Lani se jogou no sofá da sala, fingindo estar exausta, e exclamou:
— Vencemos!
Todos se entreolharam, trocando olhares de curiosidade, até que Ana, com uma voz baixa, murmurou:
— Você venceu…
Lani fez de conta que não ouviu e, com um sorriso enigmático, falou:
— Tenho algumas revelações para fazer a vocês…
Imediatamente, todos começaram a falar ao mesmo tempo. Os demônios, visivelmente agitados, não conseguiram conter a ansiedade:
— O que será?
— Vai nos dizer quem você é?
— Estou curioso…
Lani olhou para os demônios com um sorriso travesso e respondeu:
— Vocês podem ir embora, não são convidados para ouvir minhas revelações.
— Por favor, deixe-nos ficar! — imploraram, quase chorando.
Dina, tentando interceder, disse com um tom mais suave:
— Eles nos ajudaram, deixe-os ficar. Senão vão morrer de curiosidade.
Lani parecia impaciente, mas cedeu:
— Tudo bem. Mas depois dessa conversa, quero que desapareçam daqui. Caso contrário, eu mesma os mandarei para o mesmo lugar que os Exousies foram.
— Que horror! Não queremos isso! — gritaram os demônios. — Pode deixar, vamos embora depois, mas, por favor, fale logo!
Lani, com um sorriso que mais parecia um jogo de poder, disse, deixando o suspense no ar:
— Sentem-se para não caírem de costas!
Os demônios, inquietos, começaram a se ajeitar por ali, com expressões ansiosas. Um deles esfregava as mãos, fazendo uma careta tão grotesca que poderia assustar até as pessoas mais corajosas.
Então, com um brilho nos olhos, Lani soltou a bomba:
— Eu criei Ondina!
— O quê?! — gritou Dina, incrédula. — Eu a criei, para ficar ao lado de Ana enquanto eu estava detida no céu!
Lani a olhou nos olhos, desafiando-a:
— Você acha que conseguiria criar um ser tão bem feito assim?
Dina, sem graça, replicou:
— Bem, eu fiz e pronto…
Lani balançou a cabeça com uma expressão séria:
— Não, você não a fez! Vou contar o que realmente aconteceu. Continuem sentados, porque agora vem a segunda revelação!
Os demônios estavam ainda mais tensos, um deles esfregava as mãos nervosamente.
— Eu não sou deste universo! — revelou Lani, provocando uma reação de surpresa em todos.
— Como assim? Você não é da Terra, é isso? — perguntou Ana, com uma curiosidade crescente, sentindo-se cada vez mais à vontade no meio de tantos seres estranhos.
— Exatamente, não sou da Terra! — Lani confirmou, com um sorriso misterioso.
— Você vem de outra galáxia? — perguntou Dina, com um tom de incredulidade.
Lani negou:
— Não, eu sou de outro universo.
— Como assim, existe outro universo além do que conhecemos? — a pergunta de um dos demônios era carregada de incredulidade.
— Claro que existe! — respondeu Lani. — Vocês já ouviram falar de buracos negros?
— Já ouvi falar, sim — respondeu Ana, aparentando estar confusa.
— Eu nunca ouvi falar disso — disse um demônio, totalmente ignorante sobre o assunto. — Nunca estudei astronomia.
Nesse momento Lani soltou uma revelação bombástica:
— Para chegar no universo onde eu nasci é preciso passar por dentro de um buraco negro!
Dina se sentiu fascinada ao ouvir isso e perguntou:
— Como vocês chegaram a esse nível de tecnologia, capaz de atravessar buracos negros? Que eu saiba, um buraco negro é uma região do espaço com uma gravidade tão intensa que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar.
Lani resolveu explicar, mesmo sabendo que pouco do que diria seria compreendido:
— Sim, o buraco negro, situado nas profundezas do cosmos, é uma singularidade gravitacional de proporções inimagináveis. Mas quando eu me refiro a um buraco negro como ponte entre dois universos, eu não estou me referindo a uma simples passagem especial, mas a uma viagem que desafia as leis da física que vocês conhecem. Ao invés de apenas destruir tudo o que cruza seu horizonte de eventos, o buraco negro também abriga um canal multidimensional, acessível apenas por meio de uma tecnologia avançada que combina ciência e consciência.
Dina ficou interessada no assunto e perguntou como era possível atravessar uma região tão inóspita. Lani explicou:
— A travessia começa com a criação de um escudo energético que envolve o corpo, feito de um material etéreo, capaz de resistir às forças titânicas do buraco negro. O viajante entra em um estado de ressonância mental, uma conexão profunda com a vibração do próprio universo, sincronizando pensamentos e emoções a um nível espiritual. Essa sintonia é guiada por cristais codificados, os quais, ao vibrar em frequência específica, ativam portais no núcleo do buraco negro. O tempo, nessa jornada, deixa de ser linear. O viajante experimenta a eternidade e o instante ao mesmo tempo, sendo capaz de perceber cada segundo desdobrando-se em múltiplas possibilidades.
Dina só escutava. Lani respirou fundo e continuou:
— Na saída, um túnel de luz oscilante conduz a um ponto onde as leis de Zaryon, meu universo natal, e de Lúminis, que é o nome que damos ao universo de vocês, se sobrepõem.
Todos ali presentes estavam assombrados com estas revelações. Percebendo que causou um impacto tão intenso, Lani continuou:
— Na verdade, os buracos negros não são apenas poços gravitacionais que sugam tudo ao seu redor, eles funcionam como portais, pontos de conexão entre realidades distintas.
— Vocês precisam de algum material peculiar para auxiliá-los nessa travessia? — perguntou Ondina, querendo aprender mais sobre o assunto, para, quem sabe um dia, fazer essa viagem também.
Lani teve o prazer de responder:
— Sim, utilizamos um veículo chamado Nérix, desenvolvido com materiais que não existem em seu universo, derivado de um mineral nativo de Zaryon chamado Quarion. Esse mineral é capaz de neutralizar a radiação e as forças extremas do horizonte de eventos. A forma do Nérix lembra uma gota de água gigante, ideal para minimizar a resistência nas camadas dimensionais que circundam a singularidade. Forças que destruiriam qualquer matéria comum são absorvidas pelo Nérix e neutralizadas por um campo de estabilização gerado pelos cristais de Quarion.
Essas palavras deram um nó na cabeça de Dina, que resolveu voltar para a realidade atual.
— O que isso tem a ver com a criação de Ondina? — perguntou ela, fingindo que entendeu toda essa explanação.
Lani fez uma pausa, respirando fundo antes de continuar:
— Faço parte de uma equipe que está criando o que vocês poderiam chamar de planetas habitados. São mundos com seres multiformes e inteligentes.
Ela olhou ao redor, observando as reações de todos e prosseguiu:
— Resolvemos visitar o universo de vocês para coletar algumas ideias que poderiam ser úteis no nosso processo de criação de vidas.
Ela fez uma pausa dramática antes de continuar, sua voz carregada de um tom filosófico.
— Quando cheguei aqui, percebi que alguém estava tentando criar uma vida. Era você, Dina, tentando criar Ondina. Você estava desesperada para não deixar Ana sozinha e tentava criar alguém parecido com você.
Lani sorriu, como se estivesse revivendo uma memória.
— Eu observei por um tempo e percebi que aquilo não ia dar em nada. Você conseguiria, no máximo, criar um ser elemental, que deixaria de existir algumas horas depois.
Ela olhou diretamente para Dina.
— Foi então que resolvi criar Ondina. Como eu estava invisível, você pensou que ela fosse fruto da sua criação.
Lani fez uma pausa, como se estivesse desfrutando do impacto de suas palavras.
— Fui eu quem fiz Ondina ter um pouco do seu aspecto e da sua beleza.
Ana, agora entendendo algo que a intrigava, falou:
— Agora eu entendi por que Ondina me deixou vir mancando da escola até em casa e só depois me curou.
Lani sorriu de forma maliciosa.
— Ela tem por quem puxar!
Os demônios, agora totalmente fascinados, começaram a falar entre si:
— Que interessante!
— Que coisa incrível!
— Você é surpreendente!
Lani sorriu, satisfeita com as reações.
— Realmente, sou isso tudo mesmo! —brincou ela, ajeitando o cabelo com um gesto cheio de confiança.
Ondina se levantou lentamente e foi até a janela, com um olhar triste e distante. Dina, percebendo a mudança de atitude, perguntou:
— O que você fez depois que criou Ondina? Ficou aqui observando-a?
— Sim! — respondeu Lani, com um brilho nos olhos. — Fiquei vendo Ondina fazer suas “artes” por aí, enquanto estudava maneiras de aperfeiçoá-la, como fiz agora há pouco, quando tornei possível ela sentir dor e chorar.
— Agradeço por ter nos ajudado — disse um dos demônios, tentando ser educado.
Lani deu de ombros:
— Seja como for, tenho uma solução para o problema que os tem afligido…
Todos a olharam, aguardando, com um misto de ansiedade e expectativa.
— Que solução?! — perguntaram todos ao mesmo tempo.