afora.

Algumas palmas tímidas começaram por parte dos demônios e daí a pouco todos na sala aplaudiram Lani.

Mas Dina ainda tinha uma objeção:

— Ondina não é uma mulher completa, ela só se parece com uma mulher.

— Vamos resolver isso! — respondeu Lani.

CAPÍTULO 81 – A CHACINA

Ondina saiu andando sem rumo e chegou em alguns bairros da periferia da cidade. Já era noite e ela andava destemidamente por ruas desertas.

Os pensamentos se multiplicavam em sua cabeça. Não lhe agradava a ideia de ter sido criada por aquela “coisa insuportável” chamada Lani.

Ela amava Dina e esse amor não iria se acabar. Além disso, Dina foi enganada também, porque pensou tê-la criado.

— Fui criada por um ser das trevas! — pensava Ondina, enquanto caminhava nervosamente.

— Onde você está indo, gostosa?!

Aquela voz era tudo que Ondina estava querendo ouvir, para extravasar seu ódio. Mas ela não poderia matar alguém apenas por ter lhe chamado de gostosa, pois, apesar de ser desrespeitoso não deixava de ser um elogio.

— Vou deixar para lá — pensou ela.

Ocorre que alguns homens vieram correndo atrás de Ondina e lhe cortaram a frente.

— Onde você vai, lindeza? — disse um deles.

— Vamos levá-la para o quarto do amor! — disse outro.

— Quarto do amor? — pensou ela. — Preciso saber o que é isso.

Ondina deixou os homens levarem-na, fingindo que era uma pessoa normal. Depois de passarem por algumas vielas eles chegaram numa casa estranha, velha e fedida.

Ela foi jogada sobre uma cama não menos velha que a casa, fingindo estar apavorada.

— O que vocês vão fazer comigo?! — perguntou Ondina.

Um cara muito gordo e estranho, que parecia ser o líder deles falou:

— Pessoal, vamos falar para ela o que vai acontecer. Primeiro vamos nos revezar fazendo amor com você por algumas horas.

— Fazendo amor?! — perguntou Ondina. — Isso é estupro!

Essa palavra não abalou o crápula, que continuou:

— Depois que todos nós estivermos saciados, vamos matá-la e jogar seu corpo no rio — disse ele.

— Vocês são monstros! — afirmou Ondina.

— Nós temos bondade no coração também! — alegou um deles. — Tanto que se você cooperar vai morrer sem dor. Se não cooperar vai ser torturada, vamos cortar seus dedos um a um…

Nesse momento Ondina deu um pulo e ficou em pé na cama onde estava, falando:

— Vocês são a escória desse mundo, são cafajestes, salafrários, vagabundos… Quantas mulheres vocês já mataram?

— Eu não faço ideia! — disse um deles.

— Umas trinta! — afirmou outro.

— Acho que já passou de cem! — contrapôs outro.

— Nós não anotamos isso! — disse o mais bêbado deles. —  E depois o que isso interessa para você, se vai morrer de qualquer forma?

— Para mim interessa sim! — objetou Ondina. — Com base nisso é que vou resolver como vou matá-los.

Todos começaram a rir. A reação foi a mesma daqueles ladrões que invadiram a escola onde Ana estava, no momento em que Dina disse que iria acabar com eles.

— Vamos começar logo com isso! — apressou um dos marginais. — Essa conversa toda não leva a nada.

Ondina não deu importância para o que o homem falou:

— Acho que vocês merecem saber como vão morrer. Apesar de serem tão imprestáveis no mundo, não vou lhes negar isso.

As risadas aumentaram. Um deles gritou:

— Temos uma comediante aqui!

Ondina continuou expondo seu plano de extermínio:

— Eu desenvolvi uma arma muito interessante! Ao invés de transformá-los em poeira lançando um míssil de energia, vou fazer um corte longitudinal da esquerda para a direito no meio do corpo de cada um.

Aquilo parecia um programa humorístico de auditório. Alguns homens começaram a rolar no chão de tanto rir. Ondina continuou:

— O sangue será contido porque a cicatrização será instantânea. Então, ao invés de vocês morrerem na hora, vão agonizar por um bom tempo.

Apesar de não acreditar nisso, um dos homens resolver colocar fogo na brincadeira:

— Precisamos saber exatamente por quanto tempo vamos agonizar — disse ele.

— Vamos descobrir isso agora, pois vou começar por você! — informou Ondina, estendendo sua mão na direção do homem e fazendo um estranho movimento.

O homem deu um grito e caiu uma parte do seu corpo para cada lado. Ele ficou literalmente dividido ao meio, na altura do umbigo.

A parte de cima do seu corpo começou a rolar no chão, gritando angustiadamente, pois a dor era dilacerante.

Ondina perguntou:

— Vocês não vão continuar achando graça?

Os demais bandidos ali presentes se assustaram de tal forma com aquilo que saíram correndo, tentando passar pela porta, mas não conseguiram.

— Onde vocês pensam que vão? — perguntou Ondina, dando uma gargalhada sarcástica.

A porta não se abria, não tinha como sair dali.

— Façam fila! — ordenou ela. — Se vocês cooperarem vou cortá-los numa parte do corpo onde a dor será menor e a morte será mais rápida.

Os homens tentaram atacar Ondina, mas ela criou um campo de força em torno de si. Dessa forma não era possível se aproximar mais que um metro de distância dela.

CAPÍTULO 82 – ALIENÍGENA

Quando Dina viu na televisão a notícia de que foram encontrados quinze corpos cortados ao meio numa das vilas da cidade, teve certeza que era coisa de Ondina.

A notícia dizia que o país havia sido atacado por alienígenas, porque os terrestres não possuem tecnologia para fazer um serviço daqueles.

Pessoas do mundo todo se dirigiram para o local dos fatos, para saber mais detalhes a respeito da invasão alienígena.

Representantes da NASA também apareceram por lá, aconselhando as autoridades do país a abafarem o caso.

Dina andava nervosamente de um lado para outro.

— Deixe-a se entreter um pouco! — aconselhou Lani. — Ondina precisa colocar sua raiva para fora, assim ela vai se desestressar mais rápido.

— Ela está matando pessoas! — contestou Dina, extremamente nervosa.

— Ondina deve estar limpando o mundo de gente que não presta — objetou Lani. — Aposto que essas pessoas tentaram fazer mal a ela.

Dina concordou, mas continuava angustiada:

— Precisamos ir atrás dela!

— Ainda não! — disse Lani energicamente. — Eu sei o momento certo de interferir.

E esse momento de interferir começou a parecer mais próximo à medida que começaram a aumentar os casos de pessoas encontradas sem cabeça, sem mãos, sem pés, e até um caso em que somente as orelhas foram extraídas cirurgicamente.

— São todos bandidos! — afirmou Lani. — Ondina não faria isso com inocentes.

Ana se sentia segura com aqueles dois seres especiais morando em sua casa, afinal de contas o risco daqueles anjos da morte voltarem era iminente. Mas vinha acompanhando a ascensão do nervosismo de Dina.

Lani avisou que ficaria na terra até que o risco de Dina ser lançada no abismo fosse dissipado.

— Eles não farão isso com você se eu estiver por aqui! — afirmava ela.

— Não está na hora da gente ir buscar Ondina? — perguntou Dina mais uma vez.

— Vamos dar só mais uma semana para ela! — pediu Lani, tentando passar segurança.

Mas ela mudou de ideia no dia seguinte, quando ouviu a notícia do surgimento de “políticos atacados por alienígenas”.

Alguns ficaram cegos, outros mudos, outros surdos, e outros não tiveram a mesma sorte porque ficaram sem cabeça ou foram transformados em cinzas.

— Vamos! — gritou Lani subitamente.

— Por que a pressa repentina? — perguntou Dina.

— Consegui ouvir alguns fragmentos de pensamentos de Ondina — respondeu Lani.

— O que ela está pensando de aprontar agora? — perguntou Dina, muito curiosa.

— Ela está indo para Brasília!

— Se ela estiver procurando corruptos vai sobrar pouca gente viva por lá.

Lani olhou para Dina e falou, quase em pânico:

— Ela está indo “conversar” com o presidente da república…

CAPÍTULO 83 – A INTIMAÇÃO

Quando Dina e Lani estavam se preparando para ir atrás de Ondina, surgiu repentinamente no meio da sala da casa um anjo por demais estranho.

— Ainda bem que Ana não presenciou isso! — afirmou Dina, procurando se recobrar do susto. — Ela poderia ter morrido do coração.

Lani não perdia a oportunidade de ser ousada:

— Que falta de educação, rapaz! Você deveria ter avisado que viria.

O anjo olhou para Lani com fogo nos olhos. Ela continuou:

— Atualmente existe muita tecnologia, vocês anjos precisam aderir a ela. Tem e-mail, telefone celular, em último caso até usar o telégrafo seria melhor que nos dar um susto desses.

Dina então falou:

— Eu já conheci muitas espécies de anjos estranhos, mas nunca vi nada parecido com você.

— Você está catalogado como anjo? — perguntou Lani, fazendo o possível para não rir da própria piada.

O estranho ser tinha mais ou menos o formato de uma estrela, com vários olhos espalhados pelo corpo todo. É até difícil descrever um ser tão fora do normal, tão distante do convencional.

— Eu vim trazer um recado importante para Naadiya! — disse ele, mostrando que podia falar a língua dos humanos.

— Custei descobrir onde é sua boca — disse Lani, gracejando.

O anjo continuou:

— Naadiya, você deve estar comparecer no parlamento celestial no prazo de 24 horas terrenas para ser julgada por rebeldia.

— Acho que ela não vai poder ir! — afirmou Lani, desconhecendo os poderes daquele estranho ser.

O anjo estendeu sua mão na direção de Lani e fez com ela mais ou menos o que ela havia feito com Ondina: ergueu-a acima do solo e apertou seu pescoço até ela quase desmaiar. Em seguida lançou-a num dos cantos da sala como se fosse um pacote de bolacha.

Lani ficou se contorcendo e gemendo de dor. O anjo deu as costas para ela e Dina perguntou, procurando mostrar reverência a um ser tão poderoso:

— O que acontecerá se eu não for?

— Vou colocar essa argola em seu pescoço. Se você não comparecer será lançada no abismo à distância por um arcanjo.

Nesse momento Lani levantou-se e tentou atacar o anjo pelas costas, mas ele tinha olhos por todo lado e simplesmente segurou-a com as duas mãos e falou:

— Você pensa que pode me enfrentar?

Lani estava sendo esmagada pelas mãos do anjo e fez de tudo para falar:

— Eu pensei que poderia!

— Entendeu agora que estava errada? — perguntou o anjo, apertando um pouco mais.

— Sim — disse Lani com a voz esganiçada pelo estrangulamento.

— Você pensou que neste universo não havia ninguém que poderia vencê-la? — continuou perguntando o anjo.

— Eu pensei, mas estava errada…

O anjo jogou Lani no chão e falou, enquanto colocava o colar em Dina:

— Você não é desse universo, é uma intrusa aqui.

Lani continuou sendo malcriada:

— Não vi nenhuma placa no espaço sideral informando que eu não poderia vir para cá.

— Você poderia vir para cá se não fosse grosseira e rude. Além disso você atacou anjos. Logo, está sendo convidada a voltar para seu mundo.

— Posso recusar esse convite? — perguntou Lani, mostrando que não tinha medo de ser estrangulada de novo.

— Pode sim! — informou o anjo. — Mas sugiro que se comporte ou poderá ser expulsa a qualquer momento.

Dina então perguntou:

— Por que não veio um anjo comum para falar comigo, já que isso se trata apenas de uma intimação para comparecer a um julgamento?

— Por causa da presença dessa allodapia que está com você! — informou o anjo. — Se viesse um anjo comum seria pulverizado por ela.

— Alo o que? — perguntou Dina, que nunca havia ouvido essa palavra.

— Você precisa melhorar seu vocabulário — censurou o anjo. —  Usamos a palavra allodapia para designar todos os seres que não são nativos do nosso universo.

— É uma honra para mim ter uma denominação própria! — disse Lani com ironia. — Como se escreve isso?

O anjo então falou:

— Não pense que sou o único anjo capaz de vencê-la, acima de mim tem milhares de espécies de seres que podem transformá-la em piolho com a força do pensamento.

— Ainda bem que não mandaram um anjo desses! — disse Lani, fingindo estar aliviada.

O anjo olhou para Dina e falou:

— Eu aconselho você a comparecer! Já vi anjos rebeldes serem lançados no abismo com essa coleira, quero dizer, com essa argola…

— Que diferença tem alguém ser lançado no abismo com ou sem essa coisa? — perguntou Dina, tentando não ser irônica.

— Com ela a dor é infinitamente maior! — informou ele.

CAPÍTULO 84 – MÃE

— Você sabia que está hospedando uma allodapia na sua casa? — perguntou Dina, gritando para Ana que estava no quarto.

Ana veio caminhando lentamente com cara de sono e falou:

— É claro que eu sabia, eu sempre soube!

Dina e Lani ficaram olhando para ela, espantadas. Ana consertou:

— É claro que é brincadeira, como eu ia saber isso?

Depois de explicar para Ana o que aconteceu, Dina falou:

— Vamos buscar Ondina, depois terei que me apresentar ao parlamento celestial.

— Posso ir junto? — perguntou Ana, com medo de ficar sozinha.

— Não! — disse Lani.

— Sim! — disse Dina ao mesmo tempo.

— É perigoso deixar Ana sozinha, não sabemos quem mais pode aparecer por aqui — afirmou Dina.

Lani explicou:

— Não será possível, Dina, porque vamos fazer uma viagem incomum, não possível aos humanos.

— Não podemos ir de carro? — perguntou Ana.

— De modo algum — respondeu Lani. — Iríamos demorar mais de dez horas para chegar lá e Ondina está a menos de duas horas de seu alvo.

— Ai meu Deus! — exclamou Ana. — Vamos nos despedir então, talvez eu não esteja mais aqui quando vocês voltarem.

Lani olhou para Ana com tristeza:

— Sabe o que acontece, Ana, eu descobri hoje que não posso te defender de todo e qualquer ataque angelical. Logo, vamos ter que torcer para tudo terminar bem.

Ana então falou:

— Tudo bem, vou acender uma vela e…

— Não perca tempo com isso! — aconselhou Dina. — Você só vai atrair a atenção do mundo espiritual para você.

— Ok, vou ver um filme — disse Ana, resignada. — Desejo-lhes uma boa viagem.

Lani segurou nas mãos de Dina e com um movimento do corpo ambas desaparecem e apareceram imediatamente na frente de Ondina, no meio de uma floresta.

— Por que você não caminha pela estrada, como as pessoas costumam fazer? — perguntou Lani para Ondina.

— Estou cortando caminho por aqui — disse Ondina, recobrando-se do susto e fazendo cara de urgência.

— E por que essa pressa toda, querida? — perguntou Dina.

— Preciso falar com o presidente, ele está adotando medidas que vão prejudicar o povo e…

— Isso não é coisa para você resolver, Ondina! — contestou Dina.

— Se eu não fizer alguma quem vai fazer? Se quiserem me ajudar eu agradeço…

— Nós temos algo bem mais importante para resolver, Ondina — informou Lani.

— O que é mais importante do que ajudar todo o povo de um país? — indagou Ondina.

— No momento é mais importante salvar Dina do abismo — afirmou Lani.

— Eu gosto muito de você, Dina, mas não posso fazer nada, afinal de contas não foi você quem me criou. Quanto a você, Lani, eu não gosto de você e por isso não tenho vontade de te ajudar em nada.

Lani não conseguiu esconder sua tristeza ao ouvir isso e falou:

— Eu vou embora muito em breve, nunca mais retornarei. Mas Dina ficará aqui, vocês vão precisar uma da outra para sobreviver nesse mundo complicado.

— Isso seria muito bom se fosse ela quem tivesse me criado, mas não foi… — falou Ondina, esforçando-se para ser insensível.

Mas Lani tinha uma bala na agulha:

— Na verdade Dina é mais sua mãe do que eu, Ondina. Isso porque eu nunca tive a intenção de criar você, a intenção foi dela. Eu só ajudei porque vi o desespero de Dina. Se você pensar bem, verá que você nasceu primeiro na cabeça de Dina, então podemos dizer que ela foi a idealizadora da sua existência.

— Exatamente! — concordou Dina. — A intenção foi toda minha, a vontade foi minha…

Ao ouvir essas palavras Ondina começou a chorar. Ela abraçou Dina e as duas choraram juntas. Enfim até Lani se emocionou:

— Nem me lembro quando foi a última vez que eu chorei! — disse Lani. — Acho que foi quando conseguimos endireitar a órbita da nossa galáxia. E não vai ser hoje…

Mas ela não conseguiu e então tivemos uma linda cena:

Três mulheres chorando abraçadas no meio da floresta, enquanto uma serpente de dez metros de comprimento passava ao lado delas.

CAPÍTULO 85 – UMA NOVA MISSÃO

Dina se despediu de Ondina e Lani e partiu para o seu julgamento.

Ela prometeu que se fosse condenada ao abismo seu último pedido seria que um anjo viesse avisá-las de seu triste destino, pois ela mesma não poderia vir.

No entanto, se elas a vissem chegando é porque teria sido absolvida.

Por isso, qual não foi a alegria de Ondina e Lani quando viram Dina entrando na casa.

— Eu consegui! — exclamou ela, eufórica.

Depois de cumprirem o ritual de abraços e choros, Dina contou que a ideia de Lani foi aceita pela maioria, mas passou raspando.

— Ganhei por 4 a 3! Tinha um ser lá que não sei o que ainda está fazendo no céu, porque aquilo está mais para diabo do que para anjo — informou ela.

— É o trabalho dele! — defendeu Lani. — Você viu os anjos da morte e os exousies, que nem procuram disfarçar a fealdade da sua missão…

— Não sei o que é mais feio, a missão ou eles mesmos — disse Ondina, que estava exultante com a volta de Dina. Porém, Dina não estava tão feliz.

— Mas nem tudo são flores! — disse ela, fazendo cara de decepção.

— Tem alguma notícia ruim para estragar a festa? — perguntou Lani.

Dina não conseguiu conter as lágrimas ao dar a notícia:

— Perdi meus poderes, terei que viver na terra como um ser humano normal.

Lani e Ondina ficaram mudas por alguns instantes. Dina continuou:

— Daqui a dez anos terrenos minha conduta será reavaliada e se eu não tiver cometido nenhuma falta grave poderei ter os poderes de volta.

Ondina se mostrou solícita:

— Eu vou ajudá-la, Dina, estarei sempre ao seu lado, já que eu não perdi meus poderes.

— Obrigada, Ondina, vou precisar muito de você.

Ondina ficou feliz de poder ser útil, pois com a partida de Lani a única poderosa por ali seria ela, pelo menos por dez anos.

Ana tinha ido fazer compras para amenizar o nervosismo e soltou um estridente grito quando chegou em casa e viu Dina lá.

Alguns abraços e lágrimas depois Lani falou:

— Vou me preparar para partir para o meu universo natal! — afirmou ela, circunspecta. As três ficaram olhando para Lani com tristeza. Ondina então revelou:

— Eu te odiei um dia, Lani. Eu te odiei com todas as minhas forças. Mas isso passou, tanto que estou até um pouco triste com a sua partida.

— Eu também! — confessou Dina.

— Eu nunca te odiei, mas não gostei da sua invasão à minha casa — confessou Ana.

— Foi preciso! — desculpou-se Lani. — Vocês estavam no meio de uma guerra terrível, guerra essa que vocês jamais teriam vencido se não fosse a minha intervenção.

— Sim, você nos salvou! — agradeceu Dina.

Lani continuou:

— Não dava tempo de dar explicações, então usei meus poderes para fazer o que fosse necessário e…

— Não precisa se desculpar tanto — disse Ana, indo abraçar Lani. — Nós compreendemos e somos gratas pelo que você fez por nós.

— Sim, inclusive por ter me dado a “chave” para escapar do abismo — agradeceu Dina.

— Eu não pretendia mais voltar a esse mundo, mas vou aceitar outra missão para breve — confidenciou Lani.

— Que missão é essa? — perguntou Dina, curiosa.

— Eu vim para aprender mais sobre a vida nesse planeta e aprendi muito desde que cheguei. Mas nossa missão tem uma segunda parte, que acontecerá em breve.

— Não nos deixe curiosas — pediu Ana. — Fale logo que segunda parte é essa.

— Vamos levar um espécime humano para o nosso universo! — revelou Lani.

— Quem vai aceitar fazer uma viagem louca dessas? — perguntou Dina.

— Acredito que ninguém vai aceitar! — afirmou Lani. — Mas o artigo 17 das normas da missão 32 diz que se não for encontrado um voluntário alguém será levado à força.

— Vocês vão sequestrar um ser humano?! — gritou Ana, inconformada.

— Não fui eu quem fez as normas, Ana — defendeu-se Lani. — Tenho que cumprir ordens dos meus superiores.

— Quer dizer que você voltará para realizar essa segunda parte da missão?

— Eu me prontifiquei para realizar somente a primeira parte, mas…

— Mas…? — perguntou Dina.

— Eu vou aceitar realizar também a segunda parte da missão, assim eu poderei voltar a vê-las.

Ana, Dina e Ondina gostaram de ouvir isso.

— Que bom! — exclamaram.

Lani confessou:

— Eu não suportaria passar o resto da minha vida longe de vocês!

Dina então lembrou:

— Você precisa ajudar Ondina a se transformar numa mulher completa, para poder realizar a sua missão!

— Eu já fiz isso! — revelou Lani.

Ondina fez uma careta estranha quando falou:

— Eu percebi…

CAPÍTULO 86 – O TEMPO PASSA

Assim que Lani se foi, Ana perguntou:

— O que vamos fazer agora?

— Temos que preencher o tempo por mais ou menos cinquenta anos — afirmou Dina, fazendo cara de desânimo.

— Nossa, como vamos fazer isso? — perguntou Ondina, mais desanimada ainda.

— Também não sei, mas tenho uma ideia — disse Ondina, que explicou:

— Vamos viver um dia de cada vez!

— Por que não continuamos fazendo o curso de gastronomia? — sugeriu Ana.

— Ótima ideia — concordou Dina. — Se não estou enganada as aulas recomeçarão amanhã.

— Ocorre que você não é mais aluna, Dina — lembrou Ana.

— Isso não será um problema — acudiu Ondina, feliz por ainda ter seus poderes de persuasão.

— Tenho certeza que não! — concordou Ana.

E assim a vida continuou sem muitas novidades, a não ser que a professora Claudete passou muito apuro com as peripécias de Dina e Ondina, que não aceitavam certos ensinamentos deturpados.

Como Dina e Ondina não dormiam, costumavam sair de madrugada para fazer uma espécie de ronda pela cidade.

Dessa forma, diminuíram os crimes por aquelas bandas, embora Ondina havia decidido não matar nenhum bandido, para que Dina não fosse vista como sua cúmplice pela cúpula celestial.

Ondina protegia toda a família com seus poderes, como no dia em que um assaltante tentou invadir a casa delas após saber que lá residiam apenas três mulheres.

Mas Ondina não o matou.

— Seria legítima defesa! — afirmou Dina, achando que Ondina devia ter pulverizado o salteador.

— É melhor não arriscar! — disse Ondina. — Não posso correr o risco de perder você para o abismo.

— Tudo bem, Dina! — concordou Ana. — Ter deixado o marginal sem as duas mãos já foi um castigo grande o suficiente.

— Mas ele pode voltar! — discordou Dina, sentindo-se insegura sem seus poderes. — Ele pode colocar uma prótese e vir aqui para se vingar.

— Não tem perigo! — afirmou Ondina toda cheia de si e revelando:

— Eu coloquei uma marca no bandido, sempre saberei onde ele está.

— Como você fez isso?! Nem eu sei fazer tal coisa! — perguntou Dina.

— Ora, tenho estudado muito, sou autodidata — disse Ondina, exibindo-se.

— Parabéns, estou orgulhosa de você! — elogiou Dina.

Aprendi muitas coisas, com o tempo vou mostrar para vocês.

— Ela está cada dia mais poderosa! — brincou Ana.

E assim o tempo foi passando, a barriga de Ana foi crescendo, até que chegou o grande momento em que ela foi para o hospital para dar à luz.

E, no dia seguinte, voltou para casa com um embrulho nos braços.

Natanael nasceu forte e saudável!

CAPÍTULO 87 – LUTA DESIGUAL

— Por ter sido criada por Lani você também pode ser considerada uma allodapia?

A pergunta de Ana foi extremamente grosseira, mas ela mesma só percebeu isso depois que viu a cara de decepção de Ondina, que respondeu com outra pergunta:

— Por ser o futuro pai do tirano seu filho também pode ser considerado um tirano?

Agora quem fez cara de decepção foi Ana. Dina precisou intervir:

— O que está acontecendo com vocês duas, foram atacadas pelo vírus da insensatez?

— Eu não quis dizer isso… — desculpou-se Ana.

— Foi exatamente o que você falou! — retrucou Ondina.

— Não sei onde eu estava com a cabeça de perguntar tal coisa, acho que não tenho dormido direito…

— Você deveria estar pensando em preparar seu filho para conhecer Elson! — disse Ondina, surpreendendo a todos.

— Como assim?! — perguntou Ana, admirada. — Natanael ainda não tem um mês de vida, não vou levá-lo a lugar algum.

— Coloque uma roupinha bonita nele agora mesmo — disse Ondina. Mas não deu tempo porque elas ouviram bater na porta da casa.

— Ele já chegou! — revelou Ondina, ajeitando-se no sofá.

— Pode deixar que eu vou atender — disse Dina, correndo até a porta.

Aconteceu então uma das cenas mais ridículas da nossa história:

Elson entrou humildemente na sala, com a cabeça baixa, caminhou até onde Ana estava, ajoelhou-se e falou:

— Perdoe-me por ter te abandonado, você é a única e eterna mulher da minha vida!

Ana ficou em estado de choque, mas achou forças para falar:

— Não faça papel ridículo, Elson, levante-se daí!

Dina resolveu participar da conversa:

— Que cena mais grotesca, “seu” Elson. Não precisa se humilhar dessa forma…

Ondina interrompeu, falando:

— Preparem-se para uma confusão!

— Do que você está falando?

Ondina não teve tempo de explicar, pois bateram novamente na porta da casa.

Dessa vez foi Ana quem foi atender, mas ela ficou parada na porta da casa, pálida, a ponto de desmaiar.

Era o tarado do garimpo, que falou com afobação:

— Eu vim conhecer meu filho!

Nesse momento Dina partiu para cima dele e só não o pulverizou ali mesmo porque havia perdido seus poderes.

Mas ela continuava sendo boa de briga, então rolou com o tarado pela escada abaixo até o portão principal da casa.

Lá ela começou a estapear o homem, gritando:

— Você tem coragem de aparecer aqui depois de tudo que fez com Ana, seu verme?

Ana e Ondina tentaram separar os dois e quando conseguiram o homem falou:

— Quem é essa louca? Só vim conhecer meu filho! Eu estava procurando por você faz meses, Ana, e só agora encontrei.

Então Elson, que já havia feito um papel ridículo há alguns instantes, sentiu-se o maior corno da história da humanidade e quis resolver no braço o problema do seu orgulho ferido.

— Eu vou te matar! — disse ele pulando em cima do homem, que ainda estava se recuperando do ataque de Dina.

Mas o garimpeiro era muito mais forte que Elson e desferiu um soco tão vigoroso que o fez cair desacordado.

Ondina resolveu intervir, mas antes que ela transformasse o visitante em poeira cósmica, Ana pediu:

— Não faça isso, Ondina, vamos ouvir o que ele tem a dizer.

O homem tentou limpar a sujeira de seu terno e falou:

— Só tem loucos nesse lugar? Eu vim conhecer meu filho e dizer que te amo, Ana.

As três mulheres ficaram mudas ao ouvir isso. O tarado revelou:

— Não esqueci você um dia sequer depois daquele lindo encontro que tivemos.

Elson retomou os sentidos a tempo de ouvir essa última frase. Ele tentou se levantar, mas não conseguiu, pois o soco o deixou atordoado.

Ondina foi ajudar Elson a se levantar e falou no ouvido dele:

— Não deixe esse depravado humilhá-lo em sua própria casa!

— Como assim? — perguntou Elson, não sabendo onde enfiar a cara, já que além de corno poderia estar sendo visto como um fraco.

— Dê uma surra nele! — aconselhou Ondina.

— Mas… — retrucou Elson.

Ondina tentava falar de modo que só Elson ouvisse:

— Vai lá, não seja frouxo!

Elson então tomou coragem e foi para cima do homem com tapas e pernadas. O homem tentou se defender, mas não tinha força suficiente nos braços e nas pernas. Ondina confidenciou para Dina:

— Tirei 50% das forças dele…

— Como você aprendeu a fazer isso? — perguntou Dina, admirada. — Eu não aprendi a usar porcentagens, só consigo inibir totalmente o uso de algum membro. Para mim é tudo 100%.

— Bem, eu atuei parcialmente no cérebro dele, na quantidade certa — respondeu Ondina.

Acontece que mesmo com apenas 50% de sua força o garimpeiro começou a vencer Elson na luta, fazendo-o cair.

— Vou ter que diminuiu ainda mais as forças dele — sussurrou Ondina.

Então Elson levantou-se e atacou o homem novamente, mas o tarado não conseguiu mais lutar e acabou levando uma grande surra.

— Ele mereceu isso! — disse Ondina, apesar dos gritos de “parem com isso” de Ana.

Elson pôs o homem para correr, falando:

— Nunca mais volte aqui, seu maníaco…

O homem foi embora, mas ameaçou:

— Vou acabar com você!

CAPÍTULO 88 – UM DEDO A MENOS

— Ele vai tentar cumprir essa promessa! — disse Ondina, aparentando estar preocupada. — É melhor o senhor se precaver, seu Elson.

— Não tenho medo dele! — disse Elson, sentindo-se o macho dominante.

Dina e Ondina se olharam, pois Elson não sabia o que realmente havia acontecido.

— Ele vai querer pegá-la por costa, “seu” Elson, o senhor vai ter que dormir com um olho fechado e outro aberto — afirmou Dina.

Nesse momento Ana apareceu com o menino no colo. Elson parecia que não querer conhecer o filho que não era dele.

Mas não tinha como não olhar, então ele falou:

— Como ele é bonito! Olha, ele está sorrindo para mim…

Depois de colocar o bebê no colo, Elson perguntou:

— Você vai me aceitar de volta, Ana? Posso ajudá-la a criar essa criança…

Ana não sabia o que falar. Mas a verdade é que assim que ela viu aquele garimpeiro em sua casa, percebeu que tudo que aconteceu entre eles foi realmente obra daqueles demônios das trevas.

Por isso ela respondeu afirmativamente:

— Claro que sim, Elson, eu nunca deixei de amá-lo!

Quando o casal se retirou para o quarto Ondina falou, preocupada:

— Não vou poder desgrudar de Elson, esse homem vai fazer de tudo para matá-lo.

E não demorou muito para o tarado tentar cumprir sua promessa. Dois dias depois, por volta das duas horas da madrugada, Ondina ouviu um barulho numa das janelas da casa.

— Ele está aí! — disse ela para Dina.

— Infelizmente não posso acabar com esse crápula — lamentou Ondina.

— Concordo, os anciãos celestes podem colocar a culpa em mim.

— Tudo bem! — concordou Ondina. — Não vamos exterminar a peste, mas vou dar uma boa lição nele.

Daí a pouco o garimpeiro conseguiu arrombar a janela e apareceu na sala da casa, com um revólver na mão.

Mas antes que ele arrombasse a porta do quarto do casal, Ondina cortou a frente dele falando:

— Acho melhor o senhor ir embora ou vai se arrepender.

O homem apontou a arma para Ondina e tentou atirar, mas a arma atingiu uma temperatura tão alta que ele teve que soltá-la.

Ocorre que quando a arma caiu no chão caiu também um dedo da mão dele. O tarado começou a gritar de dor, acordando toda a vizinhança.

Ana e Elson apareceram na sala e deram de cara com o invasor chorando de dor, mas antes que Elson fosse para cima dele Dina falou:

— Pode deixar, “seu” Elson, vamos chamar a polícia!

O homem pegou seu dedo do chão e colocou no bolso, mas Ondina revelou:

— Não adianta, não vai ser possível colocar de volta!

O homem olhou para a sua mão e ela estava totalmente cicatrizada, como se aquele acidente tivesse acontecido há muitos meses.

— Infelizmente o senhor será aleijado pelo resto da vida! — disse Ondina, completando:

— Mas o senhor pediu por isso, como ousa invadir uma residência assim?!

Ainda contorcendo de dor o homem falou:

— Eu me apaixonei por essa mulher! Preciso dela! A minha vida não tem sentido sem ela!

Ana tentou resolver o problema:

— Esqueça que eu existo, senhor… nem sei seu nome.

— Odair a seu dispor — apresentou-se ele.

— Então, senhor Odair, saiba que eu não sinto nada pelo senhor, nunca senti e o que houve entre nós foi obra de demônios.

— Foi isso mesmo! — concordou Dina, que já havia ligado para a polícia.

— Que história é essa de demônios?! — perguntou o homem, assustado.

Dina explicou:

— Eu tenho o dom de ver o mundo espiritual e conversei com os seres das trevas que foram os responsáveis pelo que aconteceu entre vocês. Mas eles já foram devidamente castigados.

— Vocês são loucos! — gritou ele. — Vou embora daqui antes que a polícia chegue…

— O senhor não vai a lugar algum! — disse Ondina.

O homem tentou correr, mas suas pernas bambearam e ele caiu no chão.

— Não consigo mover minhas pernas! — gritou ele.

Daí a pouco a polícia chegou. Depois que foi algemado, as pernas do homem voltaram a funcionar “milagrosamente”.

Ao se colocar em pé ele ameaçou:

— Não pensem que isso vai ficar assim, vou voltar e acabar com todos vocês!

Um dos policiais resolveu explicar para o homem o que iria acontecer:

—O senhor vai responder por invasão de domicílio, tentativa de assassinato e ameaça, está entendendo?

— Acho que ele não tem autorização para portar essas armas! — lembrou Ondina, tentando aumentar o tamanho da folha corrida do invasor.

Quando o carro de polícia estava saindo todos puderam ouvir os gritos vindos lá da rua:

— Eu te amo, Ana, não posso viver sem você!

CAPÍTULO 89 – DOIS DEDOS A MENOS

No dia que Natanael fez seis meses, Ondina falou:

— Precisamos ficar atentos novamente!

Elson não gostou de ouvir aquilo:

— Por que você está falando isso, Ondina?

— O “tarado” está saindo da cadeia.

— Como ele conseguiu isso? — perguntou Elson. — Não é possível que ele tenha ficado tão pouco tempo preso.

— Pelo jeito ele vai responder ao processo em liberdade — disse Ana. — Deve ter conseguido um bom advogado…

Nos próximos dias Ondina não desgrudou de Elson. Ela podia sentir o garimpeiro nas imediações, com o coração pulsando de ódio e vingança.

— Preciso ir no banco! — afirmou Elson.

— O senhor se esqueceu do perigo que está rondando sua vida? — lembrou Dina.

— Não posso viver escondido. Além disso, vocês viram a surra que eu dei nesse cara!

Ondina balançou a cabeça e anunciou:

— Eu vou com o senhor!

— Tudo bem, se acha necessário. Mas nunca pensei de ter guarda costas, principalmente do sexo feminino.

Eles pararam o carro nas imediações do centro da cidade e estavam caminhando até o banco quando um transeunte falou para Elson:

— Você está mexendo com a minha mulher?

— Eu não fiz nada! — disse Elson, que havia ouvido um assovio.

A mulher do rapaz pediu:

— Deixe isso para lá, amor, não vá brigar…

Mas o rapaz não a deixou terminar a frase e partiu para cima de Elson, que procurou se defender como pôde.

Ondina resolveu deixar o barco correr por alguns instantes, afinal de contas Elson precisava aprender a se defender, já que havia se transformado em um imã de encrencas.

Assim que Elson apanhou um pouco Ondina falou, arregaçando as mangas da sua blusa:

— Por que você não vem brigar com alguém do seu tamanho?

O rapaz resolver dar um soco em Ondina, enquanto sua namorada falava:

— Por favor, bem, não vá bater em mulher.

Mas Ondina desviou-se do soco e deu-lhe um forte tapa na cara. O rapaz quase caiu e voltou a atacar Dina, que novamente se desviou e acertou-lhe outro tapa.

Em instantes uma multidão surgiu do nada e ficou por ali, assistindo à briga.

— O cara está apanhando da mulher! — gritavam.

Então as pessoas começaram a aplaudir cada vez que Ondina acertava um tapa na cara do rapaz, que não aceitava apanhar de uma mulher e não queria desistir da luta.

Até que ele apanhou tanto que caiu desmaiado.

Uma senhora que estava por ali veio até Ondina e levantou seu braço em sinal de vitória, como fazem nas lutas profissionais.

De repente ouviu-se um tiro, que acertou o braço de Elson.

Ondina havia se distraído e não percebeu a chegada do garimpeiro, que estava decidido a matar Elson.

Mas Odair não teve tempo de dar um segundo tiro, pois novamente a arma aqueceu em sua mão e teve que ser jogada no chão.

Um menino gritou:

— Olha mãe, um dedo do cara caiu junto com o revólver!

CAPÍTULO 90 – O ESCOLHIDO

Depois de ser medicado Elson voltou para casa e falou:

— Ainda bem que o tiro pegou de raspão, vou sobreviver…

— Ainda bem! — comemorou Ana, que já havia sido informada pelo telefone do ocorrido.

— Achei estranho a polícia não ter prendido de novo aquele desgraçado! — disse Elson.

— Eu sei o que aconteceu! — revelou Ondina, explicando:

— Ele achou um diamante valioso, está rico!

— Você está dizendo que ele comprou a polícia? — perguntou Ana.

Ondina balançou a cabeça afirmativamente e falou:

— Portanto, só tem um jeito de resolver isso…

— O que você está pretendendo fazer? — perguntou Dina, já sabendo a resposta.

— Vou acabar com ele…

Nessa hora eles ouviram uma voz:

— Vocês precisam fazer tanto barulho?!

A voz parecia de Lani e vinha da cozinha. Todos correram até lá.

— Aceitam uma xícara de chá?

— Lani, você voltou! — gritou Dina.

— Sim, aqui estou eu! — respondeu Lani, abraçando as amigas.

— Venham comigo no quintal — disse Lani, puxando Ana pelo braço.

Quando chegaram lá viram uma estranha jaula ao lado da piscina.

— O que é isso? — perguntou Ana, assustada.

— Vim buscar um representante dos seres humanos. Essa gaiola é para ele não escapar durante a viagem.

— Isso não é certo, Lani — disse Ana, em tom de reprovação. — Não podemos aprovar uma coisa dessas…

— Vocês não colocam animais em jaulas para serem vistos pelas pessoas? — perguntou Lani.

— Mas são animais…

— E o que vocês acham vocês que são? — brincou ela. — Fazemos isso no meu planeta também e precisamos de um representante da terra para enriquecer o projeto.

— Vai me dizer que você vai levar um casal de seres humanos para procriarem lá?

— Nunca! — gritou Lani. — Vou levar um só para não ter perigo disso acontecer. Nosso mundo já está populoso demais.

—Espero que não tenha pensado em nenhum de nós — disse Ana, fazendo cara de medo.

— Eu não quero ir! — adiantou Elson, já se preparando para sair correndo.

— Preciso que me ajudem a encontrar alguém — pediu Lani.

— Não conte comigo! — respondeu Ana. — Não vou participar de um sequestro.

— Nem eu! — disse Dina. — Além disso, não posso decepcionar a cúpula celestial.

— Eu posso ajudá-la! — informou Ondina. — Não tem nada que me impeça de ajudar a livrar a terra de um traste…

— Vocês construíram um zoológico universal? — perguntou Ana, curiosa.

— Sim, é um parque temático maravilhoso que deverá faturar bilhões por ter uma espécie alienígena de outro universo.

— Muito interessante isso! — ironizou Ana. — Seria bom se também pudéssemos trazer um espécime da sua raça para colocar em algum zoológico da terra.

Lani fez de conta que não ouviu isso:

— Quem será seu indicado? — perguntou ela para Ondina, completando:

— Vamos atrás dele logo, preciso cumprir prazos contratuais e…

— Não vai ser preciso ir atrás dele — informou Ondina. — Ele está vindo para cá!

Ana já sabia quem era o escolhido:

— Vai me dizer que é quem eu estou pensando? — perguntou ela.

— É esse mesmo! — afirmou Ondina.

— Pode nos dizer de quem se trata? — perguntou Elson, também desconfiando da escolha de Ondina.

— O “tarado”, quem mais poderia ser?

CAPÍTULO 91 – A ARMADILHA

— Vão dar um passeio no shopping! — ordenou Lani para Ana, Dina e Elson. — Deixem que eu e a Ondina cuidamos de tudo aqui.

— Tudo bem, assim eu não faço parte de uma coisa tão errada como essa — recriminou Ana, completando:

— Eu devia chamar a polícia, mas não iria adiantar, vocês duas iriam deixar os policiais pregados no chão, tentando usar armas travadas…

— Eu até participaria da festa, mas estou de condicional — falou Dina, fazendo cara de tristeza.

Elson também se manifestou:

— Eu não estou em liberdade condicional, mas não compactuo com esse tipo de atitude delinquente!

Assim que eles saíram para o passeio forçado, Lani e Ondina começaram a colocar o plano em ação: elas inseriram a jaula dentro do banheiro do quarto do casal e se deitaram na cama deles para esperar o invasor insistente.

De lá elas o escutaram arrombando a porta dos fundos e o viram entrar armado, dessa vez com uma arma em cada mão.

Não demorou muito e o homem invadiu o quarto chutando a porta e apontou o revólver para as duas mulheres que estavam na cama.

— O que vocês estão fazendo aqui, suas lésbicas?! — gritou ele, perguntando também:

— Onde está aquele corno?

— Por que você quer saber onde Elson está? — perguntou Lani calmamente, acariciando os cabelos de Ondina.

— Não seja idiota, é claro que é porque quero matá-lo. Diga onde ele está ou quem vai morrer é você!

Lani respondeu com pouco caso:

— Tudo bem, estou cansada de viver!

O homem fez menção de atirar, mas Ondina falou:

— O senhor não tem amor pelos seus dedos?

Nesse momento Odair se lembrou que já havia perdido um dedo de cada mão tentando atirar em Elson.

Lani então falou:

— Não estrague mais o produto, Ondina. A falta de dois dedos ainda é aceitável, ninguém vai notar, mas se tirar mais um não vai dar, vamos ter que escolher outra presa.

— Do que vocês estão falando, suas vadias?! Quero saber onde está o corno…

Ondina fingiu que não ouviu estas palavras e falou:

— Posso tirar uma parte do corpo que não fica visível — disse ela, ameaçando mover seu braço na direção do homem.

— Não!!! — gritou Lani com desespero. — Também não quero levar um eunuco!

O tarado perdeu a paciência:

— Olhem para isso suas malucas!

Lani e Ondina viram o homem tirar uma bomba do bolso. Ele falou:

— Isso é uma granada! Ou vocês falam onde está aquele idiota do Elson ou explodo esse quarto com vocês dentro.

As duas então fingiram que ficaram morrendo de medo:

— Não faça isso, por favor! — gritou Lani.

— Sim, nós falamos, mas por favor, não exploda tudo!

— Então desembucha logo sua vaca! — gritou o invasor.

Lani apontou para o banheiro e falou baixinho:

— Eles estão aí!

O homem correu e entrou no banheiro, mas não deu tempo de voltar.

Lani acionou a porta da jaula e trancou por fora.

CAPÍTULO 92 – HUMANO

— Veja pelo lado bom, Ana, o pai do seu filho é o homem que viajou mais longe na história da humanidade, o único que foi para um universo tão distante que ninguém sequer sabe que ele existe.

Era Dina, tentando consolar Ana, que apesar de dizer que não gostava do tarado, ficou chorando quando soube que Lani já tinha ido embora com ele.

— É questão de humanidade! — disse ela.

— Lani nem quis se despedir de nós? — perguntou Elson.

Ondina explicou:

— Ela disse que não tinha tempo de esperar vocês voltarem, mas que virá nos ver em breve… Bem, ela disse que será em breve, mas…

— Mas o que? — perguntou Ana, tentando enxugar as lágrimas.

— O “em breve” dela será daqui a um bom tempo… — explicou Ondina.

— Seja mais específica, por favor — pediu Dina.

— Bem, ela disse que virá para o casamento de Ondina!

— Você está noiva, Ondina? — perguntou Elson, que não sabia o que estava acontecendo.

— Não, “seu” Elson. Ondina só vai se casar daqui a uns 50 anos.

Ondina começou a rir:

— Gente, ainda não entendi como vou me casar, já que não sou nem anjo, nem allodapia, nem humana. Nem sei o que eu sou.

— Você é uma espécie que ainda não foi catalogada pela ciência! — brincou Dina.

— Posso ensinar você a ser uma boa esposa — ofereceu-se Ana.

— Terá que ser você mesma, Ana, porque eu não saberia ensinar esse tipo de coisa — disse Dina, dando uma gargalhada.

— Eu sempre falei que anjos não têm sexo — revelou Elson. — Aí está a prova, Dina está apenas disfarçada de mulher.

— Eu também estou disfarçada! — disse Ondina. — Na verdade, eu poderia ser qualquer coisa, até um robô ou um esqueleto.

Todos riram dessas palavras de Ondina.

— Eu gostaria de saber como o tarado está se saindo em sua nova moradia pós buraco negro — falou Dina, mostrando-se curiosa.

Ondina então olhou para cima e afirmou:

— Eu posso ver!

— Como assim?! — perguntou Dina, incrédula. — Você virou vidente interuniversal?!

— Coloquei uma marca nele antes deles irem embora. Então posso ver o que acontece alguns metros ao redor dele, esteja ele onde estiver.

— Que coisa maravilhosa, Ondina, poderia me ensinar a fazer isso? — pediu Dina.

— Quando seus poderes voltarem poderei sim! — prometeu Ondina.

— Então nos diga onde está o tarado e o que ele está fazendo agora?

— Bem… — balbuciou Ondina, virando o rosto para o lado. — Agora ele está no banheiro…

— Banheiro?! — exclamou Elson, tentando se acostumar com as loucuras sobrenaturais de Ondina. — O que ele está fazendo lá?

— Vamos esperar ele sair — pediu Ondina.

Daí a pouco ela falou:

— Ele saiu e veio até a parte frontal da jaula, de onde está gritando em português: “Me tirem daqui!”.

— Coitado! — lamentou Ana, explicando o motivo de sua piedade:

— Isso é deprimente para a nossa espécie!

— Tem uma família se aproximando da jaula — anunciou Ondina.

— O que eles estão falando? — perguntou Ana, curiosa. — Você consegue entender o que eles falam?

— Consigo sim, é uma língua diferente dessa de vocês, mas estranhamente consigo entender tudo.

— Você foi feita por uma allodapia daquele universo, então deve ter os códigos linguísticos dela em sua mente.

— A mulher está falando alguma coisa, deixem-me ouvir:

Todos se calaram, curiosos. Dina começou a traduzir o que a mulher falava lendo a descrição em uma placa:

— “Espécie: Humano. Taxonomicamente: Homo Sapiens. Surgiu no planeta Terra do Universo Alternativo e se espalhou por todos os continentes, havendo hoje um número estimado de oito bilhões de exemplares. Possui cérebro desenvolvido, capacidade de raciocínio e linguagem complexa. É forma dominante de vida biológica no planeta…”

Dina parou e falou:

— A mulher foi interrompida por seu filho, que está falando alguma coisa…

Ela escutou por alguns segundos e repetiu o que a criança falou:

— “Mãe, olha que interessante, os humanos têm 4 dedos em cada mão e cinco em cada pé!”

CAPÍTULO 93 – VIDÊNCIA

— Precisamos nos afastar da família de Ana! — revelou Dina no meio da noite, quando estava sozinha com Ondina.

— Eu já tinha pensado nisso! — respondeu Ondina, pensativa.

Dina expôs sua teoria:

— Natanael não pode nos conhecer durante sua vida. Ele não entenderia o fato de não envelhecermos, e mais, de você se casar com o filho dele.

— Você raciocinou bem! — elogiou Ondina. — E mesmo que ele compreendesse, nosso plano perderia a razão de ser.

Dina concordou, falando:

— Qualquer desconfiança de que haverá algo armado nosso plano irá por água abaixo. Tudo tem que parecer natural.

— Concordo! — disse Ondina. — Abel terá que se apaixonar por mim naturalmente…

— Abel?! — Como você sabe que esse será o nome do tirano? Isso não foi revelado até agora…

— Eu consegui ver! — exibiu-se Ondina. — Tenho aprimorado meus poderes…

— Tudo bem, senhora vidente! — brincou Dina. — O tempo dirá se está certa!

— Vamos falar com Ana e Elson — sugeriu Ondina. — Eles entenderão os motivos do nosso afastamento.

— Na verdade, não precisamos nos afastar completamente — raciocinou Dina. — Poderemos ficar por perto, protegendo-os sempre que for necessário.

Após pensar um pouco, Dina perguntou:

— O que mais você consegue ver em sua bola de cristal?

— Vejo algumas coisas! — respondeu Ondina. — Posso ver boa parte dos acontecimentos que não podem ser alterados. Outros não consigo ver, porque ainda não estão perfeitamente delineados no espaço-tempo.

— Por favor, o que você vê que não pode ser mudado? — pediu Dina. — Estou curiosa!

— Coisas sem importância — respondeu Ondina. — Por exemplo, a diretora Mariana venderá a escola assim que terminar de cumprir o acordo que fez com você.

Dina achou interessante a revelação, apesar de banal.

— Ela tem cumprido religiosamente os depósitos que combinamos — informou ela. — Todos os meses me envia o comprovante.

— O mais interessante ainda não falei — afirmou Ondina. — A compradora do imóvel será a professora Claudete, que transformará o local numa igreja.

Dina ficou parada, olhando para nada em um espaço vazio. Depois de um tempo ela falou:

— Espero que Claudete não invente uma nova religião, dessas cujo único propósito é tirar dinheiro do povo.

— Acredito que não! — disse Ondina. — Claudete me parece muito bem intencionada e arrependida dos seus erros.

— Fico feliz em ouvir isso! — exclamou Dina, sorrindo. — Você tem mais alguma revelação bombástica?

— Vejo algumas coisas sobre Natanael — respondeu Ondina. — Ele irá fazer faculdade no Rio Grande do Sul, onde abrirá uma empresa e ficará muito rico.

Dina ficou admirada novamente:

— Você está me surpreendendo a cada minuto, Ondina. Quer dizer que o tirano iniciará sua carreira política no sul do país?

— Ele tentará, mas nossa missão é impedir! — afirmou Ondina, mostrando-se envolvida com sua missão.

De repente Dina percebeu que aquilo não era tão bom quanto parecia.

— Preciso que você me diga como está conseguindo adivinhar essas coisas…

Ondina não queria falar, mas não teve jeito.

— Bem, eu… estou captando a mente de um espírito pitônico…

“Espírito pitônico” é um termo que se refere à Pitoniza, profetiza que consultava o deus adivinhatório Apolo em Delfos, na Grécia. Dina não gostou daquilo:

— Isso não é certo, Ondina, você está usando um demônio para descobrir coisas…

Ondina se defendeu:

— Para mim não existe certo e errado, Dina. Eu não preciso dar contas para ninguém, não vou para o céu nem para o inferno depois que morrer, aliás, nem sei se algum dia vou morrer…

Dina balançou a cabeça, pois não adiantaria dar conselhos para Ondina para mudar de conduta.

Ela não lhe obedeceria.

CAPÍTULO 94 – O DISCURSO

Ondina estava no meio de uma grande plateia. Por volta de duzentas pessoas ouviam um rapaz que falava entusiasticamente num palco improvisado.

O discurso era impactante, sem palavras rebuscadas, porém com extrema seriedade. O carisma do orador era capaz de ganhar a admiração do público.

A linguagem corporal e o contato visual faziam com que as pessoas fixassem nele sua atenção, cativadas pela postura e entonação do rapaz.

O resultado foi que o público respondeu afirmativamente ao discurso inflamado e contundente de Abel. Ondina conseguiu ir para bem perto do palco e começou a gritar:

— Abel, Abel, Abel!!

Dessa forma ela chamou a atenção para si, fazendo com que o rapaz fixasse o olhar nela.

A exuberância de Ondina era máxima. Com um sorriso cativante, ela poderia ser considerada a mulher mais perfeita do mundo, visualmente falando.

Por isso, quando todos estavam indo embora, Abel correu atrás dela, alcançando-a antes que atravessasse a rua para chegar em um ponto de ônibus.

— Oi, tudo bem? — perguntou o rapaz.

—  Tudo bem e você? — respondeu Ondina.

— Vi que você gostou do meu discurso, de que turma você é?

— Não estudo nessa faculdade — respondeu ela. — Eu estava passando na rua e como o portão estava aberto resolvi entrar para ouvir seu discurso.

— Podemos conversar melhor? — perguntou ele. — Você tem algum compromisso para essa noite?

— Infelizmente sim! — respondeu Ondina. — Estou viajando para São Paulo hoje, mas voltarei dentro de alguns meses.

— Vou deixar com você meu telefone, se puder me ligar ficarei feliz de conhece-la melhor — disse o rapaz.

Eles se despediram e Ondina foi se encontrar com Dina, que estava ali perto.

— O primeiro passo está dado! — informou Ondina.

— Agora vamos esperar o momento certo de você aparecer de novo! — comemorou Dina.

— Tomei uma decisão hoje! — confidenciou Ondina. — Não vou me casar com o tirano.

Dina deu um grito:

— Como assim?!! E a nossa missão, como ficará?

— Já planejei tudo, vamos resolver o problema sem que eu precise fazer tal sacrifício.

Dina fingiu não entender:

— Por que sacrifício? Abel é considerado pelas mulheres como um homem bonito e…

— Eu não conseguiria dar um beijo nele, quanto mais ter relações sexuais com aquilo — disse Ondina, fazendo cara de nojo.

— Eu entendo você! — afirmou Dina. — Eu também não conseguiria, os humanos são repugnantes neste aspecto…

Ondina então falou:

— Não se preocupe, Dina, tenho um plano que vai funcionar direitinho.

— Pode me adiantar alguma coisa? — pediu Dina.

— Não tem nada de mais, apenas vou aparecer na hora certa e impedir que ele seja eleito.

Dina ficou olhando para Ondina, pensativa, então falou:

— Espero que você esteja certa, milhões de vidas dependem disso!

CAPÍTULO 95 – QUEDA NAS PESQUISAS

Abel estava disparado nas pesquisas eleitorais para prefeito de uma das maiores cidades do Estado.

— Oitenta por cento das intenções de voto! — exclamou ele ao ver seu nome na primeira página do jornal. — Nada poderá me impedir de ser eleito!

Dina também viu a notícia e perguntou para Ondina:

— Faltam dez dias para as eleições, será que não é hora de agir?

— Vamos esperar mais dois ou três dias — disse Ondina, mostrando estar no controle da situação. — Não podemos dar tempo de recuperação para ele.

— Espero que você saiba o que está fazendo, Ondina, se falharmos poderei ter minha sentença revista. O perigo do abismo ainda não está totalmente afastado.

— Não estou pensando em você, Dina, mas no povo que irá morrer devido às loucuras do tirano…

— O que?! — gritou Dina começando a chorar.

— É brincadeira, querida Dina. É claro que estou preocupada com você!

Elas se abraçaram e foram fazer compras.

— Preciso ficar exuberante para cativar aquele maluco — disse Ondina quando estavam entrando numa loja.

Dois dias depois Ondina ligou para Abel:

Após fazê-lo se lembrar dela, Ondina falou que aceitava o convite para jantar com ele.

A escolha do restaurante foi feita a dedo por ela. Um lugar onde o “casal” poderia ser visto por muita gente.

No dia seguinte os jornais noticiavam que o candidato Abel foi visto na noite anterior com uma mulher muito bonita. Fotos do casal apareceram em várias colunas de fofocas e até em um programa televisivo de grande alcance.

— Consegui! — exclamou Ondina. — Saímos sem ter qualquer contato físico.

— O que você inventou para conseguir isso? — perguntou Dina.

— Falei que não estava passando bem… ele entendeu e marcamos novo encontro para amanhã à noite.

— Quando vou entrar em ação? — perguntou Dina.

— Muito em breve — respondeu Ondina.

No segundo encontro do casal, Ondina levantou-se da mesa para ir no banheiro e fingiu que caiu, batendo o rosto em uma parede.

Ela foi socorrida por algumas pessoas que estavam no local. No momento que uma senhora ajudava Ondina a se levantar, algumas fotos foram batidas por Dina.

Mais tarde Dina e Ondina foram ver as fotos.

— Essa está melhor — disse Ondina! — Vamos enviá-la aos jornais.

O resultado foi que no dia seguinte toda a mídia anunciava que Abel havia agredido sua namorada no restaurante.

Os jornais, cuja única intenção é vender exemplares, estampavam na primeira página a foto de Ondina sendo amparada por uma senhora, e Abel ao lado delas com a expressão fechada.

Abel ficou quase doido:

— Eu pensei que nada poderia me derrubar nas pesquisas. Mas em uma hora caí trinta pontos percentuais.

— Você ainda pode vencer — consolou seu assessor. — Ainda estamos na frente!

Dina não gostou nada daquilo.

— Abel ainda está na frente nas pesquisas, precisamos fazer alguma coisa.

Nesse momento o telefone de Ondina tocou. Era Abel, falando:

— Preciso falar com você, alguém espalhou um boato de que eu lhe bati. Preciso que vá a público para desmentir isso.

— Não consigo falar em público, sou tímida — respondeu Ondina.

— Onde você está? Quero falar com você agora…

Daí a pouco eles se encontraram. Abel estava extremamente nervoso e isso fazia parte dos planos de Ondina. Ela precisava fazer com que ele realmente batesse nela.

— Você precisa me tirar dessa! — gritou ele. — Ainda estou um pouco à frente nas pesquisas, mas existe uma margem de erro, por isso estou inseguro.

— Não conte comigo, eu não tive culpa nenhuma, apenas caí…

Abel segurou no braço de Ondina, que o empurrou.

— Não vou falar nada, não insista, não foi minha culpa…

Nesse momento Abel perdeu as estribeiras e desferiu um murro na cara de Ondina, que caiu no chão.

Abel foi embora e Ondina, que fingira estar desacorda, levantou-se e foi se encontrar com Dina.

CAPÍTULO 96 – O VÍRUS

— Vou precisar da filmagem dessa agressão — disse Ondina assim que elas se encontraram.

— Vou ter que falar com um anjo especialista, mas já adianto que isso vai demorar uma semana — informou Dina.

— As eleições vão acontecer em dois dias! — gritou Ondina.

— Não vai dar tempo, os anjos precisam de um certo tempo para concluir um trabalho desses.

O coração das duas gelou.

— Nós falhamos! — gritou Dina, desesperada.

— Não podemos impedir esse calhorda de se eleger — lamentou Ondina.

As duas sentaram-se num banco de uma praça da cidade. Até que de repente ouviram uma voz atrás delas:

— Por que vocês estão chorando, seres ineficientes?

As duas se viraram e gritaram ao mesmo tempo:

— Lani!!

— Não vim para o casamento, como prometi, mesmo porque isso não vai acontecer. Mas vim para ajudá-las a resolver esse problema da eleição do tirano.

Depois de se abraçarem, Lani explicou:

— Trouxe algo que vai ajudá-las.

Lani mostrou um pequeno vidrinho fechado e explicou:

— Aqui tem um vírus do meu planeta. Ele causa dor no corpo e indisposição total por três dias. Quem for infectado com ele não vai conseguir sair de casa para ir votar.

— Mas isso não é perigoso? — perguntou Dina, preocupada com a humanidade.

— Acredito que não — disse Lani, pensativa. — Mais perigoso seria deixar o tirano iniciar uma carreira política meteórica.

— Como vamos saber quem são os eleitores do tirano? — perguntou Dina.

— Vamos ter que sair para a rua e conversar com o povo — disse Lani. — Vamos nos dividir e quando encontrarmos um eleitor dele lançaremos contra ele o vírus sem que perceba.

— Pelos meus cálculos precisamos fazer isso em pelo menos 400 pessoas, para que o tirano não tenha chance alguma de ganhar.

A partir daí as três se dividiram e saíram pela cidade, conversando com as pessoas. Quando encontravam um eleitor do candidato Abel, fingiam que estavam com calor e abanavam as mãos, espalhando sobre a pessoa o vírus.

À noite elas se reencontraram e após fazerem as contas viram que tinha conseguido infectar por volta de 300 pessoas.

— Vamos torcer para dar certo, não temos mais tempo — disse Ondina.

— Não podemos fazer mais nada? — perguntou Dina.

— Tem mais uma coisa — afirmou Lani. — Descobri que tem um pequeno bairro na cidade onde tem por volta de cem eleitores do tirano.

— Mas você não disse que os vírus acabaram? — perguntou Dina. — Como vamos impedi-los de ir votar?

— Eles precisam atravessar uma ponte para chegar ao ponto de votação. Vou derrubar essa ponte.

— Cuidado para não ferir ninguém — pediu Dina, preocupada.

Na manhã seguinte, antes do horário de início da votação, Lani foi até o local e derrubou a ponte.

— Pronto! — informou ela. — Agora não temos mais nada a fazer, só nos resta esperar.

CAPÍTULO 97 – A DERROTA

Depois das 19 horas saiu o resultado da eleição.

— O tirano perdeu por um voto! — comemorou Ondina.

— Um voto! — admirou-se Dina.

Nesse momento elas ouviram uma notícia na televisão: um veículo que se dirigia para o local de votação com eleitores de Abel bateu num poste, causando duas mortes.

Lani tentou disfarçar, mas não conseguiu:

— Você teve algo a ver com isso? — perguntou Dina, admirada.

— Bem… não tinha outro jeito — respondeu Lani. — Fiz uma contagem rápida e vi que Abel iria ganhar por um voto. Consegui inverter o resultado para derrota por um voto.

— Não tinha outro jeito que não causasse nenhuma morte?

— Na verdade não era para ninguém morrer, mas eles estavam correndo demais…

Dina e Ondina foram até Lani e a abraçaram.

— Obrigada, Lani, você nos salvou — disse Dina, aliviada.

— Mas ainda não acabou, Abel vai tentar de novo nas próximas eleições — afirmou Ondina.

Dina então revelou:

— Nas próximas eleições vamos acabar de vez com Abel, nunca mais ele poderá se reerguer depois que apresentarmos ao mundo aquele vídeo.

— Do que vocês estão falando? — perguntou Lani.

— Abel deu um murro em Ondina — informou Dina. — Vamos conseguir o vídeo para encerrar de uma vez por todas a vida política do tirano.

— E onde está esse vídeo? — perguntou Lani.

— Ele ainda não existe, mas um anjo especialista poderá consegui-lo para mim.

Lani ficou admirada com essa possibilidade.

— No meu universo não existe tal coisa. Será que esse anjo não pode me ensinar essa técnica?

— Posso perguntar para ele — disse Dina. — Mas, no nosso caso, o anjo tem que ser criado com esse dom, não é algo que se aprende.

— Eu posso tentar! — disse Lani, confiante.

— Bem, temos mais quatro anos de espera pela frente — disse Ondina com cara de desânimo.

Lani olhou para elas e falou:

— Vamos visitar Ana?

CAPÍTULO 98 – A RENÚNCIA

“Apesar da denúncia de ter agredido sua namorada em um restaurante há quatro anos atrás, o candidato Abel está dez pontos percentuais à frente do segundo colocado.”

A voz vinha da televisão colocada em um bar da cidade onde o tirano era candidato novamente.

Dina falou:

— Esse vídeo vai resolver a questão, dez pontos percentuais vai ser moleza para nós!

Nesse momento Abel vinha passando de carro e viu Ondina ao lado de Dina na rua.

Ele parou o carro e foi falar com ela:

— Você me prejudicou muito, sua vaca. Onde você mora?

— Por que você quer saber? — perguntou Ondina, mostrando-se assustada.

— Se eu perder as eleições de novo vou até o inferno para acabar com você.

— Por que não faz isso agora? — disse Ondina, empinando o nariz. — Afinal de contas você perderá novamente!

— Estou dez pontos percentuais à frente do segundo colocado, como vou perder?

— Olhe para isso! — disse Ondina, mostrando um vídeo em seu celular. Era o vídeo de Abel dando um murro nela.

— Vou mandar isso para a imprensa, você será desmoralizado e não terá chance de vencer!

— Sua cadela, você filmou aquilo? Vou matar você…

— Se me matar esse vídeo vai parar na imprensa ainda hoje. Deixei uma cópia com um amigo que está muito bem orientado a agir se eu morrer ou desaparecer.

Abel estava suando. Ele falou:

— Você acabou com a minha carreira política. Por que fez isso?

— Você ia fazer coisas muito ruins, Abel, milhões de pessoas iriam morrer.

Abel então confidenciou:

— Eu tive alguns sonhos estranhos nesse sentido. Sonhei que eu era presidente e havia declarado guerra contra os Estados Unidos…

— Você ia dizimar um terço da população do país. A minha missão é impedir isso…

— Por que você simplesmente não me falou tal coisa quando nos conhecemos?

— Não iria adiantar, você iria seguir em frente de qualquer forma. Agora não poderá fazer nada, pois tenho tudo que preciso para impedi-lo de ganhar qualquer eleição pelo resto da sua vida.

— Vou ter que desistir dos meus planos — lamentou ele.

— Sugiro que renuncie à candidatura e vá visitar sua avó! Há quanto tempo você não a vê?

— Você conhece minha avó? — perguntou Abel.

— Sim! — respondeu Ondina. — Estudei com ela num curso de gastronomia.

Abel ficou pensando. Como ela poderia ter estudado com sua avó, que já era idosa, sendo ela tão nova?

Ondina percebeu que falou besteira e tentou mudar de assunto:

— Se quiser desistir da eleição eu não apresento esse vídeo à imprensa.

— Tudo bem! — concordou Abel. — Vou desistir ainda hoje e vou visitar minha avó! Mas você vai comigo para eu entender o que está acontecendo!

Nesse momento, Dina que estava ali perto se aproximou deles. Ondina falou:

— Quero lhe apresentar minha amiga Dina, ela também conhece sua avó.

— Quem são vocês? — perguntou ele. — Parece que tem algo estranho no ar…

— Nós estamos aqui para salvar o país de você! — informou Dina.

— Vocês conheceram meu verdadeiro avô? — perguntou ele. — Meu avô Elson me contou que eu não sou neto dele e sim de um estuprador.

Dina e Ondina não sabiam o que dizer. Abel insistiu:

— O que aconteceu com ele? Nunca ninguém soube me informar e vocês parecem saber.

— Ele foi levado para um zoológico em outro planeta! — disse Dina à queima roupa.

— O que?! Preciso ir lá salvar ele.

— Não tem jeito — informou Ondina. — Você teria que passar por dentro de um buraco negro e só Lani consegue fazer isso.

— Quem é Lani? — perguntou Abel, cada vez mais intrigado com essa história toda.

— Lani é quem sequestrou seu avô e levou-o daqui.

— Vou matar essa bandida! — gritou Abel.

— Não é possível fazer isso, ela tem muito poder — informou Dina.

Abel começou a chorar.

— Olha, eu desisto de me candidatar, eu desisto de tudo nessa vida, mas quero salvar meu avô.

— Podemos conversar sobre isso com ela — disse Ondina.

Abel então falou:

— Por favor, façam isso, eu não conseguiria viver pensando que meu avô está em uma jaula de zoológico em outro planeta.

— Vamos tentar! — disseram elas.

— Você não está magoado com a gente? — perguntou Dina.

— É claro que não, vocês me salvaram de virar um monstro e salvaram o país de uma catástrofe sem precedentes.

— Ainda bem que você entendeu! — elogiou Ondina.

— Eu já havia sido procurado por um homem estranho. Ele parecia possesso e me dizia para não deixar de lutar pelos meus ideais…

— Ele realmente estava possesso! — informou Dina. — Todo o inferno estava do seu lado, para que você realizasse seus intentos.

— Como vocês duas derrotaram o inferno? — perguntou ele.

Dina então falou:

— Nós temos a colaboração dos anjos. Aliás, eu mesma sou um anjo…

— Você é um anjo?! — admirou-se ele. — E Ondina, o que ela é?

— Acho que sou uma allodapia, mas não tenho certeza — respondeu Ondina.

— O que significa isso?

— É um ser de outro universo — explicou Dina.

— Quero saber de toda essa história — disse Abel.

— Que tal se reuníssemos toda a família na casa de sua avó. Lá poderíamos contar tudo.

— Pode ser — concordou Abel. — Vou ligar para o meu pai.

CAPÍTULO 99 – REUNIÃO FAMILIAR

No dia seguinte, todos eles estavam na casa de Ana e Elson.

Sentados na sala, eles colocaram Natanael e Abel a par de toda a situação.

Foram duas horas de conversa eletrizante, onde tudo foi esclarecido.

Abel soube a respeito dos dois homens cujos descendentes poderiam matá-lo, mas os anjos que os protegiam foram derrotados e eles morreram.

Ele ficou estarrecido de saber que era conhecido no mundo espiritual como “o tirano” desde muito antes de nascer.

Natanael disse para Abel desistir realmente da política e ajudá-lo em uma de suas empresas:

— Esse sempre foi o meu sonho, mas você queria ser político! — afirmou Natanael.

— Eu mudei de ideia — afirmou Abel. — A partir de agora prefiro ser empresário.

De repente bateram na porta da casa. Ana foi atender e viu um senhor de idade parado em frente à porta.

— Quem é você e o que quer? — perguntou ela.

— Sou Odair, vim me desculpar! — disse ele.

Elson gritou da sala:

— Quem está aí?

Nesse momento Ana apareceu na sala com Odair, falando:

— Você queria conhecer seu avô verdadeiro, Abel. Aí está ele!

Dina se admirou, mas Ondina já sabia que isso ia acontecer.

— Lani o libertou! Eu pedi a ela…

Então uma voz veio da cozinha:

— Eu só aceitei trazê-lo de volta porque ele está muito velho, então preciso substituí-lo por um exemplar mais novo.

Natanael e Abel deram um pulo do sofá. Eles não conheciam Lani e acharam estranho ela aparecer dentro da casa dessa forma.

—Não reparem eu ter entrado pelos fundos e…

— Lani tem esse costume de entrar onde ela quer quando quer — informou Ana.

Abel sentiu o sangue ferver:

— Você sequestrou meu avô! Vou matar você, sua vaca!

Ele tentou partir para cima de Lani, mas seus pés não saíram do lugar. Dina falou:

— Nem tente fazer nada contra ela, Abel. Essa mulher derrotou três anjos da morte, ninguém pode com ela.

— Nem isso? — disse ele, puxando seu revólver e tentando atirar.

Mas sua arma, além de ter travado, ainda aqueceu a ponto de derreter e cair no chão, queimando a mão dele.

Odair então mostrou suas mãos, falando:

— Não tente nada contra essas malucas, Abel, eu perdi dois dedos tentando matar esse aí…

Odair apontou para Elson, que falou:

— Conte para eles como foi a surra que eu dei em você!

Odair respondeu:

— Vendo essas suas amigas agora eu consigo perceber porque você bateu em mim. Elas tiraram minhas forças…

— Vocês fizeram isso? — perguntou Abel, que estava com muita raiva de tudo que estava acontecendo ali.

— Eu fiz! — disse Ondina. — Eu posso fazer o que eu quiser relacionado aos humanos, vocês não podem me matar e não podem me vencer.

— Deem graças a Deus que não somos seres do mal, apenas somos justas! — afirmou Dina.

Lani tentou consertar:

— Veja bem, Abel, estamos aqui em paz. Viemos realizar uma missão, que era salvar o mundo das suas loucuras futuras. Portanto, pare de falar besteiras e nos respeite. Não vou suportar nenhuma malcriação sua.

— Elas nos ajudaram muito — disse Ana. — Se não fosse por elas nenhum de nós estaria aqui hoje.

— Eu estaria! — retrucou Abel. — Elas nunca me salvaram de nada.

— Mas elas salvaram a minha vida várias vezes, inclusive quando os anjos da morte vieram me buscar. Se eu tivesse morrido, você e seu pai nem teriam nascido…

— Tudo bem… — resmungou Abel. — Não posso fazer nada contra vocês mesmo. Mas se pudesse fazer podem estar certas que eu mataria vocês três agora mesmo e…

Abel tentou continuar falando, mas não conseguiu, ficou sem voz. Ele se esforçava para falar, contorcendo-se como um louco, mas não conseguia.

— O que vocês fizeram? — perguntou Natanael.

— Ele vai ficar mudo por três dias, para aprender a pensar antes de falar besteiras.

— Vocês vão me pagar…

— Não fale nada, Natanael! — pediu Ana. — Senão você vai ser castigado também.

— Podem me castigar, então, mas não vou deixar essas vadias tratarem meu filho assim.

Natanael partiu para cima de Lani, mas suas pernas perderam as forças e ele caiu como um paralítico no chão.

Lani então falou:

— Vamos embora, pelo jeito não somos bem-vindas aqui.

—  Quanto tempo meu filho vai ficar assim? — perguntou Ana.

— Ele vai voltar ao normal assim que formos embora — respondeu Lani.

As três estavam saindo quando olharam de novo para Abel. Ele estava se contorcendo, olhando para elas com ódio, tentando se livrar dos pés presos no chão para atacá-las.

— Você está pensando o mesmo que eu? — perguntou Ondina para Lani.

— Estou sim! — respondeu ela.

CAPÍTULO 100 – PEÇA-CHAVE

Depois que as três mulheres foram embora levando Abel, Ana falou para os que ficaram:

— Nós não podemos com elas, são muito poderosas!

— Elas se sentem deusas — contestou Natanael, rosnando de raiva. — Levaram meu filho…

— Ele vai ficar no meu lugar no zoológico — disse Odair. — Não é tão ruim, tem muita coisa boa para comer, a gente vê seres diferentes o dia todo e recebe muitos elogios…

— Meu filho vai ser animal de zoológico?! — gritou Natanael. — Ainda bem que a mãe dele morreu no parto, para não ter um desgosto desses.

Mas depois de pensar um pouco ele falou:

— Tudo bem, eu sempre duvidei do caráter de Abel, tanto que nunca insisti muito para ele tomar conta de nenhuma das minhas empresas.

— Pelo menos lá ele não vai fazer mal para ninguém — disse Ana, aceitando a situação.

Odair então falou:

— Estou indo embora, não tenho mais nada para fazer aqui.

Elson olhou para ele e disse:

— Venha aqui, quero lhe dar um abraço.

Depois que eles se abraçaram Elson falou:

— Vamos esquecer tudo que aconteceu, eu o perdoo por tudo.

— Eu também o perdoo — disse Odair.

Natanael também se despediu, falando:

— Se tiverem alguma notícia de Abel e dessas três loucas por favor me avisem — pediu ele.

Os anos se passaram e Ana ficou muito doente. Ela já tinha mais de cem anos e os médicos disseram que não havia mais nada a ser feito.

Dina e Ondina bateram na porta da casa e foram atendidas por Natanael.

— O que vocês querem aqui? — perguntou ele. — Minha mãe está morrendo e vocês não são bem vindas.

— Ana gosta de nós e vamos entrar sim, peço que saia da nossa frente — pediu Dina.

O homem não saiu da frente e foi alçado no ar, ficando grudado no teto da sala.

— Onde está Elson? — perguntou Ondina.

— Elson faleceu faz cinco anos! — gritou Natanael lá de cima. — Tirem-me daqui suas loucas…

— Quem sabe se o senhor nos atender bem e for educado nós o façamos flutuar suavemente até o solo sem se machucar.

— Pode ser, vou me comportar — concordou ele.

Daí a pouco os três entraram no quarto. Ana estava consciente, mas a ponto de dar o último suspiro.

— Eles já estão aqui? — perguntou Ana para Dina, quando ela foi abraçá-la.

— Sim! — respondeu Dina. — Mas veio apenas um…

Ondina então falou, olhando para um canto do quarto:

— De modo algum, não estamos aqui para atrapalhar o seu serviço.

— Com quem você está falando? — perguntou Natanael.

— Com o anjo da morte — respondeu ela. — Ele pensou que estivéssemos aqui para impedi-lo de levar Ana.

— Vocês podem fazer isso? — perguntou Natanael. — Se podem salvem minha mãe…

Ana então falou com a voz baixa e arrastada:

— Natanael, elas já me salvaram muitas vezes, agora chegou o momento de partir.

O anjo se aproximou da cama e tocou a mão na testa de Ana, então ela deu o último suspiro.

Dina, Ondina e Natanael começaram a chorar.

Nesse momento Natanael esqueceu as diferenças e abraçou as duas, que o consolaram com amor.

Antes de ir embora o anjo da morte falou:

— Pediram-me para dar um recado a você, Dina, se por acaso a visse.

— Pode falar! — aceitou ela, enxugando as lágrimas.

— Você tem uma nova missão!

— Que missão é essa? — perguntou Dina.

— O planeta está na iminência de um cataclisma global maior que o da extinção dos dinossauros.

— Pode me dizer o que eu posso fazer para ajudar? — pediu Dina.

— A cúpula celestial entrará em contato com você em breve para acertar os detalhes — respondeu ele.

O anjo da morte ficou em silêncio, preparando-se para sair dali. Dina e Ondina ficaram olhando para ele, tristes com a partida de Ana.

Antes de ir embora o anjo olhou para Dina e falou:

— A mulher que será a peça-chave de tudo acabou de nascer!

F I M

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